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sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Intelectuais e Popularidade


INTELECTUAIS E POPULARIDADE
Nildo Viana


É a prova de uma mente inferior o desejar pensar como as massas ou como a maioria, somente porque a maioria é a maioria. A verdade não muda porque é, ou não é, acreditada por uma maioria das pessoas.

Giordano Bruno

O desenvolvimento da sociedade moderna, da tecnologia e dos meios de comunicação possibilitou, na contemporaneidade, a emergência de novos tipos de intelectuais, convivendo com os antigos. Um desses novos tipos é o daquele cujo interesse intelectual principal é a popularidade. Sem dúvida, isso sempre existiu e foi materializado na figura dos intelectuais venais[1]. No entanto, esse novo tipo acaba ganhando novas características, sendo que uma delas é seu vínculo com os meios tecnológicos de comunicação (internet e redes sociais) e sua posição política declaradamente de “esquerda”. Desenvolveremos uma breve análise desse tipo de intelectual nas próximas linhas.

Um dos objetivos fundamentais do “intelectual popular”[2], ou, para usar termo mais adequado, “populista”[3], é a popularidade. Assim, o que interessa é usar o discurso que mais agrada, especialmente ao seu “círculo próximo” (seus pares, ou seja, colegas de trabalho ou profissão, seus contatos e alunos, seus seguidores de redes sociais, seus correligionários, muitas vezes de forma eclética e ambígua, pois necessita “agradar a gregos e troianos”). É por isso mesmo que ele é dado a alianças, com os conservadores em seu local de trabalho e colegas de profissão, pois podem e são úteis para seus interesses pessoais, e também com posições à “esquerda”, nos processos políticos longe do seu local de trabalho, pois faz parte de suas pretensões, estar presente na vida das mobilizações e setores progressistas, seu “público reserva”.

Ao lado da possível busca de dinheiro, fama, etc., esse tipo de intelectual tem na popularidade o seu foco. O número de curtidas em seu facebook é, por exemplo, um medidor importante. A queda do número de curtidas pode significar a necessidade de evitar certos assuntos ou posicionamentos, certos colegas “impopulares” (por serem mais coerentes, por ter determinada concepção política, por sua radicalidade, etc.). Ele está sempre de olho nos modismos, nas correntes predominantes de opinião, na “preferência do público”[4].

O oportunismo é uma das características do intelectual populista. O intelectual populista acaba perdendo sua essência, pois, para parafrasear Marx, “quando mais ele se fia em sua popularidade, menos tem de si mesmo”[5]. Transforma-se, para parafrasear Musil, num “homem sem personalidade”, embora este não precisa ser parafraseado, pois o intelectual populista também é um “homem sem qualidades”, bem próximo ao protagonista do seu romance, só que em versão atualizada e contemporânea.

A motivação fundamental do intelectual populista são seus interesses pessoais: dinheiro, fama, popularidade e outras vantagens derivadas. Como esse tipo é predominantemente masculino, a “conquista de mulheres” entra na lista de alguns deles. Apesar disso esse tipo de intelectual se sente à vontade para falar e acusar os demais de “machismo” e outros termos que agradam parte do seu círculo próximo e que estão em evidência nos meios em que atua. A hipocrisia é outra característica desse tipo de intelectual. Vai cada vez mais se tornando um joguete da hegemonia dominante, se aliando com qualquer um que resulte em vantagem, perdendo toda e qualquer radicalidade e compromisso com a verdade. Assim, quanto mais popularidade, menos verdade, menos personalidade, menos radicalidade, menos profundidade, menos honestidade. Claro, isso não é uma lei e sim uma tendência, pois existem exceções.

Esse tipo de intelectual usa as redes sociais para falar de si e com postagens curtas, pois sabe que o “público” geralmente não lê longas postagens (segundo um intelectual populista “ninguém merece esses textos longos”) e ele não tem nenhuma pretensão de colaborar com o desenvolvimento da consciência ou da cultura, apenas quer ser “lido”, ou pelo menos “curtido”. O intelectual populista tem ideias curtas e curtas postagens. Além de geralmente fazer depoimento pessoal visando ganhar simpatia e aplausos de sua plateia, fica sempre na superficialidade e no mundo das impressões, às vezes dando aparência de seriedade e profundidade (uma citação aqui ou ali, por exemplo). Outros pegam temas que estão em destaque na imprensa ou no seu círculo de reconhecimento e reproduz o mesmo em alguma discussão supostamente “crítica” e “progressista”. Alguns buscam transformar coisas corriqueiras em grandes questões, bem como se apresentar como vítima, injustiçado, incompreendido, arrependido. Isso incluí até “autocrítica”, bem como mostrar os próprios defeitos que, uma vez expostos, se transformam em qualidades. Reconhecer um ato de desonestidade, por exemplo, rende o elogio pela honestidade por ter assumido isso. Essa é a mágica da transformação da desonestidade em honestidade. O cinismo é outra característica do intelectual populista.

Buscar popularidade, em si, não é algo condenável. Os intelectuais, geralmente, buscam popularidade, por razões distintas, além do desejo de reconhecimento de sua produção cultural (autorrealização), como divulgar ideias (políticas, científicas, etc.), interferir no curso das coisas, manifestar e defender seus valores, ganhar dinheiro, popularizar aquilo que considera verdadeiro, justo ou belo, etc. O problema do intelectual populista é que a popularidade se torna seu valor fundamental e tudo passa a estar submetido a ele (às vezes junto com outros valores pouco nobres, como ascensão social, dinheiro, poder, etc.). O intelectual deve querer ter popularidade para que suas ideias tenham efetividade, mas, em nenhum caso, deve querer que suas ideias tenham efetividade para ter popularidade[6].

Enfim, o intelectual populista, no plano intelectual, realiza na prática o que foi aconselhado por Machado de Assis em Teoria do Medalhão. Quando ex-militante, não hesita em atacar ex-companheiros com subterfúgios retóricos, calúnias e difamação, para demonstrar aos seus novos companheiros e mestres que agora é um aliado confiável, regenerado, e que pode ser aceito tranquilamente, já que não lhe resta mais nenhum resquício de compromisso com a verdade, a honestidade e a radicalidade. Trata-se de uma figura patética e medíocre, aplaudido por desavisados, ingênuos, desinformados e por seus semelhantes.

O intelectual populista fica cada vez mais desacreditado nos meios mais informados e politizados, embora em alguns casos isso demore um certo tempo. O futuro do intelectual populista é desaparecer com o passar dos anos, pois a juventude vai se perdendo e a lei do mínimo esforço se torna mais imperativa. A época do estrelato passou. No início “a estrela sobe”, tal como a personagem de Marques Rebelo, e depois ela cai. O intelectual populista volta para o fundo do poço do esquecimento geral, pois ficou tão embriagado com a popularidade momentânea que abandonou qualquer coisa significativa, duradoura, verdadeira. Ao desistir de sua humanidade e escolher a mundanidade não só escolheu o seu presente de popularidade passageira, mas seu futuro como ser humano medíocre, sem ideal e sem utopia, tal como o definia Ingenieros (s/d) e qualquer motivo para ser lembrado, a não ser sob forma negativa. Em sua lápide estará escrito: “aqui jaz um intelectual populista, que era aplaudido por algumas centenas de leitores superficiais e agora no seu túmulo tem apenas a leitura devoradora dos vermes”.

Referências

INGENIEROS, José. O Homem Medíocre. Curitiba: Chain.

MACHADO DE ASSIS. Teoria do Medalhão. Contos Filosóficos. São Paulo: Sesi, 2014.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Sobre Arte e Literatura. São Paulo: Global, 1986.

VIANA, Nildo. As Esferas Sociais. A Divisão Capitalista do Trabalho Intelectual. No prelo, 2015.

VIANA, Nildo. Intelectuais Venais e Axiologia. Revista Axionomia. Ano 01, num. 01, jan./jul. 2015.





[1] Sobre intelectuais venais e outras posturas intelectuais, cf. Viana (2015). Isso não se aplica a todos os intelectuais venais, pois o dinheiro é seu valor fundamental. A popularidade é útil quando gera dinheiro. Em alguns casos, a popularidade é um valor importante ao lado do dinheiro, que mantém a supremacia.

[2] Aqui não se trata do uso tradicional do termo, que seria equivalente a “artista popular”, pois a este denominamos “intelectual amador”.

[3] O termo intelectual populista, aqui, não expressa uma postura intelectual (que pode ser venal, hegemônica, dissidente, ambígua, amadora, engajada) e sim uma forma específica de manifestar uma determinada relação com o público e conseguir popularidade, que pode ser manifestação da postura do intelectual venal ou do ambíguo. O intelectual populista pode ser uma prefiguração de um intelectual venal ou manifestação singular do intelectual ambíguo. Sobre essas duas posturas intelectuais, há uma síntese no artigo acima citado.

[4] Aqui, no caso, significa o “círculo próximo”. Sobre os intelectuais e sua relação com o público e os círculos de reconhecimento, o meu livro As Esferas Sociais, ainda a ser publicado, apresenta uma análise útil para sua compreensão.

[5] A frase de Marx é traduzida sob formas diferentes em distintas traduções dos Manuscritos de Paris (também chamado de Manuscritos de 1844 e Manuscritos Econômico-Filosóficos). Essa nos parece mais adequada e constará da tradução em que em breve será publicada.

[6] Essa frase é quase uma paráfrase de Marx: “o escritor deve ganhar dinheiro para poder viver e escrever, mas, em nenhum caso, deve viver e escrever para ganhar dinheiro” (MARX e ENGELS, 1986).

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2 comentários:

  1. Texto muito interessante que escancara sua relação com a realidade, como expressão da mesma. A mágica da transformação da desonestidade em honestidade é bastante engraçada, as pessoas se impressionam com qualquer coisa, quando se trata de alguém que consideram popular. Por fim, parece que alguém andou lendo esta teoria do medalhão como forma de "autoajuda" e a transformou em sua filosofia de vida. Resta-lhes agora a busca pela manutenção de seu "status pop", mendigando os "likes" dos desavisados.

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    1. Mateus, se lhe entendi bem, você quis dizer que o texto expressa a realidade de alguns intelectuais. Essa é a intenção, tendo em vista que a internet e as redes sociais criaram novas pragas e se tornou mais uma forma de corrupção dos "intelectuais".

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