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sábado, 2 de novembro de 2013

A BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA E A MANIFESTAÇÃO ESTUDANTIL - Segunda Versão

 


A BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA E A MANIFESTAÇÃO ESTUDANTIL

 

Nildo Viana

 

Uma onda de protestos referentes ao aumento do preço das passagens de ônibus vem ocorrendo no Brasil. Em Goiânia, houveram cinco manifestações e em outras cidades já aconteceram vários. Destes vários protestos e movimentos, dois se destacaram, o do dia 28 de maio em Goiânia e o do dia 13 de junho em São Paulo, principalmente pela força do protesto e pela violência policial. Os manifestantes, principalmente estudantes secundaristas e universitários, foram acusados de vandalismo, terrorismo. As imagens na imprensa e na internet mostram a violência e truculência da polícia militar. Isso não gerou nenhuma reação por parte dos governos, da imprensa, de diversos setores da população. Esse fenômeno precisa ser explicado.

A explicação que podemos fornecer a isso é a de que ocorre uma banalização da violência em nossa sociedade. A violência é uma relação social de imposição, na qual indivíduos ou grupos impõem, sobre outros indivíduos ou grupos, algo contra sua vontade e natureza (Viana, 2004; Viana, 2002). Esse conceito de violência permite perceber que a violência é um fenômeno mais amplo e universal, se manifestando sob múltiplas formas. Ao contrário das ideologias que definem a violência apenas como agressão física ou criminalidade, o que significa que ela se torna um atributo principalmente dos mais empobrecidos da sociedade, aqui se torna possível compreender que a violência se manifesta através da cultura, das instituições, etc. Na concepção restrita e ideológica de violência ela é um ato comum realizado principalmente pelas classes inferiores e na concepção aqui apresentada ela é um ato cotidiano realizado principalmente pelos indivíduos das classes superiores e a primeira forma, quando ocorre, é muitas vezes uma resposta à uma violência anterior. Assim, dependendo da perspectiva de quem analisa o fenômeno da violência, ela pode ser entendida como principalmente produzidas pelas inferiores ou pelas classes superiores. A primeira forma é a mais perceptível para as representações cotidianas e para algumas ideologias científicas e a segunda é menos perceptível e, por conseguinte, estará menos presente nas representações cotidianas e aparecerá nas produções teóricas.

A violência está no nosso cotidiano, mas ela está mais constantemente, em quantidade e intensidade, presente na vida das classes inferiores. A violência no transporte coletivo é constante: o ônibus lotado é a expressão simbólica máxima desse processo. Algumas pessoas jamais imaginam o que é todos os dias acordar às 05 horas da manhã, esperar um ônibus e pegar mais um ou dois, muitas vezes dependurado na porta pelo número de pessoas dentro do mesmo, bem como do esforço e luta para entrar e depois para sair. Essa violência é banalizada e gera mau humor, conflitos, entre outros efeitos. Mas, se não bastasse a violência exercida cotidianamente pelo mau serviço prestado, com inúmeros outros problemas que não iremos citar aqui, ainda tem uma tarifa com valor que pesa no bolso dos setores mais pobres da sociedade, e o seu aumento é um novo ato de violência.

Apesar dessa violência cotidiana e de aparentemente não haver fortes reações, o volume de insatisfação uma hora gera resistência e protesto. O que ocorreu em Goiânia no dia 28 de maio foi uma reação natural e extremamente legítima por parte daqueles que protestavam, bem como no caso de São Paulo no dia 13 de junho. O que para os proprietários das empresas de transporte, os governantes, entre outros, são migalhas, para os setores mais empobrecidos da sociedade, para os estudantes, e mesmo para os setores com melhores condições de vida, o conjunto do gasto mensal pesa no bolso e sem aumentos salariais, significa abrir mão de coisas necessárias ou importantes para pagar um valor mais elevado da tarifa.

Portanto, há uma violência cotidiana em nossa sociedade e no transporte coletivo e a reação é de se esperar e ela ocorreu sob a forma de manifestação legítima. No entanto, a resposta dos governantes foi a violência brutal e truculenta da polícia que agrediu e prendeu aleatoriamente qualquer indivíduo que estivesse no protesto. As cenas não deixam dúvidas e a truculência não provocou nenhuma reação por parte do resto da sociedade. A violência policial é algo que não espanta, nem quando ela é desproporcional e despropositada e nem quando assume a forma virulenta que assumiu.

A violência cotidiana no transporte, que atinge um ápice com o aumento da passagem, gera protesto que, por sua vez, gera a violência estatal sob forma brutal. A violência cotidiana é banalizada, ninguém se espanta com ela. A violência policial também é banalizada, até quando comete excessos e age com virulência. Agora, um ato de violência isolado é razão para acusações de vandalismo e terrorismo. Um ato de violência esporádico e isolado chama a atenção quando a violência de todos os dias e a agressão física e moral do sistema policial é algo tido como normal. Como já dizia o psicanalista Erich Fromm (1976), numa sociedade doente é preciso desconfiar do que é normal e, hoje, mais do que nunca, é fundamental superarmos a banalização da violência.

 

Referências

 

FROMM, Erich. Psicanálise da Sociedade Contemporânea. 2ª edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

 

VIANA, Nildo. A Dinâmica da Violência Juvenil. Rio de Janeiro: Booklink, 2004.

 

VIANA, Nildo. Violência Urbana: A Cidade como Espaço gerador de Violência. Goiânia, Edições Germinal, 2002.

 

 

Nildo Viana é Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás e Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília; autor de várias obras sobre violência.

* A primeira versão desse texto foi publicada no Blog Informe e Crítica e a segunda versão foi publicada no site "Debates Culturais", , por solicitação dos responsáveis, que deixou de existir. 

 

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