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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O POSITIVISMO DE GRAMSCI

O Positivismo de Gramsci
(Notas Sobre Gramsci 05)


Nildo Viana


Certa vez, um professor que leu meu livro Estado, Democracia e Cidadania (Viana, 2003), e disse, rindo, “chamar Gramsci de positivista é, no mínimo, uma provocação”. A afirmação, sem dúvida, é provocativa, tendo em vista a proeminência de Gramsci e o quase consenso segundo o qual ele seria um dos grandes representantes do marxismo. Porém, não é apenas provocação, pois Gramsci não é marxista e sim positivista, o que muitos não entendem, pois não ultrapassam o nível da provocação. Eis o que vamos tratar aqui.

Sem dúvida, quando se diz que alguém é positivista, não é, a não ser nos debates empobrecidos entre pseudomarxistas (tal como um entre um intelectual carioca e outro paulista, no qual o lugar de colocar a vírgula se tornou palco de disputa ao invés de questões fundamentais), apenas um adjetivo pejorativo. É preciso, quando alguém faz uma afirmação destas, ou buscar entender o significado do termo positivismo tem para o autor que o utilizou ou simplesmente se omitir na discussão.



Obviamente que existem várias definições de positivismo. Entre elas, destaca-se a de Michel Löwy (1991), segundo a qual seria a concepção que considera que existem leis na sociedade tal como as leis da natureza, que os métodos das ciências humanas devem ser os mesmos das ciências naturais e de que é necessária a neutralidade do cientista. Outra concepção é a de que o positivismo é o empiricismo e há ainda a definição segundo a qual o positivismo é o uso dos métodos das ciências naturais, entre outras. Gramsci não se encaixa na definição de Löwy e nem na última, embora tenha laços de ligação com a definição que remete ao empiricismo.

Porém, minha concepção de positivismo é outra. O positivismo é toda concepção que parte de uma determinada concepção de neutralidade ou objetividade do pensamento científico (Viana, 2007a). Ou seja, toda concepção que desconsidera que o pensamento científico é produto de seres humanos históricos, concretos, que é expressão de interesses de classes sociais, é positivista.



Eis que Gramsci então revela-se um grande positivista. Isto é tanto verdadeiro que basta olhar a sua abordagem do que chamou “filosofia da práxis”. Esta não é uma expressão dos interesses de classe do proletariado e sim produto da ciência, do saber. Ao definir a objetividade como “universal subjetivo” e considerar que esse é produto da “luta pela objetividade”, coloca, nas mãos dos intelectuais, o papel de agente do processo evolutivo da humanidade. Aqui a semelhança com Comte e sua Igreja Positivista e com Lênin e seu partido de vanguarda não é mera coincidência, pois atrás dela se vê um culto da ciência e a ligação entre pseudomarxismo e positivismo. Segundo Gramsci, o saber é independente do “ponto de vista”: “Objetivo significa precisamente, e tão somente, o seguinte: que se afirma ser objetivo, realidade objetiva, aquela realidade que é verificada por todos os homens, que é independente de todo ponto de vista que seja puramente particular ou de grupo” (Gramsci, 1988, p. 69).



Sendo assim, Gramsci demonstra um total desconhecimento da teoria de Marx sobre a consciência e sobre a possibilidade de uma consciência correta da realidade, que tem como condição de possibilidade partir da perspectiva do proletariado (Viana, 2007b; Marx, 1988). Gramsci, apesar de se dizer “marxista”, no fundo se revela um grande positivista, mais próximo de Comte, Durkheim e outros positivistas clássicos, do que de Marx.



Por fim, a expressão “o famoso positivista italiano”, em Estado, Democracia e Cidadania, não era mera provocação, era a constatação de um “fato”, para usar termo que os positivistas gostam e que agradaria um de seus representantes mais ilustres: Gramsci.


Referências

GRAMSCI, Antonio. A Concepção Dialética da História. 6ª edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988.



LÖWY, Michael. Ideologias e Ciência Social. 7a edição, São Paulo, Cortêz, 1991.



MARX, Karl. O Capital. Vol. 1. 3ª edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988.



VIANA, Nildo. A Consciência da História. Ensaios Sobre o Materialismo Histórico-Dialético. 2ª edição, Rio de Janeiro, Achiamé, 2007.



VIANA, Nildo. Escritos Metodológicos de Marx. Goiânia, Alternativa, 2007b.



VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.

Um comentário:

  1. Grande texto!! Parabéns!!

    Agora todos sabem que Gramsci é positivista e próximo de Comte! Um amigo meu gritou, esperneou e xingou, mas não deu conta de argumentar e refutar sua análise que é impecável. Muito coerente e embasada, mesmo sendo um texto sintético e curto.

    Edu.

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