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quinta-feira, 7 de julho de 2016

A RECEITA NEOLIBERAL DO GOVERNO TEMER


A RECEITA NEOLIBERAL DO GOVERNO TEMER

Nildo Viana

Os tempos neoliberais começaram, no Brasil, com o governo Collor e se mantém até hoje. Tentam maquiar, mudar o nome (inclusive inventaram um suposto “neodesenvolvimentismo”), usar enfeites e disfarces, mas sempre são as políticas adequadas para a reprodução do regime de acumulação integral, garantidor do prosseguimento do capitalismo. O atual governo continua com as políticas neoliberais do governo anterior, o que não é novidade. Mas, apesar de não ser novidade, é preciso entender a receita e suas consequências, incluindo seus efeitos colaterais.

O governo Dilma prestava solidariedade ao capital e oferecia fraternidade aos trabalhadores. A solidariedade era o disfarce de lucros indisfarçáveis e a fraternidade era as migalhas que caíam da mesa dos capitalistas travestidas de assistencialismos, completada pela prevaricação e pela cooptação de movimentos sociais, uma “fraternidade seletiva” que permitia a autoajuda interburocrática.

Os governos petistas geraram o reino da burocracia e por isso imaginaram que tinha a propriedade enquanto tinham, na verdade, apenas a posse. O “Estado sou eu”, gritou o Rei Lula e depois a Rainha Dilma. A burocracia governamental, que se achava “real”, contagiou a burocracia estatutária com o vírus da autonomização[1]. As luvas de pelica apareceram em cena, bem como os bastidores da luta interburocrática entre os eleitos, escolhidos não pela vontade divina e sim pela eleição presidencial, e os merecedores, aqueles que mereceram sua posse por ter passado pelo “batismo burocrático do saber” (MARX, 1979). O duelo burocrático pela propriedade do reino, sendo que o reino não é e nem tem propriedade, logo foi substituído pelos gráficos da acumulação de capital. A briga dos locatários foi interrompida pelo locador.

O governo Dilma se viu, então, diante da triste (para ele, ou, para agradar os moralistas progressistas, para elx ou el@, afinal as palavras não têm sexo, apesar de também serem vítimas de violência) realidade ao descobrir que não tinha a propriedade e sim a posse e que seria, assim, desalojada. A caminhada do Palácio do Planalto para o Palácio da Alvorada poderia ter sido uma “pedalada”, mas para evitar a “mídia golpista” aplicou esse golpe na mídia, e o despejo definitivo só foi adiado, pois nem o locador, nem os eleitores, nem os irmãos inimigos (os burocratas permanentes, que só são desalojados quando se aposentam ou morrem), querem sua presença. A presença da rainha foi dispensada, quando a maioria percebeu que não existia reino algum e assim a ilusão real apareceu como real ilusão.

No tempo das vacas gordas, o governo Dilma era solidário e fraterno. As classes privilegiadas e as classes desprivilegiadas suportavam o coxão mole e o coxão duro, respectivamente. A lógica disso era: enquanto houver churrasco na mesa, por mais medíocre que seja a vida, há paz entre as classes e sossego para o governo.

No tempo das vacas magras, capitalistas e trabalhadores querem “virar a mesa”. Vacas magras significa menor quantidade e qualidade de carne, assim como crises significam menor qualidade de vida e quantidade de dinheiro. O gerente do restaurante já não serve um bom churrasco e o atendimento se tornou muito lento. Os capitalistas, em suas mesas VIP, reclamam da lentidão do rodízio e comentam enquanto esperam: “essa espelunca não está nos servindo direito”. Os trabalhadores, por sua vez, reclamam da lentidão comparando-a com a do governo: “está demorando mais do que a troca de ministros”. Esses estavam mais descontentes, pois o seu rodízio não era só lento, mas ao invés de coxão mole começou a aparecer só pão de alho e provolone. Na mesa do tablado superior, que antecediam as mesas VIP, palco para artistas, cientistas e demais intelectuais e seus amigos burocratas, que ficavam geralmente nos bastidores, “mexendo com seus pauzinhos”, o provolone era apenas recheio de contrafilé. Eles estavam tão perto dos VIPs que nem aceitavam mais capa de filé.

A gerente do restaurante, que gostava de inovar e anunciava que serviria lula ao povo, foi surpreendida, em 2013, com a revolta do ônibus. Ela, como se sentia da realeza, reagiu como a Rainha Maria Antonieta: “se não tem coxão duro, então comam pão de alho” e “se não tem ônibus, vão de carroça!”. A rainha era tão engraçada que às vezes era confundida com o bobo da corte. O bobo da corte era tão sem graça que nunca foi confundido com a rainha. A diferença entre reis e palhaços é que uns são pagos para serem engraçados e outros são engraçados gratuitamente. A rainha declarava publicamente seu amor à mandioca e ao milho, que não eram símbolos fálicos nem atos falhos, mas expressão da fina flor da intelectualidade brasileira metamorfoseada em burocracia governamental. No reino dos intelectuais, desde o príncipe-sociólogo até a rainha-economista, nunca se viu tão pouca inteligência! Se o saber é poder, os intelectuais no governo são déspotas ignorantes sem saber. Duplamente sem saber! O prefeito de São Paulo que o diga! Se soubesse, ele diria! Pensar é diferente de governar, mas quando o pensamento é confuso, o governo é obtuso.

Quando os clientes viram a mesa em uma churrascaria ou restaurante, o gerente é demitido. Nesse dia descobre que gerenciar não é o mesmo que ser proprietário. A burocracia civil quando se torna burocracia governamental, quer ser vitalícia, e a burocracia estatutária, que é vitalícia, não quer se misturar com a burocracia civil, pois sabe que sua posse tem estabilidade e por isso sua fidelidade é com quem realmente toma as decisões. Não servem aos tintureiros que pintam as celas para embelezar a fealdade ou transportam os presos e sim aos titereiros, que manipulam e comandam indiretamente. É melhor trocar o gerente e reabrir o restaurante sob nova direção do que falir por falta de alguma direção. Afinal, quem não quer ser realmente fraterno com os trabalhadores, mas quer ser escolhido por eles, não tem seu apoio. Da mesma forma, quem quer ser solidário com os capitalistas mas não quer fazer o serviço rápido e completo, não poderá ser seu empregado.

Assim, um novo governo assumiu. Os de cima e os de baixo gostaram, só uma parte dos que ficam no meio é que acharam que foi um “golpe”. Aí apareceu o golpe da ladainha, que era a ladainha do golpe. Nesse caso, não houve golpe. A ladainha ficou só entre os iniciados em ladainhas vazias. Os de baixo estão pouco se lixando para as tramoias palacianas, seja do palácio que funciona ou do que reclama, e os de cima querem gerentes que realmente gerenciam e saibam de quem são as prioridades. As prioridades não podem ser as eleições, as escolhas, e por isso o foco não deve ser nos que escolhem. As prioridades devem ser para os que mandam, no final das contas. Quem manda são aqueles que pagam as contas, mesmo que com o dinheiro dos trabalhadores. Não interessa quem roubou, interessa é quem pagou. Se quem roubou e pagou são a mesma pessoa, tanto faz, o roubado será novamente roubado e o ladrão vai novamente roubar e pagar. Quem paga sempre tem razão.

Os capitalistas roubam, mas pagam; os trabalhadores são roubados; os burocratas gerenciam e os intelectuais enfeitam e por isso ficam com parte do roubo para eles. A isso se chama divisão social do trabalho, uma lei férrea que os intelectuais progressistas, na ânsia do sucesso e ficar na moda, recusam. Mas pelo menos eles estão “fazendo o seu trabalho”, isto é, embelezando o que é feio. Da mesma forma, a burocracia governamental que recusa essa lei tem sua queda tão garantida quanto a do intelectual pós-estruturalista que pula do vigésimo andar por achar que a lei da gravitação universal é apenas um discurso mentiroso da “cultura ocidental”. Quando ele se espatifa no chão, a sua morte é apenas um acidente cultural, assim como quando caem determinados governos, pois é apenas um crime doloso da cultura “machista” e “golpista”.

O novo gerente, Michel Temer, não tem o que temer. Afinal, ele não saiu da ralé como o rei anterior, nem é rainha das gafes, como sua antecessora. É um “nobre”, vindo direto das classes privilegiadas e com o requinte intelectual destas. Mas um gerente precisa saber gerenciar, mais do que ter “berço”. Ele precisa de uma equipe competente.  E o que se esperava era ele cercado de intelectuais requintados e o que ocorreu foi ficar cercado por ideólogos e burocratas requentados! Nesse caso, houve  a negação da negação hegeliana: o real não é racional! O valor do real é superior ao valor do ideal, seja nos bancos ou nos governos brasileiros. O real é a síntese maior da brasilidade. Cruzeiros e cruzados foram superados pela força do real. Retornemos ao mundo real. O Governo Temer tem uma receita, recordando a genialidade da “bruxa petista”[2]. O seu partido (PMDB) já tinha apresentado o manual da gerência e por isso o novo governo tem uma receita. O remédio é amargo. No entanto, ele é mais amargo para uns que para outros, assim como somos todos iguais, embora “uns mais iguais que os outros”.

O governo anterior, no tempo das vacas gordas, com manutenção de um determinado ritmo de acumulação de capital, o famigerado “crescimento econômico”, conseguiu se manter. No tempo das vacas magras, época de desaceleração do ritmo de acumulação de capital, ele não fez o que tinha que fazer, pois os seus intelectuais não liam Marx e sim Kalecki e os neoliberais. Se tivessem lido Marx, saberiam que a acumulação de capital gera empregos, renda, etc. e por isso não é interesse apenas do capital. É também interesse dos trabalhadores. No caso destes últimos, é um interesse imediato e, simultaneamente, contraditório. É imediato por precisar da continuidade da acumulação acelerada para não gerar crises, desemprego, inflação, etc. É contraditório, pois a acumulação só existe através de sua exploração e sua opção é aceitar e apoiar a reprodução ampliada do capital cada vez mais intensa ou recusar e lutar contra o capitalismo.

Contudo, o modo de produção capitalista gera crises cíclicas e os regimes de acumulação possuem ciclos e por isso há épocas de vacas gordas e vacas magras. Se tivessem lido Marx, saberiam que a unidade na diversidade de interesses em momentos de crise se torna lutas diversas sem nenhuma unidade. É por isso que os governos progressistas só sobrevivem até começar as crises ou quando são jogados no poder para controlar os trabalhadores e evitar que a crise gere uma revolução. A história prova isto e se as pessoas aprendessem mais com as lições da história se iludiriam menos com o seu futuro histórico. Quando os negócios vão mal, os proprietários mudam os gerentes.

A imagem do novo governo é boa (tem “berço”, “discurso”, etc.), mas não se reflete no espelho, tal como a de Drácula dançando no salão. O espelho é a percepção dos trabalhadores, que não enxergam nada de novo ou de bom. O governo Temer compensa sua falta de imagem no espelho com a aparência de um “doce vampiro” saído de música de Rita Lee. Ele vem sugar até a última gota de sangue dos trabalhadores. Ele é o médico-vampiro responsável pela receita neoliberal. Ele, como bom médico, vem para “curar” a crise. Mas ele, como bom vampiro, ao invés da tradicional mordida liberal, prefere a moderna transfusão de sangue neoliberal. A medicina neoliberal e vampiresca faz jorrar mais rapidamente o dinheiro do bolso dos trabalhadores para o cofre dos capitalistas.

O novo gerente vai encontrar a oposição e competição, cada vez mais fracas, da gerencia anterior e seus apoiadores, mas também vai encontrar uma oposição cada vez mais fortes dos doadores involuntários de sangue: os trabalhadores. Pelo menos no início do governo enfrenta também parte da burocracia estatutária (poder judiciário e polícia federal) entusiasmados com sua autonomização e com o sucesso televisivo e pode demorar para “cair a ficha” de que o alvo já foi atingido e agora é hora de “normalidade”. Quando se concretizar o impeachment definitivo e a burocracia estatutária entender que é estável e vitalícia mas não é inatingível e que os proprietários já estão ficando descontentes com essa balbúrdia jurídica e repressiva, o vampiro sairá do seu caixão e finalmente poderá fazer o que tem que fazer. Se ele não fizer, outro fará, só que demoraria mais tempo. A acumulação de capital e a classe capitalista não têm tempo e paciência para esperar.  Não interessa quem terá que comprar ou ameaçar, o que interessa é que se faça o que tem que ser feito.

Quem não está satisfeito ou deve se resignar ou deve apresentar uma real alternativa. A alternativa progressista já faliu, pois mostrou sua incapacidade no governo. Vários mandatos e vários desmandos. Os tintureiros queriam ser titereiros e terminaram triturados. O governo Dilma mostrou-se incapaz, por sua incompetência e também por ser populista (ou seja, eleitoreiro e querer grudar no poder e se transformar em burocracia vitalícia) já mostrou que não interessa nem para a classe dominante nem para as classes desprivilegiadas. O neoliberalismo não precisa mais do neopopulismo. A era do neoliberalismo neopopulista petista já passou e não é alternativa. O seu fim chegou.

O novo governo tem a receita certa para a classe dominante, só precisa remover os dois obstáculos temporários e enfrentar o grande obstáculo: as lutas dos trabalhadores. De nada adianta defender uma ponte sem futuro. No meio da ponte há uma pedra, que pode ser removida. No final da ponte há o futuro. E aí poderemos ver o que acontecerá: a vitória do capital, o sanguessuga dos trabalhadores, ou a transformação social, o fim dos vampiros, gerentes, burocratas, capitalistas e outras bestas geradas por uma sociedade bestificada.

Referências


MARX, K., 1979. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Lisboa: Estampa.
VIANA, N., 2015. Burocracia: Forma Organizacional e Classe Social. Marxismo e Autogestão, 2(3).






[1] Sobre burocracia estatal e sua divisão em governamental e estatutária, cf. (VIANA, 2015).
[2] Para conhecer a receita da bruxa petista: http://votonuloautogestionario.blogspot.com.br/2014/10/as-lutas-sociais-no-brasil-atual.html e essa não deve ser confundida com “vassoura-de-bruxa” petista que foi do norte para a Bahia, segundo a “respeitada” Revista Veja.



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