CAPITALISMO
E DESTRUIÇÃO AMBIENTAL
Nildo Viana
Resumo: O presente
artigo aborda a relação entre capitalismo e destruição ambiental, numa
perspectiva crítica. O objetivo foi demonstrar a relação específica entre ser
humano e natureza instituída na sociedade capitalista e seus efeitos
destrutivos, relação com as demais contradições do capitalismo e as
possibilidades futuras. O modo de produção capitalista é o elemento fundamental
para compreender o processo de destruição ambiental na sociedade moderna,
especialmente em sua dinâmica marcada pela reprodução ampliada do capital. As
ideologias que visam resolver o problema ambiental dentro do capitalismo são
descartadas por causa dessa característica específica do capitalismo. A
destruição ambiental é uma das contradições do capitalismo e pode se tornar a
mais importante, promovendo o fim do capitalismo ou da humanidade. No entanto,
o fim do capitalismo não ocorre sem ação humana e é essa que determina o que o
substituirá. Isso coloca em evidência nossa responsabilidade na definição do
futuro da humanidade.
Palavras-chave:
modo de produção capitalista, meio ambiente, destruição ambiental, tendências.
Abstract: This
article discusses the relationship between capitalism and environmental
destruction, a critical perspective. The objective was to demonstrate the
specific relationship between human beings and nature established in capitalist
society and its destructive effects, compared with other contradictions of
capitalism and the future possibilities. The capitalist mode of production is
the key element to understand the process of environmental destruction in
modern society, especially in its dynamic marked by the reproduction of
capital. Ideologies aimed at solving the environmental problem within capitalism
are discarded because of this specific characteristic of capitalism.
Environmental destruction is one of the contradictions of capitalism and can
become the most important, promoting the end of capitalism or of humanity.
However, the end of capitalism is not without human action and it is this that
determines what will replace it. This highlights our responsibility in shaping
the future of humanity.
Keywords:
capitalist mode of production, environment, environmental destruction, trends.
Resumen: En este artículo
se analiza la relación entre el capitalismo y la destrucción ambiental, una
perspectiva crítica. El objetivo era demostrar la relación específica entre los
seres humanos y la naturaleza establecida en la sociedad capitalista y sus
efectos destructivos, en comparación con otras contradicciones del capitalismo
y las posibilidades futuras.El modo de producción capitalista es el elemento
clave para entender el proceso de destrucción del medio ambiente en la sociedad
moderna, sobre todo en su dinámica marcada por la reproducción del capital. Las
ideologías orientadas a resolver el problema del medio ambiente dentro del
capitalismo son descartados debido a esta característica específica del
capitalismo. La destrucción del medio ambiente es una de las contradicciones
del capitalismo y puede convertirse en el más importante, promover el fin del
capitalismo o de la humanidad. Sin embargo, el fin del capitalismo no está
libre de la acción humana y esto es lo que determina lo que va a reemplazarlo.
Esto pone de relieve nuestra responsabilidad en la formación del futuro de la
humanidad.
Palabras-clave: modo de
producción capitalista, medio ambiente, destrucción ambiental, tendencias.
A relação entre o ser
humano e o meio ambiente é complexa. O ser humano depende do meio ambiente, mas
a recíproca não é verdadeira. Se o ser humano não existisse, a natureza
existiria da mesma forma. Logo, o ser humano extrai da natureza externa, ou, mais
especificamente, do meio ambiente, tudo que necessita para sobreviver. Poderíamos
dizer que a relação entre sociedade, ou seja, a associação de seres humanos, e
meio ambiente, tem uma longa história. Na história da humanidade, houve uma
época de dependência extrema do ser humano diante da natureza (tal como nas
sociedades de caçadores e coletores), uma época de controle parcial do ser
humano sobre a natureza (as sociedades classistas pré-capitalistas) e a época de
controle intenso dos seres humanos sobre a natureza (a sociedade capitalista).
A relação entre seres
humanos e meio ambiente, no entanto, não é harmônica. O ser humano emerge da
natureza e ao substituir o estágio da animalidade para a humanidade, com o
processo de humanização, vai se separando cada vez mais dela (MOSCOVICI, 1977).
Ao comer do fruto da árvore do conhecimento, a maldição da consciência lhe fez
entender que é parte da natureza mas não está integrado nela como os seres
não-conscientes. Assim, os seres humanos criaram uma segunda natureza, a sociedade.
O ser humano criou uma “mônada”, para usar termo de Leibniz, e fez questão de
se separar da natureza. A sua ambição de se separar, de esquecer sua
animalidade, corporeidade, foi uma das motivações para criar deuses, seres
antropomórficos, que supostamente teriam criado tudo.
Ao fundar a sociedade
humana (distinta da sociedade animal dos pré-humanos), a relação dos seres
humanos com o meio ambiente deixou de ser individual e/ou instintual, como os
animais. Ela é mediada pela sociedade. Essa, por sua vez, assume diversas
formas, o que gera, tal como colocamos no início, distintas formas de relação
com o meio ambiente. Assim, para entender o controle dos seres humanos sobre a
natureza, é fundamental entender a organização social sob a qual eles vivem.
Cada forma de sociedade possui determinado modo de produção, no qual se realiza
a produção dos bens materiais necessários para a sobrevivência humana, sendo
uma relação direta com o meio ambiente, pois é dele que se extraem as matérias-primas
sem as quais a produção seria impossível. Os meios de sobrevivência são
externos aos seres humanos, por mais que alguns fantasiem uma separação e
autonomização absoluta do ser humano[1]. A forma fundamental de
relação entre ser humano e natureza é através do trabalho. É através deste que
ele se humaniza e faz o mesmo com a natureza. Da mesma forma, ele é a base do
modo produção, que produz os bens materiais e os meios de sobrevivência em
determinada sociedade. Esse modo de produção, por sua vez, engendra um conjunto
de formas sociais (“superestrutura”), incluindo a cultura, as diversas formas
de consciência que os seres humanos desenvolvem, inclusive sua consciência
sobre a natureza. Trata-se, não de uma “consciência da natureza” e sim de sua relação
com a natureza (VIANA, 2007). Essa consciência é limitada pelos limites da
mente humana, mas, além disso, pelas relações sociais limitadas existentes em
cada forma de sociedade, especialmente a divisão social do trabalho, a divisão
de classes sociais.
É por isso que a relação
entre ser humano e natureza geralmente não é harmônica. A relação entre os próprios
seres humanos, nas sociedades classistas, não é harmônica, é fundada na
exploração e dominação. Isso gera um limite para a racionalidade humana, já que
os interesses e outros processos culturais são obstáculos para o
desenvolvimento da consciência humana. A relação dos seres humanos com o meio
ambiente não é decidida por todos e racionalmente, o que pressuporia uma
sociedade autogerida, e sim uma relação na qual o poder de decisão é de uma
minoria, de acordo com seus interesses, visando o controle social e do meio ambiente
para que ela possa se manter como classe dominante. A degradação ambiental na
sociedade feudal era decidida pelos senhores feudais (FRANCO JÚNIOR, 1986),
pois estes queriam reproduzir as relações de produção feudais. Nas sociedades
classistas, a relação do ser humano e natureza é determinada, fundamentalmente,
pelos interesses da classe dominante.
A
Destruição Capitalista do Meio Ambiente
A nossa sociedade não só
não escapa desse processo como o intensifica em escala nunca vista. Os iludidos
podem pensar que não, pois, afinal, nunca a consciência, a ciência, a
tecnologia, se desenvolveram tanto. A ilusão sobre a ilusão é a mais terrível
das ilusões. O desenvolvimento da consciência humana, na maioria dos casos, só
é permitido enquanto não entra em confronto com os interesses do capital, da
classe dominante. Sem dúvida, a consciência pode romper com tal limite quando
rompe com tais interesses, o que, no entanto, só existe de forma marginal na
nossa sociedade, expressa de forma mais profunda e desenvolvida pelos
pensadores anticapitalistas. As ideias dominantes, já dizia Marx, são as ideias
da classe dominante (MARX e ENGELS, 1988) e os ideólogos não ultrapassam os “limites
instransponíveis da consciência burguesa” (MARX, 1988). A ciência não é
exceção. É o capital ou o estado, um aparato do capital, que financia e
controla a pesquisa e a produção científica, bem como sua divulgação. São as
instituições burguesas que determinam quem são os grandes intelectuais, as
grandes descobertas, etc. A ciência ocupa a mesma função que a teologia ocupou
na sociedade feudal. A diferença é que hoje as pessoas acreditam, graças à
ciência, que a terra gira em torno do sol e nunca questionam isso, assim como
na sociedade feudal as pessoas não questionam o postulado de que o sol girava
em torno da terra. Da mesma forma, as pessoas consideravam natural a divisão de
classes do feudalismo e hoje consideram natural a divisão de classes do
capitalismo.
Ninguém nega que há um
controle cada vez maior do ser humano sobre a natureza. Ninguém negaria,
também, que isso é necessário para a sobrevivência humana. A questão é que o
ser humano depende da natureza e por isso deve controlar seu meio ambiente, mas
não deve destruí-lo. Ou seja, a questão é da forma como os seres humanos se
relacionam com a natureza. E a forma dessa relação é determinada pelo modo de
produção dominante. Por isso é fundamental entender a forma de relação como
meio ambiente que a sociedade atual instituiu. De nada adianta as abstrações
metafísicas, não apenas de filósofos, mas também e principalmente de
sociólogos, que, ao invés de analisarem a realidade concreta, preferem agir
como emas e afundar sua cabeça no mundo ideológico de suas próprias criações
ilusórias.
O modo de produção
capitalista institui uma relação destrutiva com o meio ambiente. Isso, no
entanto, não é algo fortuito, é algo essencial. O discurso da sustentabilidade,
por exemplo, é ideológico. O processo de destruição do meio ambiente pelo
capitalismo é inevitável. As políticas estatais e iniciativas empresariais (o
esqueleto da ideologia da sustentabilidade), caso sejam ações planejadas e com
real intenção de conter a degradação ambiental (o que é raro), podem apenas
alterar, em muita pequena escala, o grau e a velocidade da destruição. As ações
individuais, como se tornou comum cobrar, do tipo “coleta seletiva de lixo” ou
uso “responsável” de água, tem um peso insignificante nesse processo. A
ideologia neoliberal de responsabilização do indivíduo é apenas mais uma forma
do capital jogar a culpa e responsabilidade naqueles que menos influem no curso
das coisas.
E não adianta dizer que
tal afirmação é “determinista”, pois, da perspectiva dialética, a única válida
metodologicamente, cada fenômeno tem múltiplas determinações e não é o discurso
ou as ideologias, ou mesmo a vontade humana individual (e ideológica) que
alterará a realidade[2]. A palavra determinismo
apenas tem um impacto nas mentes de pessoas acríticas, mas nada altera na
realidade concreta. Por mais que se questione o determinismo e através disso se
crie uma barreira mental para compreender a realidade concreta, essa continua
existindo e por isso a destruição ambiental continua e vai continuar, tal como
a determinação fundamental do capitalismo que gera isso. Por detrás do uso da
expressão “determinismo” o que existe é um mecanismo mental para defender uma
falsa e inexistente flexibilidade do capitalismo e, ao mesmo tempo, uma
inflexibilidade e determinismo no sentido de apresentar como sendo impossível
sua superação. Os seres humanos são livres e não estão submetidos ao
determinismo, mas não podem sair do capitalismo, estão submetidos a ele eternamente.
Eis a ideologia se manifestando com toda sua incoerência conveniente. Para o
ideólogo burguês “crítico” do determinismo “tudo pode mudar, menos o
capitalismo”! Para o crítico revolucionário, os seres podem mudar sua forma,
mas não sua essência, pois isso só pode ocorrer se eles forem abolidos, tal
como o capitalismo.
O desenvolvimento do modo
de produção capitalista gera uma escala crescente de destruição ambiental. Isso
faz parte de sua essência. Para compreender isso é necessário entender a
dinâmica capitalista. O modo de produção capitalista é caracterizado pela
produção de mais-valor. Os leitores de Marx sabem disso, já que está explícito
no volume 01 de O Capital. O problema
é que a quase totalidade dos leitores de Marx, incluindo os “marxistas”,
geralmente só leem esse volume. O essencial e característico do capitalismo é a
produção do mais-valor, pois aí reside o segredo da exploração capitalista, é
onde se constitui as duas classes sociais fundamentais, o proletariado (produtor
de mais-valor) e a burguesia (apropriadora do mais-valor). Contudo, e esse é o
problema central, isso não se encerra aí. Marx não mostrou apenas a forma
específica de exploração (e de produção de mercadorias) do capitalismo, pois
essa relação fundamental não se esgota aí. O mais-valor, depois de produzido e
apropriado, se transforma em capital ou renda. Como renda do capitalista[3], serve ao seu consumo, ou
seja, é reinserido no processo capitalista como forma de consumo de mercadorias
ou mercancias[4].
O fundamental, no
entanto, é a sua transformação em capital. O mais-valor transformado em capital
é o que fornece a dinâmica do capitalismo. Marx (1988) já colocava isso o
volume 01 de O Capital. A fórmula
D-M-D’ (Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro, sendo que o segundo D’ mostra um
diferencial que será explicado adiante) é suficiente para entender a dinâmica
do modo de produção capitalista. O dinheiro investido permite a produção de
mercadorias (mais-valor) que, por sua vez, se torna mais-dinheiro, que é
novamente reinvestido e assim sucessivamente. A acumulação de capital é o que
fornece a dinâmica do modo de produção capitalista, o que significa reprodução ampliada do capital. Por isso, uma
expressão mais concreta da fórmula geral do capital seria
D-M-D’-M’-D’’-M’’-D’’’-M’’’-D’’’’ até o infinito.
Assim, a dinâmica do modo
de produção capitalista é comandada pela reprodução ampliada do capital, que
significa cada vez mais acumulação, produção crescente de mercadorias e aumento
de extração de mais-valor. Obviamente que existe resistência proletária à
exploração, luta de classes nesse processo, entre diversos outros processos
simultâneos, mas não é nosso objetivo tratar disso aqui. O que esse processo
apresenta é que o modo de produção capitalista é expansionista[5]. Ele surge na Inglaterra e
Holanda e devido ao processo de acumulação de capital, se espalha pela Europa
(França, etc.), depois para fora da Europa (EUA, etc.) e com o passar do tempo
todo o globo terrestre. A acumulação de capital é supostamente e
hipoteticamente “infinita”, mas o planeta terra é finito. Esse é um dos dilemas
do modo de produção capitalista e por isso Cecil Rhodes afirmou: “eu anexaria
os planetas, se pudesse” (HUBERMAN, 1978). Quanto mais o capitalismo se
desenvolve, maior é a produção e o consumo (logo, maior será o lixo também). A
produção só é possível utilizando matérias-primas (mesmo as produzidas
artificialmente, pois estas também são feitas de materiais e não de ideias e
por isso, mesmo que em menor escala, também ela precisa extrair elementos da
natureza) e máquinas (que também são produzidas e necessitam, para isso, de
outras matérias-primas)[6].
Os recursos naturais no
planeta terra são finitos. O petróleo não é eterno, bem como a madeira. No
último caso, mesmo com o reflorestamento, isso não resolve a questão. O
desenvolvimento capitalista necessita de uma quantidade cada vez maior de
madeira e para isso o reflorestamento pode repor o que foi devastado, mas não
aumentar quando chegar a um determinado limite[7]. Assim, o Clube de Roma,
em certo sentido, não estava equivocado ao defender a existência de “limites do
crescimento” (1973). Sem anexar os planetas, o capital não tem como manter sua
reprodução ampliada por tempo indefinido. Assim, o capital funciona como uma Moniliophtora perniciosa[8],
mas sem a capacidade desta de deixar herdeiros.
Contradições
do Capitalismo e Questão Ambiental
O modo de produção
capitalista, assim como os demais modos de produção anteriores fundados em
exploração e dominação, não é eterno. Os modos de produção não-classistas se
reproduzem por muito mais tempo e é por isso que existem sociedades simples
(indígenas, por exemplo) milenares. As sociedades classistas, por sua vez, são
caracterizadas pela luta de classes e por isso sua historicidade é distinta,
marcada pelo conflito que promove sua destruição num período histórico muito
mais curto. A contradição principal em uma sociedade classista é a luta de
classes. Esse é o motor da história, segundo Marx (2015). O modo de produção
capitalista se fundamenta no trabalho alienado, ou seja, uma forma de trabalho
marcada pelo controle do não-trabalhador sobre o processo de trabalho e seu
resultado, o que é complementado com o alheamento do processo e do produto
(VIANA, 2012). Os proletários, mesmo sem consciência do processo de exploração
e dominação a que estão submetidos, resistem devido ao caráter alienado do seu
trabalho, e, nessa luta, avançam no sentido de se organizar e desenvolver sua
consciência. Esse processo, analisado por Marx (1989) e diversos outros, gera a
passagem do proletariado de classe determinada pelo capital (se limitando a reivindicações
dentro do capitalismo, como salários e condições de trabalho, já que está sob o
domínio da hegemonia burguesa) para classe autodeterminada, ou seja, que
questiona as relações de produção capitalistas e a sociedade capitalista como
um todo. Essa luta, por sua vez, é incentivada pelos conflitos
intercapitalistas (e interimperialistas) e outros conflitos sociais, pelas
crises no capitalismo (tal como as crises financeiras), etc. A possibilidade da
transformação social surge daí, mas o capital e suas instituições
(especialmente o Estado) gera um conjunto de ações visando impedir a
radicalização da luta operária. No fundo, é a luta de classes que define a
transformação social e o capital vem conseguindo impedir que a luta proletária
avance no sentido da superação do capitalismo e as várias revoluções
proletárias inacabadas mostraram que ela é possível, mas é difícil.
O capitalismo gera
diversas outras contradições derivadas de sua dinâmica e da luta entre
burguesia e proletariado. Uma das contradições mais importantes nesse processo
é a tendência declinante da taxa de lucro, pois cada vez aumento mais a
proporção de capital constante (trabalho morto, que apenas repassa seu valor) e
cada vez menos capital variável (trabalho vivo, que produz mais-valor). Esse
processo gera a queda da taxa de lucro, já que a extração de mais-valor se
torna proporcionalmente menor. O capital cria várias contratendências, como
ação estatal, aumento da massa de lucro, aumento da extração de mais-valor
relativo, deslocamento da produção para bens de consumo, imperialismo, etc.[9] Porém, as contratendências
tendem a gerar novas contradições. A expansão do capital oligopolista
transnacional a partir da Segunda Guerra Mundial (época de emergência do regime
de acumulação conjugado), marca uma nova fase do imperialismo e novos conflitos
com países de capitalismo subordinado, para citar apenas um exemplo.
A luta de classes entre
burguesia e proletariado, por sua vez, acaba gerando novos conflitos,
envolvendo outras classes sociais, tal como as classes auxiliares da burguesia
(especialmente a burocracia e a intelectualidade) e as classes desprivilegiadas
(campesinato, lumpemproletariado, subalternos, etc.) que tendem a se aliar com
o proletariado. As subdivisões sociais (nação, raça, sexo, etc.) geram outros
tantos conflitos. No entanto, a hegemonia burguesa, garantida pelo poder
financeiro da burguesia e pelo aparato estatal e capital comunicacional, busca
impedir que tais conflitos se radicalizem e cheguem ao elemento fundamental, ou
seja, ao questionamento da base geradora disso tudo: o modo de produção
capitalista.
Outra contradição é a
necessidade de reprodução ampliada do mercado consumidor. É necessário aumentar
o consumo (individual, ou seja, o indivíduo consumir cada vez mais, e coletivo,
ampliando o número de indivíduos consumidores), mas parte do mercado consumidor
tem seu poder aquisitivo restringido e o seu crescimento também não é infinito.
Uma contradição derivada é o aumento de lixo e seu impacto ambiental e destino[10].
Aqui podemos colocar a
questão ambiental como outra contradição gerada pelo modo de produção
capitalista. Para existir e continuar sua expansão, o modo de produção
capitalista gera uma destruição ampliada do meio ambiente. A destruição dos
recursos naturais é cada vez maior e com o tempo pode se tornar irreversível,
promovendo a extinção da espécie humana. A destruição do cerrado, o
desmatamento, a dilapidação de diversos recursos naturais específicos, geram
não apenas problemas graves em regiões e setores da população. Dependendo do
grau de destruição, os seus efeitos poderão se tornar insolúveis no o futuro.
Por enquanto, geram contradições no presente que ficam cada vez mais graves.
Além do movimento ecologista, que perdeu sua radicalidade por submissão à
hegemonia burguesa, a não ser em certas ramificações do mesmo, o impacto da
destruição ambiental se faz cada vez mais na vida cotidiana dos indivíduos. O
retorno de doenças (que estavam há muito tempo controladas), o desequilíbrio
climático (especialmente o esquentamento), a poluição, etc. mostram como o modo
de produção capitalista tem um impacto direto sobre o meio ambiente e um
impacto indireto, apontado nesses exemplos, que gera mais problemas e novos
conflitos.
Os conflitos sociais
derivados dos problemas ambientais só não são maiores por causa de três
elementos fundamentais. O primeiro é que o impacto direto do modo de produção
capitalista sobre o meio ambiente (a produção capitalista e a extração,
destruição, como desmatamento, etc.) não é preocupação pessoal e imediata da
maioria dos indivíduos, inclusive pelo motivo que a divisão social do trabalho
e o mundo cultural e tecnológico não fornece maior visibilidade a este processo.
O segundo é que o impacto indireto do modo de produção capitalista sobre o meio
ambiente (os seus elementos derivados, como poluição, desequilíbrio climático,
etc.) não é perceptível imediatamente, ou seja, poucos conseguem ver a relação
e o núcleo gerador desse processo, o que é reforçado por um conjunto de
ideologias, incluindo algumas “ambientalistas”, como a da sustentabilidade,
conservacionismo, etc.
O terceiro é a hegemonia
burguesa, com seu conjunto de ideologias, valores, etc., principalmente a
valoração do ter ao invés do ser, a luta pela ascensão social e competição, bem
como valoração do mundo tecnológico e das coisas, que fazem com que muitas pessoas,
mesmo tendo noção do processo, não abrem mão de seu consumo, de sua ânsia de
vencer a competição social, da tecnologia, etc. Antigamente os capitalistas
perdiam o anel para não perder os dedos (HUBERMAN, 1978). Hoje em dia muitos
consumidores arriscam-se a perder os dedos para não perderem o anel. A
hegemonia burguesa gera uma cultura na qual a maioria esmagadora da população
está enfeitiçada pelo anel, que também pode ser chamado de dinheiro ou outros
bens materiais ou valores burgueses (poder, fama, sucesso, ascensão social,
etc.), algo que já foi tematizado no filme O
Senhor dos Anéis como sendo “precioso”. Esse é o dilema de Smeagol: o seu maior desejo uma vez
realizado significa sua destruição. A hegemonia burguesa transformou o
capitalismo numa “sociedade do anel” e os indivíduos, em sua maioria, em Sméagols enfeitiçados pelo seu anel precioso, ou seja, seus
valores fundamentais. Esse terceiro elemento reforça os dois outros, pois cria
uma barreira mental que impede sua percepção.
Utopia ou Morte: Meio Ambiente e Destino da Humanidade
René
Dumont escreveu um livro com o título “Utopia
ou a Morte” (DUMONT, 1975). Isso resume o dilema colocado hoje, que também
pode ser expresso em linguagem luxemburguista: socialismo ou barbárie
(LUXEMBURGO, 1991), lembrando que o termo socialismo aqui nada tem a ver com o
capitalismo estatal gerado na Rússia em 1917 e que é companheiro inseparável do
bolchevismo (ou leninismo), que não passa de uma ideologia progressista,
burocrática e por isso semiburguesa. De nada adianta retomar também os
utopismos abstratos, tal como fizeram Schumacher (1979) e sua ideologia da
pequena propriedade ou David Harvey (2004) com seus planos de intelectual[11]. Parafraseando
a letra da música de Pink Floyd, esses autores e obras são apenas mais alguns tijolos
no muro mental que realiza a blindagem cultural do capitalismo.
A reflexão efetiva até
aqui mostrou o caráter destrutivo do capitalismo. A destruição ampliada do meio
ambiente é uma característica do modo de produção capitalista. Deixado a seu
bel-prazer, o capitalismo tende a destruir a natureza da qual a humanidade
depende e assim, por conseguinte, a si mesmo e a humanidade. Hoje estamos sob o
signo do seguinte dilema: é ou a humanidade destrói o capitalismo ou o
capitalismo destrói a humanidade. No entanto, o que substituirá o capitalismo?
Como ele será superado? A possibilidade da “superação positiva do capitalismo”,
para parafrasear Marx (1983) que se referia à propriedade privada, convive com
a possibilidade da “superação negativa”. A superação negativa seria a
constituição de uma nova sociedade fundada, ainda, na exploração de classe. A
base de tal sociedade poderia ser um modo de produção tecnoburocrático, por
exemplo. No entanto, a classe burocrática, que seria embrião da tecnoburocracia
como classe dominante na futura sociedade, já mostrou sua debilidade e nunca
conseguiu ultrapassar o nível do capitalismo, gerando um capitalismo de estado
comandado pela produção de mais-valor. Outras possibilidades são ainda mais
remotas.
Seria possível uma
renovação do capitalismo através de uma forma de governo que conseguisse evitar
um alto grau de destruição ambiental que ficasse num nível aceitável? O regime
de acumulação integral, atual fase do capitalismo, parece ser a última etapa do
capitalismo, pois aumentar ainda mais a exploração (o que ele mesmo faz com
suas políticas de austeridade, apesar disso ser tentativa de manutenção) e
torná-la estável para constituir um novo regime de acumulação é algo bem pouco
provável, a não ser se fosse a constituição de um regime ditatorial. O mundo da
literatura[12]
e do cinema de ficção científica[13] aponta para isso e
talvez, além da guerra (ou junto com ela) e seu caráter também altamente
destrutivo. É possível pensar, numa última tentativa de salvar o capitalismo
num contexto de degradação ambiental cada vez mais intensa, na emergência de um
regime de acumulação ecofascista[14]. As previsões do
ecofascismo são apenas um sintoma do dilema atual da humanidade.
Assim, poderíamos colocar
três opções: utopia, distopia ou a morte/destruição. Quanto mais o tempo passa,
mais a primeira opção fica difícil e em menor grau a segunda, sendo que a
terceira opção se fortalece cada vez mais com o passar do tempo. A previsão,
correta, de que o capitalismo não é infinito e que vai, mais cedo ou mais
tarde, ser destruído ou se autodestruir, não deve criar a ilusão de que isso
vai gerar um futuro melhor, pois este não está decidido. A decisão sobre o
caminho que a humanidade seguirá no futuro depende da luta presente. O futuro é
determinado no presente e ele é marcado pela luta de classes e esta é composta
por milhões de ações de indivíduos, grupos, classes, reforçando uma ou outra
tendência e cada um deve ter consciência disso e agir de acordo com a tendência
que quer fortalecer e sedimentar.
Nesse contexto, torna-se fundamental
a percepção do processo de destruição ambiental. No entanto, é necessário
perceber as determinações desse processo destrutivo e seu vínculo com o modo de
produção capitalista e a sociedade capitalista em geral. Essa é uma das
contradições derivadas do modo de produção capitalista. A superação da
destruição ambiental, no entanto, não ocorre com remendos no capitalismo e nem
com conservacionismo[15]. A resolução do problema
ambiental não é possível sem resolver antes o problema da sociedade que o
produz[16]. Como colocou Maldonado (1978,
p. 110), “isso significa que a questão do escândalo da sociedade deve preceder
a questão do escândalo da natureza”. A relação do ser humano com a natureza é
determinada pela relação entre os próprios seres humanos e somente
transformando esta se pode transformar aquela. Ao invés do utopismo (utopias
abstratas), é necessário recuperar a utopia concreta de uma sociedade
autogerida, na qual a relação entre os seres humanos em sua totalidade permita
a emancipação humana e o reencontro do ser humano e a natureza[17].
Isso tudo aponta para a
percepção de que as teses da superação do capitalismo devido à questão
ambiental são realistas no sentido de que esse é um processo real, mas são
ilusórias por serem meias-verdades, que, como toda ideologia, só pode ter
alguns momentos de verdade, mas nunca revelar a realidade concreta em sua
totalidade. Se abordassem a totalidade, teriam que colocar que o fim de algo
não diz o que vai lhe substituir e, portanto, é necessário analisar as
tendências no interior do que existe para descobrir as possibilidades reais. E
esse exercício intelectual, um outro elemento da totalidade que não pode ser
descartado, por sua vez, tem influência sobre o curso dos acontecimentos,
reforçando uma ou outra tendência. Da mesma forma, ao não abandonar a
totalidade, também fica perceptível que a tendência que prevalecerá dependerá
da ação humana, da luta de classes, e, por conseguinte, qualquer análise da questão
ambiental tem que ser, simultaneamente, um chamado para a luta, e, caso se
queira evitar a destruição da humanidade ou a concretização de uma distopia
tenebrosa, essa deve ser no sentido da instauração da autogestão social ao lado
do proletariado e todos os demais interessados na abolição positiva do
capitalismo. Esconder a totalidade e estes elementos significa declarar de que
está do lado de uma das outras tendências, pois, como já dizia Sartre (1999),
nem um pedregulho é neutro.
Referências
ADORNO, Theodor. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1995.
BARROT, Jean. Carta Sobre a Libertação Animal. Revista Marxismo e Autogestão. Vol. 2,
num. 03, jan./jun. 2015.
BARROT, Jean. O Antifascismo é o Pior Produto do Fascismo. Revista Marxismo e Autogestão. Vol. 2,
num. 04, jul./dez. 2015.
DUMONT,
René. A Utopia ou a Morte.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. O
Feudalismo. 4ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1986.
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna.
São Paulo: Edições Loyola, 1992.
HARVEY,
David. Espaços de Esperança. São
Paulo: Edições Loyola, 2004.
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 14ª
edição. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
JACOBY, Russel e outros. Thomas
Piketty e o Segredo dos Ricos. São Paulo: Veneta, 2014.
LAGO, Antônio e PÁDUA, José Augusto. O Que é Ecologia. 2ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1985.
LIPIETZ, Alan. Miragens e Milagres. Problemas da
Industrialização do Terceiro Mundo. São Paulo: Nobel, 1988.
LUXEMBURGO, Rosa. O Que Quer a Liga Spartacus? In: LUXEMBURGO, Rosa. A Revolução Russa. Petrópolis: Vozes,
1991.
MALDONADO, Tomas. Meio
Ambiente e Ideologia. Lisboa: Socicultur, 1978.
MARX, Karl e ENGELS, F. A
Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª Edição, São
Paulo: Ciências Humanas, 1982.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto
do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 1988.
MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. 2ª edição, São Paulo: Global, 1989.
MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. Lisboa: Nunes, 1974.
MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos.
In: FROMM, Erich. O Conceito Marxista do
Homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
MARX, Karl. O Capital. 5 vols. 3ª edição, São Paulo: Nova Cultural, 1988.
MARX, Karl. O Manifesto dos Três de Zurique. Revista Marxismo e Autogestão. Vol. 01,
num. 02, jul./dez. de 2014. Link:
http://redelp.net/revistas/index.php/rma
MEADOWS,
Donella H.; MEADOWS, Dennis L.; RANDERS, Jorgen; BEHRENS III, W. W. Limites do Crescimento: Um relatório para o
projeto do Clube de Roma sobre o dilema da humanidade. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1973.
MOSCOVICI,
Serge. Sociedade
Contranatura. Lisboa:
Teorema/Bertrand, 1977.
SARTRE, Jean-Paul. Os Tempos Modernos – Apresentação. In: BASTOS, Elide Rugai e RÊGO, Walquíria (orgs.). Intelectuais e Política. A Moralidade do
Compromisso. São Paulo: Olho D’Água, 1999.
SCHUMACHER,
E. F. O Negócio é Ser Pequeno. 2ª edição, Rio de Janeiro: Zahar,
1979.
VIANA, Nildo. A Alienação Como Relação Social.
Revista Sapiência (UEG). Vol. 01,
num. 02, 2012.
VIANA,
Nildo. A Consciência da História – Ensaios sobre o Materialismo
Histórico-Dialético. 2ª edição, Rio de Janeiro: Achiamé, 2007b.
VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A
Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. 2ª edição, Rio de Janeiro:
Rizoma, 2015.
VIANA, Nildo. O
Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo: Ideias e Letras,
2009.
Nildo Viana é Professor da
Faculdade de Ciências Sociais e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela Universidade de
Brasília e Pós-Doutor pela Universidade de São Paulo; autor de diversos livros,
entre os quais: O Capitalismo na Era da Acumulação Integral (São Paulo: Ideias
e Letras, 2009); Os Movimentos Sociais (Curitiba: Prismas, 2016); A Pesquisa em
Representações Cotidianas (Lisboa: Chiado, 2015); Estado, Democracia e
Cidadania – A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo (Rio de
Janeiro: Rizoma, 2015) e O Que São Partidos Políticos (Brasília: Kíron, 2013).
[1] E isso é facilitado pela divisão
social do trabalho, pois certos indivíduos, distantes da relação com o meio
ambiente e superespecializados, acabam se separando também da realidade
concreta, vivendo num mundo imaginário no qual a natureza não tem espaço e nem
importância. Alguns indivíduos nesta situação superam isso por possuírem uma
consciência mais desenvolvida, seja devido história de vida, valores, acesso à
dialética materialista (e a categoria de totalidade), etc.
[2] A dialética é um recurso
heurístico e não um modelo e, por conseguinte, aceita a existência de fenômenos
com múltiplas determinações e em cada caso concreto algumas que podem ser ou
não irremovíveis. Por isso, nada mais estranho à dialética que sua
transformação em metafísica, seja da continuidade ou da descontinuidade, do determinismo
ou do indeterminismo. A dialética é um método que consegue apreender a
realidade e os fenômenos particulares justamente por não se deter em modelos ou
outras barreiras mentais que impedem ou dificultam a percepção da realidade tal
como ela é (ou seja, em sua essência e concreticidade), incluindo os
preconceitos científicos e filosóficos, ambos ideológicos, que através de
crenças sólidas realizam o fetichismo de determinados termos e palavras, gerando
o efeito de impedir essa percepção. O método dialético trabalha com a ideias de
múltiplas determinações e de determinação fundamental, sendo esta o que
constitui determinado fenômeno. O modo de produção capitalista, por exemplo, é
a determinação fundamental na sociedade capitalista. E não tem como ser
diferente. Para ser diferente seria necessário abolir esse modo de produção, o
que significaria, simultaneamente, que não se trataria mais de uma sociedade capitalista.
É o mesmo que dizer que um analfabeto não sabe ler e se ele aprender a ler, não
será mais analfabeto. A essência (determinação fundamental) do analfabetismo é
não saber ler e a essência da sociedade capitalista é o modo de produção
capitalista. Se o analfabeto aprende a ler e a sociedade troca de modo de
produção, então não se trata mais de analfabetismo e capitalismo. A isso se
pode chamar de “determinismo”, mas é apenas a reconstituição do real no
pensamento. Como a realidade muda, então o capitalismo e o analfabetismo são
superáveis e essa determinação fundamental deixa de existir, bem como o
fenômeno que ele constitui. E aqui se vê que não se trata de determinismo, mas
de determinadas relações sociais que só existem enquanto a determinação
fundamental existe, mas é possível superá-la pela ação humana. O determinismo (como
princípio e como elemento de um método) afirma que o capitalismo é insuperável
e o indeterminismo que ele é produto da vontade humana e por isso não é preciso
superá-lo, mostrando duas formas do pensamento burguês e suas falsas oposições.
[3] O pseudomarxismo sempre se
preocupou com a renda, assim como diversos ideólogos burgueses, sendo sua
última estrela Thomas Piketty (JACOBY, 2014), que, aliás, aumentou bastante a
sua renda com as vendagens do seu livro, palatável por grande parte da
população. Trata-se apenas de mais um intelectual venal tratando de
venalidades. Marx, em Crítica ao Programa
de Gotha (1974) já havia criticado o pseudomarxismo socialdemocrata por se
preocupar com a distribuição da renda ao invés da produção. Aliás, não é à-toa
que o foco de Marx sempre foi as relações de produção e não as relações de
distribuição, mesmo porque, elas são idênticas e a primeira determina (o uso da
expressão deve novamente incomodar aqueles indivíduos de mente determinada pelas ideologias dominantes,
o que mostra que o “determinismo” atua aí também, embora não aqui... o que é
possível por partirmos da razão dialética) a segunda. Isso se reproduziu em
toda tradição supostamente “marxista”.
[4] As mercadorias são os bens
materiais inseridos nas relações de produção capitalistas ou bens materiais
produzidos por modos de produção subordinados (como o camponês, sendo que aí se
trata de mercadoria simples e não exatamente de mercadoria especificamente
capitalista) e as mercancias são bens (coletivos e culturais e em alguns casos
raros materiais, como uma escultura, por exemplo) gerados nas relações de
distribuição e de reprodução do capitalismo. Isso pode ser visto de forma mais
desenvolvida no livro A Mercantilização
das Relações Sociais – Modo de Produção Capitalista e Formas Sociais Burguesas,
em preparação.
[5] E também universalizante, invadindo
todos os espaços sociais. Essa questão pode ser vista sob forma mais
aprofundada em A Mercantilização das
Relações Sociais, já citado.
[6] O capital, para sobreviver,
precisa produzir para obter lucro, que é a sua necessidade para sobrevivência,
cujos agentes, a classe capitalista, não abrem mão para não serem destruídos e
perderem seu poder e dinheiro. É por isso que o capital gera produtos
descartáveis, inúteis e com tempo de vida útil cada vez menor: para renovar a
produção e o consumo.
[7] Eis mais uma contradição insolúvel
do capitalismo: ele precisa cada vez mais de madeiras e, por conseguinte,
florestas, mas para transformar essa madeira e possibilitar o consumo, possui
cada vez menos espaço para plantar madeira e, por conseguinte, para as
florestas. Se o planeta terra fosse infinito, esse problema não existiria. Esse
é o mesmo dilema de parasitas e vampiros.
[8] É uma espécie de fungo que ataca
principalmente cacaueiros, gerando uma doença chamada Vassoura-de-Bruxa. Ela é
hemibiotrófico e passa por duas fases, a biotrófica e necrotrófica, sendo que a
primeira é caracterizada pela expansão, no qual o parasita se alimenta de
nutrientes de células vivas sem grandes danos ao hospedeiro, com pouco ou
nenhum dano aparente para o hospedeiro e a segunda pela destruição das células
do hospedeiro, utilizando seus nutrientes. Metaforicamente, podemos dizer que o
capitalismo realiza o mesmo processo, sendo que passou da fase biotrófica para
a necrotófica. Esse fungo, no entanto, na sua fase necrotrófica, produz esporos
que são dispersos pelo vento e podem germinar, tendo um meio ambiente favorável
(água), coisa que o capitalismo não consegue fazer, já que não produz esporos.
[9] Não poderemos desenvolver isso aqui.
Quem tiver interesse em aprofundar nesse processo existe uma ampla bibliografia
a respeito.
[10] Diversas outras contradições
derivadas poderiam ser aqui levantadas, como a mercantilização das relações
sociais e seus efeitos, tal como a burocratização e a intensificação da
competição social, entre outras. Uma das principais contradições é o crescente
desequilíbrio psíquico derivado desses processos contraditórios todos, o que o
torna uma bomba relógio, pois ao invés de uma transformação social radical e
total, a destrutividade, sintoma já percebido em diversos movimentos sociais
que tem setores passando da luta por uma nova sociedade ou por reformas amplas
para a busca de vantagens competitivas /ou destruição do outro. Isso mostra que
Adorno (1995) estava correto em perceber que as condições que geraram o
fascismo ainda existem e podem retornar, mas hoje elas se ampliam cada vez
mais. No entanto, o importante não é impedir e combater o fascismo (BARROT,
2015a), como prega o antifascismo, e sim destruir suas raízes, o que remete ao
modo de produção capitalista.
[11] Marx já dizia que o comunismo é um
movimento real (MARX e ENGELS, 1982), possuindo agentes reais que tem interesse
em sua realização (o proletariado) e não “planos de intelectuais” (MARX e
ENGELS, 1988).
[12] Uma quantidade enorme de obras
literárias distópicas poderia ser listada: Nós,
de Evgueni Zamiatine; 1984, de George
Orwell; Admirável Mundo Novo, de
Aldous Huxley, entre inúmeros outros.
[13] Desde Metrópolis, de Fritz Lang, passando por Blade Runner, Brazil, Mad Max até chegar em Matrix, Resident Evil, Oblivion,
Akira, Elysium, Jogos Vorazes, Há muitas obras cinematográficas baseadas em
obras literárias distópicas, como Fahrenheit
451, Laranja Mecânica, O Planeta dos Macacos, etc. Algumas séries de
televisão também apresentam um futuro distópico, como Revolução, Os 100, Terra Nova, The
Walking Dead, etc.
[14] Sobre os regimes de acumulação,
sua conceituação e sucessão histórica, veja Viana, 2009; Viana, 2015. Uma
concepção diferenciada pode ser vista em Lipietz (1988) e Harvey (1992).
[15] A concepção conservacionista é
oposta ao do projeto social ecologista (LAGO e PÁDUA, 1985), e é expressa, por
exemplo, na defesa de criação de reservas florestais, partindo do raciocínio
simplista que aponta para conservar pequenas ilhas de natureza no interior de
um mundo devastado, o que demonstra uma dupla incompreensão: a da dinâmica natural
e a da capitalista.
[16] Nem o problema dos animais
(BARROT, 2015b), das mulheres, das crianças, racial ou qualquer outro.
[17] Uma sociedade desumana gera um
meio ambiente desumanizado e por isso é necessário reumanizar a sociedade para
fazer o mesmo com a natureza e promover a unificação que Marx já havia apontado
entre história natural e história humana (MARX, 1988).
Publicado originalmente em:
https://www.revistas.ufg.br/atelie/article/view/44854
VIANA, Nildo. Capitalismo e Destruição Ambiental. Ateliê Geográfico - Goiânia-GO, v. 10, n. 3, p. 179-192, dez./2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário