Desenvolvimento Capitalista, Luta de Classes e Política Institucional
Nildo Viana
* Capítulo do livro:VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica da Política Institucional no Capitalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003.
A luta de classes é o motor das transformações da
política institucional. As mudanças políticas-institucionais são provocadas
pelo desenvolvimento capitalista, marcado pela luta entre as classes sociais.
Esta é a tese que apresentaremos aqui e que já foi esboçada nos capítulos
anteriores. Poderíamos ter iniciado com este capítulo, mas preferimos encerrar
com ele, invertendo a ordem tradicional, pois agora, após uma análise histórica
(embora incompleta, o que nos faz, aqui, completar parcialmente o que já havia
sido esboçado nos capítulos anteriores) do desenvolvimento do estado
capitalista, da democracia burguesa e da cidadania, ficará mais perceptível
nossa tese.
As lutas de classes assumem duas formas fundamentais:
luta de classes na produção e luta de classes na sociedade civil. Sem dúvida,
estas duas formas estão intimamente ligadas e entrelaçadas, mas também possuem
algumas especificidades, das quais trataremos brevemente aqui. A luta de
classes na produção é aquela que se realiza no processo de trabalho
capitalista, que é, simultaneamente, processo de valorização (Marx, 1988a).
Trata-se de uma luta em torno do mais-valor, o que traz implicações para a
organização do trabalho, o uso da tecnologia, a burocracia, etc. A classe
operária, nesta luta, utiliza desde a resistência passiva (ações individuais,
desinteresse, absenteísmo, etc.) passando por diversas ações até chegar ao
processo de radicalização, expresso pelas greves, formação de conselhos de
fábrica, ocupação de fábrica e autogestão das unidades de produção. Em síntese,
a luta de classes na produção é aquela realizada no processo de produção, que,
no capitalismo, é uma luta em torno do mais-valor, ocorrida no processo de valorização,
manifestação do processo de trabalho nesta forma específica de sociedade.
A luta de classes em torno do mais-valor é,
inicialmente, por parte do proletariado, uma luta pela diminuição da extração
de mais-valor e, em momentos de acirramento das lutas de classes, uma luta pela
abolição do mais-valor. Para a burguesia, trata-se, num primeiro momento, de
uma luta pelo aumento de extração de mais-valor, e, num segundo, quando há o
acirramento da luta operária, uma luta pela manutenção da extração de mais-valor.
Isto ocorre, independentemente da consciência concreta destas classes, pois é a
própria posição diante das relações de produção que provoca isto. A burguesia
precisa, devido a competição capitalista, aumentar a extração de mais-valor e
quanto o movimento operário ameaça a relação-capital, precisa se unir para
garantir a reprodução desta relação. O proletariado luta contra o aumento e
pela diminuição do mais-valor pelo motivo de que isto é um processo que marca
sua vida cotidiana e lhe suga o sangue, sendo que o capital é como um vampiro
para os indivíduos proletários. Esta luta é a recusa natural do trabalho
alienado, da destruição psíquica do trabalhador, da opressão durante a jornada
de trabalho. Nos momentos de ascensão da luta operária ocorre o questionamento
da própria relação-capital, isto é, da produção de mais-valor. Isto ocorre com
a autogestão da luta operária pela própria classe operária, que já instaura a
autogestão nas fábricas e do conjunto das relações sociais, abolindo a base da
produção de mais-valor.
A luta de classes na sociedade civil já ocorre fora da
esfera da produção. O conceito de sociedade civil expressa, tal como em Hegel,
a esfera privada em contraposição à esfera pública (estatal) (Hegel, 1979;
Lefebvre & Macherey, 1999), posição que será a mesma de Marx, embora este
use este termo poucas vezes, e não entra no seu arcabouço teórico. Aqui
utilizamos a expressão sociedade civil num sentido bem específico: é o conjunto
das formas privadas de regularização das relações sociais. Em outras palavras,
além do modo de produção dominante e dos modos de produção subordinados, temos
as formas de regularização das relações sociais (“superestrutura”), que podem
ser divididas em formas privadas e estatais. As formas estatais são constituídas
pelo estado, pelas instituições estatais (fundações, autarquias, etc.), pelos
seus aparelhos (jurídico, policial, etc.) por suas ideologias, etc. enquanto
que as formas privadas são a cultura, a sociabilidade, as instituições civis
(igrejas, partidos, associações, escolas, hospitais etc.), etc. A sociedade
civil é constituída, em nossa concepção, por estas formas privadas. A relação
entre sociedade civil e estado, entre as formas privadas e as formas estatais
de regularização é marcada por conflitos e pelo predomínio da burguesia em
ambas. O estado, tal como colocamos anteriormente, é um aparelho privado do
capital e a sociedade civil é hegemonizada pela burguesia, pois ela é a classe
dominante, comandando o modo de produção e o estado, possuindo o domínio tanto
financeiro quanto repressivo e institucional na sociedade civil. Mas esta
hegemonia não é absoluta e é por isso que existe luta de classes na sociedade
civil.
A luta de classes na sociedade civil é aquela
realizada na esfera cultural, nas instituições, nos locais de moradia, etc.
Segundo a ideologia dominante, são as lutas sociais em geral, em contraposição
às lutas políticas, que só ocorreriam sendo direcionadas para o estado,
precisando de sua sanção para conseguir o título de “político”. Tais lutas, na
verdade, são lutas políticas institucionais, isto é, uma parte reduzida das
lutas políticas, que mantém uma relação com o estado. Mas a parte mais ampla
das lutas de classes na sociedade civil ocorre sem apelar para o reconhecimento
estatal. Uma delas está na luta cultural cotidiana realizada pelas classes
exploradas, movimentos sociais, grupos revolucionários. A esquerda tradicional
sempre enfatizou esta esfera da luta, através de suas ações partidárias, mas a
direcionou no sentido de conquistar o poder estatal, expressão dos interesses
de classes que a anima. Daí sua concepção de partido e consciência exterior
(leninismo, social-democracia), revelando sua vocação dirigista e burocrática,
expressão dos interesses de classe da burocracia.
Sem dúvida, a luta de classes dirigida ao estado pode
ser efetivada pelo conjunto dos explorados e oprimidos, mas isto depende do
tipo reivindicação feita e nunca assume uma importância central nas lutas
sociais. A luta pela diminuição da jornada de trabalho, por exemplo, foi uma
luta da classe operária na sociedade civil que teve repercussão na luta de
classes na produção. O mesmo ocorre coma expansão de uma cultura
revolucionária. A luta em torno do mais-valor, por sua vez, também interfere na
lutas de classes na sociedade civil. Quando a classe dominante quer aumentar a
extração de mais-valor absoluto, ela precisa mudar a legislação trabalhista,
isto é, interferir na esfera da sociedade civil ou, quando o proletariado
realiza um amplo movimento grevista, isto influencia as lutas na sociedade
civil, reforçando a cultura revolucionária e aumentando o temor da classe
dominante.
Após apresentar esta breve definição de lutas de
classes na produção e na sociedade civil, podemos partir para o processo de
desenvolvimento das lutas de classes e as mudanças que elas provocam no
desenvolvimento capitalista e na política institucional. O desenvolvimento
capitalista é marcado pela sucessiva mudança no regime de acumulação. Um regime
de acumulação é constituído por uma determinada forma assumida pelo processo de
valorização, uma determinada forma de organização estatal e um modo específico
de relação entre os países capitalistas, ou seja, de relações capitalistas
internacionais.
A passagem da acumulação primitiva de capital para a
acumulação capitalista propriamente dita significa a instauração de um novo
regime de acumulação, agora especificamente capitalista, dentro dos países
capitalistas imperialistas. O regime de acumulação instaurado é o extensivo, no
qual a classe capitalista extrai, fundamentalmente, mas não unicamente,
mais-valor absoluto. É neste momento histórico que surge o estado capitalista,
sob a forma de estado liberal, e o neocolonialismo[1],
elementos necessários e complementares para a acumulação capitalista.
O regime de acumulação extensivo, no qual predomina a
extração de mais-valor absoluto, se caracteriza por um alto grau de exploração
da força de trabalho realizada pela classe capitalista. A luta de classes na
produção demonstra o predomínio do capital e a imposição de longas jornadas de
trabalho, baixos salários, amplo uso de força de trabalho precoce (crianças e
jovens) e feminina, etc. A luta operária era expressa em ações como o cartismo,
a quebra de máquinas, etc. As lutas de classes na sociedade civil se manifestavam,
por um lado, como luta operária para mudar as condições de trabalho (jornada de
trabalho, luta contra o uso de força de trabalho precoce e feminino, etc.),
salários, legalização de sindicatos, e pela ampliação dos direitos civis e
políticos, etc.
O estado liberal evitava a ampliação da participação
restrita das classes sociais na elaboração das políticas estatais
(democratização), pois temia, tal como expressava seus ideólogos, que o direito
de voto estendido aos trabalhadores resultasse em seu predomínio na esfera
estatal (Macpherson, 1978). A democracia censitária e a cidadania civil
(direitos civis) era o máximo que poderia ceder o estado liberal, pois as
reivindicações operárias (tal como a diminuição da jornada de trabalho)
comprometiam o regime de acumulação e este exige um estado repressivo. A década
de 40 do século 19 marca uma ascensão das lutas operárias e a dificuldade de
reprodução deste regime de acumulação. Na década de 50 tal regime de acumulação
entra verdadeiramente em crise e culmina com a Comuna de Paris, em 1871, a
primeira tentativa de instauração da autogestão social. “Este modelo de
acumulação se esgota a partir dos anos 70: a crise se instaura através da
acentuação da luta de classes, marcada pela Comuna de Paris, e só será vencida,
através da superação do laissez faire
dos anos 50-70 – único período de verdadeiro liberalismo capitalista –, da
constituição dos monopólios e da expansão do imperialismo” (Amin, 1977, p. 9)[2].
A ascensão da luta operária marca uma
derrota temporária da classe capitalista. A diminuição da jornada de trabalho
foi um duro golpe para a classe capitalista e, juntamente com outras
determinações, decretou a crise do regime de acumulação extensivo do
capitalismo livre-concorrencial e sua substituição pelo regime de acumulação do
capitalismo oligopolista. Marx descreveu o longo processo de lutas operárias
pela diminuição da jornada de trabalho que perpassa todo o século 19. Segundo
Marx, “a criação de uma jornada normal de trabalho, é, por isso, o produto de uma
guerra civil de longa duração, mais ou menos oculta, entre a classe capitalista
e a classe trabalhadora. Como a luta foi inaugurada no âmbito da indústria mais
moderna, travou-se primeiro na terra natal dessa indústria, na Inglaterra”
(Marx, 1988a, p. 227).
A guerra civil oculta em torno da
jornada de trabalho na Inglaterra (e as lutas operárias em outros países
capitalistas, tal como na França) teve conseqüências de alcance mundial. Esta
luta de classes na sociedade civil provocou alterações na luta de classes na
produção. Mas o que ocorreu nesta esfera, num primeiro momento, foi a ofensiva
capitalista que buscava compensar a diminuição de extração de mais-valor
absoluto devido a diminuição da jornada de trabalho com o aumento da extração
de mais-valor relativo. Trata-se da passagem do regime de acumulação extensivo
para o regime de acumulação intensivo.
A obra de Taylor e a “administração
científica do trabalho” são a resposta do capital, já esboçada de forma não
sistemática antes do surgimento do taylorismo, a este recuo na extração de
mais-valor absoluto. Assim se institui um novo regime de acumulação,
complementado pelo uma nova forma estatal, o estado liberal-democrático, e uma
nova forma de exploração internacional, o imperialismo. O taylorismo buscava,
através da organização do processo de trabalho, aumentar a extração de
mais-valor relativo. Sem dúvida, este processo foi acompanhado pela resistência
operária, em parte descrita pelo próprio Taylor ao relatar suas experiências
(Taylor, 1987). O estado liberal-democrático significou uma concessão ao
movimento operário, ao regularizar partidos, sindicatos, etc., ampliar a
legislação trabalhista, entre outras ações, sendo que na esfera da política
institucional isto tudo significou a passagem do estado liberal para o estado
liberal-democrático e também a passagem da democracia censitária para a
democracia partidária liberal, ao lado da ampliação da cidadania, que passa a
englobar os direitos políticos. No entanto, o estado liberal-democrático, ao
mesmo tempo em que realizou estas concessões, buscou integrá-las em sua lógica
de reprodução, anulando o caráter potencialmente subversivo destas mudanças.
Este processo foi acompanhado pela
centralização e concentração de capital originária do período anterior, o que
proporcionou a formação dos oligopólios e a dinâmica do capitalismo
oligopolista passou a ser centrada na acumulação intensiva. O capital
oligopolista gerou uma nova política estatal, o protecionismo e, juntamente com
isso, a exportação de capital-dinheiro (Benakouche, 1980), formando a base do
imperialismo financeiro, que tornou a forma predominante de exploração
internacional, convivendo com as formas neocoloniais que continuavam
sobrevivendo de forma secundária a partir desse momento. O capital oligopolista
necessitava de ampliar os investimentos e a exportação de capital-dinheiro
resolvia parcialmente esta questão, embora provoque o acirramento dos conflitos
internacionais com os demais países imperialistas na busca de novos domínios
nacionais. A produção capitalista se expande nos países subordinados, tal como
a Rússia, o Brasil, entre outros.
O capitalismo oligopolista, com seu
regime de acumulação intensivo, entra em crise já no início do século 20. Este regime de acumulação é substituído por
uma versão reformada da acumulação intensiva, o que gera novas transformações
na sociedade capitalista.
A luta operária no início do século
20 assusta a burguesia dos países capitalistas imperialistas. A
social-democracia crescia eleitoralmente, bem como outras organizações
reformistas (sindicatos, por exemplo). As tendências revolucionárias também se
alastraram (anarquismo, sindicalismo revolucionário, as correntes esquerdistas
do marxismo, etc.) e o movimento operário como um todo mostrava sua força. A
luta de classes na produção ia desde a resistência cotidiana ao taylorismo até
os fortes movimentos grevistas enquanto que a luta de classes na sociedade
civil se manifestava no apoio eleitoral aos partidos social-democratas, o
fortalecimento das tendências revolucionárias, a produção cultural
contestadora, etc. A revolução russa de 1905 e as greves na Europa nos
primeiros anos do século 20 foram seguidas pelas diversas tentativas de
revolução social nos anos seguintes, a formação dos conselhos operários e o fortalecimento
do anarquismo e do esquerdismo[3],
tal como as tentativas de revolução na Alemanha, na Itália, na Hungria, na
Rússia, etc. A derrota do movimento operário na Rússia, graças à
contra-revolução burocrática realizada pelo bolchevismo, bem como a influência
crescente deste em partidos e sindicatos, apareceu, aos olhos da burguesia,
como uma “vitória proletária” e como uma “ameaça comunista”.
Em alguns países capitalistas, tal
como na Alemanha, o estado liberal-democrático e a classe capitalista resistiram,
num primeiro momento, cedendo o governo para a social-democracia, pensando que
ela pudesse conter o ímpeto revolucionário devido sua influência na população e
sua força nos meios sindicais. Ao ver que tal estratégia não funcionava, teve
que apelar para a repressão e o fascismo. Este foi um momento de crise
generalizada na Europa, gerando as guerras mundiais. O capitalismo de guerra
(os economistas utilizam o eufemismo “economia de guerra”, deixando claro o
caráter ideológico da expressão que busca dar aparência de neutralidade ao
processo destrutivo assumido pelo capital em momentos de fortes crises) se
instaurava e salvava o modo de produção capitalista da destruição.
A segunda guerra mundial abriu
caminho para um novo regime de acumulação, pois a destruição em massa das
forças produtivas possibilitava uma ampla e generalizada acumulação de capital,
principalmente tendo em vista a capacidade tecnológica existente. O novo regime
de acumulação se fundamentava no fordismo, no estado integracionista (também
chamado de welfare state, keynesiano,
social-democrata ou “de bem estar social”) e no imperialismo oligopolista. O
fordismo tem suas origens remotas no início do século 20, mas é somente no
pós-guerra que irá se tornar hegemônico: “a data inicial simbólica do fordismo
deve por certo ser 1914, quando Henry Ford introduziu seu dia de oito horas e
cinco dólares como recompensa para os trabalhadores da linha automática de
montagem de carros que ele estabelecera no ano anterior em Dearbon, Michigan.
Mas o modo de implantação geral do fordismo foi muito mais complicado que isso”
(Harvey, 1992, p. 121).
Harvey sustenta que Ford apenas
aprimorou algumas tendências tecnológicas e organizacionais e aprofundou a
racionalização do processo de trabalho, ação iniciada por Taylor. “O que havia
de especial em Ford (e que, em última análise, distingue o fordismo do
taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção de
massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de
trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova
estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática,
racionalizada, modernista e populista” (Harvey, 1992, p. 121).
Na verdade, o fordismo se distingue
do taylorismo, enquanto forma de organização do trabalho, pela busca de
extração de mais-valor relativo via uso da tecnologia (Viana, 2001), ou seja,
enquanto Taylor buscava aumentar a produtividade via organização (controle e
gerência) do processo de trabalho, Ford ia além e buscava aumentar a
produtividade com o uso de novas tecnologias que determinam o ritmo e a
intensidade do trabalho. Isto, sem dúvida, não só proporcionava e incentivava a
produção em massa, como exigia ela e não tinha aplicabilidade fora dela, pois
aumentava os custos de produção (derivados do uso de novas tecnologias) e a
tecnologia aplicada proporcionava a produção em massa, o que inviabilizava seu
uso em produção de pequena escala. A ampliação das empresas oligopolistas era
pré-condição para a generalização do fordismo.
Outra característica do fordismo é
que este processo de intensificação do trabalho tendia a aumentar a
insatisfação e resistência dos trabalhadores e daí ele ser complementado por um
sistema compensatório visando impedir a manifestação desta tendência. Foi por
este motivo que H. Ford forneceu aumento salarial aos seus operários, o que,
sem dúvida, corroia parte do mais-valor relativo adquirido com o aumento da
produtividade[4], mas
garantia a estabilidade na empresa e
servia de “incentivo material” para os trabalhadores.
Este foi o motivo pelo qual o
taylorismo foi predominante durante o capitalismo oligopolista, pois o fordismo
exigia maiores gastos com tecnologia e maiores salários. É somente a partir do
pós-guerra que o fordismo se torna predominante nos países capitalistas
imperialistas: “a internacionalização propriamente dita do fordismo começou
apenas após a Segunda Guerra Mundial, impulsionada ativamente pelos EUA. O
plano Marshall, a partir de 1949, poderia à primeira vista ser interpretado
como uma tentativa de prover de dólares as economias européias desorganizadas e
destruídas pela guerra, para vaciná-las contra o ‘perigo comunista’ e assegurar
economicamente a aliança ocidental. Numa focalização mais aprofundada, entretanto,
tratava-se de um projeto para abrir possibilidade de mercado à produção
americana, facilitando assim a difícil conversão da economia de guerra em
economia de paz” (Altvater, 1995, p. 164).
Aqui temos a razão de ser da expansão
do fordismo: a produção capitalista após 1945 visa conter suas contradições,
buscando integrar a classe operária no capitalismo e aumentando a produção dos
meios de consumo (Viana, 2002). A partir desta época, os investimentos são
crescentemente investidos na produção de meios de consumo em detrimento da
produção de meios de produção (o que não significa, de forma alguma, que tenha
diminuído os investimentos na produção de meios de produção, mas sim que houve
um deslocamento de investimento para a produção de meios de consumo, o que
significou um aumento proporcional deste em relação à produção de meios de
produção, que, caso não ocorresse, geraria um ritmo ainda mais acelerado de
desenvolvimento tecnológico que aumentaria excessivamente a composição orgânica
do capital)[5].
Este crescimento da produção de meios
de consumo, por sua vez, trazia a necessidade de ampliação do mercado
consumidor. Os aumentos salariais possibilitavam um aumento do mercado
consumidor, mas ainda insuficiente. Por outro lado, as lutas operárias e o movimento
socialista anterior à guerra tinha colocado em questão o capitalismo e a
derrota do nazi-fascismo teve a contribuição de diversas correntes socialistas
e da União Soviética, que ainda era vista como “ameaça comunista” pela
burguesia e como “socialismo” por grande parte dos trabalhadores.
Isto provocou a transformação do
estado liberal-democrático em estado integracionista (também chamado estado do
bem estar social e estado keynesiano, sendo que a primeira expressão destaca a
política social e o suposto “bem estar” gerado por ela, enquanto que a segunda
destaca o intervencionismo estatal na esfera da produção e reprodução do
capital), cujo objetivo primordial era integrar a classe operária no
capitalismo. A política estatal de seguridade social e o conjunto de políticas
voltadas para a educação, saúde, etc., visavam integrar a classe operária,
melhorando seu nível de vida e a qualificação de parte dela, e, ao mesmo tempo,
buscava ampliar o mercado consumidor, pois a força de trabalho ao ser liberada
de determinados gastos e receber seguro-desemprego, entre outros benefícios
financeiros, passava a ter um maior poder aquisitivo. No entanto, esta nova
forma estatal, bem como a nova estratégia do capital no processo de valorização
(fordismo) ao mesmo tempo aumentava a extração de mais-valor relativo,
aumentava os gastos estatais e os aumentos salariais que anulavam parte do
mais-valor que poderia ser extraído com o aumento de produtividade.
Este dilema do capital foi resolvido
com a expansão capitalista transnacional. O imperialismo, neste momento
histórico, passa a se caracterizar pelo predomínio da exportação de
capital-produtivo, e as empresas transnacionais se instalam em diversos países,
abrindo uma nova fase de exploração imperialista, realizando uma ampla
transferência de mais-valor dos países capitalistas subordinados para os países
capitalistas imperialistas[6]
(Viana, 2000). Assim, o capitalismo oligopolista transnacional inaugura um novo
regime de acumulação, o intensivo-extensivo, marcado pela extração de
mais-valor relativo nos países imperialistas e pelo predomínio da extração de
mais-valor absoluto nos países capitalistas subordinados. Assim, a acumulação
intensiva no capitalismo imperialista era reforçada pela acumulação extensiva
no capitalismo subordinado, através da transferência de mais-valor.
Este novo regime de acumulação
amortece as lutas de classes nos países capitalistas imperialistas, pois o
estado integracionista não só busca integrar a classe operária através de sua
política de “bem estar social”, o que significa, simultaneamente, a
constituição da “cidadania social” (inclusão dos direitos sociais na cidadania,
tal como descrita por T. H. Marshall, seu principal ideólogo), bem como as
empresas oligopolistas concedem aumentos salariais, mas também pelo
intervencionismo estatal nas instituições da sociedade civil (através da
regularização jurídica, incentivos, recursos, controle, etc.), reforçando o
processo de burocratização e mercantilização das relações sociais. O processo
de mercantilização das relações sociais faz parte da estratégia de ampliação do
mercado consumidor, fazendo os serviços sociais não-estatais assumirem a
forma-mercadoria[7]. O
processo de burocratização das relações sociais significa a formação da
“sociedade civil organizada”, isto é, burocratizada. Estes processos são
complementares e proporcionarão a instituição da democracia partidária
burocrática em substituição à democracia partidária liberal.
O regime de acumulação
intensivo-extensivo, que alguns chamam de “fordista”[8], se
desenvolveu, em cada país, de acordo com suas peculiaridades, tal como no caso
francês já abordado, que, por ter sofrido uma destruição maior no processo da
segunda guerra mundial, teve um desenvolvimento peculiar, utilizando o processo
inflacionário como estratégia para viabilizar a reconstrução da produção
nacional (Mauro, 1973). Este regime de acumulação garantiu a estabilidade no
capitalismo oligopolista transnacional até o final da década de 60, quando
começa o seu declínio. “Em retrospecto, parece que havia indícios de problemas
sérios no fordismo já em meados dos anos 60. Na época, a recuperação da Europa
Ocidental e do Japão tinha se completado, seu mercado interno estava saturado e
o impulso para criar mercados de exportação para os seus excedentes tinha de
começar. E isso ocorreu no momento em que o sucesso da racionalização fordista
significava o relativo deslocamento de um número cada vez maior de
trabalhadores da manufatura. O conseqüente enfraquecimento da demanda efetiva
foi compensado nos Estados Unidos pela guerra à pobreza e pela guerra do
Vietnã. Mas a queda da produtividade e da lucratividade corporativas depois de
1966 marcou o começo de um problema fiscal dos Estados Unidos que só seria
sanado às custas de uma aceleração da inflação, o que começou a solapar o papel
do dólar como moeda-reserva internacional estável. A formação do mercado do
eurodólar e a contração do crédito no período 1966-1967 foram, na verdade,
sinais prescientes da redução do poder norte-americano de regulamentação do
sistema financeiro internacional. Foi também perto dessa época que as políticas
de substituição de importações em muitos países do Terceiro Mundo (da América
Latina em particular), associadas ao primeiro grande movimento das
multinacionais na direção da manufatura no estrangeiro (no Sudoeste Asiático em
especial), geraram uma onda de industrialização fordista competitiva em
ambientes inteiramente novos, nos quais o contrato social com o trabalho era
fracamente respeitado ou inexistente. Daí por diante, a competição
internacional se intensificou à medida que a Europa Ocidental e o Japão,
seguidos por toda uma gama de países recém-industrializados, desafiaram a
hegemonia estadunidense no âmbito do fordismo a ponto de fazer cair por terra o
acordo de Bretton Woods e de produzir a desvalorização do dólar. A partir de
então, taxas de câmbio flutuantes e, muitas vezes, sobremodo voláteis
substituíram as taxas fixas da expansão do pós-guerra” (Harvey, 1992, p. 135).
O regime de acumulação
intensivo-extensivo, a partir da década de 60, encontra dificuldades crescentes
para sua reprodução (Granou, 1974; Harvey, 1992). As lutas sociais se
manifestaram através do movimento de contracultura, autonomização do movimento
estudantil (em toda a Europa e em outros continentes, mas com destaque para o
Maio de 68 em Paris) e do movimento operário (Itália, França, etc.), bem como o
ressurgimento ou fortalecimento de tendências revolucionárias, que já vinha se
esboçando anteriormente (anarquismo, situacionismo, etc.).
O esgotamento do regime de acumulação
intensivo-extensivo foi provocado, mais uma vez, pela tendência declinante da
taxa de lucro. O sucesso deste regime de acumulação dependia do alto grau de
exploração dos trabalhadores do capitalismo subordinado, da constante reprodução
ampliada do mercado consumidor e da integração da classe operária no
capitalismo oligopolista transnacional, elemento que dependia dos dois
anteriores. A partir do final da década de 60, estes três elementos encontraram
dificuldades crescentes em se reproduzir.
A taxa de lucro começa a cair a
partir da década de 60 e continua em queda até o início da década de 70
(Harvey, 1992). A solução do capital não poderia ser fundamentada apenas num
novo aumento da exploração dos trabalhadores do capitalismo subordinado, pois
isto significaria uma elevação extrema da exploração e teria conseqüências, tal
como, além de aumentar a instabilidade dos países capitalistas subordinados,
impedir a ampliação do mercado consumidor e este, no capitalismo oligopolista
transnacional, já não podia crescer no ritmo necessário para a reprodução
ampliada do capital. A conseqüência imediata disto seria o fim do estado
integracionista, pois a solução encontrada foi o aumento da exploração, tanto
no capitalismo imperialista quanto no capitalismo subordinado, além de uma nova
disputa interimperialista pela partilha do mercado consumidor.
Assim, ao ver o recrudescimento do
mercado consumidor, a disputa por este se torna cada vez mais acirrada, bem
como se busca desacelerar a produção de meios de consumo, seja através da
transformação de capital produtivo em capital improdutivo (capital financeiro),
seja através de guerras, o que permite um fortalecimento da indústria bélica e
a destruição das forças produtivas nacionais que, no pós-guerra, se torna um
mercado consumidor subordinado.
Juntamente com isto, e esta é a
estratégia fundamental, se aumenta a taxa de exploração, tanto nos países
imperialistas quanto nos subordinados. Assim, temos o novo regime de
acumulação, que vai sendo gestado no final da década de 60 (com exceção do
Japão, que lança suas bases já na década de 50, sendo sua forma de reconstrução
nacional, mas apenas no que se refere ao processo de valorização), mas que só
começa a existir efetivamente e predominantemente a partir da década de 80.
Trata-se do regime de acumulação integral, que busca aumentar, simultaneamente,
a extração de mais-valor relativo e mais-valor absoluto. Esta busca de aumento
da taxa de exploração vai ser batizada de “reestruturação produtiva” e terá no
toyotismo (Viana, 2001) e modelos similares a forma como o capital irá agir no
processo de valorização, o que será complementado pelo estado neoliberal e pelo
neo-imperialismo.
As mudanças no processo de
valorização ocorrem tendo por base a reorganização do processo de trabalho,
que, na verdade, é uma continuidade do taylorismo-fordismo, com alterações
formais (Viana, 2001). O taylorismo centrava sua busca de aumento de extração
de mais-valor relativo na organização do trabalho, no controle e gerencia, e o
fordismo no uso da tecnologia. O toyotismo, bem como modelos similares,
focaliza os dois processos em conjunto. O sistema toyota subordina o processo
de produção à demanda do mercado (o método kan-ban, inspirado nos supermercados
norte-americanos), o que gera um processo de revezamento entre intensificação e
não-intensificação do trabalho, processo que tem como vantagens: não produzir
em excesso; proporcionar descanso que faz os trabalhadores suportarem os
momentos de extrema intensificação do trabalho. O trabalho em equipe e a
pluri-especialização visa catexizar o trabalhador, ou seja, busca fazer com que
ele invista suas energias físicas e mentais no processo de trabalho para
aumentar a produtividade. O controle de qualidade é apenas uma nova roupagem da
vigilância proposta por Taylor, agora realizada pelos próprios trabalhadores
(embora não totalmente).
Ao lado disso, temos os fenômenos da
terceirização, da sub-contratação, do trabalho “autônomo”. Estes são métodos secundários de exploração
capitalista (Marx, 1986b) e que são complementados pela desregulamentação
das relações de trabalho e pela lumpemproletarização[9],
sendo que o primeiro permite a diminuição de custos pela empresa capitalista e
o segundo aumenta o desemprego e a competição pelo mercado de trabalho, o que
proporciona a desvalorização da força de trabalho e diminuição salarial.
Assim, temos o elemento principal do
processo de acumulação integral: busca de aumento de extração de mais-valor
relativo e mais-valor absoluto (Viana, 2001; Harvey, 1992), pois este conjunto
de mudanças não só afeta os salários como também a jornada de trabalho, que,
surpreendentemente, aumenta. “O mercado de trabalho, por exemplo, passou por
uma radical reestruturação. Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento
da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões tiraram
proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de
mão-de-obra excedente (desempregados ou subempregados) para impor regimes e
contratos de trabalho mais flexíveis. É difícil esboçar um quadro geral claro,
visto que o propósito dessa flexibilidade é satisfazer as necessidades com
freqüência muito específicas de cada empresa. Mesmo para os empregados
regulares, sistemas como ‘nove dias corridos’ ou jornadas de trabalho que têm
em média quarenta horas semanais ao longo do ano, mas obrigam o empregado a
trabalhar bem mais em períodos de pico da demanda, compensado com menos horas
em períodos de redução da demanda, vêm se tornando muito mais comuns. Mais
importante do que isso é a aparente redução do emprego regular em favor do
crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado”
(Harvey, 1992, p. 143)[10].
Este processo demonstra a nova
preocupação do capital: aumentar a extração de mais-valor absoluto. Assim, o
que temos é que o novo regime de acumulação combina a busca de aumento de
extração de mais-valor relativo com a intensificação da extração de mais-valor
absoluto (Viana, 2001; Harvey, 1992). “Aqui, a acumulação flexível parece
enquadrar-se como uma recombinação simples das duas estratégias de procura de
lucro (mais-valia) definidas por Marx. A primeira, chamada de mais-valia
absoluta, apóia-se na extensão da jornada de trabalho com relação ao salário
necessário para garantir a reprodução da classe trabalhadora num dado padrão de
vida. A passagem para mais horas de trabalho associadas com a redução geral do
padrão de vida através da erosão do salário real ou da transferência do capital
corporativo de regiões de altos salários para regiões de baixos salários
representa uma faceta da acumulação flexível de capital” (Harvey, 1992, p.
174).
Nada disso seria possível se o estado
capitalista continuasse sendo integracionista. As novas necessidades do novo
regime de acumulação fazem emergir o estado neoliberal. A ideologia neoliberal
surge no pós-guerra com a obra de Hayek e tem desdobramentos em outras obras e
pensadores, tal como Milton Friedman (Anderson, 1998), mas tratava-se de
“idéias fora da época”. As idéias neoliberais em plena época de regime de
acumulação intensivo-extensivo, com seu estado integracionista, não tinha a
menor chance de vingar. As novas necessidades do capitalismo produzem a
recuperação de velhas idéias. O neoliberalismo vai sendo gestado e chega a ser
implantado no final da década de 70 e início da década de 80 (Margareth Tatcher
em 1979, na Inglaterra; Ronald Reagan, nos EUA, em 1980).
O estado neoliberal é um complemento
necessário para a luta pelo aumento da extração de mais-valor. A
desregulamentação das relações de trabalho, o fim da política social de “pleno
emprego”, são ações estatais, entre outras, que atingem diretamente o processo
de valorização. Além disto, a redução dos gastos estatais e o “livre mercado”
buscam proporcionar uma política estatal favorável à retomada da acumulação
capitalista, bem como a nova política fiscal e internacional.
Ao romper com a política
integracionista (“bem estar social”) e adotar a política neoliberal, o estado
capitalista deve se tornar, tal como coloca alguns de seus ideólogos (Bobbio,
1987; Bobbio, 1988), “mínimo e forte”. estado mínimo é aquele que deixa a mão
invisível do mercado, isto é, a ânsia pelo lucro das empresas capitalistas,
tomar conta de tudo. O livre mercado revela-se, na verdade, livre exploração. O
estado forte é o estado repressor, uma necessidade do capitalismo, pois como o
estado neoliberal rompe com o integracionismo, a política de integração da
classe operária, provocando o aumento da exploração e, principalmente, da
lumpemproletarização, o que gera mais conflitos sociais, protestos, violência,
criminalidade e, por conseguinte, do ponto de vista do estado capitalista,
produz a necessidade um estado repressor. O estado forte tende a se tornar cada
vez mais um estado penal, tal como descrito por Wacquant (2001). Com o
aprofundamento do regime de acumulação, também ocorre a tendência de
acirramento das lutas sociais e o fortalecimento do bloco revolucionário, o que
fornece mais material para a repressão.
O fim do integracionismo marca o
recuo da cidadania (social), com a limitação dos direitos sociais. O fim do
integracionismo estatal é substituído por uma espécie de “integracionismo
civil”, incentivado pelo estado e pelo capital, expresso em instituições da
sociedade civil, principalmente ONGs, que buscam cumprir parte das funções de
integração do estado capitalista e cooptar indivíduos, integrando-os novamente.
O recuo da cidadania social ainda não está completo e a ampliação deste
processo (que pode até atingir a cidadania política) vai depender das lutas
sociais e das necessidades impostas pelo novo regime de acumulação. O mesmo
ocorre com a democracia partidária burocrática, que até agora não sofreu
grandes alterações, em parte devido a não ter perdido sua eficácia conservadora[11],
mas somente com a instauração completo do regime de acumulação integral é que
será visível a nova forma assumida pela democracia burguesa e o grau de
mudanças que sofrerá, sendo que, em muitos países, há a tendência para a volta
de regimes ditatoriais.
O imperialismo também tende a assumir
uma nova forma. O neo-imperialismo é um imperialismo integral, cuja estratégia
fundamental ainda consiste na transferência de mais-valor, em parte através das
empresas transnacionais, deslocando seus investimentos para locais onde a força
de trabalho é mais barata, e através da criação de nichos exclusivos de mercado
consumidor, onde que aumenta a tendência competitiva no interior do bloco de
países imperialistas. Isto é complementado pela destruição cíclica e localizada
de forças produtivas nacionais, através de guerras rápidas que incentivam a
indústria bélica e a produção de “capital improdutivo” (armas) e abrem caminho
de ação para investimentos nos países destruídos pela guerra (Afeganistão,
Iraque, etc.). Isto, obviamente, aumenta os conflitos internacionais (criando
expectativas de novas guerras, que, por sua vez, incentivam a produção bélica e
o armamento mundial) e reforça o pacifismo, o antiamericanismo, etc.
O regime de acumulação integral não
completou seu ciclo de formação, mas já está avançado no processo de
valorização e na regularização estatal, embora ainda devam ocorrer ajustes e
aprofundamentos. O neo-imperialismo, por sua vez, está esboçado e já
desenvolveu algumas de suas características e tendências (como a Alca – Aliança
do Livre Comércio das Américas, no qual os EUA tentam criar o seu nicho
exclusivo de mercado consumidor). Entramos, assim, num novo regime de
acumulação, o integral, que é o do capitalismo neoliberal[12].
A política institucional, até aqui,
já proporcionou o estado neoliberal, o recuo da cidadania social e a
permanência da democracia partidária burocrática, mas novos desdobramentos
devem ocorrer, havendo a possibilidade de ocorrer um endurecimento do
neoliberalismo ou, dependendo do país em questão, a volta do fascismo e de
regimes ditatoriais, sendo que neoliberalismo e fascismo podem também fazer uma
aliança. Há também a possibilidade, caso o novo regime de acumulação continue
frágil como está, a passagem para um capitalismo de guerra (o que alguns chamam
de “economia de guerra”, segundo o léxico conservador), no qual a destruição
das forças produtivas deixa de ser cíclica e nacional e assume extensão mundial
ou em regiões inteiras do globo terrestre.
Obviamente que estas possibilidades
históricas são as que ocorrem com a permanência do modo de produção
capitalista, sendo que outra possibilidade é a transformação social, pois um
novo período de lutas sociais começa a emergir, como o processo crescente de
corrosão da hegemonia burguesa na sociedade civil, com o fortalecimento do
bloco revolucionário, de concepções (anarquismo, situacionismo, conselhismo,
etc.), organizações políticas e dos trabalhadores, ações, manifestações, etc.,
que marcam uma ascensão das lutas sociais tal como não se vê desde o final da
década de 60 do século 20. Assim, a história não acabou e o futuro ainda será
decidido pela ação humana, na qual a velha opção continua colocada: autogestão
ou barbárie.
[1] O neocolonialismo buscava exportar mercadorias e
importar dos países subordinados matérias-primas e riquezas que auxiliavam o
processo de acumulação de capital. O processo neocolonial abriu caminho para a
implantação do capitalismo nos países subordinados, que constituíam modos de
produção subordinados ao capitalismo internacional.
[2] Amin
consegue descrever bem as crises capitalistas, mas suas conclusões e linguagem
deixam muito a desejar. Na verdade, as décadas de 50 e 70 as quais ele se
refere não constituem um período de “verdadeiro liberalismo capitalista”, pois
este período é-lhe anterior. O que ocorre neste período é a tentativa de
superar a crise no interior do mesmo regime de acumulação, através de
adaptações e mudanças formais.
[3]
Esquerdismo é a corrente que surge no interior do marxismo e foi assim batizada
por Lênin (1989). Ela inclui os comunistas conselhistas (Korsch, Pannekoek,
Mattick, Rühle, Gorter, etc.), a Esquerda Comunista Italiana (Bordiga), a
Esquerda Extra-Parlamentar Inglesa (Sylvia Pankhurst), etc., que rompe com a
social-democracia e o bolchevismo, combatendo, simultaneamente, o reformismo e
o modelo vanguardista-bolchevique, embora Bordiga e o bordiguismo mantenham
algumas ambigüidades neste último aspecto. A crítica ao regime soviético era
comum a todas estas correntes, sendo que tal regime foi qualificado como sendo
um capitalismo de estado, nada tendo a ver com o projeto socialista.
[4] É claro
que isto variava de acordo com o país. No caso da França, por exemplo, país que
foi mais atingido pela guerra, devido a invasão nazista, o processo
inflacionário era maior e assim os salários eram relativamente inferiores aos
de outros países europeus e Estados Unidos: “De 1945 a 1949, os preços
franceses foram multiplicados por 20, enquanto que são multiplicados por 4 na
Bélgica, por 2 na Grã-Bretanha, por 1,8 nos Estados Unidos” (Mauro, 1973, p.
408). A partir da década de 50 o desenvolvimento dos países capitalistas
imperialistas se torna mais homogêneo, com a reconstrução da Europa
praticamente concretizado.
[5] A
composição orgânica do capital expressa o quantum
de trabalho vivo (força de trabalho) e trabalho morto (meios de produção)
utilizado no processo de produção, sendo que quanto maior for o trabalho morto
e menor o trabalho vivo, menor é a taxa de mais-valia, criando a tendência
declinante da taxa de lucro, pois somente o trabalho vivo acrescenta valor às
mercadorias, enquanto que o trabalho morto apenas repassa o seu valor a elas.
[6] Neste
período histórico, todos os países do mundo já eram predominantemente
capitalistas, o que significa dizer que o modo de produção capitalista já havia
se tornado dominante em todos os países, com um quantum maior ou menor de persistência de modos de produção
subordinados.
[7]
Utilizamos a expressão forma-mercadoria para distinguir as mercadorias dos
serviços, que assumem a forma de uma mercadoria sem possuir o seu conteúdo
material.
[8] Este é o
caso de Harvey (1992). No entanto, esta denominação é equivocada, pois toma
apenas o fordismo como parâmetro para definir tal regime de acumulação,
deixando de lado o papel do estado e da exploração imperialista, elementos
fundamentais para se compreendê-lo. Outros, ainda mais equivocados, falam de
“modo de produção fordista” (Altvater, 1995; Negri e Lazzarato, 2001), o que é
um equívoco ainda mais grosseiro, pois considerar o “fordismo” (regime de
acumulação intensivo-extensivo) como uma fase do capitalismo demonstra um problema
de linguagem que revela incompreensão de alguns de seus aspectos, mas
considerá-lo um modo de produção é, em primeiro lugar, considerar que ele é
algo mais que uma fase do capitalismo e, em segundo lugar, abrir mão de
conceitos fundamentais para compreendê-lo e isto chega ao extremo no caso de
Negri e Lazzarato, que julgam que o capitalismo já foi substituído por uma
sociedade pós-capitalista. Para uma crítica desta última concepção, veja Viana
(2003b).
[9]
Lumpemproletarização, aqui, significa aumento do exército industrial de
reserva, ou seja, transformação da força de trabalho ativa em força de trabalho
inativa, subempregada, etc. (Viana, 2003c).
[10] Um dos
problemas do livro de Harvey está em ceder ao predomínio do léxico capitalista
em detrimento da constituição de um léxico revolucionário para compreender o
novo regime de acumulação. Daí seu uso de expressões como “mercado de trabalho
flexível”, “acumulação flexível”, etc., que expressa um conjunto de eufemismos
que partem do ponto de vista da classe capitalista, pois só tem sentido
considerar “flexível”, por exemplo, o mercado de trabalho, do ponto de vista do
capital, pois para os trabalhadores ele se torna “inflexível”. Criticamos, em
outra oportunidade, embora nos referindo a outros autores, a utilização da
expressão “flexibilização”: “Na verdade, não existe ‘flexibilização’ do aparato
produtivo e muito menos dos trabalhadores, o que existe é uma
‘inflexibilidade’, pois tanto o aparato produtivo quanto os trabalhadores são
submetidos ‘inexoravelmente’ e ‘implacavelmente’ ao objetivo de aumentar a
extração de mais-valor relativo. A expressão mais adequada a qualquer relação
ou fenômeno social deve ser compatível com o ‘ser’ que expressa. No caso da
acumulação, o que se busca é concretizar uma acumulação integral, simultaneamente intensiva
e extensiva através da extensão do
processo de mercantilização das relações sociais e da busca de ampliação do
mercado consumidor, mesmo que esta busca se caracterize, em parte, pela
produção personalizada, e também pelo aumento da intensificação da exploração
da força de trabalho. No caso da especialização ou do que alguns chamam de pluri-especialização (Coriat), trata-se de uma especialização ampliada, onde ao invés do trabalhador
se dedicar a apenas uma atividade passa a se dedicar a várias, embora se
mantenha afastado do controle do processo de trabalho, o que significa
especialização no processo de execução, e continue não executando certas
funções práticas que ficam a cargo de outros trabalhadores. No caso dos trabalhadores,
o que ocorre é uma intensificação da
exploração com a retirada de seus direitos já conquistados e da formação de um
mercado de trabalho inflexível, onde
os trabalhadores se submetem a subcontratação, ao desemprego, etc.” (Viana,
2001, p. 102-103).
[11] A
situação mundial proporciona, em muitos países, a vitória eleitoral das forças
do bloco reformista, mas tais mudanças não produzem nenhuma alteração
fundamental, pois o que ocorre é que os partidos socialistas no poder adotam
políticas neoliberais, de acordo com os interesses do capital e a dinâmica
mundial do capitalismo (Bourdieu, 1998), o que significa um enfraquecimento do
bloco reformista no capitalismo contemporâneo, já que a maior parte abandona o
reformismo ao chegar ao poder.
[12]
Denominamos a atual fase do capitalismo como neoliberal devido não só ao fato
do regime de acumulação integral ter no estado neoliberal uma pré-condição como
também a concorrência interimperialista se tornar uma tendência cada vez mais
forte. Isto é, o capitalismo continua sendo oligopolista transnacional, mas
agora cada vez mais destrutivo, competitivo (concorrência oligopolista e
imperialista), explorador.
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