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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
Sobre Teoria, Teóricos e Temas Relevantes em Educação
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
Uma crítica a Michel Foucault e sua impostura
Clique no título para acessar local original da publicação:
VIANA, Nildo. Uma Crítica a Michel Foucault e sua Impostura. Revista Espaço Acadêmico.
Resenha:
MANDOSIO, Jean-Marc. A Longevidade de uma Impostura: Michel
Foucault. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.
Uma Crítica a Michel Foucault e sua
Impostura
Nildo Viana
Jean-Marc
Mandosio é um autor polêmico e crítico. No seu livro recém lançado sobre
Foucault, contendo dois ensaios, um que leva o título do livro, A Longevidade de uma Impostura: Michel
Foucault e o outro Foucófilos e
Foucólatras, fazem uma crítica arrasadora e nada “politicamente correta”
(também criticada numa passagem pelo autor) do filósofo francês. Para um autor
que não poupa nem os situacionistas (especialmente Vaneigen, mas a
Internacional Situacionista como um todo), nesta obra faz um balanço sintético
da obra de Foucault e apresenta diversas considerações críticas sobre a mesma,
bem como sobre Foucault.
O autor tem
como alvo as concepções e práticas de Michel Foucault e dos foucaultianos. A
sua crítica a Michel Foucault tem dois aspectos: um é sobre suas concepções e
outro sobre suas práticas, que são elementos complementares. Mandosio afirma
que as críticas que ele conhece sobre a obra de Foucault, de George Steiner,
Jean Baudrillard, Jaime Semprun, José Guilherme Merquior, Ian McLean, entre
outros, foram ignoradas pela academia e pelos foucaultianos. Ele refuta a
teoria das epistemes históricas contidas nas obras consideradas estruturalistas
de Foucault, sua “genealogia” e “arqueologia”, principalmente As Palavras e as Coisas (1987a) e Arqueologia do Saber (1987b). As
inconsistências das “idades” inventadas por Foucault na primeira obra acima é
explicitada por Mandosio, bem como uma apresentação de foucaultianos e outros
que, inclusive reconhecendo sua inaplicabilidade ao processo histórico
concreto, lançam mão da obra do “Mestre”, que, aliás, recordam o personagem que
repetia infinitamente esta palavra no filme de Drácula, Morto mas Feliz (Mel Brooks, EUA, 1995).
Mandosio, após
a crítica das ideias de Foucault, passa para o que chama “as aventuras da
prática”, que é um momento do livro onde a crítica e a comicidade se unem, não
só pelas ironias do autor, mas pelo próprio caráter risível da evolução de
Foucault. Mandosio mostra que a alegação de “marginalizado” do filósofo
francês, é uma invenção, pois sempre esteve muito bem posicionado nas
instituições francesas, desde as universidades até as estruturas estatais. Segundo
Mandosio, “antes de Maio de 1968, a única coisa marginal em Foucault é sua homossexualidade,
e ele se preocupa sobretudo com sua carreira universitária” (Mandosio, 2011, p.
40). Mandosio revela suas ligações com o gaullismo e inclusive sua participação
na elaboração do plano Fouchet para reforma universitária, um dos estopins da
rebelião estudantil de maio de 1968. Seria desnecessário elencar todas as
peripécias de Foucault reveladas por Mandosio, tal como sua aproximação com os
maoistas (e estruturalistas “marxistas”, ligados aos grupos althusseriano e
lacaniano) e as atividades acadêmicas efetivadas sob sua direção nesse período,
tal como um curso sobre “A dialética materialista e a criação de porcos”... Sem
dúvida, os demais períodos também são retratados e mostra como Foucault
caminhava de acordo com o sabor das modas (a originalidade de Foucault também é
questionada por Mandosio), mostrando seus zigue-zagues ideológicos e práticos,
passando ao pós-estruturalismo (ou “pós-modernismo”) e seus malabarismos até
sua morte, em 1984, inclusive sua pretensão de conseguir cargo no governo do
Partido Socialista Francês, em coligação com o Partido Comunista Francês, antes
rejeitados pelo ideólogo da “microfísica do poder”.
Para encerrar
esta parte basta um fato cômico (a partir de um acontecimento dramático da vida
real, um estupro e assassinato de uma moça), na qual Foucault tomou partido no
julgamento de um tabelião acusado de ser o criminoso a partir de suas
observações do local onde a moça foi encontrada, uma sebe, de carpinos (e não
de espinheiros, como alguns disseram, corrige Foucault...), “muito alta,
cortada justo em frente ao lugar onde foi encontrado o corpo” (Foucault, apud,
Mandosio, p. 49) e daí chegou a brilhante conclusão de que o tabelião era o
responsável pelo crime. Mandosio ironiza a investigação do “Sherlock Holmes” da
filosofia francesa, com sua “precisão botânica inesperada”, suficiente para
delimitar quem foi o assassino. Mandosio continua ironizando: “recordemos que
este lamentável investigador é supostamente não só um grande filósofo, como
também um eminente especialista em ‘dispositivo’ judiciário e penal” (Mandosio,
2011, p. 50).
Mandosio
realiza uma interessante crítica à ideologia do “intelectual específico”, o
“cientista perito” e retoma a crítica de Semprun sobre o maio de 1968 sobre a
recuperação das críticas dessa época pelo pós-estruturalistas. Sem dúvida,
nesse momento Mandosio poderia ter desenvolvido mais a análise e chegado a
compreender o processo de contrarrevolução cultural preventiva após o maio de
1968, realizado no mundo da arte e das ciências sob o nome de “pós-modernismo”
(Viana, 2009), mas apesar de suas observações críticas, passa para o
envolvimento de Foucault com os “Novos Filósofos”, grupo conservador cujo maior
expoente foi André Glucksmann, ex-maoísta após a rebelião estudantil e
conservador assumido pouco depois.
Mandosio também
oferece apontamentos críticos interessantes sobre a microfísica do poder
foucaultiana e outras obras e concepções, presentes principalmente na coletânea
sobre poder (Foucault, 1989) e seu livro sobres as prisões (Foucault, 1983).
Ele centra sua crítica aos termos “governamentalidade” e “biopolítica”, “dois
excelentes exemplos de proliferação conceitual”, que hoje são usadas “a torto e
a direito para dar aparência de profundidade filosófica a discursos que dela
carecem cruelmente” (Mandosio, 2011, p. 66). Mandosio critica o uso destes
termos e a razão pela qual são utilizáveis, sua imprecisão e até mesmo confusão
entre os dois termos.
Não seria
possível apresentar as outras críticas endereçadas a Foucault por Mandosio, tal
como sua posição diante da revolução iraniana, suas diversas contradições, e
concepções, tal como “processo de subjetivação”, entre outras. Podemos encerrar
com a seguinte frase: “o principal talento de Foucault sem dúvida terá sido dar
uma forma filosófico-literária aos lugares comuns de uma época” (Mandosio,
2011, p. 76). Este é justo o papel que Marx (1988) atribuía aos ideólogos:
transformar as representações cotidianas ilusórias em ideologia, dando-lhe
sistematicidade.
Também vamos
nos abster de suas críticas aos foucófilos e foucólatras, nas quais mostra que
se os erros do mestre são risíveis, os erros dos discípulos são elevados ao
cubo. A apologia de Foucault não tem senso de ridículo, tal como na afirmação
que ele teria um “corpo de esquerda”, que é explicado nesse trecho do cineasta
René Allio citado por Mandosio: “com todo o seu ser, ele tende a se assemelhar,
culminando com sua cabeça raspada, a um sexo ereto; e com toda sua inteligência
penetrante” (Mandosio, 2011, p. 89). E Mandosio conclui, ironicamente,
afirmando que se trata então, literalmente, de um “cabeça-dura”, fazendo um
trocadilho em idioma francês cujo significado não será aqui revelado por
excesso de pudor e para instigar a leitura do livro, onde se encontra a
explicação numa nota de rodapé.
Enfim, o livro de
Mandosio é uma leitura essencial para quem quer conhecer melhor a vida e obra
de Foucault, apesar de ser extremamente sintética (e de leitura rápida e
agradável, com bons momentos “humorísticos”). Ao criticar as concepções de
Foucault, algumas já realizadas e outras inovadoras, e mostrar suas
contradições na prática e entre discurso e prática, Mandosio mostra o Foucault “de
carne e osso”, tornando-o mais conhecido em sua concreticidade e não a figura
do ídolo dos adoradores de modas e apologistas de ideólogos em evidência. Nesse
sentido, a obra de Mandosio é fundamental para quem quer conhecer um dos
ideólogos mais famosos da atualidade, além de ser muito divertida.
Por outro lado,
também não podemos fazer apologia de Mandosio. Não fizemos nenhuma pesquisa
aprofundada sobre sua produção em geral e por isso podemos expor apenas nossas
conclusões relativas a esta obra especificamente. As críticas às concepções de
Foucault são corretas em quase todos os pontos. Porém, seria importante
desenvolver e aprofundar algumas delas e realizar uma crítica mais profunda e
globalizante deste filósofo. Talvez Mandosio efetive isso em outra obra. A sua
análise das práticas de Foucault é um momento importantíssimo da obra, pois é
nesse momento que Foucault e seus vínculos com o poder (não no sentido abstrato
e ideológico que ele fornece ao termo, mas relativo ao poder estatal e às
relações de poder nas instituições universitárias pelas quais passou), deixando
claro que o crítico do poder é aliado do mesmo e, portanto, sua crítica é a de
um aliado e não de um real opositor e, por isso, é uma pseudocrítica. É assim
um crítico oficial, um “marginal consagrado”, termo de Adorno retomado por
Michel Suárez no prefácio. Outro momento importante da obra é quando, sem
aprofundar, mostra os vínculos de Foucault com a contrarrevolução cultural
preventiva após o maio de 1968.
Claro que, apesar
da crítica correta de Mandosio, isso não quer dizer que nada na obra de
Foucault tenha importância. Toda ideologia possui “momentos de verdade” (Viana,
2010), e embora Foucault seja um ideólogo (Viana, 2000), existem elementos em
sua obra que são assimiláveis por uma concepção verdadeiramente crítica. Porém,
só é possível reconhecer os momentos de verdade na obra de Foucault se se
reconhecer sua essência e totalidade formada por uma falsa consciência, ou
seja, seus momentos predominantes de falsidade. E é aí que a obra de Mandosio
contribui, principalmente mostrando suas raízes sociais ao colocar suas
práticas, relações, posições, apesar de faltar uma percepção da totalidade da
época, o que enriqueceria a crítica e daria um caráter explicativo mais
profundo. Para quem não é francês, eis uma obra que traz um conjunto de
materiais dificilmente acessíveis, ao lado daqueles que são mais acessíveis.
Enfim, a obra
de Mandosio deve ser lida por todos os estudiosos de Foucault e também aqueles que
possuem compromisso com a verdade e não com os modismos, ou seja, aqueles que
não estão interessados apenas em suas carreiras profissionais, mas sim com as
questões sociais e o destino da humanidade.
Referências
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. 3.ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1987b.
__________, Michel. As Palavras e as Coisas. 4.ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1987a.
__________, Michel. Microfísica do Poder. 8.ª ed. Rio
de Janeiro: Graal, 1989.
__________, Michel. Vigiar e Punir. 2.ª ed.,
Petrópolis, Vozes, 1983,
MANDOSIO, Jean-Marc.
A Longevidade de uma Impostura: Michel
Foucault. Rio de Janeiro: Achiamé, 2011.
MARX, Karl. O Capital. Vol. 1, 3.ª ed., São Paulo:
Nova cultural. 1988.
VIANA, Nildo. Cérebro
e Ideologia. Jundiaí, Paco Editorial, 2010.
______, Nildo. Foucault:
Filosofia ou Fetichismo? In: A
Filosofia e sua Sombra. Goiânia, Edições Germinal, 2000.
______, Nildo. O
Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Ideias e Letras,
2009.
domingo, 23 de outubro de 2011
Livro "Anton Pannekoek e a Questão da Organização"
Acaba de ser publicado o livro "A Questão da Organização em Anton Pannekoek", organizado por Lisandro Braga e Nildo Viana, e contando com textos de Edmilson Marques, Lucas Maia, Nildo Viana e Renato Souza. Para ter acesso ao sumário e dados do livro, clique aqui.
Trechos da Apresentação do livro:
"Pannekoek foi desenvolvendo suas teses com o passar do tempo, sendo que algumas ideias manteve até o final de sua vida e aprofundou algumas, enquanto que outras ele repensou e reconsiderou. Para analisar as ideias de Pannekoek é necessário ter em mente o seu percurso intelectual. O seu pensamento atravessou algumas fases. Vamos resumir rapidamente estas fases para compreender mais adequadamente o seu pensamento".
...
"Após isto, Pannekoek cada vez mais se coloca numa posição semelhante a de outros militantes e teóricos da época (Otto Rühle, Paul Mattick, Herman Gorter, etc.) e as experiências das revoluções proletárias serviram para que a ênfase nas formas de auto-organização proletária, os conselhos operários, se tornasse mais nítido. Neste contexto, a crítica a partidos e sindicatos se torna mais ampla, bem como a oposição às burocracias em geral e ao capitalismo de estado russo".
...
"A sua obra Os Conselhos Operários é uma síntese das experiências e reflexões de Pannekoek durante este período e é por isso que ele discute o processo de formação dos conselhos, seu papel, sua importância – além de análises breves de questões específicas, como a Revolução Russa – e discute não só a questão organizacional proletária como também a questão do pensamento e das ideologias (no sentido amplo do termo), além de analisar a guerra e o fascismo".
...
"A afirmação segundo a qual a questão da organização é fundamental para Pannekoek pode gerar a ideia de que ele poderia pensar os conselhos operários de forma fetichista. No entanto, não é este o caso. A questão das organizações recebeu tratamento diferenciado por Pannekoek, dependendo da época em que escrevia e do tipo de organização. Lembrando que o pensamento de Pannekoek atravessou algumas fases e que nestas algumas idéias permaneceram, algumas foram abandonadas e novas foram gestadas, é preciso compreender a concepção de organização em Pannekoek vinculado a este processo".
...
"Um questionamento pode ser feito ao terminar esta breve análise sobre a questão da organização em Pannekoek: como fica a questão das organizações dos revolucionários?"
...
"Nesse sentido, o livro inicia com o capítulo A questão da Organização Proletária escrito por Edmilson Marques no qual ele apresenta a concepção de Pannekoek sobre a mesma, acompanhado dos capítulos de Nildo Viana, Anton Pannekoek e a Questão Sindical, e de Renato Dias, Anton Pannekoek e os Partidos Políticos, nos quais eles discutem a posição de Pannekoek sobre os sindicatos e os partidos políticos. No último capítulo intitulado Os Conselhos Operários de Anton Pannekoek: Uma Utopia-Concreta da Revolução Proletária, Lucas Maia apresenta a revolução proletária como uma tendência histórica na sociedade capitalista".
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
O Dinheiro como Valor Fundamental
O Dinheiro como Valor Fundamental
Nildo Viana
Na sociedade capitalista, o dinheiro, para muitas pessoas, torna-se um valor fundamental. Todo indivíduo possui uma escala de valores, alguns são mais importantes e por isso constituem valores fundamentais (Viana, 2007). O dinheiro como valor fundamental significa que está acima de outros valores (caso ele seja o único valor fundamental, estará acima da saúde, amor, amizade, poder, desenvolvimento de potencialidades, solidariedade, etc.).
A sociedade capitalista é uma “sociedade do dinheiro”. O dinheiro nasceu antes do capitalismo, mas é graças ao modo de produção capitalista que se torna um elemento fundamental da sociedade, tornando-se “meio de troca universal”, o “equivalente geral” pelo qual toda e qualquer mercadoria pode ser trocada, como já dizia Marx (1988). Desde as mercadorias mais necessárias, tal como os alimentos, até as mais supérfluas, tais como enfeites de geladeira, todas são compradas por intermédio do dinheiro. A mercantilização das relações sociais, produto do desenvolvimento capitalista, se amplia e intensifica cada vez mais (Viana, 2008) e, no capitalismo neoliberal, sob o regime de acumulação integral, temos um processo de hipermercantilização (Viana, 2009), no qual a mercantilização se intensifica, principalmente da cultura e tecnologia, além de novas estratégias para intensificar o consumo individual e criação de nichos de mercado.
Isso tende a gerar o fetichismo do dinheiro. Ele parece adquirir vida própria, ter um processo de desenvolvimento independente, gerar mais dinheiro (essa é a ilusão da poupança e daqueles que acham que dinheiro gera dinheiro por si próprio). O que muitos esquecem é que o dinheiro é um equivalente geral acaba valendo não por seu valor de uso e nem pelo seu valor de troca (que é artificialmente criado, pois uma nota de 100 reais possui o mesmo quantum de trabalho socialmente necessário que uma nota de um real) e sim pela medida de valor que ele expressa e este é trabalho materializado. Assim, não é apenas “fictício”, como alguns pensam de forma ingênua, e sim bastante real, tanto é que com ele é possível comprar uma fábrica e produzir mais-valor explorando operários. Assim, dinheiro traz capacidade de consumo, de aquisição de bens (de consumo e de produção), poder, etc.
A mentalidade burguesa, reprodutora da sociabilidade capitalista (caracterizada pela competição, burocratização e mercantilização) acaba tornando o dinheiro um valor fundamental, estando, para algumas pessoas, acima da vida dos demais seres humanos, tanto é que matam por ele. Obviamente que o dinheiro é uma necessidade para quem vive no capitalismo, pois sem ele não poderá satisfazer suas necessidades básicas (comer, habitar, etc.). Porém, a grande maioria da população não se contenta com o dinheiro apenas para isso, ele tem o papel de medir o grau de poder da pessoa, o seu status social, etc. Ele está envolvido na competição social, que produz uma “personalidade competidora” (Wright Mills, 1970) e onde o ter passa a ser mais importante do que o ser (Fromm, ) e isso mostra a pobreza do ser, pois só vem valor por ter. Isso, com a mercantilização das relações sociais, se espalha pela sociedade, influenciando o conjunto das relações sociais, tal como demonstra Alberoni no caso do erotismo feminino (Alberoni, 1988), que revela como de forma não-consciente a atração sexual é determinada pelos valores dominantes.
Existem muitos tipos de pessoas para as quais o dinheiro é um valor fundamental. O caso mais visível e conhecido, bem como retratado pela literatura e outras formas de arte, é o avarento. Desde Esopo, ainda na sociedade escravista, essa figura já aparecia. Ele mostra um elemento comum no avarento, que é guardar para não gastar e assim valorar o que nunca irá usar. Na concepção cristã medieval, a avareza é um dos sete pecados capitais. Mas é no capitalismo que o número e a intensidade – bem como o despropósito – do avarento atingem o seu grau máximo.
O AVARENTO
ESOPO
Um avarento tinha enterrado seu pote de ouro num lugar secreto do seu jardim. E todos os dias, antes de ir dormir, ele ia até o ponto, desenterrava o pote e contava cada moeda de ouro para ver se estava tudo lá. Ele fez tantas viagens ao local que um Ladrão, que já o observava há bastante tempo, curioso para saber o que o Avarento estava escondendo, veio uma noite, e sorrateiramente desenterrou o tesouro levando-o consigo.
Quando o Avarento descobriu sua grande perda, foi tomado de aflição e desespero. Ele gemia e chorava enquanto puxava seus cabelos.
Alguém que passava pelo local, ao escutar seus lamentos, quis saber o que acontecera.
“Meu ouro! Todo meu ouro!” chorava inconsolável o avarento, “alguém o roubou de mim!”
“Seu ouro! Ele estava nesse buraco? Por que você o colocou aí? Por que não o deixou num lugar seguro, como dentro de casa, onde poderia mais facilmente pegá-lo quando precisasse comprar alguma coisa?”
“Comprar!” exclamou furioso o Avarento. “Você não sabe o que diz! Ora, eu jamais usaria aquele ouro. Nunca pensei de gastar dele uma peça sequer!”
Então, o estranho pegou uma grande pedra e jogou dentro do buraco vazio.
“Se é esse o caso,” ele disse, “enterre então essa pedra. Ela terá o mesmo valor que tinha para você o tesouro que perdeu!”
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Uma das mais conhecidas obras artísticas sobre avarentos é a peça teatral de Molière, de 1668, encenada de inúmeras formas até os dias de hoje (veja abaixo, peça com Paulo Autran). A mesma figura se encontra no filme O Avarento (Jean Girault, França, 1980) ou as diversas versões cinematográficas baseadas nos contos de natal de Charles Dickens, no qual o personagem avarento Ebenezer Scrooge recebe a visita de três fantasmas que o faz repensar sua vida de avareza. O avarento aparece também em novelas, como Amor com Amor se Paga, na qual o personagem Nonô Correia nega até comida para seus familiares devido sua avareza.
Nas revistas em quadrinhos, o personagem avarento mais famoso é o Tio Patinhas. Ele foi inspirado no personagem avarento de Dickens, e seu nome original era Scrooge McDuck, referencia direta a ele e sua primeira aparição, em 1947, em “Natal nas Montanhas” (“Christmas on Bear Mountain”).
Nas revistas em quadrinhos, o personagem avarento mais famoso é o Tio Patinhas. Ele foi inspirado no personagem avarento de Dickens, e seu nome original era Scrooge McDuck, referencia direta a ele e sua primeira aparição, em 1947, em “Natal nas Montanhas” (“Christmas on Bear Mountain”).
A avarento é apenas um indivíduo doentio que transforma o seu desejo por dinheiro e posse material algo que pode ser sua razão de viver. A explicação disso ocorre através da análise da história de vida do indivíduo avarento, tal como se pode observar na história do personagem de Charles Dickens. Para sustentar sua avareza, o avarento pode criar racionalizações, tais como o medo paranoico de “perder tudo”.
Porém, o dinheiro como valor fundamental não gera apenas avareza (que se manifesta sob múltiplas formas e graus de intensidade, existem os muito avarentos e os avarentos moderados, aqueles que são com todo mundo ou apenas com os mais distantes, etc.). Na sociedade capitalista, há uma grande parte da população que tem o dinheiro como valor fundamental sem ser exatamente um avarento ou manifestando apenas algumas características deste e de forma moderada. Um consumista, portanto, não avarento, pode ter o dinheiro como valor fundamental, mas considerado mais como meio do que como objetivo. O avarento toma o dinheiro como objetivo, tal como no conto de Esopo ou o de Dickens. Isso difere da pessoa pobre que economiza e busca guardas suas economias, já que não é o dinheiro em si que é o valor, mas o meio de realizar coisas no futuro ou prevenir a perda e a situação de penúria (cuja possibilidade pode ou não ser realista, mas isso é uma questão que não altera o quadro).
No caso do dinheiro como valor fundamental, ela reforça a competição social e a “corrida do ouro”, tema de filmes e novelas. Desde o filme “Em Busca do Outro” (Charles Chaplin, EUA, 1925) até a novela Corrida do Ouro, da Rede Globo, de 1974/1975, em época de ditadura militar, o tema é recorrente na cultura capitalista.
CORRIDA DO OURO
CORAL SOM LIVRE
Muito dinheiro fora de hora
Sempre modifica as pessoas
Muito dinheiro
Quando chega ninguém espera
Modifica todas as coisas
Muito dinheiro
Quando pinta na vida
Modifica tudo na vida
Mas as pessoas vivem todas
Correndo atrás
De muito dinheiro
Muito dinheiro fora de hora
Dá um revertério na cuca
Muito dinheiro
Prá quem não sabe
O que é dinheiro
Põe toda a moçada maluca
Muito dinheiro no bolso
E no banco
É pior do que pouco dinheiro
Mas as pessoas vivem todas
Correndo atrás
De muito dinheiro
Quem corre atrás do tesouro
Da mina de ouro
Tem conta secreta
No banco suíço
Se esquece que a vida
Existe só prá ser vivida
Quem pensa que a grana
Que pinta de graça
Resolve os problemas
Do amor e da vida
Perdeu a sua chance
De ter a tal felicidade
De verdade
Muito dinheiro fora de hora
Sempre modifica as pessoas
Muito dinheiro
Quando chega ninguém espera
Modifica todas as coisas
Muito dinheiro
Quando pinta na vida
Modifica tudo na vida
Mas as pessoas vivem todas
Correndo atrás
De muito dinheiro
Essas pessoas
Correm atrás do dinheiro
Todo mundo correndo
Sempre atrás do dinheiro
Essas pessoas vivem todas correndo
Atrás de muito dinheiro
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O processo contemporâneo reforça essa tendência, pois a intensificação da mercantilização das relações sociais gera uma hipermercantilização e os efeitos disso na cultura e universo psíquico dos indivíduos tende, igualmente, a se intensificar. A irracionalidade do modo de produção capitalista se generaliza e a destruição ambiental é um de seus resultados, e, mesmo assim, o processo se reproduz. Surgem até ideologias neurológicas e outras para naturalizar a avareza e a ganância (veja documentário abaixo). Assim, as representações cotidianas são reforçadas pelas ideologias e estas se inspiram naquelas. O círculo vicioso e destrutivo do capitalismo continua, mas poucos fazem alguma coisa para mudar esta situação, já que “essas pessoas vivem todas correndo atrás de muito dinheiro”.
Referências Bibliográficas
Alberoni, Francesco. O Erotismo. Fantasias e Realidade do Amor e da Sedução. Rio de Janeiro, Círculo do Livro, 1988.
Fromm, E. Ter Ou Ser? 4a Edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1987.
Marx, Karl. O Capital. Vol. 1. 3ª Edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988.
Viana, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Idéias e Letras, 2009.
Viana, Nildo. Os Valores na Sociedade Moderna. Brasília, Thesaurus, 2007.
Viana, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas. São Paulo, Escuta, 2008.
Wright Mills, C. Poder e Política. Rio de Janeiro, Zahar, 1970.
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segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Debord, Fetichismo, Espetáculo e Abstratificação
Debord, Fetichismo, Espetáculo e Abstratificação
Nildo Viana*
Resumo:
O presente artigo discute a obra de Guy Debord, analisando seus elementos
fundamentais, seus limites e, ainda, seu valor e atualidade. Para realizar esse
objetivo, realiza uma análise da obra A
Sociedade do Espetáculo e, após isto, discute alguns limites,
principalmente a abstratificação presente nela, elemento sem o qual uma justa
avaliação seria impossibilitada, inclusive perceber seu alcance atual e valor
para entender a sociedade contemporânea.
Palavras-chave:
Espetáculo, Debord, Abstratificação, Mercadoria, Fetichismo.
Guy
Debord nasceu em 1931 e suicidou-se em 1994. Apesar de ter escrito sobre sua
própria vida em seu livro Panegírico,
não nos deixou muitas informações sobre sua história além de alguns fatos
fragmentários, tal como o seu gosto por bebidas alcóolicas, as suas relações
com criminosos comuns e políticos, sua recusa da sociedade moderna. Sabemos,
porém, de sua ação política através da Internacional Situacionista e de seu
pensamento através de suas obras, em especial, A Sociedade do Espetáculo. Aqui nos interessa sua análise da
sociedade capitalista, ou, como dizem outros, da sociedade moderna, da
modernidade. Além de alguns textos menos importantes, a sua visão da sociedade capitalista
está expressa de forma mais acabada em A
Sociedade do Espetáculo. Está é também uma das principais obras que
expressam as concepções da Internacional Situacionista, organização contestária
da qual Debord foi um dos mais destacados representantes e que existiu de 1957
a 1972. Debord busca na vida cotidiana a base da contestação social de nossa
época. O espetáculo produzido pela sociedade capitalista fundamentada na
mercantilização de tudo e no fetichismo generalizado abre caminho para sua
teoria crítica da sociedade capitalista, da qual trataremos no presente artigo.
Após isto, analisaremos a abordagem de Debord no sentido de discutir suas teses
e observar se é suficiente para explicar a realidade social contemporânea.
A Sociedade Espetacular
Marx
afirmou que, à primeira vista, a sociedade capitalista aparece como uma “imensa
coleção de mercadorias” (Marx, 1988). Parafraseando Marx, Debord afirma que
“toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção
se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido
diretamente tornou-se uma representação” (Debord, 1997, p. 13).
O
que é o espetáculo? Debord nos apresenta inúmeras características do
espetáculo. Ele “não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre
pessoas, mediadas por imagens”; é também uma cosmovisão; resultado e projeto do
capitalismo; o “modelo atual da vida dominante na sociedade”; a “afirmação
onipresente da escolha já feita na produção, e o consumo que decorre desta
escolha”; “a justificativa total das condições e dos fins do sistema existente”;
“a presença permanente dessa justificativa, como ocupação da maior parte do
tempo vivido fora da produção moderna”; o sentido da prática total; “a
principal produção da sociedade atual”; herdeiro da filosofia baseada nas
categorias do ver; “sonho mau”; etc., etc. Richard Gombim esclarece com mais
precisão o significado do espetáculo:
“A degradação e a decomposição da vida
cotidiana correspondem à transformação do capitalismo moderno. Nas sociedades
de produção do século XIX (cuja racionalidade era a acumulação de capital), a
mercadoria tinha-se tornado um fetiche na medida em que era considerada como
figurando um produto (objeto), e não uma relação social. Nas sociedades
modernas, em que o consumo é a ultima
ratio, todas as relações humanas têm sido impregnadas da racionalidade do
intercâmbio mercantil. É o motivo por que o vivido se afastou ainda mais numa
representação: tudo aí é representação. É a este fenômeno que os situacionistas
chamam espetáculo (a concepção de
Lefebvre é mais neutra: o espetáculo moderno, para ele, deve-se simplesmente à
atitude contemplativa dos seus participantes). O espetáculo instaura-se quando
a mercadoria vem ocupar totalmente a vida social. É assim que, numa economia
mercantil-espetacular, à produção alienada vem juntar-se o consumo alienado. O
pária moderno, o proletário de Marx, não é já tanto o produtor separado do seu
produto como o consumidor. O valor de
troca das mercadorias acabou por dirigir o seu uso. O consumidor tornou-se
consumidor de ilusões” (Gombim, 1972, p. 82).
A
sociedade capitalista passa a ser compreendida, então, como o reino do
espetáculo, da representação fetichizada do mundo dos objetos e das
mercadorias. O espetáculo, assim, consagra toda a glória ao reino da aparência.
Ele domina os homens a partir do momento em que a economia desenvolveu-se por
si mesma, sendo o reflexo fiel da produção das coisas e a objetivação infiel
dos produtores.
Esta
temática de Debord vai de encontro com as teorias da sociedade de consumo.
Baudrillard (1991), por exemplo, irá tratar do mundo dos objetos e da esfera do
consumo. Lefebvre (1990) também não deixou de lado o problema da sociedade de
consumo, qualificada por ele de “sociedade burocrática de consumo dirigido”.
Arendt (1997) fez considerações sobre a sociedade de consumidores e assim por
diante. Erich Fromm (1988) irá analisar a passagem da valorização do ser para o
ter. Mas a sociedade de consumo para Debord é a sociedade do espetáculo, da
reificação, para utilizar expressão lukacsiana (Lukács, 1989). Porém, isto
difere sua abordagem das demais, pois aqui a passagem do ser para o ter é
complementada pela passagem para o parecer.
Nesta
sociedade, há a produção circular do isolamento (através do automóvel, da
televisão, etc.). Desta forma, a temática da separação e do isolamento assumem
um papel central na concepção de Debord. O consumo e a imagem (representação
reificada) ocupam o lugar da ação direta, do diálogo. Provocam o isolamento e a
separação. Assim, a crítica da especialização aparece e retoma Marx (1988),
Lukács (1989) e Korsch (1977).
Debord
retoma a discussão em torno do fetichismo da mercadoria. A mercadoria surge
como força que ocupa a vida social e constitui a economia política, “ciência
dominante e ciência da dominação”. “O espetáculo é o momento em que a
mercadoria ocupou totalmente a vida social (...). A produção econômica moderna
espalha, extensa e intensivamente, sua ditadura” (Debord, 1997, p. 31).
A
abundância da produção de mercadorias produz a preocupação da classe dominante
com o proletário enquanto consumidor,
criando o “humanismo da mercadoria”, encarregado do “lazer” do
trabalhador. “Assim, ‘a negação total do
homem’ assumiu a totalidade da existência humana” (Debord, p. 32).
Neste
contexto, o consumo deve aumentar sempre, mas este aumento só é possível pelo
motivo de que contem em si uma privação, “a privação tornada mais rica”. O
consumismo derivado daí leva a uma “sobrevivência ampliada”, produzindo também
a produção de pseudonecessidades para garantir esse processo de expansão da
produção e do consumo.
Na
sociedade em que domina o espetáculo, a oposição a ela também é envolvida por
ele. As lutas “espetaculares” são ao mesmo tempo falsas e reais. São falsas por
não colocarem em questão a sociedade do espetáculo e por serem, elas mesmas,
espetaculares. São reais pelo motivo de que expressam lutas reais entre classes
ou frações de classes.
Segundo
Debord, a resistência das regiões subdesenvolvidas não difere muito disto. Tal
como ele colocou:
“A sociedade
portadora do espetáculo não domina as regiões subdesenvolvidas apenas pela
hegemonia econômica. Domina-as como sociedade do espetáculo. Nos lugares onde a
base material ainda está ausente, em cada continente, a sociedade moderna já
invadiu espetacularmente a superfície social. Ela define o programa de uma
classe dirigente e preside sua formação. Assim como ela apresenta os pseudobens
a desejar, também oferece aos revolucionários locais os falsos modelos de
revolução” (p. 39).
A
sociedade do espetáculo também transforma a revolta em rebelião puramente
espetacular, através da transformação da insatisfação em mercadoria. O mesmo ocorre, com algumas diferenças de
pormenor, no capitalismo de estado[1].
Segundo Debord,
“A satisfação
denuncia-se como impostura no momento em que se desloca, em que segue a mudança
dos produtos e a das condições gerais de produção. Aquilo que, com o mais
perfeito descaramento, afirmou sua própria excelência definitiva transforma-se
no espetáculo difuso e também no espetáculo concentrado. É apenas o sistema que
tem que continuar: Stálin tanto quanto a mercadoria fora de moda são
denunciados por aqueles mesmos que os impuseram. Cada nova mentira da publicidade é também a confissão da mentira anterior” (Debord, 1997, p. 47).
Neste
contexto, Debord analisa o marxismo a partir da obra de Marx. Coloca em
evidência a perspectiva revolucionária da teoria de Marx e sua transformação em
ideologia, tanto pela socialdemocracia quanto pelo bolchevismo. Debord faz uma
severa crítica a diversas correntes políticas, tais como o anarquismo, a
socialdemocracia, o kautskismo, o leninismo, o stalinismo, o trotskismo. Para
ele, a socialdemocracia e o bolchevismo inauguram a ordem de coisas que
expressa o espetáculo moderno: “a representação operária opôs-se radicalmente à
classe” (Debord, 1997, p. 68).
Qual
é a alternativa para a sociedade do espetáculo? Como se pode trilhar um caminho
alternativo que não passe pela socialdemocracia, pelo bolchevismo ou pelo
anarquismo? Debord retoma a resposta dada já na década de vinte pelos chamados
“comunistas conselhistas” (Korsch, Pannekoek, Mattick, Rühle, etc.)[2]: os conselhos operários são a forma de
emancipação proletária. Tais conselhos rompem com a idéia de representação, tanto
parlamentar (socialdemocracia) quanto a vanguardista-partidária (bolchevismo).
Segundo Debord,
“A organização
revolucionária só pode ser a crítica unitária da sociedade, isto é, uma crítica
que não pactua com nenhuma forma de poder separado, em nenhum ponto do mundo, e
uma crítica formulada globalmente contra todos os aspectos da vida social
alienada” (Debord, 1997, p. 85).
Assim,
ele propõe os conselhos operários como alternativa global para a alienação
global:
“Quando a realização
sempre mais avançada da alienação capitalista em todos os níveis, ao tornar
sempre mais difícil aos trabalhadores reconhecerem e nomearem sua própria
miséria, os coloca na alternativa de recusar a totalidade de sua miséria, ou nada, a organização revolucionária
deve ter aprendido que não pode combater
a alienação sob formas alienadas” (Debord, 1997, p. 85).
Aqui
notamos um aspecto do situacionismo e do pensamento de Debord que continua fiel
ao pensamento de Marx:
“Vemos o que esta
concepção tem de radical; o corte que ela opera com todo o movimento de
esquerda deste meio século confere-lhe um tom milenarista, herético. Sobre um
ponto, entretanto, ela parece dar ainda prova de ortodoxia: o sujeito
revolucionário, o portador da revolução, o emancipador, permanece, para a
Internacional Situacionista, o proletariado” (Gombin, 1972, p. 86).
Enfim,
estas são as principais colocações de Debord sobre a sociedade do espetáculo e
de suas características. A partir desta reflexão inicial, podemos, agora,
realizar uma análise crítica da tese da sociedade espetacular e refletir sobre
seu valor e atualidade.
Valor e Atualidade da análise da sociedade espetacular
A
obra de Debord representa uma determinada concepção de sociedade capitalista.
Trata-se de uma concepção que parte de uma perspectiva crítica e de oposição a
esta sociedade. Debord se filia ao chamado esquerdismo, sendo um representante
da Internacional Situacionista. Porém, ele faz sua crítica da sociedade
capitalista sob forma bem diferente da esquerda tradicional. Os conceitos mais
importantes para a esquerda tradicional são os de exploração, burguesia, imperialismo,
etc., e o locus privilegiado de
debate é a instância da “economia” e da “política”.
Isto
será criticado de forma intensa pelos representantes da Internacional
Situacionista e por Debord em particular. A separação entre economia e política
e entre estas “esferas” da realidade e as demais. A própria separação é
questionada como um produto da ideologia espetacular. A realidade foi separada,
mas não existe tal separação na realidade.
Debord
focaliza sua crítica à sociedade capitalista concebendo-a como sociedade do
espetáculo e esta se caracteriza pela generalização do fetichismo da mercadoria
que invade a vida cotidiana. A crítica da vida cotidiana torna-se o fundamento
da crítica à sociedade capitalista. O espaço (e juntamente com ele o urbanismo,
a arquitetura, etc.), o tempo, o lazer, a cultura, a arte, a comunicação e tudo
o mais é perpassado por esta alienação generalizada da sociedade moderna[3].
Tendo
em vista que a alienação é total, então Debord propõe a contestação total do
capitalismo moderno (Debord, 1961). Segundo Gombin,
“Esta consiste numa
multidão de atos espontâneos tendentes a modificar radicalmente o espaço-tempo
atribuído pela classe dominante. A nova revolução não poderia, pois, aspirar à
simples tomada de poder, a uma renovação da equipe ou da classe dirigente: é o
próprio poder que é necessário suprimir para realizar a arte, que é o objetivo
último. A realização da poesia, que será também a sua ultrapassagem, exige,
evidentemente, um reconhecimento dos seus próprios desejos (asfixiados pela
sociedade do espetáculo e rebaixados a pseudonecessidades): a palavra livre, a
comunicação verdadeira (e não mais unilateral e manipulada), a recusa do
trabalho produtivo como trabalho produtivo, a recusa igualmente da hierarquia,
de toda a autoridade e de toda especialização. O homem libertado não será mais
o homo faber, mas o artista, quer dizer, o criador das suas próprias obras. A
revolução, será, portanto, um ato de afirmação da subjetividade de cada um no
terreno da cultura, que é o terreno mais vulnerável da civilização moderna.
Porque é a arte que revela em primeiro lugar o estado de decomposição dos valores:
o que Marx e Engels não viram ou não quiseram ver; ora, a cultura, ao mesmo
tempo que reflete as forças dominantes da sua época, é também e já o projeto de
sua ultrapassagem. Os grandes artistas foram também grandes profetas
revolucionários: Latréamont, Rimbaud, que ultrapassaram a sua época na e pela
sua obra. Trata-se de retomar esse fio que, depois, se perdeu (pois que a obra
de arte moderna se tornou uma mercadoria como qualquer outra). Trata-se de
recriar uma linguagem de comunicação na comunidade do diálogo: a contestação
será também a procura dessa linguagem, é o motivo por que será antes de mais
uma revolução cultural. O dadaísmo e
o surrealismo começaram a destruir a linguagem (alienada) antiga: mas não
souberam encontrar um novo estilo de vida. O seu fracasso explica-se pela
imobilização do assalto revolucionário desse primeiro quarto de século. (...).
Parafraseando os esquerdistas, poderíamos dizer que os homens serão felizes no
dia em que forem todos artistas” (Gombin, 1972, p. 92-94).
Desta
forma, a modernidade é a sociedade do espetáculo. O reino do fetichismo e do
consumo. Um mundo fragmentado, separado. A modernidade, tal como Lefebvre já
havia colocado, é a última estratégia da dominação burguesa (1969). Neste
sentido, para Debord, a sociedade capitalista é a negação da humanidade e
somente a recuperação desta poderá promover a negação da sociedade capitalista.
Enfim, trata-se de uma crítica da sociedade capitalista. Uma acusação do seu
caráter alienante, fetichista, espetacular.
A crítica da sociedade do espetáculo,
no entanto, compartilha com ela alguns problemas básicos. Alguns destes
problemas foram denunciados pelo próprio Debord. O primeiro ponto problemático
da abordagem debordiana é o seu abstracionismo. A capacidade humana da abstração
existe desde a aurora dos tempos, quando emerge a razão humana (Fromm, 1976).
Porém, segundo Fromm, a sociedade capitalista promove um processo crescente de
abstratificação, na qual a abstração como capacidade humana é substituída por
uma forma deformada da mesma[4].
Segundo Fromm:
“Há duas maneiras da
pessoa relacionar-se com um objeto: podemos relacionar-nos com ele em sua plena
constituição material; então o objeto aparece com todas as suas qualidades
específicas, e não há nenhum outro objeto idêntico a ele. E podemos
relacionar-nos com um objeto de um modo abstrato, isto é, levando em conta
somente as qualidades que ele tem em comum com todos os demais objetos do mesmo
gênero, com o que se acentuam certas qualidades e se ignoram outras. A relação
plena e produtiva com um objeto compreende esta polaridade de percebê-lo em sua
singularidade e, ao mesmo tempo, em sua generalidade, em sua plena constituição
material e, ao mesmo tempo, em sua abstração” (Fromm, 1976, p. 118).
A tese de Debord aponta para um
reconhecimento correto da generalização do fetichismo da mercadoria, que passa
a se manifestar como fetichismo da arte, da ciência, etc. e nesse mundo fetichista,
tudo vira fetiche. Porém, a consciência fetichista representa a realidade de
forma reificada. Esta representação, como diz Debord, é representação
reificada. O acúmulo de imagens domina a sociedade capitalista. A ideia, em si,
não é problemática e sim a forma como é apresentada e o que fica oculto. Uma
das características do fetichismo é justamente ocultar o processo de
constituição do fenômeno (sua historicidade) e suas relações (a totalidade).
Esse ocultamento se reproduz na obra de Debord, pois ele mostra a emergência e dominância
da sociedade espetacular, da imensa acumulação de espetáculos, mas não sua produção, seu processo de constituição.
Ao parafrasear Marx, que aponta o
capitalismo como imensa acumulação de mercadorias, apenas reproduz o que este
afirma substituindo a mercadoria pela ideia de imagens, de espetáculo. Em que
pese essas duas coisas não sejam contraditórias, o problema reside que Marx
afirma que isso é “à primeira vista”, ou seja, numa percepção superficial da
realidade e por isso ele passa a explicar o que é mercadoria, qual seu processo
real de produção e relação com a totalidade da sociedade capitalista. Marx vai
além do fetichismo, pois caso contrário o reproduziria.
Debord, ao contrário, se contenta em
descrever o espetáculo, mostrar suas formas e não mostra, em seu livro, o
processo real de constituição do espetáculo, que remeteria para a produção de
mais-valor e, portanto, para a questão das classes sociais – algo relativamente
ausente em sua análise. As classes aparecem e desaparecem ao mesmo tempo. O
proletariado aparece como sujeito revolucionário, mas não se explicita como e
por qual motivo ele o é ou como continua sendo. A representação reificada
atinge a todos, inclusive o proletariado. Resta saber como e por qual motivo
ele pode superar isso. Os conselhos operários rompem com a representação e
separação, mas como e por qual motivo eles surgem? O oculto aqui é a produção
de mais-valor e, junto com ela, as classes fundamentais do capitalismo. Ao
mesmo tempo, tudo que é derivado disso (não apenas o fetichismo, mas a
reprodução ampliada do capital, concentração, centralização, etc.).
Assim, ao ultrapassar o economicismo e
atingir a vida cotidiana e sua essência mercantil-consumista há um avanço, mas
ao não analisar o processo de produção e constituição dessa situação, separa o
espetáculo, o mundo mercantil e consumista, da produção, da história. Essa
separação, criticada mas reproduzida por Debord, cria uma autonomização. O modo
de produção capitalista e sua dinâmica de reprodução ampliada que produz a
necessidade de reprodução ampliada do mercado consumidor é fundamental e não
pode ser deixado de lado em qualquer análise do capitalismo. Assim, caímos na
possibilidade de interpretações equivocadas de Debord, sob várias formas,
algumas aproveitando da abstração e falta de precisão conceitual para
conquistá-lo para suas teses, deformando sua análise (Jappe, 2008) e outros ficando
no reino da abstratificação denunciada por Fromm (1976). Isso tanto é verdade
que alguns chegam ao ponto de pensar que as ideias criam valor (de troca):
“Tal crítica supõe em
Debord, como já antes supusera em Marx, a assunção da natureza contraditória
das relações fetichistas como determinação central do mundo moderno,
contradição nucleada na relação entre valor de uso e valor de troca inscrita na
forma-mercadoria. Deste modo, e segundo as reflexões por ele mesmo
apresentadas, um livro e este livro, nas atuais condições sociais de produção,
é necessariamente uma mercadoria. Se este livro se origina do financiamento
estatal e da aprovação das instituições universitárias, ele aumenta seu valor
de troca, tanto pelo acréscimo simples das horas de trabalho dedicadas à
formação especializada, como pela introdução do valor simbólico que, sob as
relações espetaculares, a hierarquia do trabalho intelectual sempre supõe. Um
livro, este livro, é, do ponto de vista do valor de troca, uma expressão da
‘separação consumada’ da qual nos fala Emiliano Aquino, expondo Debord”
(Amaral, 2006, p. 19).
Na verdade, aqui falta o concreto em
favor da abstratificação da realidade. O valor de troca de um livro não aumenta
devido financiamento estatal. Somente uma análise concreta pode resolver isso,
mas a tendência é justamente o contrário. Quando há financiamento estatal, o
livro – e em muitos casos é isso que ocorre – pode ser distribuído até gratuitamente.
Vários livros são distribuídos gratuitamente e a razão disso, ausente na
análise acima, é que quando o Estado financia uma publicação ocorre uma
transferência de mais-valor (produzida na produção material de mercadorias e
drenada pelo Estado sob a forma de imposto, etc.) dele para quem produz o livro
(uma gráfica ou editora) que, por sua vez, retira daí os seus gastos com
capital fixo e variável (meios de produção e matérias-primas, por um lado, e
salários, por outro), e entrega a mercadoria para o Estado ou qualquer outra
instituição estatal, que não terá que recuperar (parcial ou total) o que foi
gasto. Da mesma forma, a formação especializada e o “valor simbólico” da
hierarquia do trabalho intelectual não fazem aumentar o valor de troca de um
livro. Na verdade, o livro é uma mercadoria, algo material, e seu valor é
medido não pelas ideias ou tempo para produzir as ideias presentes nele, e sim
pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzir o objeto material
que é o livro e quem produz tal objeto é o proletário que é explorado nesse
processo, já que seu trabalho excedente não é remunerado.
Assim, é o trabalho incorporado que
determina o valor da mercadoria e é por isso que, quando uma gráfica faz
orçamento de um livro, não pergunta a titulação do autor e nem quanto tempo
demorou para escrever um livro e sim quantas páginas (matéria-prima, que entra
no custo de produção, significando trabalho morto, materializado em meios de
produção), quantos exemplares, etc. serão impressos. Esse exemplo acima é para mostrar
como a abstratificação pode significar um abandono da realidade concreta em
favor do mundo das ideias, do fetichismo, que aparenta ser gerador de valor.
A ideia de que a representação
reificada é o grande problema a ser combatido e que ocorre uma autonomização do
valor de troca é uma ideologia, no sentido marxista do termo (falsa consciência
sistemática), pois deixa de lado um elemento fundamental da mercadoria: ela é
produto do trabalho humano e o “trabalho abstrato” é apenas uma parte de sua
realidade e a parte fundamental, ocultada por ele, é que em toda mercadoria há
trabalho incorporado nela, o que determina seu valor. Obviamente que Debord dá
margem para estas interpretações, mas ele não afirmou exatamente isto. Porém, a
possibilidade de apropriação, de forma relativamente convincente, do seu
pensamento por estas interpretações, mostra um problema real em sua análise, a
abstratificacao.
A separação é criticada por Debord e a
vida cotidiana, a totalidade reaparece, o que é um mérito. Porém, a totalidade
que ele apresenta é abstrata e sua linguagem é igualmente abstrata e por isso a
dificuldade de leitura de sua obra e ampla possibilidade das mais variadas
interpretações. E, apesar da recusa total e da retomada da totalidade, ele
focaliza o consumo, o valor de troca, a imagem, o espetáculo, ao invés de trabalhar
a produção do “espetáculo” e tudo o mais que aborda. É o que Kosik denominou
“totalidade abstrata” (Kosik, 1986). Assim, o que é relativo em Debord se torna
absoluto em alguns de seus intérpretes, que trocam a análise da realidade
concreta por um mundo aparente e fenomênico, o “mundo da pseudoconcreticidade”
(Kosik, 1986).
Em Debord o modo de produção fica
subentendido (e, de qualquer forma, secundarizado), e nos seus intérpretes é
abandonado ou reduzido ao momento do mercado, onde Marx é substituído por Adam
Smith e a “mão invisível do mercado”. A superação do economicismo não se dá
pela desconsideração ou secundarização do modo de produção e sim pelo reconhecimento
do real significado deste termo e de seu significado na totalidade da sociedade
em questão (Viana, 2007b).
A questão da abstratificação está presente
em Debord e é exagerada em seus intérpretes a tal ponto que o concreto
desaparece e o fetichismo se torna a realidade. Nesse último caso, temos um fetichismo do fetichismo. A consciência
fetichista deixa de ser consciência para ser realidade e logo, deixa de ser
representação ilusória para ser verdadeira e assim representação e realidade se
fundem. O fetichismo não é mais – nessa ideologia – uma inversão da realidade e
sim sua expressão e, sendo assim, o dinheiro, a mercadoria, o valor de troca é
o essencial e é isso que tem que ser combatido. O modo de produção que gera
tudo isso não tem mais importância, as classes sociais e suas lutas deixam de
ser o motor da história, e Marx é substituído por Adam Smith.
Esse retrocesso intelectual, porém,
não é gratuito, tem seu próprio processo de produção, que não poderemos nos
ocupar dele no presente artigo. A consciência fetichista se funde com a
realidade tornada fetichista e assim, se ainda permanece o desejo de
transformação social, o combate é ao fetichismo e a produção do fetichismo foi
esquecida. Este é o procedimento típico da consciência fetichista e, portanto,
transforma-se, mais uma vez, o marxismo em ideologia. A concepção teórica do
fetichismo é substituída pela concepção ideológica e os críticos do fetichismo
fetichizado são apenas outros fetichistas a mais, se dizendo “esquerdistas” e
“revolucionários”. A crítica do fetichismo se tornou fetichista e abandonou seu
caráter crítico, tornando-se um superficialismo abstratificante.
Porém, independentemente disso, a obra
de Debord assume uma radicalidade e potencial crítico que é uma das melhores
análises do capitalismo que emergiu após a Segunda Guerra Mundial. Assim, a
obra A Sociedade do Espetáculo mantém
seu valor e atualidade. O seu valor reside em focalizar em sua análise um
derivado do modo de produção capitalista que é a expansão do consumo e das
formas como ele assume e das imagens criadas por ele, o que denominou
espetáculo (sem analisar o processo histórico que engendra essa situação, mas
por questão de foco analítico). Isso, por sua vez, tem ressonância na análise
do processo comunicacional, pois no próprio cerne de sua análise do espetáculo
se encontra o problema da comunicação, da separação e do isolamento. A
comunicação cotidiana é atingida pela separação e fim do diálogo, a comunicação
via meios tecnológicos é cada vez mais espetacular.
A sua atualidade reside em que tal
análise se mantém válida, pois o desenvolvimento do capitalismo reproduz essa
situação, embora trazendo novos elementos a partir da década de 1980 e esboçada
nos anos 1970, quando emerge o regime de acumulação integral (Viana, 2009). A
crítica abre espaço para a ação, e, na época em que o espetáculo e o fetichismo
invadem tudo, inclusive a obra de Debord, este reconhecimento é fundamental.
Daí a importância de Debord na atualidade e seu valor.
Referências
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Além do Espetáculo (Ou: dos possíveis valores dessa obra). In: Aquino, João Emiliano. Reificação e Linguagem em Guy Debord.
Fortaleza, EdUECE/Unifor, 2006.
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2006.
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* Professor da
Faculdade de Ciências Sociais/UFG; Graduado em Ciências Sociais/UFG;
Especialista em Filosofia/UCB; Mestre em Filosofia/UFG; Mestre em
Sociologia/UnB; Doutor em Sociologia/UnB; Autor de diversos livros, entre os
quais Introdução à Sociologia (2ª
edição, Belo Horizonte, Autêntica, 2011); A
Esfera Artística – Marx, Weber, Bourdieu e a Sociologia da Arte (2ª edição,
Porto Alegre, Zouk, 2011); A Consciência
da História (2ª edição, Rio de Janeiro, Achiamé, 2007), entre outros.
[1] Debord é um dos teóricos
que defendem que o regime da antiga União Soviética, Leste Europeu, China,
Albânia, etc., era um capitalismo de estado, não tendo nada a ver com uma
sociedade autenticamente socialista. Os primeiros defensores desta tese foram
os esquerdistas russos de oposição ao bolchevismo e os esquerdistas alemães,
holandeses e italianos, duramente criticados por Lênin, em O Esquerdismo, A Doença Infantil do Comunismo (1986).
[2] Os comunistas
conselhistas também foram chamados de “comunistas de esquerda”, de “comunistas
de princípios”, de “esquerdistas” e de “comunistas internacionalistas”. Fizeram
feroz oposição ao regime soviético e ao leninismo, tanto do nível metodológico
como político (sobre tal corrente e sua influência sobre a Internacional
Situacionista, cf. o livro citado de Gombin). A grande síntese da teoria dos
conselhos operários foi realizada por Anton Pannekoek (1977).
[3] A obra de Debord foi
interpretada de forma equivocada por diversos autores. Anselm Jappe chama a
atenção para isso ao colocar o exemplo daqueles que colocaram a obra de Debord
como sendo uma crítica aos meios de comunicação – a mídia, sendo que se trata
de algo bem mais amplo (Jappe, 2008). Assim, Debord seria um dos poucos que
teria sua obra “aproveitada de modo tão deformado” (Jappe, 2008, p. 12).
Tragicamente, a interpretação de Jappe é também uma deformação, pois ao invés
de compreender o autor através da análise do processo genético e totalidade de
sua exposição, mistura o que o autor diz com o que ele – o intérprete –
acredita e assim mescla a ideologia de Robert Kurz e do grupo Krisis com as
teses de Debord, transformando-o no que não é. Uma crítica moderada e com
alguns equívocos à interpretação de Jappe pode ser vista em Aquino (2006)
[4] Marx não desenvolveu
nenhuma análise aprofundada sobre isso, mas sempre distinguiu a abstração
dialética, a que ele propunha em seu método dialético (Marx, 1983) e a
abstração metafísica, que ele criticava. No seu texto sobre método dialético,
ele coloca a necessidade da abstração (dialética) e, ao mesmo tempo, coloca o
problema da abstração (metafísica), tal como no seu exemplo sobre a
“população”, analisada sem divisão social do trabalho, classes sociais, etc.
(Viana, 2007a; Viana, 2007b).
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