ELEMENTOS
PARA UMA TEORIA DO DISCURSO
Nildo Viana
Universidade Federal de Goiás
RESUMO
O presente texto aborda o problema do discurso. O objetivo é
esboçar uma nova teoria do discurso. Por se tratar de um esboço e não de uma
teoria acabada, apresentamos alguns elementos para o desenvolvimento de uma
teoria do discurso. O pressuposto dessa nova teoria é o método dialético.
Através desse método e seus procedimentos, especialmente o uso da categoria
totalidade, torna-se possível uma análise crítica das abordagens do discurso e a
constituição de uma nova teoria do discurso. O primeiro elemento para se
constituir tal teoria é a elaboração de um conceito de discurso. A partir da
constatação de que as várias definições de discurso são limitadas e
problemáticas, apresentamos uma nova definição, que é o desenvolvimento e
ampliação de uma definição anterior apresentada por nós em outra obra. Definimos
discurso como uma relação social na qual um autor apresenta, sob forma falada
ou escrita, um conjunto de enunciados que expressa uma mensagem complexa sobre
algo e para algum destinatário. Essa definição é uma síntese do conceito, que
desenvolvemos no decorrer do texto. O passo seguinte foi aprofundar a discussão
sobre o discurso concebendo-o como totalidade e, para tanto, analisamos os seus
elementos constitutivos. Assim, abordamos os signos, enunciados, proposições e
argumentos, bem como a questão da estrutura, conjuntura, tema e outros aspectos que
formam os elementos constitutivos de um discurso. O último elemento abordado
para fundamentar uma nova teoria do discurso é a questão de sua constituição
social. Esse aspecto é bastante discutido em outras abordagens, mas aqui ele é
apresentado sob forma diferente, abordando a questão da autoria, da motivação,
da função, entre outras. Em síntese, esse foi o trajeto no qual apresentamos os
elementos básicos para o desenvolvimento de uma teoria do discurso.
Palavras-Chave: discurso, teoria, enunciado, autor, destinatário.
INTRODUÇÃO
O
discurso é um tema amplo e complexo, que envolve um conjunto de elementos e
relações, perpassando diversas possibilidades analíticas e sendo tema de
diversas ciências humanas. As várias concepções de discurso expressam
perspectivas metodológicas e ideológicas distintas. O nosso objetivo aqui é
apresentar alguns elementos para se pensar o discurso a partir de uma
perspectiva dialética. Nesse sentido, buscaremos apresentar uma determinada
concepção de discurso, bem como explicitar alguns elementos que ajudem a pensar
uma teoria do discurso com base no método dialético e assim apontar para uma
nova forma de pensar o seu significado de forma ampla numa perspectiva crítica.
O CONCEITO DE DISCURSO
Diante
das várias definições de discurso existentes, pode parecer supérfluo trazer uma
nova definição. Contudo, se concordarmos com algumas críticas realizadas a
algumas dessas definições (Viana, 2009a), torna-se possível pensar na utilidade
dessa opção por rediscutir tal termo. O discurso precisa ser entendido em sua
essência e não em sua forma. Assim, afirmar que o discurso pode ser entendido
como sequência verbal (oral ou escrito) que geralmente é superior a uma frase
(Pêcheux, Fuchs, 2010) é problemático. Essa definição é puramente formal. O que
é necessário é descobrir a essência do discurso, ou seja: como entender o que é
o discurso ultrapassando uma definição meramente formal?
As
reflexões sobre o discurso que deixaram de lado o seu aspecto comunicacional
acabaram se afastando da possibilidade de encontrar o fio da meada. Sustentamos
a tese de que para compreender o discurso é fundamental retomar o conceito de
mensagem. Os discursos efetivamente existentes são formas de comunicação, ou
seja, formas de enviar mensagens. As mensagens não devem, aqui, ser entendidas
a partir da semiologia ou outras concepções. Mensagem, aqui, significa afirmação,
ou seja, uma manifestação de uma ideia, uma informação, um posicionamento, um
entendimento. O ato de se manifestar, afirmar, significa que algo foi dito. E o
que foi dito mostra a posição de quem disse, mesmo quando é uma mera
informação, pois o informante considera (e essa consideração é uma afirmação) que
sabe de algo e informa aos demais. A mensagem, no entanto, pode expressar o
entendimento de um indivíduo sobre a situação do seu país, sobre a existência
de Deus, sobre a natureza, ou, ainda, sobre a filosofia. A mensagem pode
expressar um sentimento ou uma curiosidade, entre milhares de outras possibilidades.
Em todos esses casos, há uma afirmação, pois mesmo quando se realiza uma
pergunta, esta é afirmada, uma demanda intelectual ocorre. Se alguém pergunta
“quantas horas são?”, ele afirma que quer saber o horário atual. Claro que
existem perguntas, tal como a do exemplo acima, que são mensagens simples, mas
quando são mais amplas e complexas, formam um discurso.
Não se
trata, no caso do discurso, de qualquer mensagem. Para entender isso podemos
distinguir mensagens simples e mensagens complexas. Uma mensagem simples pode
ser repassada por uma frase ou até mesmo uma palavra. Uma mensagem complexa é
composta por várias mensagens simples, ou seja, por vários enunciados. Assim,
ao contrário de outras concepções, consideramos que os enunciados são
“mensagens simples”. O enunciado é, portanto, uma afirmação, mas que é única.
Cada enunciado expressa uma mensagem simples e um conjunto de enunciados
expressa uma mensagem complexa. Existem várias formas de enviar mensagens e o
discurso é uma delas. Porém, é preciso deixar claro que todo discurso
envia uma mensagem (complexa).
E qual
é a forma sob a qual o discurso envia a mensagem? A mensagem é enviada através
da fala e da escrita a partir de um conjunto de enunciados. Assim, é possível
admitir que o discurso “é uma manifestação concreta e delimitada da linguagem”
(Viana, 2009a, p. 102), mas isto é insuficiente. Ou seja, é preciso entender
qual é a delimitação que caracteriza o discurso. Assim, podemos definir
discurso como “uma relação social na qual um autor apresenta, sob forma
falada ou escrita, um conjunto de enunciados que expressa uma mensagem complexa
sobre algo e para algum destinatário”. Nessa definição se esclarece qual é
a delimitação dessa manifestação concreta da linguagem.
A
partir dessa definição o vínculo com a mensagem fica claro e estabelecido. A
razão de ser do discurso é enviar uma mensagem. Ele é, no fundo, um meio e uma
forma de transmitir uma mensagem. A mensagem é o elemento substancial, a
essência do discurso. Essa mensagem complexa que o discurso veicula pode
ocorrer via fala ou escrita e, em cada um desses casos, se desenvolvem
determinadas especificidades. O discurso falado difere do discurso escrito,
embora ambos compartilhem muitas características comuns. A fala é
tendencialmente mais incoerente, repetitiva e simples do que a escrita. Essa é
apenas uma diferença. O tempo da fala é diferente do tempo da escrita. O tempo
da fala é do imediato, da sucessão de afirmações que possibilitam pouco tempo
para reflexão e correção, ao contrário da escrita que, tendencialmente, possui
um tempo mais extenso para o escritor refletir, alterar e, após isso, escrever
o texto.
O
discurso articula um conjunto de enunciados para enviar uma mensagem. Esses
enunciados são pequenas afirmações que, reunidas, formam um todo, uma mensagem
complexa. Claro que “complexo” aqui não tem o sentido de “científico” ou
“filosófico” e sim existência de várias afirmações que formam um conjunto que é
o discurso e superam a simplicidade das breves afirmações que podem ser
expressas em uma frase, por exemplo. A frase “eu gosto de futebol” é um
enunciado, uma mensagem simples, pois afirmei meu gosto sobre um determinado
esporte. Agora, se eu afirmo “eu gosto do futebol, afinal ele é um esporte
popular e eu estou sempre do lado do povo”, aí temos um discurso formado por
três enunciados: a) eu gosto de futebol; b) o futebol é um esporte popular; c)
eu sou favorável aos esportes populares por estar sempre do lado do povo. Esses
três enunciados mostram várias afirmações. Além do meu gosto por futebol,
expressa uma percepção sobre este esporte, que é ele ser “popular”, bem como o
vínculo que faço entre esporte e população e entre minhas escolhas e gostos,
vinculados ao que é popular, que pode estar subentendido uma concepção política
(talvez populista) ou cultural (romantismo). Ou seja, aqui se afirmam valores
(o gosto pelo futebol e o povo) e informações/concepções (o esporte é popular,
devemos ficar do lado do povo, etc.), bem como, possivelmente, preferências
culturais ou posições políticas e a ideia de justificar tal gosto, o que
pressupõe que talvez exista uma discordância ou estranhamento por parte do destinatário.
Porém,
esse não é um processo sem agentes reais. Todo discurso tem um autor, que é
aquele que emite a fala ou escreve o texto[1]. O discurso é sempre
manifestação de um ser humano. Mas não se trata de um ser humano abstratificado
e sim um ser humano real, um indivíduo concreto, com um processo histórico de
vida, com determinada posição na sociedade, com um conjunto de relações
sociais, determinado acesso à cultura, etc. O autor é, portanto, o criador do
discurso. Até que ponto ele é “original” na criação do discurso é outra questão
que será abordada em outra oportunidade. O discurso não cria sua mensagem por
si mesmo. Pensar isso seria criar um fetichismo do discurso. É o autor do
discurso que efetiva o processo de enviar a mensagem. É ele quem cria a
mensagem, escolhendo, de forma mais ou menos livre, dependendo de cada caso
individual, a forma e o conteúdo da sua mensagem.
Porém,
um discurso só pode ser proferido se houver um destinatário. Esse destinatário
pode ser imaginário, pode ser o próprio autor, mas, mesmo nesses casos, ele
existe, mesmo que como “alter-ego” ou “criação imaginária”. Quando um indivíduo
pensa consigo mesmo, não está usando a fala ou a escrita, mas quando ele fala
algo para si diante do espelho, seja para treinar uma exposição pública ou para
reforçar alguma decisão, aí ele apresenta um discurso, caso seja um conjunto de
enunciados. Porém, esses são casos raros e geralmente inacessíveis. O mais
comum e acessível é o discurso para algum destinatário. E esse destinatário
pode ser um indivíduo (vizinho, pessoa da família, desconhecido no meio da rua,
o aluno, o professor, etc.) ou uma coletividade (o discurso oficial de um
presidente em cadeia nacional de rádio e TV, o discurso de um professor em uma
sala de aula, o discurso de um ativista para integrantes do mesmo partido, etc.).
O destinatário do discurso também pode ser constituído por coletividades abstratas,
reais ou ilusórias, tais como a “raça ariana”, os “extraterrestres”, a “nação
brasileira”, os “ciclistas brasileiros”, os “torcedores do Vila Nova Futebol
Clube”[2].
Um
último elemento é entender que toda mensagem tem um “tema”. O tema do exemplo
do discurso sobre o gosto de determinado indivíduo sobre futebol esclarece
isso. Nesse caso, o tema é o futebol. A mensagem é sobre o futebol, e que
valora tal esporte devido ao seu vínculo com a população. O discurso de Engels diante
do túmulo de Marx, em 1883, tem o pensador alemão como tema. Assim, a mensagem
é sempre sobre algo.
Em
síntese, o discurso é uma relação social entre autor e destinatário, na qual o
primeiro envia uma mensagem ao segundo através de um conjunto de enunciados,
sob a forma escrita ou falada, a respeito de algo. O conceito de discurso aqui
apresentado não é suficiente para entender o discurso. Por isso é preciso
aprofundar e refletir sobre os seus elementos constitutivos.
OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO DISCURSO
O
conceito de discurso apresentado coloca o que é essencial para entender essa
manifestação cultural específica: a mensagem. O essencial, no entanto, nem
sempre aparece imediatamente. Segundo Marx, se a essência e a aparência
coincidissem, a ciência seria supérflua (1988). Aqui se entenda por “ciência”,
a concepção marxista, derivada da concepção hegeliana (Korsch, 1983), segundo a
qual ela seria um saber verdadeiro e totalizante (o que significa que é uma
concepção distinta da concepção positivista de ciência, até hoje hegemônica). Em
certos fenômenos, no entanto, o essencial pode aparecer sob forma imediata. O
essencial aparece imediatamente quando é uma ação humana consciente que quer se
expressar de forma direta. Isso ocorre no caso de alguns discursos, nos quais o
que é afirmado no próprio discurso como essencial, o é realmente. Isso, no
entanto, não quer dizer que o destinatário acessará isso imediatamente ou
compreenderá a mensagem. Assim, alguns discursos se ocultam, outros se revelam.
No caso daqueles que se revelam, o destinatário tem que ter a capacidade de
apreender a mensagem, o que será facilitado se houver convergência perspectival
e dificultado se houver divergência perspectival[3], além de diversas outras
determinações em cada caso concreto e que vai pender a balança para um ou outro
lado. Outra dificuldade é o nível de complexidade da mensagem, pois as mais
simples são mais facilmente identificadas e as mais complexas já possuem um
grau maior de dificuldade de identificação.
Se o
essencial de um discurso é a sua mensagem, então o primeiro passo para quem
quer entendê-lo ou analisá-lo é buscar descobrir qual é mensagem que ele
transmite. A mensagem é repassada pelo autor dependendo de sua
intencionalidade, seus recursos formais, seus interesses, seus valores, seus
vínculos culturais, sua autoimagem, suas condições no momento de elaboração, etc.
Porém, uma vez materializado num discurso escrito ou falado, temos a
manifestação da mensagem, ou seja, da essência do discurso. Alguns autores são
diretos em sua mensagem, outros não são tão diretos e alguns são obscuros. Além
disso, algumas mensagens são mais simples e, por conseguinte, mais facilmente
identificáveis ou compreendidas, outras são mais complexas e, por conseguinte,
de acesso mais difícil. A forma como o discurso é transmitido também pode
facilitar ou dificultar a compreensão da mensagem. Alguns autores se defrontam
com destinatários hostis e por isso pode omitir ou não ser muito direto em seu
discurso, ou mesmo pode estar num contexto de censura. O caso da música popular
brasileira nos anos 1970, durante regime militar, é exemplar no caso de
mensagens que são enviadas sob forma velada para os censores.
O ponto
de partida para nossa reflexão sobre a identificação da mensagem num discurso é
este como caso específico e concreto. É, por exemplo, o discurso de Engels
diante do túmulo de Karl Marx ou então o discurso de Fidel Castro sobre a
existência de um partido único em Cuba, ou, ainda, o discurso de posse de Lula
em 2023. Outros discursos, para além da política, podem esclarecer ainda mais
isso: o discurso de um amigo sobre os males das bebidas alcoólicas ou o
discurso contido numa letra de música. A isso denominamos discurso unitário,
ou seja, um determinado discurso materializado numa fala específica ou num
escrito específico, sobre um tema específico (por mais amplo e extenso que ele
seja).
Através
da análise de um discurso unitário, ou seja, um discurso específico e que tem
todas as características que se espera dele, sendo, portanto, completo, é
possível entender o discurso em sua essência. Porém, uma coisa é a essência do
discurso, expressa em seu conceito, mas outra coisa é entender a essência no
discurso unitário. Para descobrir a essência no discurso unitário é necessário
entender sua mensagem específica.
Porém,
um discurso unitário pode passar várias mensagens. Um mero exemplo pode já
expressar uma mensagem, assim como cada enunciado é uma mensagem simples. Então
a questão é descobrir qual é a mensagem fundamental do discurso. Para descobrir
qual é a mensagem fundamental de um discurso é necessário entender os elementos
constitutivos do discurso, especialmente aqueles que nos permitem acessar a
essência em determinado discurso unitário, e o tema abordado por ela. Um
obstáculo existente nesse processo é a diferença entre o discurso falado e o
discurso escrito. Tendo em vista que as diferenças entre estas duas formas de
manifestação do discurso e suas consequências para a sua análise, deixamos
claro que o foco aqui é o discurso escrito, embora em geral funcione também
para o discurso falado, mas que teria que ser adaptado para suas
especificidades e alguns termos seriam diferentes.
No
plano puramente formal, é possível dizer que um discurso unitário escrito é
formado por letras, palavras, orações, parágrafos, etc. Porém, no plano da
análise do discurso, é mais importante identificar os elementos significativos
que explicitam a mensagem. Desta forma, podemos dizer que o discurso é
constituído por signos, enunciados, proposições e argumentos, que, em
sua totalidade, constituem a forma pela qual a mensagem fundamental é enviada
(com um conjunto de outras mensagens presentes) a respeito de um tema[4]. Isso é identificado no
escrito[5]. Não será possível aqui
apresentar sob forma detalhada e aprofundada todos estes elementos, o que ficará
para uma obra mais extensa sobre isso, mas tão somente apresentar uma breve
reflexão sobre cada um desses elementos.
Os signos
são o que se denomina “palavras”. O signo é um dos temas mais discutidos da
linguística e a discussão sobre o sentido das palavras é o tema fundamental da
semântica, embora também seja tema da filosofia da linguagem e outras áreas do
saber. Não se trata aqui de retomar toda a discussão existente sobre signos,
nem a proposta clássica de Saussure (1978), nem as demais abordagens. Aqui é
suficiente colocar uma concepção de signo que entende que ele remete para um
referente (elemento da realidade que ele expressa) e possui um sentido. O
sentido de um signo pode assumir complexidade dependendo de qual é ele. “Mesa”,
por exemplo, é um signo simples e sua relação com o seu referente (o objeto
mesa) não gera controvérsias. Porém, “fascismo” ou “liberalismo” já são termos
complexos e que geram diversas controvérsias. Nesses casos, um mesmo signo pode
possuir vários sentidos.
A ideia
de Mikhail Bakhtin (1990) de “luta de classes em torno dos signos” se insere
nessa discussão. A luta em torno dos sentidos das palavras permite compreender a
dificuldade do entendimento de determinados signos em determinados discursos ou
a multiplicidade de sentidos de outros[6]. Quando um signo expressa
corretamente o seu referente, temos um significado, e, quando não o faz, quando
deforma, então temos um significante[7]. Desta forma, uma palavra
pode ter vários sentidos, tal como o termo “ideologia”, que, como todos os
signos, só pode ter um significado (ou não ter nenhum)[8] e vários significantes.
Marx foi o responsável pela percepção do referente, ou seja, do fenômeno, que é
a ideologia, mas antes dele e depois dele muitos significantes foram
criados, inclusive alguns deles sendo atribuído a este pensador por seus
“intérpretes”.
O
signo, no entanto, não existe isoladamente. O signo só existe no interior de um
idioma e em relação com diversos outros signos e é no interior dessa totalidade
e em sua relação com a realidade que ele ganha o seu significado. No caso do
discurso, o signo é um dos seus elementos constitutivos e um dos mais
importantes, pois a compreensão de um discurso (assim como para ele efetivar
sua função de comunicação) remete ao entendimento dos signos utilizados. Os
signos usados na linguagem cotidiana diferem dos utilizados na linguagem
noosférica, ou seja, dos tecnotermos, construtos, conceitos, categorias, etc. Os
sentidos das palavras na linguagem cotidiana geralmente têm maior simplicidade
e menos controvérsia. Porém, no âmbito da filosofia e das ciências, por
exemplo, há uma maior complexidade e controvérsias. Os signos da linguagem
cotidiana remetem ao idioma e os signos da linguagem noosférica remetem para
diversos campos linguísticos ou subidiomas[9] criados no seu interior (e
depois traduzidos para outros idiomas), tal como o da filosofia de Hegel,
Heidegger, Sartre, etc. ou a sociologia de Durkheim, Weber, Parsons, etc.
O
sentido dos conceitos em um texto de um autor marxista pode ser definido na
própria obra ou pode ser considerado como algo subentendido pelo leitor. Nesse
processo, o subentendimento é algo comum quando os destinatários são
considerados como tendo uma bagagem lexical e semântica comum. Numa comunidade
de católicos praticantes, por exemplo, alguém falar em “sacramento”, “batismo”,
“crisma” e “eucaristia” não provocará uma busca em dicionários para saber o
sentido dessas palavras. Isso, no entanto, nem sempre ocorre, o que pode gerar
problemas interpretativos. Um filósofo criativo pode gerar toda um léxico
próprio e após isso, em obras posteriores, partir da ideia de subentendimento
ao considerar que seus leitores leram as obras anteriores, bem como pode indicar,
para os novos leitores, a leitura delas. Porém, caso não haja leitura de obras
anteriores ou o filósofo em questão não realize definições por considerar que o
termo está subentendido, poderá contribuir com interpretações equivocadas,
geradas por conversão linguística, no qual o destinatário (leitor ou
ouvinte) converte o sentido do termo à sua bagagem cultural ao invés de
entender no sentido original do autor.
No
âmbito da análise do discurso, o entendimento do sentido das palavras é
fundamental. Em casos em que há o uso, por parte do autor, do subentendimento,
torna-se necessário a leitura das outras obras em que a definição do termo
aparece. Mas mesmo palavras da linguagem cotidiana podem gerar problemas
interpretativos, pois determinados autores podem realizar um uso diferenciado
dos termos utilizados. Dependendo de quem é o autor, isso pode ocorrer por uma
má compreensão ou por uso criativo. Para entender o sentido de determinados
termos, além das definições que podem ser procuradas (mesmo que em outras
obras), o seu uso e sua relação com o conjunto do discurso permite uma
aproximação e compreensão, embora em alguns casos isso possa ser difícil.
Existem autores que são obscuros em relação ao léxico que utilizam e a falta de
clareza ao lado da prolixidade geram dificuldades interpretativas.
Porém,
é fundamental entender que num discurso não aparecem signos isolados. Um
conjunto de signos é utilizado em um discurso. Em discursos mais curtos e
simples, os signos são geralmente os vocábulos do idioma, ou seja, da linguagem
cotidiana. Em discursos mais complexos, especializados, técnicos, o conjunto de
signos se torna mais amplo. Esse conjunto de signos formam o léxico do discurso
e este possui os sentidos correspondentes. O conjunto de sentidos que
correspondem ao conjunto de signos forma o código do discurso.
O
enunciado é um elemento importante que pode ajudar a entender o sentido dos
signos utilizados em determinado discurso. Por enunciado entenda-se, tal como
definido antes, uma mensagem simples, afirmações[10]. Os enunciados são
afirmações que permitem a transmissão de uma mensagem complexa. O primeiro
parágrafo do livro A Linguagem Esquecida, de Erich Fromm, pode ajudar a
demonstrar isso:
Se é verdade que a capacidade de ficar perplexo é o começo da sabedoria, então esta verdade é um triste comentário à sabedoria do homem moderno. Qualquer que sejam os méritos de nosso elevado grau de educação literária e universal, perdemos o dom de ficar perplexos. Imagina-se que tudo seja conhecido – senão por nós, por algum especialista cujo mister seja saber aquilo que não sabemos. De fato, ficar perplexo é constrangedor, um indício de inferioridade intelectual. Até as crianças raramente se surpreendem, ou pelo menos procuram não demonstrar isso; à medida que vamos envelhecendo, aos poucos perdemos a capacidade de ficarmos surpresos. Saber as respostas certas parece ser o principal; em comparação, considera-se insignificante o saber fazer as perguntas certas (Fromm, 1983, p. 13).
Esse
longo parágrafo mostra diversos enunciados. O primeiro enunciado relaciona
perplexidade e sabedoria e o segundo conclui que a sabedoria do homem moderno
está comprometida pela falta de perplexidade. O resto apresenta diversos outros
enunciados: perdemos o dom da perplexidade, imaginamos que tudo é conhecido, as
crianças raramente se surpreendem, etc. Não seria possível ele dizer o que disse
sem o conjunto de afirmações que realizou. Nenhum discurso pode ser proferido e
nenhuma mensagem pode ser enviada sem afirmações (no sentido colocado
anteriormente). O enunciado “saber as respostas certas parecer ser o
principal”, afirma uma constatação da situação cultural da modernidade e o
enunciado complementar, “em comparação, considera-se insignificante o
saber fazer as perguntas certas”, que é outra constatação, agora sobre o outro
lado dessa situação, que é a desvaloração de saber fazer as perguntas certas. Esses
dois enunciados são fundamentais para colocar a problemática que ele quer
trabalhar no restante do seu texto.
O
conjunto de enunciados neste parágrafo, por sua vez, constitui uma proposição.
Essa proposição possui uma função no discurso de Fromm, que é problematizar as
certezas e falta de perplexidade na sociedade moderna. Os enunciados são
encadeados para emergir a problematização. As proposições são as sequências de
grupos de enunciados, expressos em parágrafos, no discurso escrito. No discurso
falado, que não é nosso foco, elas podem ser identificadas na passagem entre um
conjunto de afirmações e outro conjunto (geralmente marcados por pausas e, se
forem transcritos, tornando-se um texto, assumem a forma de parágrafos).
Os
argumentos, por sua vez, realizam uma articulação dos enunciados fundamentais.
Eles não seguem uma sequência textual (ou oral), como no caso das proposições. Eles
formam, ao lado dos signos e enunciados fundamentais, a estrutura do discurso. Os
argumentos são mais facilmente perceptíveis, embora possam ser confundidos com
as proposições, pois o discurso se move em torno deles. Eles podem ser mais ou
menos explícitos. No caso dos discursos escritos, especialmente os do saber
noosférico, como o científico, o filosófico, o marxista, entre outros, eles
podem ser mais difíceis de ser identificados em alguns casos, mas não em
outros. Retornemos com o exemplo de Fromm apresentando alguns de seus
argumentos explicitados na referida obra:
A linguagem simbólica é uma língua em que as experiências íntimas, os sentimentos e pensamento são expressos como se fossem experiências sensoriais, fatos do mundo exterior. É uma linguagem cuja lógica difere da linguagem convencional que falamos de dia, uma lógica em que as categorias dominantes não são o espaço e o tempo, mas sim a intensidade e a associação. É o único idioma universal jamais criado pela raça humana, o mesmo para todas as criaturas e para todo o curso da história. É uma língua com gramática e sintaxe próprias, por assim dizer, e cujo conhecimento é imprescindível para se poder entender o significado dos mitos, dos contos de fadas e dos sonhos (Fromm, 1983, p. 16).
O
argumento explicitado por Fromm é o de que a linguagem simbólica é específica e
bem diferente da linguagem racional e cotidiana. Esse argumento é básico para
sua obra, que visa justamente analisar essa especificidade e explicar as
características da linguagem simbólica. Nesse parágrafo há um conjunto de
enunciados fundamentais que constituem o argumento que, por sua vez, é
fundamental para entender o livro de Fromm.
Um
elemento necessário para entender o discurso unitário é sua estrutura. A
estrutura do discurso é composta pelos signos e enunciados fundamentais
articulados com as proposições e argumentos que expressam a mensagem sobre o
tema. Não é preciso ressaltar, aqui, que se trata dos signos e enunciados fundamentais,
o que significa que existem signos e enunciados que não são fundamentais. Nesse
contexto estrutural, existe, no plano dos signos, a unissemia, ou seja, uma
coerência e unidade semântica. Os signos são do discurso e os sentidos são
coerentes, estáveis e adaptados aos enunciados, proposições e argumentos
fundamentais. Os enunciados, proposições e argumentos fundamentais que formam,
ao lado dos signos fundamentais, a estrutura do discurso, também são coerentes,
articulados, estáveis.
Além da
estrutura é possível reconhecer a existência de uma conjuntura. A estrutura,
para se manifestar, precisa utilizar signos, enunciados, proposições, que não
são fundamentais e sim complementares. Nesse caso, trata-se de elementos
complementares ocasionais[11]. No caso do pensamento
filosófico e científico, isso ocorre com frequência. Entre uma obra ou outra,
ou em contextos diferentes, os termos podem ser usados com distintos sentidos.
Às vezes isso pode ocorrer num mesmo texto. Esse é o caso de Marx, que usa o
termo “abstração” em dois sentidos diferentes. Um sentido é o pejorativo, na
qual dizer que algo é uma “abstração” significa que é equivocado. O outro
sentido é o dialético, o sentido próprio que Marx atribuiu a tal expressão, a
partir de Hegel. Dois trechos mostram isso:
No entanto, numa observação atenta, apercebemo-nos de que há aqui um erro. A população é uma abstração se desprezarmos, por exemplo, as classes de que se compõe. [...]. Assim, se começássemos pela população teríamos uma visão caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto figurado passaríamos a abstrações cada vez mais delicadas até atingirmos as determinações mais simples (MARX, 1983, p. 218-219).
Quando ele trata do erro e afirma que, nesse caso, “a
população é uma abstração”, usou o sentido pejorativo, que é o mais comum para
essa palavra. Quando trata do processo correto (tal como se vê no conjunto do
texto e acima é possível perceber parcialmente com a expressão “através de uma
análise”), usa “abstrações cada vez mais delicadas” como algo positivo. Assim,
a abstração dialética, um elemento peculiar do pensamento de Marx, se distingue
da abstração metafísica (que preferimos denominar “abstratificação” para evitar
confusão), que é um elemento conjuntural para este autor. No pequeno e
incompleto trecho acima já podemos identificar alguns signos que fazem parte da
estrutura do discurso de Marx, tal como classes, determinação, conceitos,
concreto, etc. No mesmo trecho é possível perceber elementos da conjuntura
discursiva: observação, erro, etc., que são os signos tal como utilizados na
linguagem cotidiana.
Assim, na estrutura discursiva, temos unissemia dos signos,
bem como coerência de enunciados e argumentos. Na conjuntura discursiva, temos
a possibilidade de polissemia (no exemplo acima é um termo usado em dois
sentidos diferentes, o que parecer ser contraditório, mas não é quando se
percebe o caráter conjuntural em que o termo aparece num dos casos).
Sem dúvida, existem discursos mais simples e que, portanto,
podem ser distintos, sendo predominantemente conjunturais ou, tal como em
discursos que apesar da simplicidade são muito “fechados”, como uma pequena
declaração dogmática, podem ser predominantemente estruturais. Por outro lado,
existem discursos menos estruturados, mesmo que prolixos e aparentemente
complexos. Nesses casos, é possível que até em sua estrutura haja contradições,
sendo que sua unissemia e coerência é fraca. Esse é o caso de autores que não
dominam a estrutura de um determinado discurso, mas buscam expressá-la, tal
como um aluno de graduação que tenta expressar uma síntese escrita do livro de
Durkheim (1974), As Regras do Método Sociológico. A estrutura do
discurso de Durkheim existe em sua integridade, mas a exposição do aluno não dá
conta de reproduzi-la e assim gera polissemia e incoerência (o que pode
aumentar mais ainda se esse aluno for “disperso” e tentar relacionar esse autor
com outros, gerando proximidades inexistentes na realidade discursiva desse
pensador).
Isso significa que a estruturação de um discurso é relativa,
depende do autor, dos interesses, entre diversos outros aspectos. Mas,
geralmente, quando ele tem um nível de complexidade mais elevado, tende a ser
mais estruturado e menos contraditório. O nível de complexidade do discurso
tende a elevar o seu nível de estruturação. Porém, existem outras
determinações, tal como o autor e seu contexto, entre outras.
Há também diferenças de acordo com os gêneros de discurso. A
estrutura pode assumir determinadas diferenças, bem como o seu grau de
estruturação. Um discurso literário, por exemplo, terá enunciados figurativos,
só para citar um exemplo. Por isso é importante entender que os enunciados, as
proposições e os argumentos assumem formas e funções diferenciadas dependendo
do contexto discursivo. Partido do caso dos enunciados, eles assumem variadas
formas. Um enunciado figurativo num discurso científico tem significado
distinto que num discurso literário, bem como é censurado num discurso
legislativo. O enunciado “isso é verdade” é o mesmo em qualquer discurso, mas
se estiver sob a forma irônica, não quer dizer a mesma coisa. Da mesma forma,
um enunciado assume funções distintas dependendo do contexto discursivo ou do gênero
de discurso. Dois enunciados de Fromm citados anteriormente, ajudam a entender
isso: “à medida que vamos envelhecendo, aos poucos perdemos a capacidade de
ficarmos surpresos”. A função do primeiro enunciado é a de contextualização (o envelhecimento)
e a do segundo é o de constatação (perdemos a capacidade de nos
surpreendermos).
As formas e funções se manifestam também no caso das
proposições e argumentos. Não é necessário explicitar isso aqui, mas, para que
tal afirmação não fique sem nenhuma fundamentação, traremos um caso concreto
para confirmar isso. No presente texto, a citação de Marx sobre abstração teve
a função de ilustração da ideia de que um autor pode utilizar dois sentidos
para uma mesma palavra num mesmo texto. A citação de Marx é uma proposição cuja
função foi a de ilustração. A forma dessa proposição foi alusiva,
pois se apelou para o pensamento de um outro autor.
É na estrutura do discurso que encontramos a mensagem sobre
o tema que ele aborda. Assim, os signos, enunciados, proposições e argumentos
giram em torno da mensagem e do tema. Eles não são autônomos, independentes,
como alguns formalismos deduzem (obviamente de outros aspectos do discurso,
usando outros termos, embora alguns se aproximem do léxico aqui trabalhado).
Eles estão orientados pela mensagem que o autor do discurso quer repassar a
respeito de um determinado tema. As opções por determinados signos e sentidos,
por determinados enunciados, proposições e argumentos não são gratuitas. Elas
derivam da mensagem que se quer passar sobre determinado tema e por isso estão
vinculados com elementos além e acima dos discursos, pois possuem origem
extradiscursiva. Embora seja possível identificar qual é a mensagem sobre
determinado tema, bem como o tema, existem elementos que dificilmente são
perceptíveis. Trataremos disso adiante. De qualquer forma, independentemente
disso, geralmente o autor quer passar uma mensagem e, dependendo de qual é ela,
será necessário clareza, objetividade, etc. Mesmo num discurso literário, que é
uma expressão figurativa da realidade, o autor pode fornecer pistas para uma
interpretação que consiga entender a mensagem, além da própria estrutura
discursiva. Porém, a estrutura do discurso literário, em si, apresenta a
mensagem, que, obviamente, raramente será clara e objetiva, o que permite uma
variedade enorme de interpretações. Em outras formas de discurso, esse problema
é geralmente menor.
Se retomarmos o exemplo do livro de Erich Fromm, A
Linguagem Esquecida, veremos uma estrutura de discurso coerente,
unissêmica, na qual há um processo no qual uma mensagem é enviada sobre a
“linguagem simbólica”, que é o tema-chave da obra e se desdobra nos subtemas principais
do mito, sonhos e contos de fadas e dos secundários (literatura, ritual). Os
signos, enunciados, proposições e argumentos giram em torno do tema, que é a “linguagem
simbólica”, e da mensagem, que é explicar o seu significado e a necessidade de
compreendê-la. A mensagem apresenta uma determinada concepção do que é
linguagem simbólica e de como podemos compreendê-la (como realizar sua
interpretação). Uma grande diversidade de signos, geralmente oriundos da
psicanálise tal como assimilados por Fromm, aparece. A definição de “linguagem
simbólica” é um exemplo óbvio e sua definição de “símbolo universal”, “símbolo
convencional” e “símbolo acidental” são outros signos que são fundamentais e
compõe a unissemia do seu discurso. O seu enunciado “o estado do sono tem uma
função ambígua”, entre diversos outros, é fundamental para entender sua análise
dos sonhos. Assim, existe um léxico, um código, enunciados, proposições e
argumentos fundamentais que formam a estrutura do seu discurso. Da mesma forma,
o léxico, o código, os enunciados, as proposições e os argumentos, que incluem
aqueles que não são fundamentais, formam um todo que é o seu discurso expresso
no seu livro, cuja mensagem e tema já expressamos. Só faltaria aqui explicitar
qual é a mensagem, ou seja, como explica o que é e como interpreta a linguagem
simbólica, o que não é nosso objetivo e seria muito extenso para expor aqui.
Para finalizar esse tópico, é fundamental deixar claro que o
tema é fundamental, pois a mensagem remete a ele. A mensagem, no entanto,
também é fundamental, pois é ela que coloca uma posição sobre o tema (o que
implica sua definição, análise, avaliação, etc.). Nesse sentido, a estrutura do
discurso gira em torno do tema e da mensagem e se materializa nos signos,
enunciados, proposições e argumentos utilizados. A mensagem sobre o tema é o
que determina quais são os elementos fundamentais escolhidos. A abordagem de
Fromm emerge a partir de uma perspectiva humanista e psicanalítica, com
influência de Marx, e isso é basilar em sua análise da linguagem simbólica, ou
seja, de sua mensagem sobre esse tema. É por isso que ocorre a admissão da
existência de “símbolos universais”, coisa inadmissível para determinadas
outras concepções. Essa estrutura do discurso de Fromm é complementada por uma
conjuntura discursiva, tal como se vê nos capítulos dedicados à “Freud e Jung”
e à “história da interpretação dos sonhos”. Esses dois capítulos expressam
elementos referenciais e fontes de inspiração, mas a abordagem de Fromm é
peculiar, assimiladora e, por conseguinte, se estes dois capítulos fossem
retirados, a obra continuaria compreensível e a mensagem sobre o tema ficaria intacta
(mais ainda com citações e referências que cobririam as lacunas informativas
sobre as fontes de inspiração e elementos assimilados).
A conjuntura discursiva é importante para compreender o
discurso, pois é o que complementa e possibilita a estrutura. A conjuntura é
complementar e pode ser dividida em complemento primário e secundário. O
complemento primário é mais importante, sendo um elemento derivado e vinculado
à estrutura discursiva, mas sem desenvolvimento, e o secundário é todo o resto,
sendo um elemento de materialização linguística, sem vínculo mais desenvolvido
com o discurso. O uso do termo “inconsciente” por um sociólogo que trata de
representações e não apresenta definições e nem aprofundamento, mas que numa
obra posterior realiza sua definição e discussão, é um complemento primário da
conjuntura discursiva, pois ele era uma necessidade no interior do discurso,
mas não foi desenvolvido. Se, no mesmo texto aparece os termos “vida”,
“cidade”, “comparação”, assim como dezenas de outros, que nada tem a ver com a
sua estrutura discursiva, então é um complemento secundário e seu significado
remete à linguagem cotidiana.
A CONSTITUIÇÃO SOCIAL DO DISCURSO
Apresentamos, até aqui, uma definição de discurso e uma
reflexão sobre seus elementos constitutivos. Os discursos, no entanto, não são
obras do acaso. Eles são fenômenos concretos, possuem não apenas uma totalidade
interna (estrutura e conjuntura, tal como colocamos anteriormente) e uma
essência (a estrutura discursiva), mas também possuem uma historicidade, bem
como estão inseridos em outra totalidade, mais ampla, que é a sociedade,
possuindo, por conseguinte, múltiplas relações.
Nesse sentido, é necessário entender as determinações do
discurso, ou seja, como ele é constituído. Um discurso emerge numa determinada
época, lugar, situação. Porém, não é possível entender o discurso sem entender
o autor do discurso. O discurso, tal como definido anteriormente (e mesmo
subtraindo tal definição), é uma manifestação da consciência. E a consciência
não existe em si e por si. “A consciência não é nada mais que o ser consciente”
(Marx, Engels, 1982). Essa constatação é fundamental, pois, parafraseando-a,
podemos dizer que o discurso não é nada mais que uma expressão do ser que
discursa. Esse ser é o autor do discurso. Um discurso é o seu autor
discursando.
O autor do discurso, por sua vez, não é um ser
abstratificado, por mais que apareça assim na maioria das ideologias. O autor
do discurso é um indivíduo de carne e osso, que nasceu em determinado lugar e
época, que pertence a determinada classe social, bem como a outras
coletividades. Na sociedade moderna, o autor do discurso está envolvido pelo
conjunto de relações desta sociedade, da qual não pode escapar. O seu processo
histórico de vida, que foi responsável por gerar seus valores fundamentais,
seus sentimentos mais profundos e concepções mais arraigadas, ou seja, sua
mentalidade, bem como sua singularidade psíquica (ou seja, sua personalidade),
ocorreu nessa sociedade, sendo que ele foi criado nela e para ela, gerando
determinados interesses. Sem dúvida, isso varia de acordo com sua inserção
nessa sociedade, desde o caso familiar até a classe social de pertencimento, em
contexto culturais, políticos e econômicos que variam de indivíduo para
indivíduo. O que interessa é que o autor do discurso é um ser social. E assim
como não é possível subtrair o autor do discurso, não é possível subtrair o ser
social do autor.
Assim, a constituição social do discurso é algo facilmente
perceptível, pois quem produz o discurso é um ser social. E isso significa um
conjunto de determinações. A determinação fundamental é a perspectiva de classe
desse autor, o que revela o seu campo axiomático, os valores fundamentais,
sentimentos mais profundos e concepções mais arraigadas desse indivíduo, bem
como seus interesses. Claro que em alguns casos a determinação fundamental pode
ser outra. Esse é o caso de autoria duvidosa (um indivíduo é o autor, mas ele,
por exemplo, pagou para outra pessoa escrever e por isso as ideias não são
exatamente as suas convicções, mas sim as do real escritor) ou de autoria
forçada (uma carta que um sequestrado deve escrever a mando e sob diretrizes
dos sequestradores, por exemplo). Esses casos extremos e mais raros podem ser
complementados pelo caso de estudantes e outros que escrevem discursos (prova,
por exemplo) de forma totalmente desinteressada e descompromissada, querendo
apenas agradar outros ou cumprir obrigações cujo teor não lhes interessa.
Vamos, no entanto, deixar esses casos de lado e focalizar
nos casos de discursos em que os autores estão comprometidos, pelo menos
relativamente, com sua mensagem. Para saber como o autor chegou ao produto
final que é o seu discurso, é preciso, além de saber dele e de sua inserção na
sociedade, entender como o mundo e especialmente os aspectos da sociedade que
mais lhe atingem estavam no contexto da escrita. Por outro lado, essa situação
da sociedade gera processos culturais e alterações em instâncias específicas
nas quais muitos indivíduos estão envolvidos e nos quais muitos discursos
(inclusive os especializados) são produzidos.
Para compreender todos esses processos é necessária uma
teoria da sociedade capitalista, uma teoria do desenvolvimento capitalista, uma
teoria do desenvolvimento cultural da sociedade moderna. Sem essa base teórica,
a compreensão do discurso se vê comprometida. Não será possível, no presente
espaço, nem sequer esboçar tais elementos. Nesse sentido, teremos apenas que
colocar o referencial teórico básico para que se possa, a partir dele, entender
o que virá a seguir. A teoria do capitalismo, em suas grandes linhas, pode ser
encontrada na obra de Marx (1988), a teoria do desenvolvimento capitalista (que
é importante por mostrar suas mutações em cada época, o que tem impacto sobre
os discursos de cada período dessa sociedade) pode ser encontrada na teoria dos
regimes de acumulação (Viana, 2009b; Viana, 2015; Almeida, 2020), uma teoria da
cultura tem vários esboços e devido sua complexidade pode ser encontrada em
algumas obras sobre a mentalidade dominante, a episteme burguesa e as
renovações hegemônicas com a sucessão de paradigmas que detém a hegemonia em
cada fase do capitalismo (Viana, 2008, Viana, 2018, Viana, 2019b).
Desta forma, fica mais fácil entender a constituição social
do discurso. O discurso de Michel Pêcheux e suas três fases[12]
só pode ser compreendido a partir de uma contextualização social, cultural e discursiva
(Viana, 2023). As mutações no seu discurso sofreram impactos das mudanças
sociais e culturais da época em que foram produzidos. Assim, os autores dos
diversos discursos estão marcados pelo contexto social e histórico, bem como
pelo cultural e discursivo no qual estão inseridos.
Além dessas determinações mais gerais do discurso, existem
outras mais específicas. O lugar onde o discurso emerge pode exercer um impacto
sobre ele. Claro que isso varia de acordo com o autor (desde sua mentalidade e
personalidade, até as suas idiossincrasias menos importantes, como vínculo com
o lugar, embora, em alguns casos, isso pode ser fundamental e ganhar peso
explicativo). O lugar pode ser uma cidade, estado ou país e o vínculo que o
autor tem com ele. Um nacionalista, por exemplo, vai ter um impacto muito maior
em sua produção discursiva do país e da cultura local do que um anacionalista.
As suas leituras, preocupações, etc., estarão voltados para a nacionalidade, as
questões locais, os demais autores nacionais e suas concepções, etc. Um
professor universitário convencido da importância da universidade e do saber
escolar vai ter uma influência muito mais forte em sua produção discursiva do
que um outro que é crítico da própria instituição ou alguém que não tem
vínculos com tal instituição.
Mais do que o lugar, as motivações do discurso são
importantes para entender e explicar determinadas manifestações discursivas.
Dentre as motivações dos discursos, uma das mais constantes são os interesses
pessoais, que muitas vezes se mesclam como interesses profissionais e de
classe. Um ataque encolerizado de um intelectual contra outro surge, ou de sua
mentalidade ou de seus interesses (e geralmente ambos estão unidos). As
críticas de Bourdieu ao neoliberalismo, à globalização e à “imposição do modelo
americano”, bem como sua oposição aos Think Thanks conservadores e
“sociologia soft” e discurso surpreendente em defesa de um “conhecimento
engajado” e de um “novo movimento social europeu” (Bourdieu, 1998; Bourdieu,
2001) só podem ser compreendidas através das mudanças sociais (que ele
denuncia) e de como isso atinge ele e sua posição na esfera científica e
subesfera sociológica[13].
Outro elemento que ajuda a compreender a constituição de um
discurso é seu objetivo. A motivação é o que move o autor, mas o objetivo é o
que ele pretende com o seu discurso. O objetivo de um discurso eleitoral, por
exemplo, é convencer os eleitores a votar em um determinado candidato ou
partido. Quando Santo Anselmo gerou o “argumento ontológico”, o seu objetivo
explícito era provar racionalmente a existência de Deus. O objetivo é muitas
vezes explicitado no próprio discurso. Porém, é possível existir também um
objetivo implícito. No caso do discurso de Bourdieu acima aludido, o objetivo
explícito era criticar as mazelas das mudanças do capitalismo contemporâneo,
tais como americanização, neoliberalismo, etc. O objetivo implícito é a busca
de recuperação de hegemonia na subesfera sociológica. Note-se que a motivação
contribui para entender o objetivo implícito. É possível também a existência de
objetivos secundários. Um estudante de mestrado pode escrever uma tese de
doutorado com o objetivo explícito de concluir o curso, mas, de forma
implícita, poderia ter a intenção de realizar uma crítica a algum
posicionamento e como objetivo secundário a inserção em alguma escola de
pensamento.
Um outro elemento determinante do discurso é a sua função
geral e funções específicas. Um discurso ideológico tem a função geral de
justificar e legitimar determinadas relações sociais e um discurso ideológico
de um autor que busca sucesso acadêmico pode expressar a função específica de
inovação para conseguir destaque e espaço.
Existe também determinações formais sobre os discursos, pois
os autores seguem normas, que podem ser as da gramática, as do gênero discursivo,
as das normas impostas por instituições, etc. Nesse caso se destaca o gênero
discursivo, pois os autores sempre buscam seguir as regras do gênero, seja por
buscar se inserir dentro de uma tradição ou especialização, seja por
necessidade de atingir seus objetivos. O discurso religioso tem regras que são
seguidas mesmo por quem não tem consciência delas e não as compreende, apenas
através do processo de imitação e busca de atingir os objetivos estabelecidos.
Em síntese, o discurso é constituído socialmente. Isso
mostra que a compreensão do discurso requer uma compreensão das relações
sociais e seus derivados. O autor do discurso é o ser social que é constituído
social e historicamente e repassa isso para seu discurso. Quando se lê um
discurso se vê apenas o escrito, não é imediatamente acessível o sobrescrito (a
constituição social do discurso) e o subscrito (o implícito), tal como no
discurso legislativo se vê apenas a lei, mas não o seu processo social de produção
(os embates políticos por detrás disso) e o que fica implícito (Viana, 2019b).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O nosso objetivo no presente texto foi apresentar elementos
para uma teoria do discurso, que fazem parte de um projeto em andamento de uma
obra mais ampla e extensa que visa materializar essa formulação teórica. Nesse
esboço dos elementos para uma teoria do discurso, focalizamos nos aspectos
fundamentais: o conceito de discurso, os seus elementos constitutivos e sua
formação social. Esses elementos são fundamentais para o desenvolvimento de uma
análise dialética do discurso, que é parte desse projeto teórico. Os próximos
passos teóricos devem aprofundar e desenvolver o que foi aqui esboçado e abrir
novos horizontes teóricos e analíticos.
REFERÊNCIAS
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BAKHTIN, Mikhail. Os Gêneros do Discurso. São Paulo: Editora 34, 2016.
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BOURDIEU, Pierre. Contrafogos. Táticas para
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Jorge Zahar, 1998.
BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: ORTIZ, Renato (Org.). Bourdieu.
2ª edição, São Paulo:
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DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. 6ª edição, São
Paulo: Nacional, 1974.
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Introdução ao Entendimento dos Sonhos, Mitos e Contos de Fadas. 8a
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Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª edição, São Paulo: Ciências Humanas, 1982.
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PÊCHEUX, Michel;
FUCHS, Catherine. A Propósito da Análise Automática do Discurso: atualização e
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SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1978.
VIANA,
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Flávio; SILVA, Marcelo (orgs.). Ciências humanas e sociais: tópicos atuais
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VIANA,
Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A
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Rizoma, 2015.
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Renovações Hegemônicas. Curitiba: CRV, 2019b.
VIANA, Nildo. Linguagem, Discurso e Poder – Ensaios sobre Linguagem e Sociedade.
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Nildo. Políticas de Saúde no Brasil e Discurso Legislativo. Uma Análise
Dialética do Discurso. Rio de Janeiro: Saramago, 2019a.
VIANA, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios
Freudo-Marxistas. São Paulo: Escuta, 2008.
[1] Não é possível aqui
discutir a complexidade da questão do autor (e nem dos demais aspectos e por
isso nosso texto apresenta “elementos” para uma teoria do discurso e não tal
teoria já desenvolvida, o que promoveria a necessidade de diversos
desdobramentos e aprofundamentos). Apenas para deixar claro essa complexidade
que aqui não é abordada, é possível recordar que existem discursos que possuem
autoria coletiva, bem como outros possuem autoria anônima. O discurso
legislativo, tal como se observa nas leis instituídas, é de autoria coletiva
(Viana, 2019a) e o discurso manifesto no Protocolo dos Sábios do Sião é
apócrifo, o que geram diferenças e processos específicos para sua análise.
[2] Depois de escrever esse
trecho, derivado de reflexões anteriores à escrita, encontramos em uma obra de
Bakhtin uma percepção semelhante: “este destinatário pode ser um
participante-interlocutor direto do diálogo cotidiano, pode ser uma
coletividade diferenciada de especialistas de algum campo especial da
comunicação cultural, pode ser um público mais ou menos diferenciado, um povo,
os contemporâneos, os correligionários, os adversários e inimigos, o
subordinado, o chefe, um inferior, um superior, uma pessoa íntima, um estranho,
etc.; ele também pode ser um outro totalmente indefinido, não concretizado
[...]” (Bakhtin, 2016, p. 62-63).
[3] Dificuldade não quer dizer
impedimento, embora existam níveis de dificuldade e, em alguns casos, pode ser
praticamente impossível um entendimento devido às características do discurso
ou do destinatário. A convergência perspectival, isto é, quando autor e
destinatário possuem a mesma perspectiva (de classe, de ideologia, de valores,
etc.) facilita a compreensão do discurso explícito ou da mensagem intencional,
mas nem sempre possibilita a compreensão do implícito e de mensagens
subliminares.
[4] É possível um discurso ter
mais de um tema e possuir vários subtemas, mas o mais comum é um tema
fundamental, que pode estar acompanhado por outros temas e subtemas ou não.
[5] No caso do discurso
falado, seria identificado na fala (que pode ser transcrita, assumindo a forma
de escrito e facilitando o mesmo trabalho analítico, embora este deva
reconhecer o caráter de transcrição e, por conseguinte, especificidades da fala
transcrita e sua diferença com o escrito).
[6] O que não quer dizer que
não existam outras determinações.
[7] Aqui é importante
explicitar que esses termos não são trabalhados tal como definidos por Saussure
(1978), o que já aponta para o entendimento da complexidade dessa questão e que
ela se manifesta na linguagem em geral, inclusive na linguística.
[8] Um signo sem significado
ou é um referente (algo realmente existente) sem compreensão verdadeira ou uma
palavra sem referente. Assim, o termo “matemática” pode ainda não ter sido
compreendido adequadamente pela consciência humana, ou, ainda “buraco negro” e,
por conseguinte, não possui um significado, mas pode ter vários significantes. Os
signos vazios são raros e geralmente são palavras estrangeiras, ou invenções
ficcionais, como “anarcolopitecus”, por exemplo.
[9] Alguns usam “subidioma”
como sinônimos de “dialetos”. Porém, consideramos que os dialetos são variações
regionais de um idioma, tal como é geralmente concebido, e subidiomas são campos
linguísticos, ou seja, produções lexicais e semânticas no interior de um
idioma, tendo ele como base linguística. Assim, se Freud criou um campo
linguístico ou subidioma, o fez no interior do idioma alemão e que se
caracterizou pela criação lexical, tal como alguns neologismos, e,
fundamentalmente, por ressignificação (novos sentidos para palavras já
existentes em alemão, como, por exemplo, o termo “inconsciente”). A respeito
dos campos linguísticos, cf. Viana (2018).
[10] Assim, nossa concepção
tem certa semelhança com a de Bakhtin (2016), mas também tem diferenças.
Bakhtin é um tanto impreciso em sua concepção de enunciado, que, às vezes, é
identificado com discurso.
[11] Alguns podem ser esboços
de elementos que, no futuro, se tornarão fundamentais, e outros meramente
ocasionais. Assim, quando Marx escreveu A Ideologia Alemã, ele usou o
termo “modo de produção” uma vez (ou poucas vezes) (Marx; Engels, 1982) e não
tinha a importância que assumiria posteriormente quando ele o transforma em um
conceito (e substitui “formas de propriedade”, tal como estava nessa obra).
[12] Que ele mesmo descreveu
(Pêcheux, 2010), embora tenha sido uma descrição e não uma explicação, o que se
vê em outro lugar (Viana, 2023).
[13] Como ele mesmo explica em
sua análise do “campo científico” (Bourdieu, 1994), os dominados no interior
deste tendem a ser críticos e os dominante tendem a ser conservadores. A sua
passagem pessoal de dominante para dominado, no novo contexto neoliberal,
explica sua mudança de posição.
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Publicado em:
VIANA, Nildo. Elementos para uma Teoria do Discurso. in: NETO, J. L. M.; ALMEIDA, F. A. (Orgs.). Língua, Literatura e Cultura sob a Perspectiva do Discurso. São Paulo: Científica Digital, 2024.
Veja também:
SOBRE O DISCURSO RETÓRICO:
https://informecritica.blogspot.com/2024/01/sobre-o-discurso-retorico.html
CONTRIBUIÇÃO À CRÍTICA DA "ANÁLISE AUTOMÁTICA DO DISCURSO":
https://informecritica.blogspot.com/2024/01/contribuicao-critica-da-analise.html