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quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Intelectuais e Instituições


INTELECTUALIDADE E INSTITUIÇÕES

Nildo Viana

A relação entre intelectuais e instituições é bastante complexa e passou por diversas mutações históricas. O nosso objetivo aqui é apenas mostrar um panorama geral dessa relação, destacando a instituição central de produção e reprodução dos intelectuais, a universidade. No entanto, é necessário analisar sua relação com outras instituições, principalmente tendo em vista que algumas frações e setores da intelectualidade possuem relações mais fortes e permanentes fora da universidade.

Desta forma, vamos, num primeiro momento, apresentar uma breve digressão histórica sobre as instituições que antecederam as que se tornam locus de produção e reprodução dos intelectuais. Num segundo momento, desenvolveremos uma discussão a respeito algumas instituições e posteriormente sobre a universidade, principal instância de formação e reprodução dos intelectuais. O passo seguinte será analisar a questão do trabalho intelectual no interior da universidade e o papel do intelectual engajado nesse processo.

Formação da Sociedade Burguesa, Instituições e Intelectuais

A classe intelectual não emerge imediatamente com o surgimento do capitalismo. As classes sociais fundamentais, constituídas no modo de produção capitalista, nascem imediatamente com este modo de produção e vai se consolidando com o seu desenvolvimento. As demais classes vão surgindo, algumas antes, outras depois, a partir do desenvolvimento e consolidação desse modo de produção como dominante. Sem dúvida, desde o declínio da sociedade feudal já havia uma tendência para emergir especialistas no trabalho intelectual, mas este processo foi lento e dentro de um processo de transição do feudalismo para o capitalismo e a forma final e acabada da intelectualidade como classe ocorre tardiamente, no século 19.

A classe intelectual tem como antecedente principal os intelectuais amadores do século 16, que era uma época em que mudanças sociais, no modo de produção e na sociedade como um todo, tal como as mudanças culturais, tal como o renascimento. Os intelectuais amadores eram a prefiguração dos intelectuais artesanais que emergiriam no século seguinte, sendo que Descartes e o racionalismo são os grandes representantes desse processo no nível ideológico. É com o iluminismo e o avanço do capitalismo que faz emergir os intelectuais semiprofissionais, antecessores diretos e já expressão embrionária da nova classe intelectual (VIANA, 2014).

Nesse processo, os intelectuais não possuem ligações diretas com instituições, a não ser no caso do clero, ligados à igreja. Esse setor, que com o passar do tempo que marca o declínio do feudalismo e adaptação das igrejas ao capitalismo, vai se modernizando com essa passagem e de fração da classe dominante na sociedade feudal se torna componente da classe intelectual na sociedade capitalista[1]. Os antecessores dos intelectuais viviam do mecenato, do patrocínio da nobreza ou da burguesia nascente. Os artistas, filósofos e outros eram extremamente dependentes das outras classes. A divisão do trabalho e a especialização ainda eram bastante rudimentares, os humanistas começam a formar as academias, instituições próprias dos intelectuais amadores, distinta das instituições religiosas de ensino. No século seguinte, os intelectuais artesanais ampliam as academias e muitos conseguem sobreviver através de patrocínios e publicações mescladas (VIANA, 2014; BURKE, 2003). Os salões e os cafés vão se tornando associações de intelectuais cada vez mais importantes. Eles adquirem importância fundamental no século seguinte, marcado pelo florescimento das academias e pela formação de intelectuais semiprofissionais:
A associação moderna, que se consolida a partir dos cafés ingleses e franceses, despreza a posição e os laços de família; é o produto de uma sociedade de massa liberalizada na qual o indivíduo isolado e sua opinião constituem a base das afiliações políticas. Em certo sentido, as tertúlias dos cafés do fim do século 18 e princípios do 19 foram as associações mais livres da história ocidental; nunca foi a opinião tão fluída e socialmente independente como nesse período (MANNHEIM, 1974, p. 111).
É nesse contexto que os intelectuais semiprofissionais vão sendo substituídos pelos profissionais e as academias ganham espaço, bem como há uma autonomização da intelectualidade enquanto grupo social. Os artistas vão ganhando independência e os salões abriram brechas nesse sentido, assim como os cafés e academias, bem como posteriormente a boemia, abrem espaços de autonomização intelectual e social dos cientistas.

A Constituição da Classe Intelectual e as Instituições Burguesas

É no século 19 que a classe intelectual, já esboçada no século anterior, se torna a uma classe social consolidada e busca se unificar, autonomizar e criar suas próprias ideologias. Neste contexto, a relação dos intelectuais com as instituições burguesas se altera. Algumas instituições burguesas terão relação direta com os intelectuais, atuando no seu processo de formação e reprodução, enquanto que outras terão relação indireta, seja através de financiamento, auxílio ou qualquer outra forma. Uma outra diferenciação é que algumas instituições são, simultaneamente, instâncias de formação e reprodução, enquanto que outras são apenas de formação e outras apenas de reprodução. As instâncias de formação são aquelas que tratam da socialização, treinamento, educação formal, dos intelectuais, e as instâncias de reprodução são aquelas onde eles irão trabalhar através do uso de sua força de trabalho intelectual. As instâncias de formação e reprodução são aquelas que não só cuidam da educação e treinamento, mas também é um locus de reprodução, ou seja, emprega um quantum considerável de força de trabalho intelectual[2].

Nesse sentido, cabe destaque para o Estado e as universidades. A formação do moderno Estado capitalista, após as revoluções burguesas, é um marco para a intelectualidade. Isso ocorre porque é esta instituição burguesa central[3] que acaba se tornando a regularizadora do conjunto das relações sociais, bem como do processo educacional e das universidades modernas. As universidades modernas se tornam as instituições centrais da formação e reprodução dos intelectuais, pois é onde ocorre o processo de formação da maioria dos intelectuais e é o maior empregador de intelectuais.

A universidade moderna surge no século 19. O nome “universidade” é anterior, desde a sociedade medieval as instituições de ensino religioso foram denominadas “universidades”. O caráter religioso e seu vínculo com a sociedade feudal e, posteriormente, seus resquícios, lhe colocaram como uma instituição feudal e não burguesa, apesar de ir, paulatinamente, se modernizando e adequando à sociedade capitalista. As academias eram as antecessoras das universidades modernas, pois o seu caráter mais autônomo e moderno, bem como laico, se aproxima muito mais das modernas instituições de ensino superior. A formação das universidades modernas marca um processo de autonomização dos intelectuais em relação a outras instituições, mas, ao mesmo tempo, promove um processo de crescente burocratização que acompanha o desenvolvimento capitalista e se torna uma nova camisa de força para a intelectualidade. O controle estatal das universidades, tanto privadas (legislação, financiamento, etc.) quanto estatais (controle indireto, financiamento, legislação, etc.) é outro elemento problemático e que sempre coloca em disputa a questão da “autonomia universitária”.
Porém, não é apenas a universidade que é instância de formação de intelectuais. As igrejas, resquícios da sociedade feudal que conseguiram sobreviver se adaptando ao capitalismo, são outro exemplo de instância de formação de intelectuais, específicos, os teólogos e demais religiosos. Ela é semelhante às universidades por também ser instância de formação e reprodução, pois não apenas forma como sustenta a reprodução de todo um conjunto de intelectuais. É possível citar algumas outras instituições que são instâncias de formação de determinados grupos de intelectuais, como é o caso das associações psicanalíticas que surgem no início do século 20.

As instâncias indiretas de formação da intelectualidade contam com outras instituições, como partidos, sindicatos, Estado, etc. Claro que, em alguns casos, existe a possibilidade de “escolas de partidos”, tal como no caso do Partido Socialdemocrata Alemão, que inclusive contou com Rosa Luxemburgo como professora, substituída por um breve tempo pelo não menos renomado Anton Pannekoek, astrônomo mundialmente conhecido. Esse processo de formação indireta se dá através de cursos, práticas concretas, contatos, entre outras possibilidades. Os centros e institutos de pesquisa também realizam um processo de formação, algumas vezes sob a forma direta e outras de forma indireta, geralmente combinando as duas formas.

As instâncias exclusivas de reprodução (logo, excetuando universidades, igrejas, etc., que são instâncias de formação e simultaneamente de reprodução) são geralmente empresas capitalistas. Esse é o caso do complexo capital comunicacional, composto por editoras, jornais, redes de rádio e televisão, empresas cinematográficas e fonográficas, entre diversas outras. É o local de reprodução principal de algumas frações e setores da intelectualidade, tal como os jornalistas. A relação com os artistas pode ser direta ou indireta, nesse caso.

Outras instituições burguesas, como hospitais, clínicas, escolas[4], entre outras, são instâncias de reprodução, sendo que além dos escalões mais baixos da hierarquia intelectual, os professores do ensino básico, e técnicos em sua maioria, também aglutinam alguns que possuem maior status e renda, tal como médicos, advogados, entre outros, embora também possuam uma hierarquia interna, além de gerar uma burocracia interna que facilita a passagem da classe intelectual para a classe burocrática.

A relação entre intelectuais e instituições será abordada mais adiante, mas, recordando que se trata de organizações burocráticas, há uma relação íntima entre intelectualidade e burocracia, duas classes sociais auxiliares da burguesia. Essa relação é marca por conflitos e alianças, por passagem de indivíduos de uma para outra e de recusa e confronto, tanto individuais quanto de classe. Retornaremos a isso mais adiante.

Existem casos de organizações dos próprios intelectuais. Desde a origem da intelectualidade, através de iniciativas pouco estruturadas, existem formas de organização cuja origem se encontra na associação de intelectuais. Após o processo de emergência da classe intelectual, o mais comum é a reunião dos intelectuais em seu local de trabalho ou em associações profissionais (as chamadas “associações científicas”, ou mesmo organizações burocráticas produzidas pelos próprios intelectuais, como “institutos de pesquisa”). Um exemplo diferenciado é o que ocorre em certos lugares ou épocas, na qual a autonomia dos intelectuais é maior e se manifesta através da aliança com o proletariado, o que é mais comum durante as tentativas de revoluções proletárias, como no exemplo alemão, onde em Berlim, durante a Revolução Alemã, foi constituído os “Conselhos de Trabalhadores da Arte”, inspirado diretamente nos conselhos operários.

As fundações também são importantes neste contexto, pois financiam e assim influenciam diretamente as temáticas e abordagens dos intelectuais, especialmente os cientistas. A Fundação Ford financia pesquisas, publicações e assim, indiretamente, direcionam a produção intelectual. Obviamente que tal fundação está ligada aos interesses norte-americanos e por isso é denunciada em suas estratégias (BOURDIEU e WACQUANT, 2001). O curioso é que tais fundações (Ford, Rockfeller, etc.) acabam financiando também outras instituições, programas de pós-graduação, etc. No caso brasileiro, a Fundação Ford financiou diversas instituições, como CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), CEDEC (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea), IDESP (Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo), CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil), entre outras.

Outras instituições vêm ganhando espaço no processo de reprodução da intelectualidade. Esse é o caso das empresas do capital comunicacional. Essas vêm gerando o que alguns chamam de “intelectuais mediáticos”, também considerados “novos reacionários”. Esse é o caso de comentaristas em telejornais (cuja qualidade do comentário e da produção intelectual é risível, mas um intelectual se define por seu pertencimento de classe e não pela qualidade de suas ideias), articulistas de jornais e revistas, entre outros. Os “novos reacionários” (MASCHINO, 2013) podem ser também intelectuais com relativo reconhecimento acadêmico, como Pierre Nora, Alain Minc, Phillipe Sollers, André Glucksman, etc.

Universidade: Instância de Formação e Reprodução da Intelectualidade

A instituição principal de formação e reprodução dos intelectuais é a universidade e por isso ela será nosso foco de agora em diante. Esse papel já é de longa data e vem se ampliando. A universidade moderna ao emergir sempre foi a principal instância de formação e reprodução da intelectualidade científica e com o passar do tempo vai incorporando outros setores que passam a possuir a necessidade da sanção acadêmica, tais como os artistas e outros. Nesse sentido, o estudo das universidades é de importância fundamental para a compreensão da intelectualidade.

A ascensão das universidades modernas ocorre com o processo de expansão e consolidação da racionalização capitalista. O processo de crescente racionalização, especialização, burocratização tem na universidade uma de suas instituições propulsoras, reprodutoras e submetidas. O objetivo das universidades é a reprodução das relações de produção capitalistas (TRAGTENBERG, 1990). As universidades realizam este processo através de duas formas básicas: a formação de força de trabalho especializada e disciplinada e formação de um saber legitimador (técnico, ideológico, etc.) que também gera valores e adesão à sociedade capitalista.

O capital necessita de força de trabalho especializada. Os técnicos e o conjunto dos “agentes de enquadramento” são produzidos nas instituições universitárias. Os intelectuais também são produzidos nessas instituições. Os intelectuais são produtos das universidades e ao mesmo tempo são os responsáveis por sua reprodução. Parte dos intelectuais formados nas universidades acaba sendo absorvidos por ela mesma recebendo o papel de formação de outros intelectuais. Como força de trabalho, não apenas adquire um determinado saber, cujo grau e qualidade variam, bem como uso posterior[5], e é constrangido ao regime disciplinar que é uma preparação para a sua adequação ao seu lugar na divisão social do trabalho. Nesse sentido, há um processo de preparação dos indivíduos, sua ressocialização (VIANA, 2004), para reproduzir a sociedade capitalista e seu lugar na mesma, através da violência disciplinar e cultural imposto pela universidade (VIANA, 2002).

Além da formação de uma força de trabalho especializada, a universidade tem o papel de produzir um saber legitimador da sociedade capitalista e de suas relações e instituições. A produção e, principalmente, reprodução de ideologias, saberes técnicos, valores, visa adequar os indivíduos à sociedade e à divisão social do trabalho produzida por ela.

Esse processo é garantido através da burocracia universitária. As universidades são organizações burocráticas que exercem um poder e esse processo possui agentes reais, concretos. Obviamente que as universidades estatais estão submetidas ao aparato burocrático estatal e as universidades privadas ao capital educacional, embora haja o controle indireto da legislação, financiamento, etc. A burocracia universitária regulariza as relações internas através da disciplina, ordem, regimentos, saberes autolegitimadores, etc. O Estado capitalista, via suas ações diretas, ou seja, da burocracia estatal, ou indiretas, as da burocracia universitária, impõe a produção da força de trabalho especializada e disciplinada cuja ação será contribuir com o desenvolvimento tecnológico capitalista, a manutenção do controle social, produção de saber (técnico, ideológico) útil para o capital, legitimador das relações sociais existentes e ideologias conservadoras ou pseudocríticas. Os processos de ensino e sua dinâmica através dos currículos, grades curriculares, estão voltados para a formação dos especialistas disciplinados a serviço do capital, com raras e pontuais exceções. A hierarquia, disciplina, sigilo burocrático, punições, cooptação, são algumas das estratégias existentes. Uma rede hierárquica que vai do reitor até o chefe de departamento, acaba se impondo nas instituições universitárias. E por isso os novos intelectuais, os estudantes, terão que se submeter a uma formação presa ao trabalho intelectual ou técnico parcelar, ao programa pré-fabricado sem sua consulta ou participação, a pedagogia repressiva, punições, perseguições, estudo alienado, etc.

Obviamente que as universidades seguem a dinâmica do capitalismo e, por conseguinte, a cada regime de acumulação[6] assume formas diferenciadas, o que não poderemos desenvolver aqui. Contudo, esse elemento essencial e básico das universidades permanece, o que muda com as alterações históricas e sociais é a forma como efetiva isso.

Intelectuais, Trabalho Intelectual e Universidade

Algumas instituições funcionam como obstáculos burocráticos para o desenvolvimento de um trabalho intelectual livre, tal como é o caso das universidades, igrejas, institutos. O nosso foco analítico aqui é o trabalho intelectual, ou seja, a relação da intelectualidade com o produto do seu trabalho e isso no âmbito das universidades, por ser a principal instância de formação e reprodução desta classe.

O caráter burocrático da universidade atinge o trabalho intelectual diretamente. Sem dúvida, as universidades nascem como organizações burocráticas. Contudo, há um processo de intensificação da burocratização. As universidades modernas do século 19 possuíam um grau de burocratização reduzido. A burocracia universitária dominava o processo de entrada de professores, controlava a instituição, mas possui muito menos departamentos, processos burocratizantes (regimentos, documentos, etc.), setores na hierarquia acadêmica, exigências regimentais e disciplinares, etc. O processo de mercantilização da sociedade e da universidade amplia a burocratização[7] e a submissão direta ao capital, o que é mais forte em alguns países, tal como no caso de maior profundidade, os Estados Unidos. Neste país, após a Segunda Guerra Mundial e a instauração do regime de acumulação conjugado (também chamado de “intensivo-extensivo” ou “fordista”), houve um forte aprofundamento da mercantilização, racionalização e burocratização das universidades. É neste contexto que há o fortalecimento de determinado tipo de pesquisa financiada (pelo capital e que, portanto, trata-se de pesquisa para o capital)[8] e o que Wright Mills denominou “empirismo abstrato”. Segundo este autor:
A instituição de pesquisa é também um centro de treinamento. Como outras instituições, seleciona certos tipos de mente e, em virtude das recompensas que oferece, coloca um prêmio sobre o desenvolvimento de certas qualidades mentais. Dois tipos de homens, bastante novos no cenário acadêmico, surgiram dessas instituições, juntamente com professores e pesquisadores mais antiquados (WRIGHT MILLS, 1982, p. 116).
Nesse contexto, surgem administradores intelectuais, promotores de pesquisas, recrutas jovens, técnicos de pesquisa. Juntamente com isso aparece a competição entre grupos, escolas e personalidades e passa a existir o predomínio do ethos dos técnicos. Os valores sofrem uma mutação e a reputação deixa de ser conquistada via produção intelectual (livros, estudos, etc.) e vai paulatinamente passando para a posse de equipamentos. Obviamente que isso gera outra competição. Os que trabalham com pesquisas financiadas possuem equipamentos técnicos, mas pouca produção intelectual, o que significa que o seu reconhecimento atual é limitado: “Um colega interessado na posteridade observou recentemente a propósito de um desses homens: ‘enquanto viver, ele será o homem mais eminente em seu setor; duas semanas depois de sua morte, ninguém se lembrará dele” (WRIGHT MILLS, 1982, p. 121).

Nesse contexto, alguns críticos emergem na instituição universitária. Contudo, eles são ignorados e se não puderem ser (devido ressonância da sua crítica ou produção intelectual), existem outras estratégias, como, por exemplo, o comentário de livros. Se não der para ignorar, pede-se a alguém para fazer um comentário crítico, alguém conhecido ou, ainda melhor, a um membro menos destacado, que é recompensado por ter essa oportunidade de criticar alguém mais destacado e ainda ter a vantagem do criticado talvez não responder por esnobismo (WRIGHT MILLS, 1982).

Essa percepção crítica dos efeitos da burocratização no trabalho intelectual também se encontra na obra de Russel Jacoby (1990). Ele já produz em outra época, quando o regime de acumulação integral já se instalou na sociedade norte-americana e já alterado a vida acadêmica nesse país. No entanto, ele faz referências às épocas passadas, especialmente o período do regime de acumulação conjugado. A sua preocupação é o desaparecimento dos intelectuais públicos e ele observa que a razão disso se deve ao processo de urbanização, fim da boemia e expansão das universidades. Sem dúvida, esses aspectos existem, mas Jacoby deixa de lado vários outros aspectos, entre eles o processo de mercantilização, o modo de vida da classe intelectual no capitalismo oligopolista transnacional, a cultura conservadora norte-americana. Contudo, as suas observações sobre a “era da academia” é extremamente útil para pensar as condições do trabalho intelectual na sociedade norte-americana.

Jacoby não deixa de incluir uma análise da nova esquerda e do marxismo acadêmico. Um dos elementos fundamentais de sua reflexão é que o medo dos conservadores de uma invasão marxista da academia[9] é fora da realidade, pois o que ocorreu foi uma invasão acadêmica do marxismo[10]. A burocratização exerce uma pressão sobre os professores e inclusive inibe sua intervenção na sociedade civil. Ele cita alguns exemplos: o sociólogo Paul Starr, autor de trabalho reconhecido sobre a medicina nos EUA, mal visto por escrever regularmente para jornais; Henry Giroux (prefaciado por Paulo Freire), foi indicado para estabilidade por várias comissões, mas o reitor conservador nomeou uma comissão e apesar dessa tê-lo aprovado por dois votos a um, ele o demitiu concordando com o presidente da comissão indicado por ele. “Ninguém percebeu ou publicou isso” (JACOBY, 1990); Paul Piccone, indicado para estabilidade e elogiado por Herbert Marcuse, J. Habermas, Daniel Bell, mas apesar disso nada conseguiu. E Jacoby alerta que a situação pior nas faculdades municipais.

Uma geração ausente: os intelectuais públicos jovens deixaram de existir a partir de 1970. Sempre são os velhos que são citados. A produção intelectual tem pouca renovação e significado. Alguns críticos emergem. A crítica da economia, história, geografia, sociologia, política existe, mas é pouco divulgada (JACOBY, 1990). A qualidade e seriedade da produção intelectual também são reduzidas a nível extremo. Como exemplo, Jacoby cita o caso de Fredric Jameson, o “mais renomado e conhecido” autor “marxista” dos Estados Unidos. Além de criticar os seus “reprodutores” e mostrar seus limites, isentando Jameson da responsabilidade por eles, Jacoby não poupa o renomado autor americano. Uma das críticas de Jacoby é que Jameson é um “marxista que elogia o pós-modernismo”[11] e o “Bonaventure Hotel”. Esse hotel, qualificado por Jameson como “pós-moderno” e elogiado pelo mesmo é, segundo Jacoby, “pré-moderno”, medieval e que reafirma a separação entre “senhores e servos” (JACOBY, 1990).

Isso não atinge apenas a produção intelectual, mas os processos de seleção, no quais o que vale é o “prestígio” da universidade de origem, do orientador, relações interpessoais. Obviamente que, nesse contexto, a reprodução de mediocridade toma formas cada vez mais amplas. Já na época de Weber (1989) isso ocorria e por isso ele pode ser citado:
Os inimigos mortais e os críticos severos da vida acadêmica não podem simplesmente ser postos de lado como teóricos fracassados ou rejeitados. Max Weber, um professor muito bem sucedido, sugeriu certa vez que todos aqueles que queriam ser acadêmicos deveriam responder à seguinte pergunta: ‘Em sã consciência, você acredita que pode aguentar o fato de medíocres atrás de medíocres, anos após anos, ascendam mais que você, sem se tornar amargurado e sem sofrer um colapso?’ Ele acrescentou: ‘descobri que raros homens conseguem suportar tal situação’ (JACOBY, 1990, p. 154).
O que ocorreu após Weber foi uma intensificação desse processo, pois aumentou o número de medíocres e diminuiu o número de intelectuais com maior competência, entre outras qualidades que entraram em decadência.

A competição e a luta pelo reconhecimento se torna o motor da academia. O valor monetário das notas de rodapé aumenta com o desenvolvimento acadêmico. Claro está que muitos moralistas e academicistas condenam as citações e outros processos de reconhecimento, reduzindo essa complexa questão social (que tem a ver com burocratização, competição social, valores dominantes, etc. e, portanto, com reprodução da sociabilidade e mentalidade dominantes, manifestação da luta de classes com predominância burguesa) à mera questão de vaidade e nunca tocando nas consequências sociais desse processo. Este não é o caso de Jacoby, pois ele demonstra justamente o significado político desse processo: o reforço do conformismo.
Até mesmo a última invenção no campo da pesquisa, os índices de citação de rodapé, estimula uma erudição diferente e domesticada. O Social Science Citation Index (Índice de Citações em Ciências Sociais), um volume maciço publicado três vezes por ano, retira de milhares de publicações especializadas as referências em notas de rodapé a artigos e livros específicos. Buscando-se um determinado autor, digamos C. Wright Mills ou Daniel Bell, encontra-se uma lista dos artigos de jornal onde Mills ou Bell foram citados. Em princípio, isso permite a um pesquisador encontrar o material onde Mills ou Bell, ou os assuntos relacionados, são discutidos – ou pelo menos citados. No entanto, este índice está cada vez mais sendo considerado como um método científico para identificar os teóricos que têm impacto em suas áreas; ele também está sendo utilizado como um guia para promoção e prêmios. Presumivelmente, quanto mais referências a um professor, maior sua importância. Muitas citações de uma obra individual indicam que o autor ou a autora é importante; inversamente, poucas referências, ou nenhuma, implicam que um autor é desconhecido e irrelevante (JACOBY, 1990, p. 159).
Assim, as notas de rodapé se transformam em unidades monetárias no mercado de ideias e a troca mercantil das citações sempre ocorre entre amigos. Esse processo gera um conservadorismo exacerbado, pois se passa a citar apenas aqueles que possuem certo renome e o maior número possível de autores. Aliás, a “circunspecção acadêmica” que gera uma pratica elogiosa superficial unida com a moderação da crítica é uma das consequências desse processo. Na noite acadêmica, todos os gatos são pardos.
Como qualquer estudo quantitativo de reputação, o índice é circular. Ele não mede a qualidade do trabalho, mas o impacto e as conexões. Entretanto, se for utilizado para avaliar carreiras, as lições para o professor ambicioso são claras: lance uma rede ampla, estabeleça o máximo possível de relações mútuas, não se isole da corrente dominante. Por isso, compensa não apenas citar os outros em notas de rodapé, mas planejar a própria pesquisa de modo que ela se entrelace com as contribuições de outros; eles se referem a você assim como você se refere a eles. Todos prosperam com os estudos açucarados (JACOBY, 1990, p. 159).
Esta obra de Jacoby foi publicada em 1987 e a realidade brasileira se aproximou cada vez mais deste processo. Contudo, as notas de rodapé foram substituídas pelo sistema de Chicago (ou “autor-data”) e os instrumentos de medição são cada vez mais fortes e poderosos: currículo Lattes, índices de citações no Scielo, Google Schollar, impacto da produção (para revistas e autores), etc. As políticas neoliberais para a educação ao mesmo tempo que incentiva o produtivismo precariza as condições de trabalho. Nunca se produziu tanto e, ao mesmo tempo, nunca em situação tão precária e qualidade tão baixa. Os critérios de avaliação qualitativa são meramente quantitativos e formais, beneficiando regiões, universidades, etc. Nesse sentido, o trabalho intelectual no interior das universidades se torna cada mais controlado e desqualificado.

Intelectuais engajados e a crítica das instituições e da universidade

Os intelectuais que atuam nas universidades estão submetidos a todo esse processo. Alguns de bom grado e fazendo apologia dessa situação, outros realizando críticas superficiais combinadas com um conformismo prático. Existem alguns que vão mais longe. No caso dos intelectuais engajados[12], eles também estão submetidos à dinâmica institucional e sofrem, além disso, inúmeras pressões, como todos os demais. Quer queiram ou não, são constrangidos a competir (desde a entrada na classe intelectual, no processo de formação, com a competição expressa desde o vestibular até para concurso para professor ou pesquisador), a exercer determinadas atividades, etc. Obviamente que a sua posição diante disto é diferente, algumas das pressões podem ser evitadas (dependendo das condições e dos indivíduos e suas singularidades), algumas atividades podem ser exercidas sob formas distintas das usuais (apesar de sempre existir pressão para seguir o padrão de comportamento esperado), etc.

No entanto, há uma diferença importante entre os intelectuais hegemônicos e os intelectuais engajados. A competição a que os últimos estão constrangidos é institucional, ou seja, é uma exigência da instituição. No entanto, existe a competição que é a dinâmica da esfera social à qual os intelectuais estão submetidos, que pode ser a esfera científica, a esfera artística, entre outras, ou as subesferas que são suas subdivisões. Embora possa haver a aparência de competição, a disputa dos intelectuais engajados possui outra razão de ser.

A competição na esfera científica, por exemplo, é pela consagração, monopólio do saber científico legítimo, etc. e significa que o objetivo é a ascensão e consagração na esfera, ou seja, se aceita o jogo e suas regras. No caso dos intelectuais engajados, o objetivo é efetivar uma luta cultural visando contribuir com a transformação social, o que, obviamente afasta o indivíduo de uma consagração do tipo dos intelectuais hegemônicos na esfera, mesmo porque há o questionamento da legitimidade do saber produzido em seu interior. Neste caso, não se aceita o jogo e nem suas regras, a não ser pequenas concessões geralmente formais ao invés de conteúdo. Claro que em alguns casos, alguns intelectuais engajados, por diversas razões, podem parecer estar dentro do jogo, tal como aceitar a linguagem e formas dominantes (por exemplo, dizer que a sua concepção é científica, objetiva e neutra, seja por equívoco, insegurança ou estratégia de luta, o que significa aceitar a autoimagem ideológica dos cientistas e do que eles produzem sobre a ciência). Apesar de algumas vezes pouco eficaz, devido ao isolamento individual em muitos casos, a ação do intelectual engajado proporciona mudanças e cria brechas e possibilidades que são importantes na luta cultural e são reforçadas quando é algo coletivo (o que pode ser gestado a partir de uma iniciativa individual) e/ou então é um momento de ascensão das lutas de classes.

Nesse sentido, as diversas análises de Bourdieu – sobre o “campo científico” (1984) e também sobre o “campo artístico” (1996) possuem utilidade para entender parte do processo, mas não sua totalidade, pois suas abstrações metafísicas não permitem perceber o que está fora e contra o campo, como já colocava Lahire (2002) e outros (VIANA, 2011). A ideia de que todos estão competindo dentro do campo, o que significa estar aceitando o jogo e suas regras, revela parte da realidade, mas ao desconsiderar a possibilidade e os casos em que isso não ocorre, demonstra não compreender a dinâmica das esferas sociais e suas relações com a luta de classes e outros elementos da sociedade.

As instituições burguesas não podem se transformar no seu contrário e não se trata de pensar que trocando as direções delas, ou seja, substituindo burocratas, se realiza sua transformação. O papel dos intelectuais engajados nestas instituições é fortalecer a força da coletividade em detrimento da força da burocracia e a luta cultural no seu interior. Esse fortalecimento da coletividade permite a criação de contrapoderes no interior das instituições, criando uma correlação de forças diferente que ao lado da luta cultural permite que as ações conservadoras sejam diminuídas e que as ações contestadoras se fortaleçam, criando, assim, uma nova correlação de forças na sociedade civil como um todo, o que beneficia a luta do proletariado por sua autoemancipação.

Um dos elementos da luta cultural é a crítica das instituições burguesas, revelando não só seu objetivo real e final, a reprodução das relações de produção capitalistas, mas também da forma como efetivam isso, através da dominação burocrática, poder financeiro, etc. A crítica da universidade, nos casos dos intelectuais, principalmente aqueles que se encontram no seu interior, deve apontar para esses aspectos e, além disso, buscar constituir formas alternativas de ação e organização, articulação dos setores contestadores da mesma, criação de contrapoderes, combate ao autoritarismo e burocratismo. Ou seja, a luta cultural e a formação de contrapoderes e formas alternativas de ação e organização são complementares e é parte do papel do intelectual engajado. Ao lado disso, o apoio e luta fora das universidades (ou demais instituições burguesas) é outro elemento importante, complementar e que pode, em determinados contextos, se reforçar reciprocamente.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre e WACQUANT, Löic. Sobre as Artimanhas da Razão Imperialista. In: NOGUEIRA, Maria Alice e CATANI, Afrânio (orgs.). Escritos de Educação. 3ª edição, Petrópolis, Vozes, 2001.

BOURDIEU, Pierre. As Regras da Arte. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.

BOURDIEU, Pierre. O Campo Científico. In: ORTIZ, Renato (org.). Bourdieu. São Paulo: Ática, 1984.

BURKE, Peter. Uma História Social do Conhecimento. De Gutenberg à Diderot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

JACOBY, Russell. Os Últimos Intelectuais: a Cultura Americana na Era da Academia. São Paulo: Trajetória Cultural: Edusp, 1990.

LAHIRE, Bernard. Campo, fuera de campo, contracampo. Colección Pedagógica Universitaria, n° 37-38, jan./dez. 2002.

MANNHEIM, Karl. Sociologia da Cultura. São Paulo: Perspectiva, 1974.

MARX, Karl. Teses Sobre Feuerbach. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª Edição, São Paulo: Hucitec, 1991.

MASCHINO, Maurice. Intelectuais da Mídia, Os Novos Reacionários. Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/acervo.php?id=646 Acessado em: 10/10/2013.

SARTRE, Jean-Paul. Em Defesa dos Intelectuais. São Paulo, Ática, 1994.

TRAGTENBERG, M. Sobre Educação, Política e Sindicalismo. 2ª Edição, São Paulo, Cortez, 1990.

VIANA, Nildo. A Dinâmica da Violência Juvenil. Rio de Janeiro: Booklink, 2004.

VIANA, Nildo. A Esfera Artística. Marx, Weber, Bourdieu e a Sociologia da Arte. 2ª edição, Porto Alegre: Zouk, 2011.

VIANA, Nildo. A Formação da Intelectualidade. a publicar.

VIANA, Nildo. Intelectual: Indivíduo e Pertencimento de Classe. Anais do I Simpósio Nacional Marxismo Libertário. Goiânia, maio de 2010.

VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Idéias e Letras, 2009.

VIANA, Nildo. Violência e Escola. In: VIEIRA, Renato & VIANA, Nildo. Educação, Cultura e Sociedade. Abordagens Críticas da Escola. Goiânia: Edições Germinal, 2002.

WEBER, Max. Sobre a Universidade. São Paulo, Cortez, 1989.

WRIGHT MILLS, C. A Imaginação Sociológica. 6ª edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1982.





[1] Aqui estamos nos referindo aos teólogos e religiosos que não são os dirigentes de tais instituições. Aqueles que são dirigentes nas instituições, mesmo que sua origem seja na classe intelectual, são burocratas e, portanto, são pertencentes à outra classe social.
[2] Obviamente que geralmente as instâncias de formação empregam intelectuais, responsáveis pela formação dos futuros intelectuais, mas as que são simultaneamente de formação e reprodução empregam um quantum elevado e grande parte formada por ela mesma.
[3] O conceito de instituição, aqui, significa organização burocrática. Desta forma, as formas organizacionais não burocráticas não são instituições. As organizações burocráticas, e quanto maior uma organização maior é sua tendência à burocratização, são instituições burguesas, mesmo sendo produzidas e utilizadas por outras classes sociais, especialmente suas classes auxiliares. As organizações não burocráticas são marginais na sociedade capitalista e além de sua pouca quantidade e tamanho pequeno,
[4] Tanto estatais quanto privadas. Aliás, além das empresas capitalistas, o Estado é também uma grande instância de reprodução dos intelectuais, através de suas instituições diversas, desde o governo e parlamento (que usam consultorias, pesquisadores, etc.), quanto suas diversas instituições, desde os ministérios às suas fundações, autarquias, não somente as universidades, mas as instituições de fomento e desenvolvimento de pesquisa, por exemplo. Entre inúmeros exemplos, poderíamos citar as redes estatais de televisão, que empregam um conjunto enorme de jornalistas e outros intelectuais (técnicos, principalmente, mas não unicamente).
[5] Uma parte considerável da força de trabalho produzida nas universidades não é absorvida pelo mercado de trabalho.
[6] Um regime de acumulação é um processo de lutas de classes cristalizado numa determinada correlação de forças, tendo como elementos fundamentais o processo de valorização (forma de organização do trabalho), forma estatal e forma de exploração internacional. A história do capitalismo pode ser interpretada como a história de diversos regimes de acumulação. Sobre isso, cf. Viana (2009).
[7] A burocratização é o processo de crescimento da burocracia, aumentando o número de burocratas e de processos associados (regimentos, criação de departamentos, aumento de atividades meramente administrativas, etc.).
[8] Ou seja, pesquisa para atender diretamente o interesse do capital, pois, no geral, mesmo que indiretamente, a maioria das pesquisas serve ao capital.
[9] Tanto nos Estados Unidos da época quanto no Brasil atual existe um conjunto de intelectuais semifascistas que anunciam cotidianamente a invasão comunista, onde todo mundo é comunista ou “marxista”, o que não tem o menor sentido e é algo completamente fora da realidade, recordando o macarthismo, período em que qualquer crítica social nas artes ou pensamento crítico nas ciências humanas era motivo para a acusação de ser comunista.
[10] Jacoby, após recordar que a partir dos anos 1970 os estudantes rebeldes dos anos 1960 tornam-se professores e intelectuais, pergunta: “O que aconteceu às multidões de esquerdistas acadêmicos? A resposta é surpreendente: nada surpreendente. A realidade cotidiana da burocratização e do emprego tomou conta deles. A Nova Esquerda que permaneceu na universidade revelou-se trabalhadora e bem comportada. Numa transição quase sempre indolor, eles passaram da condição de estudantes aos postos iniciais na carreira docente, e, em seguida, às nomeações estáveis” (JACOBY, 1990, p. 148).
[11] O que Jacoby faz é mostrar a fragilidade da produção intelectual norte-americana e de Jameson em particular, por sua falta de fundamentação e seu vínculo com as modas e ideologias dominantes, o que explica seu relativo sucesso. As obras de Jameson são bastante frágeis e sua análise do pós-modernismo é marcada por inúmeros equívocos e conservadorismos. Um equívoco que mostra a falta de profundidade e relevância de suas análises é o seu uso da obra do trotskista belga Ernest Mandel para analisar o capitalismo tardio da época pós-moderna, nem sequer percebendo que este autor tratava do regime de acumulação conjugado (o que ele denominava “capitalismo tardio”) e o pós-estruturalismo (a ideologia pós-moderna) surge a partir da transição para o regime de acumulação integral e se torna hegemônico com este (VIANA, 2009). Usar um texto sobre os anos do pós-Guerra até anos 1970 para explicar o período posterior aos anos 1970 é algo risível se não fosse trágico.
[12] Em breve estaremos publicando uma obra que trata das diversas posturas intelectuais, incluindo os intelectuais engajados. Estes, na verdade, se encaixam nas propostas de Marx (1991; VIANA, 2013) e Sartre (1994; VIANA, 2010).

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Artigo publicado originalmente em:
BRAGA, Lisandro e MARQUES, Edmilson (orgs.). Intelectualidade e Luta de Classes. São Carlos: Pedro e João Editores, 2013.


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