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terça-feira, 3 de maio de 2011

Capitalismo, Onipresença e Transcendência


Capitalismo, Onipresença e Transcendência

Nildo Viana*

O capitalismo surgiu no século 16 e se consolidou nos séculos seguintes, passando por crises e processos revolucionários que o colocaram em questão, mas se mantém vivo até hoje. A permanência do capitalismo é marcada por lutas, contradições, revoltas e revoluções. Esse processo, no entanto, é simultaneamente caracterizando pela contínua expansão e universalização do capitalismo seguindo sua força motriz fundamental, a busca incessante e cada vez mais intensa de lucro. Nesse processo, o capitalismo invade todas as relações sociais, todos os momentos da vida, o cotidiano, a mente humana, etc. Se em sua base existe lutas e contradições, isto acaba se reproduzindo também em todas as esferas e instâncias da vida social.
Por isso, o domínio absoluto do capital significa um processo de intensificação da desumanização e de conflitos, manifestos ou latentes, em alta escala, que, ao explodir, pode tanto promover um retorno ao barbarismo quanto possibilitar a emancipação humana. Este é o dilema que vivemos na atualidade e por isso se torna fundamental compreender o capitalismo contemporâneo e suas características, contradições, e, assim, entender sua onipresença e transcendência é uma contribuição para tal compreensão e através dela fornecer elementos para evitar o barbarismo e contribuir com a transformação social e a constituição de uma sociedade radicalmente diferente, humanizada.
Onipresença do capitalismo
O capitalismo está onipresente na sociedade moderna. A onipresença significa a presença em todos os lugares. Na concepção religiosa, Deus é onipresente, o que significa que está em todos os lugares. O capitalismo assume, assim, um atributo de Deus, a onipresença. Porém, o mais importante é explicar as raízes da onipresença do capitalismo, suas formas de manifestação e suas conseqüências.
A sociedade capitalista se funda em relações de produção específicas, marcadas pela produção de mais-valor. Marx explicitou a essência do modo de produção capitalista com sua teoria do valor-trabalho (Marx, 1988a). O capitalismo é um modo de produção de mais-valor, uma forma específica de produção de mercadorias. O processo de produção capitalista é processo de valorização, no qual a força de trabalho acrescenta valor às mercadorias. A força de trabalho, ao acrescentar valor à mercadoria, permite que ela seja portadora de lucro para o capitalista, pois este não repassa o valor acrescentado, realizando o processo de exploração. O capitalista, uma vez obtendo o lucro com a venda da mercadoria, realiza o processo de reinvestimento, aumentando o processo de produção. Isso gera o processo de acumulação capitalista. Quanto mais o capitalista produz, maior é sua acumulação e investimento, o que gera ainda mais produção. Marx denominou este processo como reprodução ampliada do capital. A conseqüência disto é a concentração e centralização do capital. Este processo é derivado da produção de mais-valor e é, portanto, inseparável dele. De qualquer forma, a reprodução ampliada do capital gera concentração e centralização.
“Por um lado, as firmas tecnicamente mais adiantadas tendem a conseguir os maiores lucros e os fundos à disposição delas, para a acumulação, tenderam, da mesma forma, a ser os maiores. Por outro lado, as firmas maiores estarão em melhor posição para adotar novos métodos de produção que exigem máquinas altamente especializadas e caras, organização em grande escala, etc., e também a levantar fundos para a expansão. Haverá, portanto, uma tendência, nas unidades produtivas maiores, de aumentar ainda mais. Em certos ramos da indústria (como o aço, em fins do século XIX, ou a seda artificial em princípios do século XX), será inútil para o capital inferior a determinadas proporções tentar competir. O pequeno capitalista será esmagado, ou terá de procurar ramos da indústria onde a produção em pequena escala é mais fácil. Nessas indústrias, porém, ele enfrentará a concorrência de numerosos outros pequenos capitalistas na mesma situação que ele, e terá o perigo permanente de que a produção em grande escala consiga invadir-lhe o território. Nas épocas de crises econômicas, os pequenos capitalistas serão obrigados a se entregar aos grandes capitalistas, ou levados à falência. Assim, além da ampliação dos capitais individuais, através de outros processos que não apenas o acúmulo de lucros (concentração do capital), o capital individual perde freqüentemente sua independência, sendo posto sob controle centralizado (centralização do capital; o capitalista, diz Marx, expropria o capitalista” (Eaton, 1965, p. 108-109).
Esse processo de centralização e concentração de capital gera os oligopólios, inicialmente em território nacional, mas que logo se expandem e se tornam transnacionais. Desta forma emerge o capitalismo oligopolista transnacional (Viana, 2009), ou, como colocam alguns autores, capitalismo monopolista transnacional (Dockès, 1976). Isso significa que o modo de produção capitalista é, por essência, expansionista. Ele se expande por todo o mundo e se pudesse, “anexaria os planetas”, para parafrasear Cecil Rhodes (Huberman, 1976)[1]. Se o capitalismo surge em alguns países da Europa e depois toma conta de todo o continente e se espalha pelo resto do mundo, transformando todos os países em capitalistas, isto mostra seu caráter expansionista. Assim, ele se torna onipresente em todos os países do mundo na época contemporânea[2].
E, em cada país, o modo de produção capitalista se torna dominante e ao fazê-lo vai subordinando as relações de produção não-capitalistas e avança através da ação estatal, cultural e comercial. As velhas cidades do interior vão cada vez mais reproduzindo a dinâmica do capital e de sua sociabilidade e o nome dos armazéns e lojas deixam de ser personalizados e passam a ser abstratos ou em língua estrangeira. O “Bar do Zé” vira “Bar Drink” ou “Bar 51” e o “Armazém do João” vira “Mercado Baratão”. As necessidades fabricadas e divulgadas pelos comerciantes locais e principalmente pelos meios oligopolistas de comunicação, pressionam para um consumo crescente, alterando a cultura local, atingindo com mais eficácia os mais jovens. O Estado age como agente modernizador e reforça todo este processo. Além da expansão das relações de produção capitalistas a nível mundial, em cada país específico ele se torna mais amplo e atinge mais relações sociais.
Porém, a onipresença do capital não se encontra apenas aí, ela se manifesta também em outra característica do capitalismo, que é seu caráter universalizante. O capitalismo “transforma tudo em mercadoria” (Wallerstein, 1985; Viana, 2008a). A produção capitalista de mercadorias promove um processo de transformação de tudo em mercadoria ou assumindo a forma de uma mercadoria, como os serviços e lazer. Além dos meios de produção e dos meios de consumo, o processo de mercantilização vai avançando e tomando conta de todo o processo produtivo e das relações sociais. O computador, por exemplo, que surge com fins militares, acaba se tornando uma mercadoria que, por sua vez, traz a necessidade de aquisição de diversas outras mercadorias. A mercantilização avança por cada vez mais esferas e aspectos da vida humana, desde a cultura até o corpo humano (Berlinguer e Garrafa, 2001).
Tudo se torna mercadoria, seja no mercado legal ou no ilegal. A reprodução ampliada do capital traz a necessidade da reprodução ampliada do mercado consumidor. Isso se tornou mais claro a partir do final da Segunda Guerra Mundial, período que marcou a emergência de um regime de acumulação, o intensivo-extensivo (Viana, 2009)[3], que conjugou o predomínio de extração de mais-valor relativo nos países imperialistas com o predomínio da extração de mais-valor absoluto no capitalismo subordinado. Foi neste período que emergiu as teses da “sociedade de consumo”. Porém, mais adequada é a formulação de Henri Lefebvre de “sociedade burocrática de consumo dirigido” (1991), pois evidencia o processo de mercantilização e burocratização ocorrido, embora enfatize o processo de reprodução do capital ao invés de sua produção, que é o gerador daquele. Este processo acaba sendo totalitário, invadindo a cultura, a arte, a linguagem, o cotidiano em geral.
Ao lado da mercantilização ocorre o processo de burocratização, ou seja, se produz um conjunto de dirigentes para comandar as empresas e instituições em um sistema hierárquico que reproduz o sistema de especialização crescente[4]. O processo de burocratização se expande cada vez mais. A fonte desse processo de burocratização se encontra nas relações de produção capitalistas, que promovem a emergência da burocracia empresarial e estatal, fonte das demais formas de burocracia ao lado da mercantilização. O Estado capitalista se torna cada vez mais burocrático e expande não somente suas instituições como aumenta e busca controlar as organizações da sociedade civil visando incentivar sua burocratização, tal como ocorreu com partidos e sindicatos. A emergência da burocracia partidária e sindical (Fromm, 1976; Michels, 1981) são produtos desse processo que vai se expandindo com o desenvolvimento capitalista (Motta; 1979; Lapassade, 1989). Isto promove um processo de criação de uma mentalidade burocrática, onde a figura do dirigente, da especialização, do controle, da não-autonomia, se torna aspectos da mentalidade dominante.
Junto com isso, há uma terceira característica da sociabilidade capitalista que é a competição, oriunda das relações de produção e reforçadas pelo processo de burocratização e mercantilização já aludidos. As relações de produção capitalistas constrangem os indivíduos trabalhadores a competirem pelo mercado de trabalho e as empresas capitalistas a competirem entre si, pelo mercado consumidor, desenvolvimento tecnológico, etc. As organizações burocráticas reproduzem isso com suas disputas por cargos e avanços na hierarquia e a mercantilização produz uma supervaloração do ter em detrimento do ser (Fromm, 1981). A competição acaba se tornando elemento da mentalidade dominante (Viana, 2008a).
Estes três elementos fundamentais avançam e se generalizam. A competição ultrapassa os marcos das relações de produção e empresas burocráticas e acaba invadindo o cotidiano, o lazer, as relações familiares e amorosas, a mente dos indivíduos. A base competitiva da sociabilidade burguesa, por exemplo, se manifesta nas relações eróticas:
“O erotismo masculino é ativado pela forma do corpo, pela beleza física, pelo fascínio, pela capacidade de sedução. Não pela posição social, pelo reconhecimento social, pelo poder. Se um homem pendura na parede do seu quarto uma fotografia de Marilyn Monroe nua é porque ela é uma belíssima mulher nua, ou melhor, a mais bela do mundo. Não é a sua celebridade que o atrai, mas a sua beleza. Ao lado dela, por isso, pode pendurar fotografias de outras lindas mulheres nuas e, em certos casos, ficar ainda mais excitado com elas. Se um homem tem de escolher entre fazer amor com uma atriz famosa mas feia, e com uma deliciosa garota desconhecida, não terá dúvidas em escolher a segunda. Porque a sua escolha é baseada em critérios eróticos pessoais. Na mulher, é diferente. Escreve Milan Kundera: ‘as mulheres não procuram os homens bonitos. As mulheres procuram os homens que tiveram mulheres bonitas’. O erotismo feminino é profundamente influenciado pelo sucesso, pelo reconhecimento social, pelo aplauso, pela classificação no elenco da vida. O homem quer fazer amor com uma mulher bonita e sensual. A mulher, com um artista famoso, com um líder, com que é amado pelas outras mulheres, com quem é respeitado pela sociedade” (Alberoni, 1988, p. 28).
Esta concepção fenomenológica do erotismo traz momentos de verdade apesar de alguns equívocos[5], que é a explicitação da competição. Os homens que ganham a competição social (em qualquer grau ou objeto de disputa existente) se tornam objeto de competição feminina; da mesma forma, os homens também realizam uma competição entre si pelas mulheres, e as eleitas são geralmente aquelas que venceram a competição em torno da beleza com outras mulheres.
Esse processo é derivado do processo de constituição da sociedade capitalista, que produz uma ampla competição que é introjetada na mente dos indivíduos, que se reproduz automaticamente, o que também contribui com seu processo de naturalização, tal como colocaremos adiante. Porém, a beleza feminina é algo concreto, logo, síntese de múltiplas determinações. Ela é o resultado de determinada aparência corporal, determinados valores e concepções a respeito da beleza e pelo processo de imposição de um padrão dominante de beleza via meios oligopolistas de comunicação e empresas capitalistas que lucram com a transformação deste padrão em leito de Procusto.
A aparência corporal é adquirida com o processo de nascimento, é algo natural, e que sofre alterações com o processo histórico de vida do indivíduo (não apenas o desenvolvimento orgânico natural mas também aspectos externos que podem atingir o corpo, como doenças, acidentes, etc.) e pode ser alterada artificialmente. Porém, um corpo não é bonito ou deixa de sê-lo, e aí entramos em outras determinações, especialmente os valores e concepções constituídos socialmente. Basta notar que na sociedade feudal o padrão de beleza apontava para mulheres mais gordas[6], enquanto que na sociedade capitalista, aponta para as mulheres mais magras, o que se intensificou a partir do século 20 e a televisão (e o cinema) cumpriu um papel fundamental nesse processo.
Porém, o lucro também busca tomar conta desse processo, sendo um “sistema monetário semelhante ao padrão ouro” (Wolf, 1992). Os produtos de beleza, as cirurgias de embelezamento, as revistas de moda, os programas televisivos, etc., são todos voltados para esse processo de venda da mercadoria-beleza e expressão da mercantilização de tudo. Da mesma forma, tal mercantilização produz burocracia, ou seja, dirigentes das revistas, programas, instituições, etc., que vendem tais mercadorias. A competição desenfreada ocorre no seu interior, o que é expresso ficticiamente por filmes como O Diabo Veste Prada.
Esse é um entre inúmeros outros exemplos que poderiam ser citados e atingindo todas as instâncias da vida social. Nós vivemos numa sociedade competitiva, mercantil e burocrática, que caracterizam a sociabilidade dominante que, por sua vez, constitui a mentalidade dominante, na qual a competição, o ter e o poder são valores fundamentais que reforçam essa mesma sociabilidade. Isso não é natural, como supõem alguns, é constituído por essa sociabilidade que é naturalizada e, além disso, introjetada na mente dos indivíduos desde sua infância através do processo de socialização e reforçado no processo de ressocialização. As crianças são socializadas para reproduzir a competição, o que se vê desde os jogos aos desenhos animados, desde as relações familiares quanto às escolares e da sociedade em geral e reproduzidos pelos meios oligopolistas de comunicação. São constituídos valores, sentimentos e concepções desde a infância que reforçam e naturalizam as relações sociais estabelecidas e neste processo é que podemos dizer que há uma onipresença do capitalismo, que está em todos os lugares e em todas as relações.
A religião não fica fora desse processo. A competição se instala na “disputa de mercado” realizado pelos grupos religiosos, marcados também pelo processo de mercantilização e burocratização (Berger, 1985). Segundo Peter Berger, as bases sociais do capitalismo exercem fortes influências no que ele denomina “estruturas sociorreligiosas”. Para ele, os resultados ganham proeminência e a competição se generaliza. O processo de secularização, burocratização e submissão ao mercado promove uma preocupação com os desejos do consumidor (Berger, 1985).
Nesse processo, nas representações cotidianas e no pensamento complexo, o que predomina é uma consciência fetichista e naturalizante. A naturalização se manifesta em tornar naturais e universais relações sociais históricas e transitórias. Isto é reproduzido pela ciência e outras formas de pensamento complexo, proporcionando um processo de crescente reforço da naturalização, gerando até uma certa incapacidade de percepção da historicidade da sociedade moderna. Da mesma forma que na sociedade feudal ninguém acreditaria que surgiria uma sociedade posterior fundada nas relações mercantis, que o homem voaria (através de avião), que a mulher bela seria magra, que a religião perderia espaço para a secularização, na sociedade capitalista a grande maioria não acredita em uma sociedade pós-capitalista. Em algumas sociedades indígenas antes do contato com o capitalismo, uma sociedade mediada pelo domínio do dinheiro era impensável; na sociedade atual, uma sociedade não mediada pelo domínio do dinheiro é que é inimaginável para a maioria da população. O fim da história ocorre sempre na sociedade em que se vive.
Obviamente que há resistência, há conseqüências. Porém, a resistência muitas vezes é cooptada, derrotada ou ela mesma acaba reproduzindo o que combatia. Basta ver o processo político partidário, no qual há toda uma formação de partidos oposicionistas, com ideologias diversas, que, logo, são cooptados e de oposição passam a reforçadores do poder, quando eles não conseguem vencer a competição e reproduzem o que combatia. O mesmo ocorre em outras instâncias e é por isso que a resistência mais radical e profunda é sempre marginal nos períodos de estabilidade e só ganha força significativa e capacidade de mudanças práticas em momentos de crise, mobilização ampla e radical, etc. O movimento oposicionista, na maioria das vezes, é apenas um movimento que busca competir pelo poder e mudar aspectos do capitalismo e não sua essência e totalidade. E sua manifestação oposicionista é semelhante ao que Engels colocava sobre o messianismo na sociedade feudal, que lutava contra o regime feudal utilizando a linguagem religiosa e não ultrapassando seus marcos.
“A Idade Média emergia inteiramente da barbárie; fizera tábua rasa da civilização antiga e de sua filosofia, política e jurisprudência para começar tudo de novo. Do mundo antigo, herdara apenas o cristianismo e certo número de cidades em ruínas, despojadas de toda a sua civilização. A conseqüência foi que os padres obtiveram o monopólio da instrução, conforme costuma acontecer com toda civilização primitiva, e a própria instrução tivesse acentuado caráter teológico. Nas mãos dos sacerdotes, a política, a jurisprudência e todas as outras ciências não passavam de simples ramos da teologia. O dogma da Igreja era também axioma político e os textos sagrados tinham força de lei em todos os tribunais. Mesmo após a criação da profissão independente dos juristas a jurisprudência permaneceu sob a tutela da teologia. Tal supremacia da teologia em todos os ramos da atividade intelectual ora devida também à posição peculiar da Igreja como símbolo e sanção da ordem feudal. Torna-se evidente que qualquer ataque geral contra o feudalismo devia primeiramente dirigir-se contra a Igreja e que todas as doutrinas revolucionárias sociais e políticas deveriam ser, em primeiro lugar, heresias teológicas. Para atingir-se a ordem social existente era preciso despojá-la de sua auréola” (Engels, 1977, p. 38-39).
Assim, as representações cotidianas e o pensamento científico, também são a atmosfera natural que se respira culturalmente e todas as oposições acabam sendo manifestações marcadas pela onipresença do capitalismo[7]. Basta ver a tentativa de Proudhon de separar socialismo utópico de socialismo científico – que seria o dele, rendendo homenagem à nova forma ideológica dominante –, o que seria retomado por Marx – atribuindo o utopismo a Proudhon e reservando para si o caráter científico – para verificar que a forma dominante de ideologia invade e influência até mesmo os movimentos mais radicais e antagônicos ao capitalismo[8], o que pode significar sua transformação de concepção revolucionária em reformista ou sua marginalização (Korsch, 2009).
Em síntese, a onipresença do capitalismo se dá na esfera da produção e reprodução do capital, nas formas jurídicas, políticas, culturais, etc. que buscam regularizar as relações sociais e na vida cotidiana em geral. A mentalidade dominante e a cultura em geral também trazem em si as marcas da onipresença capitalista.
Capitalismo e Transcendência
Esse processo todo marca a existência de uma onipresença do capitalismo. Neste contexto, parece que Deus foi substituído pelo capitalismo ou este se tornou o novo Deus. Porém, Deus é também transcendental.
“Deus é o ser transcendente que ultrapassa e domina. Por que não encontrar a origem desta ideia na experiência ‘das potencias exteriores que dominam efetivamente a existência cotidiana dos homens? ‘O medo criou os deuses’, dizia Lucrécio. Não será a força de Deus feita da fraqueza dos homens diante da natureza e diante das suas próprias relações sociais?” (Verret, 1975, p. 9).
Esta ideia da transcendência de Deus, como força propulsora, dominadora, que está por detrás do palco manipulando as ações dos seres humanos, como os deuses da mitologia grega, também pode ser relacionada com o capitalismo. O capitalismo não é só presença, ou onipresença, não somente está em todos os lugares e relações, mas é também determinação. É o trabalho morto dominando o trabalho vivo, uma classe social que impõe o processo de exploração, dominação, opressão, alienação à outra classe social e “cria um mundo à sua imagem” (Marx e Engels, 1988). Neste sentido, o caráter onipresente do capitalismo deve ser visto também como sua determinação neste conjunto de lugares e relações. Assim, alguns pesquisadores notam a transcendência e onipresença do capitalismo (Ortiz, 2001), entendendo o mercado como este elemento onipresente e que manifesta sua transcendência através do consumo.
Partimos de uma perspectiva diferente. Consideramos que o consumo é uma das faces da onipresença do capitalismo. O mercado, a burocracia, a competição são aspectos desta onipresença. Contudo, o mercado não poder ser concebido, a não ser no mundo nebuloso das ideologias, como uma mão invisível que tudo comanda. A ideologia liberal de Adam Smith (1983) e seus sucedâneos contemporâneos, com a autonomização do mercado, não podem servir de referência para se pensar o capitalismo contemporâneo[9]. O mercado remete à esfera da distribuição. Esta só pode existir graças à produção. Neste sentido, o que é transcendental no capitalismo é sua mola propulsora que gera sua onipresença em todos os lugares e relações[10], tal como a definição de Verret (1975). Um economista explicitou isto da seguinte forma:
“E então, o que devemos concluir da margem transcendental – aquela força impulsionadora por trás da economia norte-americana? Eu poderia imaginar a atribuição dessa força à sede de lucros que, pelo menos em fins do século 19, impulsionava certos homens a esforços prodigiosos” (Heilbroner, 1971, p. 221).
Essa força transcendental é o lucro, a produção de mais-valor, tal como colocamos anteriormente. A grande questão é que a força propulsora do lucro gera mais lucro e isto promove a formação de grandes empresas transnacionais que acabam controlando o mercado mundial e intensificam ainda mais o processo de mercantilização e seus companheiros de viagem destrutiva: a competição e a burocracia.
Este processo perpassou toda a história do capitalismo mas hoje assume formas mais importantes e explicitado como sendo fruto da “globalização”. Tal termo e seu uso já foi amplamente criticado (Bauman, 1999; Forrester, 2001; Bourdieu, 2001; Viana, 2009). A ideologia da globalização oculta o que é a mola propulsora do atual regime de acumulação: o lucro. Porém, é preciso reconhecer que a produção de mais-valor e a busca do lucro não ocorrem sem problemas e obstáculos.
O primeiro obstáculo é a resistência dos trabalhadores. Esta se manifesta cotidianamente, desde as formas menos eficazes e individualistas, até as formas mais amplas, coletivas e por isso mais eficazes. O absenteísmo, os conflitos individuais no trabalho, as reivindicações individuais ou sociais difusas, são alguns dos exemplos destas lutas cotidianas, que podem assumir o caráter de pressão coletiva através de cartas, reuniões, etc., até chegar ao nível de uma mobilização efetiva, no sentido de realizar a forma de pressão mais eficaz: a greve. A greve significa paralisação das atividades e compromete a extração de mais-valor e, assim, é uma poderosa arma de luta. A realização da greve, por sua vez, marca um avanço da consciência e organização dos trabalhadores, pois o comitê de greve e a consciência mais ampla das necessidades e reivindicações é um primeiro passo no sentido de avançar para uma forma organizativa mais estruturada e uma consciência mais profunda (Marx, 1986; Pannekoek, 2007). Com esse processo de luta, o conflito fica mais intenso, a radicalização e as formas de solidariedade entre os trabalhadores crescem, e assim abre-se espaço para formas superiores de greve, tal como a greve de ocupação e de ocupação ativa, a primeira visando impedir os fura-greves e os patrões de realizarem o processo de produção e a segunda realizando o processo de produção por conta própria, momento no qual os trabalhadores adquirem a consciência que podem gerir a produção sem necessitar do patrão. Assim, as formas organizativas avançam para comissões, caixas de auto-ajuda, conselhos de fábrica, conselhos operários (Pannekoek, 2007). Neste contexto, a reação da classe capitalista e do Estado também facilita o processo de avanço da consciência dos trabalhadores.
Essa resistência operária, desde as formas menos eficazes até as mais, que chegam a questionar as próprias relações de produção capitalistas, são constantes, principalmente as primeiras que acompanham toda a história do capitalismo e tendem a evoluir até as formas mais radicais. Neste sentido, a luta operária é um obstáculo sempre presente na acumulação capitalista. Historicamente, no início do século 20, essa radicalidade da luta operária se manifestou na Rússia (1905/1917); na Alemanha (1918/1919/1920/1921), na Hungria (1919); na Itália (1919-1920) e em outros países sem chegar a buscar ultrapassar as relações de produção capitalistas e implantar repúblicas de conselhos operários, tal como a ascensão das lutas dos trabalhadores na França na década de 1930, bem como no Brasil em 1917, e em outros países, como no caso Estados Unidos e outros mais ou menos na mesma época, que teve como último grande exemplo prático a Guerra Civil Espanhola, e a implantação da autogestão da Catalunha por alguns meses e experiências análogas em outras regiões.
Essas lutas e contradições, bem com as menos radicais e cotidianas, ao lado de diversas formas de opressão e dominação existentes que encontram outros grupos e indivíduos resistindo e lutando, promove a reprodução das contradições em todas as instâncias da vida social, com maior ou menor grau, e pouquíssimas exceções. Estas contradições também são fissuras no edifício capitalista que, quando a luta operária avança, também tende a avançar e reforçar a tendência de transformação.
Isto gera uma cultura contestadora, que, com maior ou menor radicalidade, coloca em questão as bases ou aspectos da sociedade capitalista. Neste contexto, a radicalização das lutas tende a fazer aumentar quantitativamente e qualitativamente a cultura contestadora, que, por sua vez, reforça o processo de luta pela transformação, se tornando outro obstáculo para a reprodução capitalista[11].
A derrota do movimento operário e outras determinações abriram caminho para o fascismo e nazismo, que vigorou até 1945. O capitalismo posterior teve que inaugurar um novo regime de acumulação, realizando concessões para os trabalhadores dos países em que as lutas foram mais amplas e exportando o processo de exploração de maior grau para os países de capitalismo subordinado. Esse processo culminou com a formação do regime de acumulação conjugado, intensivo-extensivo, já aludido, e que marcou um período de relativa estabilidade do capitalismo, que, mais uma vez, foi abalado com a queda da taxa de lucro e nova vaga de lutas sociais no final dos anos 1960.
Aqui entramos noutro obstáculo da produção capitalista: a tendência declinante da taxa de lucro, analisada por Marx (1988b), que é uma contradição permanente do capitalismo, pois quanto mais ele se desenvolve e aumenta o trabalho morto (trabalho incorporado em mercadorias, meios de produção, tecnologia), menos utiliza o trabalho vivo (a força de trabalho) e como é esta que gera mais valor, então há uma tendência constante de cair a taxa de lucro (bem como contratendências geradas pelo Estado, organização do trabalho, relações internacionais, ideologias, etc.). A queda da taxa de lucro nos anos 1960 foi fundamental para o desencadeamento das lutas estudantis e operárias neste período, bem como a emergência da contracultura e outras manifestações na mesma época. Neste processo todo, houve um avanço das lutas operárias e pressão crescente sobre as empresas capitalistas que já viviam com taxas de lucro menores. As lutas operárias na França e Itália assumiram um grau de radicalização enorme, acompanhados com lutas estudantis radicalizadas (o que também ocorreu na Alemanha e vários outros países), e isto tudo gerou a resposta do capital, o que marcou a mudança no regime de acumulação.
O novo regime de acumulação busca retomar o nível das taxas de lucro, ou seja, aumentar o grau de exploração do trabalhador. A primeira tentativa disso ocorreu com a chamada “Comissão Trilateral”, nos anos 1970, que já apontava para elementos que mais tarde ficaria conhecido como neoliberalismo. No plano cultural, emerge um conjunto de ideologias que visam uma contra-revolução preventiva expressa no pós-estruturalismo e derivados semelhantes, entre outras.
Porém, com a emergência do neoliberalismo nos anos 1980 e sua generalização mundial, que foi um complemento da chamada reestruturação produtiva e posteriormente acompanhado pelo neo-imperialismo, tivemos a implantação do regime de acumulação integral (Viana, 2009). O objetivo deste é a “exploração sem limites” (Bourdieu, 1998; Viana, 2009). Neste contexto, a exploração dos trabalhadores cresce, inclusive, nos países imperialistas, e é isso que provoca o aumento da pobreza e a ideologia da “exclusão social”; da mesma forma, a exploração internacional se intensifica e a fome mundial aumenta em ritmo assustador, para citar poucos exemplos. O neoliberalismo realiza o culto do mercado e promove redução da intervenção estatal e busca realizar políticas estatais paliativas ao invés de políticas estatais estruturais (Viana, 2006), sendo que a desregulamentação das relações de trabalho que possibilita o aumento da extração de mais-valor e, no caso do capitalismo subordinado, abertura ao mercado internacional, e aumento do seu papel repressivo[12].
Esse processo todo produz conseqüências sociais graves, inclusive mais indiretas, como aumento da criminalidade, violência, conflitos sociais e acirramento das lutas sociais em geral, seja na forma de explosões violentas ou de movimentos radicais, tal como no caso do México e Argentina. A resistência cotidiana também tende a se tornar mais ampla e a cultura contestadora vai ganhando mais espaço, tal como se vê no fortalecimento do anarquismo, conselhismo, situacionismo, e determinadas ações e movimentos, entre eles o movimento antiglobalização (Viana, 2009).
Esse momento do capitalismo é marcado por uma ampliação e intensificação do processo de exploração, dominação, repressão e assim o caráter onipresente do capitalismo se torna mais amplo devido suas necessidades de reprodução e ampliação da exploração, a ânsia crescente de lucro, razão de ser deste modo de produção. O processo de controle se torna cada vez mais intensivo e a busca de dominar áreas antes deixadas de lado se torna um imperativo para a reprodução do capital. Também se amplia o processo de mercantilização. Uma hipermercantilização ocorre e avança na esfera cultural, no lazer, no esporte, tecnologia, e em outras, visando a reprodução ampliada do mercado consumidor.
É neste contexto que o domínio sobre a catexia – os investimentos – e as emoções dos trabalhadores e da população em geral se torna mais amplo. Surgem as ideologias que justificam e buscam isso, tal como a ideologia da inteligência emocional, pois para aumentar a produtividade (extração de mais-valor relativo) não basta mais o controle e incentivos racionais, é necessário agora dominar a esfera dos sentimentos e promover uma intervenção no universo psíquico do indivíduo para suportar e desejar mais trabalho e sua intensificação. Se o processo de trabalho capitalista gerava problemas psíquicos (Schneider, 1977; Dejours, 1988), isto se intensifica e geram “novas patologias do trabalho”, como a depressão, esgotamento profissional e adicção ao trabalho (Gaulejac, 2007).
A competição se intensifica em todas as esferas da vida social, e a luta pelo sucesso, ascensão social e riqueza, ao lado da luta pelo poder, são ampliadas e manifestam um processo de intensificação da mercantilização e burocratização. O processo de hipermercantilização que acompanha a instauração do regime de acumulação integral significa um avanço da já exaustiva mercantilização das relações sociais, invadindo ou intensificando sua ação sobre novos setores, tal como a tecnologia e a cultura. Também mercadorias para grupos sociais específicos são reforçados e produzidos, usando a estratégia de criação de nichos de mercado.
A tecnologia mostra um processo de produção de novas mercadorias tecnológicas para consumo privado ou empresarial, tal como computadores e tudo relacionado (acesso a internet, suprimentos, impressoras, programas) que, por sua vez, geram mais necessidades, obviamente, de outras mercadorias. A impressora produz a necessidade de papel, tinta, assistência, programas, etc. O computador exige programas, outras mercadorias que, uma vez funcionando, produz problemas (vírus, trojans, etc.) que traz a necessidade de outras mercadorias e serviços para resolvê-los (técnicos, antivírus, antimalware...). A cultura e a arte também são afetadas pela hipermercantilização. A cultura se torna cada vez mais descartável, e o ciclo da moda cada vez mais curto, tal como ocorre com os modismos musicais, por exemplo.
A religião, por sua vez, não está imune a esse processo. A partir de meados dos anos 1980, a cultura religiosa passou a ser mercantilizada e o processo de produção mercantil de celebridades encontrou um novo nicho de mercado em padres cantores e coisas do gênero. É neste contexto que ocorre a chamada “expansão neopentecostal”:
Conforme os Censos Demográficos do IBGE, os evangélicos perfaziam apenas 2,6% da população brasileira na década de 1940. Avançaram para 3,4% em 1950, 4% em 1960, 5,2% em 1970, 6,6% em 1980, 9% em 1991 e 15,4% em 2000, ano em que somava 26.184.941 de pessoas. O aumento de 6,4 pontos percentuais e a taxa de crescimento médio anual de 7,9% do conjunto dos evangélicos entre 1991 e 2000 (taxa superior às obtidas nas décadas anteriores3) indicam que a expansão evangélica acelerou-se ainda mais no último decênio do século XX (Mariano, 2004, p. 36).
Esse processo de crescimento não é gratuito, pois a teologia da prosperidade e tal expansão estão intimamente ligadas ao conteúdo do discurso religioso em questão. Em época de hipermercantilização e aprofundamento da competição social, a teologia da prosperidade e determinadas ideologias religiosas ganham espaço. Tendo em vista que “99% afirmam que a fé é muito importante para o sucesso econômico e 73% concordam que é importante para os políticos terem fortes crenças religiosas” (Santos, 2010, p.56-57), o que revela seu vínculo com a luta pelo poder (via inserção burocrática) e pela riqueza (sucesso econômico), reproduzindo mercantilizacao e burocratização, através da competição social e das vantagens que determinado discurso religioso pode promover nesse sentido. Desta forma, a expansão neopentecostal está intimamente relacionada ao regime de acumulação integral (Santos, 2010). A miséria psíquica e problemas gerais incentivam o desespero e manifestações religiosas e semirreligiosas, misticismo, auto-ajuda, e, junto com isso, ampliação do mercado consumidor (Viana, 2009). Isso se revela também quando se observar a sua conseqüência no sentido da integração e do conformismo, tendo caráter político conservador (Santos, 2010). Os valores religiosos passam a ser meras réplicas dos valores dominantes, a riqueza, o sucesso, o poder. Neste caso, o capitalismo invadiu a religião.
Observações Finais
Ao chegar ao final dessa discussão, uma questão fica pendente: existe solução ou o capitalismo irá reinar absoluto sem nenhum grande obstáculo? A resposta só pode ser negativa. O capitalismo irá sucumbir. Na verdade, a grande questão é como isso ocorrerá, com o retorno do barbarismo, anunciado centenas de vezes nos filmes de ficção científica e nas previsões sombrias de alguns intelectuais, ou através da emancipação humana.
O capitalismo tem, em sua própria essência expansionista e universalizante, um obstáculo além dos seres humanos destruídos por ele: a natureza. Os recursos naturais, em sua grande parte, não são renováveis, e a voracidade do capital de sempre produzir mais mercadorias e reproduzir ampliadamente o consumo, produz o problema da dilapidação do meio ambiente e do lixo produzido. Este também é mercantilizado e muitas vezes reaproveitado, embora certos resíduos sejam perigosos e inaproveitáveis. A destruição ambiental tende a se intensificar cada vez mais, até gerar um processo de esgotamento e crise ambiental inevitável. O capitalismo é como o bicho da goiaba, devora o que lhe mantém vivo e acaba morrendo com ela.
Este processo de destruição ambiental é apenas uma face – embora a mais perigosa a longo prazo – do caráter destrutivo do capitalismo. Pois ele produz também fome, miséria, problemas psíquicos, e todo um conjunto de males que tornam a situação social contemporânea explosiva e que pode gerar um processo de emergência de novos governos fascistas para reprimir e canalizar a destrutividade potencial produzida neste contexto. Aliado com o problema ecológico, temos a sombria previsão do ecofascismo, também tematizado nos filmes de ficção científica, nos quais a ficção e as tendências possíveis para o futuro se encontram.
Porém, é possível a emancipação humana, ou seja, ao invés do barbarismo a passagem para uma sociedade humanizada. Das mesmas contradições acima elencadas e do processo de exploração e dominação e das diversas formas de opressão derivadas, temos as formas de resistência e luta que abrem brecha para uma transformação social e a passagem do capitalismo para uma sociedade fundada na autogestão social, na qual as forças cegas da busca incessante do lucro são substituídas pelo autogoverno dos produtores associados. Para isso, as decisões individuais, as práticas cotidianas, a produção cultural – a crítica das ideologias, a cultura contestadora, a produção teórica sobre a sociedade contemporânea, etc. –, a luta operária, a criação de formas de auto-organização, entre outras ações, são forças que apontam para a realização desse processo.
Assim, tanto as representações cotidianas (Viana, 2008b; Bauman, 1977) quanto as ideologias realizam uma naturalização das relações sociais presentes, ou, em outras palavras, do capitalismo. As duas tendências do futuro, no entanto, desmentem isso. O capitalismo perecerá, a questão é como. Mas para perecer no sentido positivo e possibilitar a emancipação humana, na qual os seres humanos deixam de ser guiados por forças cegas que ele mesmo criou e perdeu o controle, é preciso uma luta constante e, no plano mental, realizar a desnaturalização. Des-naturalizar significa romper com a naturalização imposta pela história de vida dos indivíduos que nasceram e viveram toda sua existência nessa sociedade, desde a socialização primária preparados para viver nesta sociedade, e tendo isso introjetado em sua mentalidade e reforçado por sua sociabilidade. A naturalização significar tornar natural e eterno o que é social e histórico e, por isso, a des-naturalização significa reverter esse processo mental e conseguir perceber a historicidade e que somos produtos sociais e históricos, oriundos de relações sociais nas quais vivemos e criamos, e, por isso, podemos recriá-las, transformá-las. Esse é um passo a mais no sentido da luta pela libertação humana.
No presente estão vivas as tendências e forças que se concretizarão no futuro e este não está decidido. Por isso é papel fundamental de todo ser humano se posicionar e reforçar a tendência emancipatória. O futuro é constituído no presente, então é preciso agir no sentido da emancipação humana.

Referências
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* Professor da Faculdade de Ciências Sociais da UFG; Doutor em Sociologia/UnB.
[1] “O Mundo está quase todo parcelado, e o que dele resta está sendo dividido, conquistado, colonizado. Pense nas estrelas que vemos à noite, esses vastos mundos que jamais poderemos atingir. Eu anexaria os planestas, se pudesse; penso sempre nisso. Entristece vê-los tão claramente, e ao mesmo tempo tão distantes” (Cecil Rhodes. Apud. Huberman, 1976, p. 270).
[2] Alguns citariam China e Cuba como exceções, o que não procede, pois estes países, tal como os países do Leste Europeu e União Soviética, constituíram, apesar do equivocado epíteto de “socialismo real”, regimes de capitalismo de Estado. Nestes, a produção de mais-valor e a exploração do proletariado existiam normalmente, com a diferença que o mais-valor global era concentrado no Estado, que cumpria com o papel de redistribuir em renda pessoal para a burguesia (burocracia) de Estado e coordenar o processo de investimento e acumulação de capital.
[3] Trata-se da emergência de um regime de acumulação no qual o caráter mundial e conjugado se torna muito mais importante, pois marcado pela exportação de relações de produção capitalistas através da ação direta das empresas transnacionais que remetiam para os países imperialistas grande parte do produto da superexploração do proletariado dos países subordinados. Trata-se de um regime de acumulação conjugado, no qual a extração de mais-valor absoluto no capitalismo subordinado sustentava a estabilidade e a possibilidade da primazia da extração de mais-valor relativo no capitalismo imperialista.
[4] “... e o primeiro imbecil que aparece, dizendo-se ‘especialista’, goza de um prestígio ilimitado” (Lefebvre, 1991, p. 92).
[5] No caso do homem, também existe competição e o que difere é quais são os seus critérios, e a beleza assume papel fundamental, e isto não anula o fato de que existe um padrão dominante de beleza feminina, que é variável social e historicamente. Os homens estão em competição pelas mulheres mais valoradas socialmente e vice-versa, embora existam outras determinações, idiossincrasias, situações sociais concretas, etc. O grande problema da análise de Alberoni está em não identificar as fontes desse processo e realizar generalizações sem maiores aprofundamentos.
[6] Escrever mulheres mais “gordas” pode ser visto com estranheza, falta de elegância, o que apenas revela o quão poderoso são nossa mentalidade, valores e concepções, pois “gordo” se torna pejorativo e o “politicamente correto” seria falar em “formas generosas” e coisas do gênero, como alguns colocam, embora ninguém lendo sente estranheza em falar de “magras”...
[7] “A tese aqui defendida é que não é necessário compreender essa sociedade segundo suas próprias representações, porque suas categorias também têm uma finalidade. Elas figuram entre as peças de um jogo estratégico. Elas não têm nada de gratuito nem de desinteressado e servem duplamente: na prática e na ideologia” (Lefebvre, 1991, p. 81). Debord (1997) já havia chamado a atenção para isto também, com sua tese da sociedade do espetáculo, na qual até a oposição se torna “espetacular”.
[8] Basta ver o uso, por parte de anarquistas, da ideia muito mais comprometedora de positivismo (Bakunin, Kropotkin) para perceber isto. É claro que não se deve esquecer que mesmo o positivismo tinha uma certa “áurea” de ser progressista na época, mas que não era uma percepção homogênea, pois basta ver as críticas de Proudhon e Marx para se notar isso.
[9] Aqui, novamente, temos a crítica e oposição que reproduz o que se queria criticar e isto é bem visível em autores como Robert Kurz (1993).
[10] “O lucro, que é o nervo e está no coração de toda acusação contra o sistema atual, é permanentemente evitado, sistematicamente esquecido, a ponto de nunca ser evocado e de seu escamoteamento passar mesmo despercebido. Seu julgamento, apesar de essencial, nunca é iniciado ou mesmo vislumbrado” (Forrester, 2001, p. 26).

[11] O obstáculo das lutas sociais (incluindo as culturais) ocorre não somente no momento de questionamento das relações de produção capitalistas mas também na resistência cotidiana e questionamento mais limitados e reivindicativos, pois cria uma base social para o aumento da exploração, ou seja, do lucro, uma necessidade constante do capital. Isso pode ser exemplicado no caso do golpe de Estado no Brasil em 1964, cujo discurso ideológico atribuía a corrupção, comunismo, etc. e, no entanto, tinha como motivação fundamental o aumento da mobilização popular e greves em uma situação de que era necessário aumentar a exploração, o que tornava inviável neste contexto e somente o desmantelamento da resistência popular tornaria possível (Viana, 2005).
[12] Torna-se um “Estado penal” (Wacquant, 2001) .

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Texto apresentado em:
Capitalismo Como Religião - Deslocamentos do Religioso na Sociedade Contemporânea. 2010. Congresso realizado na Cidade de Goiás (promoção PUC-GO, UEG). (Conferência).

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