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segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

O Tripalium no Capitalismo Contemporâneo

Prefácio ao livro: SANTOS, Cleito P. Trabalho, Tecnologia, controle e Disciplina no
Capitalismo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Rizoma, 2014.


O Tripalium no Capitalismo Contemporâneo


Nildo Viana

Nada mais oportuno do que o presente livro de Cleito Pereira dos Santos. Sua discussão sobre trabalho no capitalismo contemporâneo, sob a lógica do controle e disciplina, é de uma atualidade indiscutível. Sem dúvida, aqueles que pregam o fim dos empregos, fim do trabalho, fim do Estado-Nação, entre tantos outros fins, podem questionar isso. Porém, até que ponto as ideologias do fim não esgotaram sua retórica repetitiva? Ao que tudo indica, o único fim que presenciamos é o da “ideologia dos fins”. Assim, a atualidade da presente publicação é um dos seus méritos.

A abordagem que o autor oferece do tema da vigilância e controle do trabalho assume grande importância. A dinâmica da acumulação capitalista é marcada por uma crescente necessidade de aumento de extração de mais-valor, de aumento da exploração do trabalhador. A tendência declinante da taxa de lucro juntamente com a resistência dos trabalhadores promove a necessidade por parte do capital de buscar aumentar a exploração e para isso lança mão de diversos recursos. Isso se torna mais intenso com o processo de desenvolvimento capitalista e adquire um caráter muito mais poderoso no atual regime de acumulação. A dinâmica do capital coloca em evidência a necessidade de “exploração sem limites”, como já dizia Bourdieu. Aumentar a extração de mais-valor relativo e absoluto, controlar e vigiar cada vez mais o trabalhador, promover o interesse e envolvimento do trabalho como o processo de produção, são algumas das ações que os agentes do capital executam hoje. Ao lado disso, sem dúvida, ideologias legitimadoras são produzidas e reproduzidas. Neste processo todo, o uso da tecnologia ganha um papel importante e acaba sendo um forte ponto de apoio para um desses elementos apontados acima, o controle e a vigilância, que são analisadas em suas relações na presente obra. A abordagem do papel da tecnologia nesse processo de controle e vigilância é um elemento importante e que merece maior atenção, o que é realizado por Cleito Pereira dos Santos.

Assim, o processo de desenvolvimento capitalista necessita aumentar a exploração e para isso usa determinada forma de organização do trabalho e recursos tecnológicos, administrativos, com determinados objetivos mediadores do objetivo final. O toyotismo, abordado por Cleito Pereira dos Santos após uma análise do taylorismo e fordismo, se encontra num conjunto de relações sociais que apontam para uma unidade no regime de acumulação, tendo no neoliberalismo e neo-imperialismo (ou “globalização”) seus elementos complementares e indissociavelmente ligados. Essa nova fase do capitalismo que tem no toyotismo um de seus elementos fundamentais gera uma necessidade mais ampla de controle, vigilância e os recursos tecnológicos e administrativos, bem como novas ideologias associadas são produzidas e utilizadas. Uma análise minuciosa é realizada sobre estes aspectos de controle e vigilância, mostrando tais vínculos com o processo de acumulação de capital.
No atual contexto, a luta em torno do mais-valor expressou um fortalecimento da burguesia em detrimento dos trabalhadores, inclusive na Europa Ocidental, o bastião do Estado integracionista voltado para amplas políticas sociais, visando o “bem estar social”, segundo sua auto-imagem ideológica. No entanto, neste edifício existem rachaduras, novas lutas, resistência, mais fortes em alguns lugares e momentos, mais frágeis em outros, mas que persistem e tendem ao acirramento. As ideologias produzidas para controlar essa tendência à resistência, desde as ideologias centrais e próprias ligadas ao toyotismo, até as complementares e que buscam generalizar para outras esferas o domínio sobre os investimentos e desejos dos trabalhadores, tal como a ideologia da inteligência emocional, são oriundas da própria resistência, da luta cotidiana e além dela, mostrando os limites e a presença inevitável da luta de classes. E é nessa resistência, tanto na esfera da produção quanto nas demais esferas da vida social, que se produz o embrião da possibilidade de transformação social, proporcionando um mundo radicalmente diferente no qual o trabalho deixe de ser alienado e volte a ser práxis, manifestação da natureza humana ao invés de sua negação.

Assim, a presente obra discute não somente uma questão extremamente atual como de caráter fundamental para a reprodução da sociedade moderna, lembrando que todo o processo de reprodução do capital traz em si a sua negação. Por conseguinte, o presente livro trata de uma temática atual e importante e, embora se possa discordar de alguns aspectos, afirmações e referências, constitui numa leitura importante para apreender as mudanças sociais contemporâneas, especialmente no que se refere ao processo de controle e vigilância do trabalho no capitalismo contemporâneo.

O que Cleito Pereira dos Santos revela, no final das contas, é que o trabalho no capitalismo contemporâneo é um tripalium, no sentido de ser um instrumento de tortura. O trabalhador foge do trabalho como o diabo foge da cruz, já dizia Marx. O trabalhador aparece com um Cristo que carrega uma cruz todos os dias durante uma jornada de trabalho cada vez mais desgastante. Só que agora a cruz está mais pesada e assim é necessário vigiar e controlar mais ainda, é necessário criar ideologias, incentivos emocionais, pseudestesia de felicidade através do consumo, para que a máquina torturante do capital continue transformando sangue humano em capital. O capital se mostra um vampiro ávido por cada vez mais sangue e não se controla e nem se preocupa com os seres humanos. O capital é o carrasco que controla o tripalium e o trabalhador é o torturado. Torturado feliz? Apenas aparentemente e uma das grandes vantagens do método dialético está justamente em mostrar que a aparência difere da essência. Os que se iludem com a aparência vêm na miséria apenas a miséria e não a negação da miséria. A negação não é visível na superfície e sim no subterrâneo de uma sociedade degradante e a percepção disso significa a possibilidade de ver o novo, a utopia concreta tal como definida por Ernst Bloch.

Cleito Pereira dos Santos contribui para refletirmos sobre esta realidade e a reflexão é um elemento fundamental para a desnaturalização de uma sociedade torturante. A reflexão hoje é necessária e deve incentivar uma ampliação e aprofundamento, contribuindo para a ultrapassagem da imanência e chegar à transcendência, observando que esta sociedade com seu sistema de controle e vigilância é um produto histórico e social, tão provisório quanto foi a sociedade feudal e escravista. A grande questão é o que virá depois, um novo tipo de torturado, um pouco diferente do escravo, do servo e do operário? Ou indivíduos livremente associados numa sociedade sem exploração e dominação? A reprodução ou a abolição da tortura? Isso vai depender das lutas sociais e das escolhas de cada indivíduo e do que irá prevalecer. O leitor após ler esta obra pode refletir sobre isso e fazer a sua escolha: reproduzir ou transformar, escravidão ou liberdade. Não há nada mais a dizer, resta apenas ler o livro, refletir, escolher, agir.

Nildo Viana
Goiânia, 18/10/2009

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