Prefácio ao livro: SANTOS, Cleito P. Trabalho, Tecnologia, controle e Disciplina no Capitalismo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Rizoma, 2014. |
O Tripalium no
Capitalismo Contemporâneo
Nada mais
oportuno do que o presente livro de Cleito Pereira dos Santos. Sua discussão
sobre trabalho no capitalismo contemporâneo, sob a lógica do controle e
disciplina, é de uma atualidade indiscutível. Sem dúvida, aqueles que pregam o
fim dos empregos, fim do trabalho, fim do Estado-Nação, entre tantos outros
fins, podem questionar isso. Porém, até que ponto as ideologias do fim não
esgotaram sua retórica repetitiva? Ao que tudo indica, o único fim que
presenciamos é o da “ideologia dos fins”. Assim, a atualidade da presente
publicação é um dos seus méritos.
A abordagem que
o autor oferece do tema da vigilância e controle do trabalho assume grande importância.
A dinâmica da acumulação capitalista é marcada por uma crescente necessidade de
aumento de extração de mais-valor, de aumento da exploração do trabalhador. A
tendência declinante da taxa de lucro juntamente com a resistência dos
trabalhadores promove a necessidade por parte do capital de buscar aumentar a exploração
e para isso lança mão de diversos recursos. Isso se torna mais intenso com o
processo de desenvolvimento capitalista e adquire um caráter muito mais
poderoso no atual regime de acumulação. A dinâmica do capital coloca em
evidência a necessidade de “exploração sem limites”, como já dizia Bourdieu.
Aumentar a extração de mais-valor relativo e absoluto, controlar e vigiar cada
vez mais o trabalhador, promover o interesse e envolvimento do trabalho como o
processo de produção, são algumas das ações que os agentes do capital executam
hoje. Ao lado disso, sem dúvida, ideologias legitimadoras são produzidas e
reproduzidas. Neste processo todo, o uso da tecnologia ganha um papel
importante e acaba sendo um forte ponto de apoio para um desses elementos apontados
acima, o controle e a vigilância, que são analisadas em suas relações na
presente obra. A abordagem do papel da tecnologia nesse processo de controle e
vigilância é um elemento importante e que merece maior atenção, o que é
realizado por Cleito Pereira dos Santos.
Assim, o
processo de desenvolvimento capitalista necessita aumentar a exploração e para
isso usa determinada forma de organização do trabalho e recursos tecnológicos,
administrativos, com determinados objetivos mediadores do objetivo final. O
toyotismo, abordado por Cleito Pereira dos Santos após uma análise do
taylorismo e fordismo, se encontra num conjunto de relações sociais que apontam
para uma unidade no regime de acumulação, tendo no neoliberalismo e
neo-imperialismo (ou “globalização”) seus elementos complementares e
indissociavelmente ligados. Essa nova fase do capitalismo que tem no toyotismo
um de seus elementos fundamentais gera uma necessidade mais ampla de controle,
vigilância e os recursos tecnológicos e administrativos, bem como novas
ideologias associadas são produzidas e utilizadas. Uma análise minuciosa é
realizada sobre estes aspectos de controle e vigilância, mostrando tais
vínculos com o processo de acumulação de capital.
No atual
contexto, a luta em torno do mais-valor expressou um fortalecimento da
burguesia em detrimento dos trabalhadores, inclusive na Europa Ocidental, o
bastião do Estado integracionista voltado para amplas políticas sociais,
visando o “bem estar social”, segundo sua auto-imagem ideológica. No entanto, neste
edifício existem rachaduras, novas lutas, resistência, mais fortes em alguns
lugares e momentos, mais frágeis em outros, mas que persistem e tendem ao
acirramento. As ideologias produzidas para controlar essa tendência à
resistência, desde as ideologias centrais e próprias ligadas ao toyotismo, até
as complementares e que buscam generalizar para outras esferas o domínio sobre
os investimentos e desejos dos trabalhadores, tal como a ideologia da
inteligência emocional, são oriundas da própria resistência, da luta cotidiana
e além dela, mostrando os limites e a presença inevitável da luta de classes. E
é nessa resistência, tanto na esfera da produção quanto nas demais esferas da
vida social, que se produz o embrião da possibilidade de transformação social, proporcionando
um mundo radicalmente diferente no qual o trabalho deixe de ser alienado e
volte a ser práxis, manifestação da natureza humana ao invés de sua negação.
Assim, a
presente obra discute não somente uma questão extremamente atual como de caráter
fundamental para a reprodução da sociedade moderna, lembrando que todo o
processo de reprodução do capital traz em si a sua negação. Por conseguinte, o
presente livro trata de uma temática atual e importante e, embora se possa
discordar de alguns aspectos, afirmações e referências, constitui numa leitura
importante para apreender as mudanças sociais contemporâneas, especialmente no
que se refere ao processo de controle e vigilância do trabalho no capitalismo
contemporâneo.
O que Cleito
Pereira dos Santos revela, no final das contas, é que o trabalho no capitalismo
contemporâneo é um tripalium, no
sentido de ser um instrumento de tortura. O trabalhador foge do trabalho como o
diabo foge da cruz, já dizia Marx. O trabalhador aparece com um Cristo que
carrega uma cruz todos os dias durante uma jornada de trabalho cada vez mais
desgastante. Só que agora a cruz está mais pesada e assim é necessário vigiar e
controlar mais ainda, é necessário criar ideologias, incentivos emocionais,
pseudestesia de felicidade através do consumo, para que a máquina torturante do
capital continue transformando sangue humano em capital. O capital se mostra um
vampiro ávido por cada vez mais sangue e não se controla e nem se preocupa com
os seres humanos. O capital é o carrasco que controla o tripalium e o trabalhador é o torturado. Torturado feliz? Apenas
aparentemente e uma das grandes vantagens do método dialético está justamente
em mostrar que a aparência difere da essência. Os que se iludem com a aparência
vêm na miséria apenas a miséria e não a negação da miséria. A negação não é
visível na superfície e sim no subterrâneo de uma sociedade degradante e a
percepção disso significa a possibilidade de ver o novo, a utopia concreta tal
como definida por Ernst Bloch.
Cleito Pereira
dos Santos contribui para refletirmos sobre esta realidade e a reflexão é um
elemento fundamental para a desnaturalização de uma sociedade torturante. A
reflexão hoje é necessária e deve incentivar uma ampliação e aprofundamento,
contribuindo para a ultrapassagem da imanência e chegar à transcendência,
observando que esta sociedade com seu sistema de controle e vigilância é um
produto histórico e social, tão provisório quanto foi a sociedade feudal e
escravista. A grande questão é o que virá depois, um novo tipo de torturado, um
pouco diferente do escravo, do servo e do operário? Ou indivíduos livremente
associados numa sociedade sem exploração e dominação? A reprodução ou a
abolição da tortura? Isso vai depender das lutas sociais e das escolhas de cada
indivíduo e do que irá prevalecer. O leitor após ler esta obra pode refletir
sobre isso e fazer a sua escolha: reproduzir ou transformar, escravidão ou
liberdade. Não há nada mais a dizer, resta apenas ler o livro, refletir,
escolher, agir.
Nildo
Viana
Goiânia,
18/10/2009
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