Revista Enfrentamento, 21, online, discutindo a questão do Estado.
Abaixo a apresentação da Revista:
Os artigos reunidos no presente número da Revista Enfrentamento são dedicados à análise do estado e do seu devir durante o processo revolucionário. A perspectiva presente em todos os textos manifestam o ponto de vista proletário, ou seja, do proletariado como classe autodeterminada, revolucionária. Apontam, portanto, para o processo de transformação radical da sociedade capitalista. Este é solo sobre o qual todos os autores semeiam suas ideias.
De um ponto de vista proletário, a única proposta para a instituição estatal é sua completa abolição. A revolução proletária tem necessariamente que chegar a esta conclusão. Conclusão do processo histórico, porquanto teoricamente já está por demais sedimentada. A realidade está aquém da teoria. Isto quer dizer unicamente que conceber teoricamente a demolição do estado, compreender teoricamente seu processo de dissolução não implica em hipótese alguma que necessariamente ele será abolido. Sua abolição é tão somente uma tendência histórica, manifesta na luta revolucionária do proletariado. Enquanto tendência, não quer dizer em absoluto que necessariamente irá se confirmar. É a luta de classes que definirá tal destino. Como se vê, o ponto de vista de nossa Revista, logo, do Movimento Autogestionário, não se assemelha em nada às teses deterministas pseudomarxistas que veem uma revolução proletária inevitável, decretada teoricamente (melhor, ideologicamente), tal como se vê nas vulgatas sob influência stalinista e outras.
O caráter da revolução proletária está bem demonstrado no texto de Anton Pannekoek que Nildo Viana traduziu e nos disponibilizou para ser aqui publicado. A revolução dos trabalhadores é impulsionada pelo próprio modo de produção capitalista, suas contradições, crises e dificuldades. Contudo, é sobretudo uma criação política da classe operária (e demais classes desprivilegiadas que podem se aliar ao proletariado, tal como o campesinato, lumpemproletariado etc.). É exatamente este aspecto criativo das revoluções que temos que dar atenção. A grande contribuição de Pannekoek neste escrito, como em vários outros, é demonstrar o conteúdo da luta política, as formas da luta política do proletariado, seus inimigos de classe (partidos políticos, sindicatos, estado, capitalista etc.). A luta de classes do proletariado ou é anticapitalista ou não é nada, isto já dizia Marx no século XIX, “ou o proletariado é revolucionário ou não é nada”.
Assim, a luta da classe operária autodeterminada não é somente contra o estado, como alguns iniciantes ao estudo do anarquismo propagam, embora, sem a destruição da instituição estatal, tal revolução está abortada. O estado, seja por meio da repressão violenta, seja por meio da cooptação e absorção por meios democráticos ou não, foi ao longo do século XX um dos principais obstáculos para um desenvolvimento positivo das revoluções.
Assim, segundo conclui Nildo Viana em seu artigo aqui publicado, o estado é um aparato privado do capital, mediado pela burocracia. O estado não é o “público”, o “universal”, que paira acima das relações sociais. Nada disto, a instituição estatal é determinada pela acumulação de capital. Quando esta está em ascensão, o estado tem condições de expandir-se, realizar políticas determinadas que inclusive são benéficas para as classes desprivilegiadas. Contudo, quando se começa a perceber dificuldades de acumulação, tais determinações do modo de produção afetam profundamente a própria dinâmica do estado, uma superestrutura, “forma social” segundo expressão de Viana. Assim, a luta dos trabalhadores nunca deve ser direcionada para uma melhora do esstado, a não ser que a classe operária e demais classes queiram permanecer na penúria e em sua situação alienada (mesmo que melhorada nos momentos de ascensão). A solução definitiva só pode ocorrer na luta anticapitalista, ou seja, contra o modo de produção capitalista e suas formas sociais (estado, cultura, etc.). Logo, a solução definitiva e o único caminho possível para os trabalhadores é na luta contra o capital e contra seu aparato principal, o estado. Eis a conclusão de Nildo Viana.
O artigo de Matheus Almeida realiza discussão semelhante, contudo, enfocando a abordagem de Marx sobre o estado. Após demonstrar como a noção de estado em Marx se desenvolve ao longo da sua produção, explorando o caminho tortuoso deste conceito em tal obra, apresenta a natureza antiestatista das discussões políticas do autor de O Capital. Se Marx era um antiestatista, seus continuadores, nem tanto. Assim, Engels, em seus últimos anos de vida, Lassalle e os lassalianos, o Partido Social-Democrata e o bolchevismo (ilustrado aqui na obra de Lênin) expressam deformações do pensamento de Marx. Almeida demonstra sinteticamente o caminho seguido e o destino trilhado pelas concepções de Marx, desde sua elaboração inicial, até as deformações mais antagônicas ao seu antiestatismo. Este é o mérito do seu texto.
Gabriel Teles e Aline Ferreira complementam a discussão apresentando a raiz da tese de “fase de transição socialista”, apregoada por Lênin e toda a sequência posterior de pseudomarxistas. Ao explorarem criticamente tal tese, que é em si problemática, tendo em vista os interesses de classe que esconde, demonstram que o problema aumenta ainda mais quando é atribuída a Marx, que nunca defendeu nada semelhante. Os autores tiveram a capacidade de expor didaticamente o surgimento da tese do “período de transição”, os vínculos com a burocracia bolchevique que ela manifesta, as distinções com as teses de Marx e, principalmente, seu caráter antiproletário. Como já dissemos, a revolução proletária não consiste em conquistar o poder estatal, pelo contrário, consiste em aniquilá-lo.
O estudo de Lucas Maia demonstra como esta tese ainda vive nos dias de hoje. Mesmo após todas as experiências do século XX, inspiradas ou na URSS, com todas as críticas já sedimentadas sobre a tese das vanguardas, as críticas ao que fizeram os PCs ao longo do mundo etc., esta velha tese ainda teima em permanecer. Tais autores e tendências tem, pois, grande dificuldade em recusar o estado. Querem, de uma ou outra maneira, encontrar argumentos e justificativas para se apropriar de tal instituição, mesmo falando em nome do proletariado e da revolução. Isto, na verdade, só expressa os interesses de classe e demonstra que a contrarrevolução burocrática é ainda uma ameaça, um problema ao prosseguimento de uma possível revolução proletária no século XXI. Ao criticar o livro Conselhos e Democracia, de Luciano Cavini Martorano, Maia demonstra como este autor realiza um ecletismo entre autores de várias tendências do bolchevismo e os autores conselhistas. Este ecletismo expressa na verdade uma domesticação e amansamento das teses conselhistas. Ao invés de fazer avançar a teoria da revolução proletária para onde estes autores a deixaram, Martorano consegue recuá-la a concepções mais moderadas que o próprio bolchevismo. Assim, se se pode dizer, a grande contribuição do recente livro de Martorano é demonstrar que a velha tese da vanguarda embora ainda esteja recalcada e envergonhada, é ainda tendência que pode se manifestar como importante empecilho ao desenvolvimento da luta proletária.
Por último, o texto de Lisandro Braga, centrado no desenvolvimento da luta do movimento piqueteiro em Neuquén, na Argentina, traz importantes contribuições para se compreender o caráter repressivo do estado neoliberal. O texto apresenta pelo menos trêsgrandes contribuições: a) discutir as etapas, as formas, a radicalidade da luta piqueteira; b) apresentar a face violenta do estado neoliberal contra as manifestações populares, demonstrando que o dito estado mínimo neoliberal é máximo quando se trata de equipar seu aparato repressivo; c) demonstra o papel que o capital comunicacional desempenha em criminalizar a luta popular, além de justificar a repressão estatal.
Este número da Revista Enfrentamento, que colocamos à apreciação do público interessado, ao enfocar elementos do estado, fornece alguns aportes a todos aqueles que se empenham na luta contra o capital (classe capitalista) e contra o estado (burocracia) e a favor da auto-organização do proletariado em sua difícil tarefa de construir uma nova sociedade. Deixamos aqui, portanto, nosso singelo apoio à luta revolucionária.
Diante do capital e seu estado, somente o Enfrentamento é realista!!!
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