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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Método Dialético e Prática Política


Método Dialético e Prática Política


Nildo Viana


É comum pensar a dialética separada da realidade, da teoria, das lutas sociais, da realidade, da prática política. No entanto, a dialética é parte da totalidade que é a realidade social na qual vivemos e não pode ser abstraída dela e, portanto, é possível questionar a relação entre método dialético e prática política, bem como sua relação com outros aspectos da realidade.


O costume é opor teoria e prática, embora eu prefira opor discurso e prática. A oposição entre "teoria" e prática é produto de uma incompreensão do significado do termo teoria ou então sua confusão com "hipótese" ou outra definição que é problemática. A teoria é expressão da realidade sob a forma conceitual e explicativa, e, por conseguinte, não há muito sentido nessa oposição, pois ela tem a finalidade da transformação social em sociedades classistas, caso contrário seria ideologia. Não há passagem imediata da teoria para a prática, pois a teoria explica a realidade, mas a ação não pode ser realizada a partir da teoria retirada do contexto sócio-histórico. Assim, a teoria da exploração explica o processo de exploração, mostra, no caso do capitalismo, como se extrai mais-valor, etc. Para a prática, a conseqüência será – dependendo da aceitação, compreensão e posição diante desta teoria, o que remete a valores, outras concepções, sentimentos, interesses, etc. – a decisão de lutar contra a exploração, buscar sua abolição.



Porém, para fazer isso da forma mais adequada, é necessário ampliar a teoria, entrar em novos domínios, tal como a da dominação, estado, burocracia, movimentos sociais, etc. A teoria da exploração não abole a exploração e não produz uma prática imediata de abolição, pois para isso é necessário se tornar "força material" para milhões de explorados e os que são aliados e oprimidos e a formação dessa "força material" pode ocorrer sem a teoria ou com rudimentos dela, embora ela também – e ela quer dizer os seres humanos portadores dela, já que a teoria não existe sem seres humanos histórico-concretos – faça parte da luta de classes e atue fortalecendo uma ou outra tendência.



Assim, a relação entre "teoria" e prática é, na verdade, a relação entre os teóricos e sua prática. A oposição entre os teóricos e sua prática pode ocorrer por determinações alheias à vontade do teórico. Este é o caso do teórico revolucionário que para ganhar a vida vende sua força de trabalho como professor numa instituição privada e para manter seu emprego estará muito mais condicionado, vigiado, limitado, do que em outras instituições e por isso terá que seguir regras burocráticas que pode discordar, etc. Também pode ocorrer por sua relação "fria" com a teoria, ou acesso superficial, limitado a ela. No primeiro caso, a teoria é apenas produto de leitura que não se converte em convicção e prática, a não ser em raras oportunidades. No segundo caso, apesar de certa convicção e tentativa de praticar o que se pensa, o acesso limitado, incompleto, superficial, pode gerar dogmatismo[1], imediatismo, etc. Há também o falso teórico, o que se diz revolucionário e no fundo é bem conservador, aí a contradição é bem maior e grave. No entanto, aqui se trata de falsa teoria. Nesse caso trata-se de uma contradição entre ideologia (falsa consciência sistemática) e prática, o que é constante, pois os ideólogos não podem praticar tudo que dizem, embora em certos casos isso seja possível, quando as ideologias são conservadoras e adequadas à determinada realidade social da perspectiva da classe dominante e suas classes auxiliares. A oposição entre discurso e prática é semelhante. Por isso não vou me alongar sobre isso. O discurso é um fragmento de uma teoria, ideologia ou manifestação de uma ideia não aprofundada e desenvolvida, ou seja, de representações cotidianas. Nesse sentido, essa oposição só é compreensível em casos concretos, tal como algumas pessoas que se dizem democratas em seu discurso, mas realizam uma prática autoritária. A unidade entre teoria e prática é a práxis revolucionária, ou seja, uma atividade teleológica consciente cujo fim é a revolução social, já que o discurso é, no caso dos teóricos revolucionários, é uma parte da teoria.



Porém, a discussão sobre o problema da relação entre método e prática, ou, mais especificamente, método dialético e prática política, possui outra dimensão. O método dialético, sendo um recurso heurístico para analisar a realidade, ou seja, uma ferramenta intelectual, então tem mais relação com a prática intelectual, embora, por ser inseparável (no caso da dialética marxista) do materialismo histórico, então também tem um papel teórico, que institui outra relação com a prática, que, nesse caso, deve ser de unidade (Viana, 2007). No entanto, a relação entre método dialético e prática política se encontra mais ao nível geral da estratégia revolucionária. É possível ver uma identidade e unidade entre método e estratégia. Por exemplo, uma das categorias fundamentais do método dialético é o de totalidade e, nesse sentido, a estratégia será pensada em termos de totalidade (e com determinada concepção de totalidade). Ao invés de defender lutas localizadas e isoladas, defende a necessidade de lutas articuladas, ou seja, simultaneamente localizadas e gerais. Assim, o método dialético é um recurso intelectual que contribui com o processo do pensamento e a estratégia é um recurso político que contribui com o processo da luta e que possuem uma unidade, se reforçando e apoiando reciprocamente.



Por conseguinte, não se deve pensar uma relação de causalidade entre método dialético e prática política. O método não é a causa da prática e nem vice-versa. Pois assim teria que limitar a prática ao método, no caso de quem tem domínio de algum método. Além disso, a ideia de causalidade é bastante pobre para dar conta da realidade, a ideia de determinação é mais adequada (Viana, 2001). Porém, a prática não determina o método e nem o método determina a prática. Obviamente que a prática dos indivíduos é uma das determinações de suas elaborações mentais e escolhas intelectuais, entre elas a do método, mas é apenas uma entre diversas determinações. Da mesma forma, o método pode ser uma das determinações das práticas dos indivíduos, mas não "a" determinação ou a determinação fundamental. Tanto o método quanto a prática possuem outras determinações que lhes são anteriores, que são os valores, sentimentos, concepções, interesses, formação psíquica, dos indivíduos concretos que as produzem e reproduzem e esses indivíduos são pertencentes a determinadas classes sociais que promovem determinações em sua consciência, etc. Existem casos em que o método vem para justificar a prática ou a estratégia, tal como no caso de Mao Tse-Tung (Viana, 2007), mas isto é exceção, pois geralmente é na teoria que se encontra essa justificativa. Claro que, no nível da militância e representações cotidianas, ou seja, fora do pensamento complexo, isso é bem como na vida cotidiana (tal como dizer, para justificar determinada prática ou concepção problemática, dizendo que se trata de uma “relação dialética”, mas aqui a dialética não é só método, é uma entidade metafísica que está também na realidade, se manifesta nela, concepção comum do pseudomarxismo). Logo, as determinações de ambos se localizam nas relações sociais concretas e por isso não se pode isolar, a não ser para nível descritivo, estes aspectos de outros muito mais concretos e importantes. Logo, esse é um falso problema.

Notas:


[1] Isso se revela, por exemplo, no processo de realização de leituras dogmáticas (Viana, 2011).



Referências:



VIANA, Nildo. A Consciência da História. Ensaios Sobre o Materialismo Histórico-Dialético. 2ª edição, Rio de Janeiro, Achiamé, 2007.



VIANA, Nildo. A Questão da Causalidade nas Ciências Sociais. Goiânia, Edições Germinal, 2001.



VIANA, Nildo. Mao Tse-Tung: Dialética ou Estratégia do PCC? In: O Fim do Marxismo e Outros Ensaios. São Paulo, Giz Editorial, 2007.



VIANA, Nildo. Para Uma Leitura Não-Dogmática. Acessível em: http://informecritica.blogspot.com/2011/01/para-uma-leitura-nao-dogmatica-nildo.html?spref=fbAcessado em 17/01/2011.

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