O MARXISMO DIANTE DO ANTI-HUMANISMO
Nildo Viana*
O presente texto parte da tese de que no capitalismo contemporâneo há uma impugnação[1] do
humanismo e isso, por sua vez, enfraquece o marxismo. Essa tese precisa ser
fundamentada. Isso pressupõe entender a relação entre marxismo e humanismo e a política
cultural anti-humanista constituída pela classe dominante a partir do
Pós-Segunda Guerra Mundial, bem como sua manifestação contemporânea e
consequências para o marxismo. A luta em torno do humanismo parte da luta de
classes e a classe dominante é tudo, menos humanista, bem como sabe que esse se
relaciona com o marxismo e é por isso considera necessário cortar o vínculo
entre ambos ou minar o primeiro para enfraquecer o segundo. Para analisar isso,
vamos, inicialmente, discutir a relação entre marxismo e humanismo. Num segundo
momento, vamos abordar brevemente a política cultural anti-humanista efetivada
contemporaneamente. E por fim vamos mostrar, sinteticamente, os efeitos disso
sobre o marxismo e luta cultural que precisa ser travada em torno dessa
questão.
Marxismo e Humanismo
O marxismo em seu
sentido original é uma práxis revolucionária fundada numa episteme que realiza
a crítica radical da sociedade capitalista e aponta para uma nova sociedade,
pós-capitalista, radicalmente diferente da atual, expressando os interesses
fundamentais do proletariado. Assim, o marxismo, como já dizia Marx, tem a
vantagem de ter uma percepção teórica da sociedade, suas lutas e tendências,
partir de uma perspectiva de classe e de futuro para avaliar o presente, o que
lhe permite, também, ser a “fração mais resoluta” na luta de classes a favor do
proletariado (MARX; ENGELS, 1988). No interior do bloco revolucionário[2] o
marxismo é o seu setor mais resoluto, radical, consciente e avançado[3].
Apesar de muitos marxistas serem ambíguos, o marxismo é o principal mediador
entre o indivíduo que demonstra insatisfação e sua passagem para uma posição
revolucionária. Contudo, existe uma mediação na transformação do indivíduo
insatisfeito em marxista revolucionário (bem como outras posições críticas e
radicais, mesmo com suas ambiguidades). Essa mediação é o humanismo. Entender
isso é fundamental para entender a relação entre marxismo e humanismo.
Porém, antes disso, é
preciso entender as bases humanistas do marxismo. O marxismo é um humanismo,
para parafrasear Sartre (1987). Marx só se tornou um revolucionário a partir do
humanismo. O humanismo antropocêntrico de Marx (VIANA, 2020) revela um
compromisso com a libertação humana em geral. Se Marx não fosse humanista, não
seria marxista. Sem dúvida, o humanismo inicial de Marx era generalista, mas a
pesquisa e análise crítica da realidade o fez compreender a luta de classes e
entender que o movimento revolucionário do proletariado era o meio para se
conseguir a libertação humana.
No entanto, o humanismo
marxista se diferencia de outras concepções humanistas. Não poderemos aqui
discutir as diversas formas de humanismo, mas apenas destacar que o humanismo
marxista se diferencia dos demais. A forma de humanismo mais difundida é o que
podemos denominar como espontâneo. O humanismo espontâneo não tem bases
teóricas ou ideológicas e sim um conjunto de sentimentos, valores e ideias
relativamente vagas. O humanismo espontâneo aponta para a valoração dos seres
humanos, sentimentos simpáticos voltados para a humanidade e ideias que
expressam tais valores e sentimentos. Marx iniciou com um humanismo espontâneo
e foi desenvolvendo uma concepção mais elaborada até chegar a versão mais
desenvolvida, que aqui denominamos humanismo marxista. A base desse humanismo é
uma concepção de natureza humana segundo a qual esta é constituída pelas
necessidades primárias (compartilhada com os animais, como beber, comer,
dormir, reproduzir, etc.) e necessidades secundárias (especificamente humanas,
que são o seu elemento essencial) e que os seres humanos necessitam realizar
tal natureza e isso é impedido pelas sociedades de classes e esse é o motivo da
luta por uma sociedade radicalmente diferente. As necessidades secundárias, especificamente
humanas, são a práxis e a socialidade, ou, para usar os termos usados por Marx,
o trabalho (como objetivação, não-alienado) e a “cooperação” (MARX; ENGELS,
1982). As sociedades de classes pervertem o trabalho e as relações entre os
seres humanos, substituindo a autorrealização das potencialidades humanas e a
associação colaborativa e enriquecedora em relações sociais marcadas pela
alienação, exploração e dominação.
A sociedade capitalista
efetiva esse processo de forma específica e gera processos sociais derivados
que prejudicam ainda mais os seres humanos, tais como a mercantilização,
burocratização e competição (VIANA, 2008). Porém, ela, ao constituir o
proletariado e efetivar o desenvolvimento das forças produtivas, permite a
passagem para uma sociedade superior que rompe com a alienação, a exploração e
a dominação e possibilita a livre manifestação da natureza humana. Porém, essa
mesma sociedade cria obstáculos políticos e culturais para tal transformação. Apesar
disso, ela não consegue sufocar totalmente a natureza humana e por isso o
humanismo espontâneo se torna possível. Claro que, para vastos setores da
população, a suas condições desfavoráveis de vida, a alienação, a destruição
psíquica, a competição social e os valores associados, são processos que geram
desumanização e afastamento do humanismo espontâneo.
Ninguém nasce marxista
e somente com o seu desenvolvimento é que pode vir a se tornar marxista[4]. E
esse “tornar-se” marxista se dá, geralmente, a partir de indivíduos que eram
humanistas espontâneos (com ou sem mediação de outro humanismo, mais refletido,
posteriormente). Existem exceções, sem dúvida, como rebeldes e revoltados, mas
esses geralmente tendem a ser marxistas ambíguos, pois é o descontentamento com
sua posição na sociedade ou ódio e ressentimento que é sua motivação para adesão
ao discurso revolucionário e não a libertação humana. O revoltado é movido pelo
ódio/ressentimento e o rebelde pela ambição[5]. É
por isso que, em certo momento, eles podem se afastar do marxismo, pois,
afinal, é possível que encontrem um meio mais eficaz de demonstrar seu ódio ou
ascender socialmente.
E por qual motivo o
humanismo espontâneo tem esse significado? A razão disso se encontra no fato de
que para ser marxista é preciso abandonar os interesses imediatos e egoístas,
ou pelo menos reduzi-los e controlá-los, e se preocupar com os demais seres
humanos e suas condições de vida, o que significa possuir determinados valores
e sentimentos em relação à humanidade. Os indivíduos egoístas, não-humanistas,
preocupados apenas com seus próprios interesses, com ascensão social, dinheiro,
poder, riqueza, competição, não vão aderir ao marxismo (a não ser que seja o
pseudomarxismo, pois através deste pode-se conseguir espaços em organizações
burocráticas, benefícios financeiros, etc.). Quanto maior o número de
indivíduos que são humanistas espontâneos, maior é o potencial de aumento
numérico de futuros marxistas, pois assim existe um solo fértil para que se
desenvolva a consciência revolucionária, a crítica, o compromisso com a verdade
e com a libertação humana.
Anti-Humanismo e Antimarxismo
Existe um humanismo
burguês, mas é raro nos meios burgueses e geralmente promove o abandono do
pertencimento de classe, pelo menos temporariamente. Jovens burgueses podem se
aproximar do humanismo espontâneo em sua versão burguesa, com sonhos ilusórios
de reformas, filantropia e caridade, ou podem se aproximar de posições mais
críticas, gerando, inclusive, rupturas familiares (que em muitos casos é
substituído por reconciliações a partir de certa idade). Porém, após a Segunda
Guerra Mundial, emergiu um anti-humanismo filosófico e científico, em favor de
análises do “sistema”, “estrutura”, “organismo”, “função” (VIANA, 2019). O
paradigma reprodutivista gerou uma versão anti-humanista – e uma das grandes
expressões desse anti-humanismo foi um pseudomarxista, o mais renomado dessa época,
Louis Althusser[6]
– e uma versão supostamente “humanista” fundada na ideia de integração. As
ideologias reprodutivistas (funcionalismo, estruturalismo, ideologias dos
sistemas, etc.) colocavam as estruturas e sistemas acima dos seres humanos e
dos indivíduos. Eles seriam apenas joguetes de estruturas, sejam elas
linguísticas ou sociais (VIANA, 2019).
Porém, as lutas
operárias e estudantis do final dos anos 1960 colocaram em questão o
reprodutivismo e sua recusa da história. As ideias que postulavam que houve uma
“integração da classe operária”, que não haveriam mais “saltos na história”
(revoluções) e que a sociedade de consumo caminhava para a sociedade de
abundância, entre outras similares, foram superadas pela luta operária e
estudantil, bem como radicalização de vários outros setores da sociedade. A
rebelião estudantil de Maio de 1968 decretou “o fim do estruturalismo” (DOSSE, 2007;
VIANA, 2019) e marcou o primeiro passo para a emergência do marxismo
autogestionário e ressurgimento do pensamento crítico. Ao mesmo tempo, emergiu
uma forma de contrarrevolução cultural preventiva, um par antinômico do estruturalismo,
que recusava a totalidade, a objetividade, etc., em nome da subjetividade e dos
“múltiplos sujeitos”, mas o alvo real era o marxismo e por isso elementos das
ideologias reprodutivistas podiam ser recuperados (VIANA, 2019). Assim, a
passagem do regime de acumulação conjugado para o regime de acumulação integral
é marcado pela passagem do paradigma reprodutivista para o subjetivista.
Um novo ataque ao
humanismo se institui nesse contexto histórico. Agora não se trata mais do
anti-humanismo intelectual centrado em estruturas e sistemas e sim centrado na
“diversidade”, na “diferença”, nos fragmentos, múltiplos sujeitos. A crítica da
ideia de totalidade e “metanarrativas” e de tudo que é considerado “universal”
marca a base intelectual do novo anti-humanismo. A partir dessas bases
intelectuais, o humanismo espontâneo perde espaço cada vez maior, pois
prolifera o hedonismo, o narcisismo, o neoindividualismo, o empreendedorismo
competitivo, a revolta, a rebeldia, o ressentimento, e a luta de grupos que vem
para dividir e gerar ódio e separações. A nova política cultural, capitaneada
pela UNESCO e por instituições diversas (fundações internacionais como a
Rockfeller, Ford e outras, organismos internacionais como Banco Mundial e FMI,
além dos Estados nacionais e suas políticas neoliberais) prioriza a diversidade
e os grupos sociais, gerando um foco em lutas especifistas e fragmentárias e
gerando a chamada “política de identidades”, incentivando os indivíduos a se
reduzirem a uma suposta identidade (TARDIEU, 2014).
Esses elementos
dificultam a proliferação do humanismo espontâneo, pois fornecem explicações
falsas sobre a realidade e direcionam as ações e objetivos para luta de grupos,
bem como canaliza o ódio e ressentimento de muitos junto com a busca de
ascensão social de outros. A nova interpretação do mundo repassada pelos
ideólogos, escolas e universidades, meios oligopolistas de comunicação, reduz
tudo a gênero, identidade, “sujeito”, “subjetividade”, etc. em detrimento da
espécie humana em geral. Assim, a nova geração é doutrinada nas escolas para
respeitar as diferenças e as identidades, o indivíduo e os grupos, focalizando
na diferenciação e desumanizando supostos “opressores”, bem como
descontextualizando (a destotalização contribui com isso e gera uma
despolitização) e despolitizando, reduzindo as complexas relações sociais (de
classes, entre os grupos, etc.) a uma luta de grupos ou mesmo ao maniqueísmo. Grande
parte da nova geração que emerge após os anos 1980 passa a enxergar o mundo
pela lente da diferença e diversidade e numa oposição dogmática e descontextualizada
entre “opressores” e “oprimidos”, sendo que as classes sociais, a exploração, a
dominação e a alienação são abandonadas ou relegadas a segundo plano. A
compaixão, sentimento espontâneo e que se direciona aos seres humanos em geral,
é substituída pelo discurso da “empatia”, uma imposição externa e geralmente
seletiva, pois a empatia é sempre em relação a um grupo, ao “outro” (e por
pertencer a determinado grupo ou estar em determinada situação, e não por ser
um ser humano, o que permite entender apenas um lado em detrimento do “outro
lado”). A compaixão é entre iguais em
situações diferentes, a “empatia” é entre diferentes com supostas “essências”
diferentes.
Isso tudo gera uma impugnação
do humanismo, tanto o espontâneo como o que se manifesta em formas refletidas
(e isso se reforça reciprocamente). O humanismo marxista, bem como outras
formas de humanismo mais estruturados intelectualmente, são esquecidos,
desvalorados ou combatidos, a ideia de “natureza humana” é condenada, entre
outros processos que reforçam o recuo do humanismo em geral e do espontâneo em
particular. Isso significa que, além da crítica ao marxismo em geral, a nova
política cultural gera bases intelectuais e ideológicas, bem como valores e
sentimentos, anti-humanistas. Ao lado disso, o paradigma subjetivista incentiva
o neoindividualismo, o hedonismo, o narcisismo, o grupismo, discurso
identitário, e outros processos sociais e culturais que promovem uma impugnação
crescente do humanismo espontâneo. E alguns arquitetos ideológicos desse
processo depois se perguntam de ondem emerge o “discurso de ódio”, ideias como
a da “terra plana” e outras manifestações de irracionalidade e irracionalismo, cuja
base se encontra no paradigma subjetivista contemporâneo. O feitiço se virou
contra o feiticeiro e este, ao ser atingido pela sua própria criação, passa a
questionar a origem dessa feitiçaria como se não tivesse nada a ver com ela.
O Marxismo diante do Anti-Humanismo
Isso atinge,
obviamente, o marxismo, pois suas bases humanistas entram em contradição com as
ideologias subjetivistas hegemônicas, com os valores e sentimentos
predominantes, bem como com os chavões mais difundidos contemporaneamente. A
aproximação com o marxismo por grande parte dos indivíduos, especialmente os
das gerações mais novas, se torna mais difícil. A eficácia do discurso marxista
diminui drasticamente. Assim, a impugnação do humanismo significa um
enfraquecimento do marxismo. O número de pessoas que poderiam aderir ao
marxismo diminui, bem como a influência da teoria marxista, mesmo estando do
lado da verdade e da libertação humana. Isso é reforçado pela renúncia de
amplos setores da intelectualidade que não enfrentam e não desafiam as
concepções hegemônicas e os processos sociais e culturais associados a elas. O
moralismo subjetivista e seu tribunal inquisidor com seus “cancelamentos” é
suficiente para amedrontar muitos intelectuais e explicitar a covardia reinante
nos meios intelectuais.
Nesse contexto, alguns
recuam e se silenciam, outros fazem compromissos e tentam se aliar aos setores
hegemônicos (os setores neoliberais progressistas, pós-estruturalistas,
multiculturalistas, etc.), bem como ainda emergem aqueles que buscam mesclar o
seu pseudomarxismo com o subjetivismo, criando uma salada indigesta. Esse
processo de covardia ou omissão de uma grande parte da intelectualidade (o que
em muitos casos também está vinculado a interesses imediatos, ou seja, a carreirismo,
retorno financeiro, cargos, etc.), bem como a disseminação desses valores,
sentimentos, ideias e discursos no interior da juventude, faz com que o
marxismo fique numa situação de marginalização ainda mais profunda com o
desenvolvimento e fortalecimento do subjetivismo e do anti-humanismo. Isso é
reforçado pelos compromissos de grupos, organizações e partidos com setores
hegemônicos, aliados a um recuo do movimento operário, que se mantém nas
últimas décadas, em sua maioria, no nível das lutas cotidianas ou lutas mais
profundas esporádicas ou, ainda, se colocando junto com a multidão sem posição
de classe autônoma e independente.
No fim do túnel só se
vê escuridão. Os poucos marxistas autênticos resistentes ficam esperando uma
reemergência espontânea do movimento operário com lutas radicalizadas para
alterar esse quadro, enquanto que outros buscam intervir nessa realidade
através de uma luta cultural, de acordo com suas possibilidades, visando
fortalecer a tendência revolucionária no interior da sociedade capitalista, e
alguns unem as duas coisas. Nos setores ambíguos do bloco revolucionário, as
soluções são mais pobres: afirmar a impotência dos grupos revolucionários e
cruzar os braços esperando a “autonomia do movimento operário” emergir sem sua
intervenção, aderir ao voluntarismo e tentar “mudar o mundo” com ativismo
prático ou virtual, mesclar suas concepções (anarquismo, autonomismo,
situacionismo, etc.) com o subjetivismo e fugir do isolamento e conseguir
espaços (seja de forma consciente ou insciente, seja acompanhado de oportunismo
ou ingenuidade, etc.), fazer compromissos com ideologias, modismos,
organizações burocráticas, setores oportunistas.
Porém, existe uma luz
no fim do túnel. A reemergência do movimento operário sob forma radicalizada
nas lutas de classes é uma tendência latente, pois não apenas a situação
financeira e a alienação são incentivos para isso, como também a
desestabilização e tendência de crise do regime de acumulação integral,
especialmente no período pós-pandemia. Outros setores da sociedade também podem
radicalizar suas lutas, como parte da juventude e do lumpemproletariado. A
sociedade contemporânea acumula males psíquicos, crescimento da pobreza, entre
diversas outras contradições sociais, que podem, a qualquer momento explodir.
Sem dúvida, o movimento operário pode ressurgir e hegemonizar esse processo,
possibilitando sair apenas das reivindicações e revoltas e colocar em evidência
o projeto revolucionário. Além disso, a mobilização de outros setores da
sociedade podem incentivar o proletariado a se autonomizar e se colocar como
classe autodeterminada. Os obstáculos ideológicos, como o subjetivismo e
anti-humanismo, tendem a se enfraquecer nesse contexto, mas, mesmo hoje, já
começa a se desgastar e perder espaço.
A luta cultural é outro
elemento fundamental e que já existe e atua, mas que precisa ser reforçada,
seja pela contribuição de novos setores da sociedade, seja pela tendência a
maior receptividade em momentos de desestabilização e, mais ainda, de crise (no
caso, do regime de acumulação, que pode e tende a se tornar uma crise do
capitalismo). Assim, os setores mais avançados, coerentes, organizados, do
bloco revolucionário devem, sem cair no voluntarismo e achar que isso é
suficiente e que vai promover uma revolução automaticamente, devem avançar na
luta cultural, tanto no plano teórico e mais aprofundado, quanto no plano da
produção artística, propaganda, etc. Se o resultado imediato disso é apenas
fortalecer o bloco revolucionário, já é um ganho que pode ser importante no
momento histórico seguinte, aumentando a força desse nas lutas posteriores. Se
o resultado imediato for além disso, melhor ainda. E o encontro dessa luta
cultural com a reemergência das lutas operárias significaria um momento de
retomada do marxismo e de ascensão das lutas sociais.
E a luta cultural deve
trabalhar com a ideia de autonomização do proletariado, colocando a necessidade
de uma posição de classe autônoma, independente, fora da agenda burguesa e
conservadora e também da progressista e burocrática, incluindo a eleitoral.
Porém, também deve realizar o confronto com o subjetivismo e suas diversas
formas de manifestação, bem como, mais especificamente, com o anti-humanismo. O
combate ao anti-humanismo é de suma importância e se relaciona com a luta
contra outras ideologias, doutrinas e chavões hegemônicos na contemporaneidade.
A luta cultural, por
sua vez, deve ser acompanhada por intervenção direta nas lutas sociais em
geral, bem como por tentativas de aproximação com o proletariado, entre outras
ações complementares. Se a tendência latente de acirramento das lutas sociais
se efetiva, as lutas posteriores poderão avançar mais rápido nos setores mais
combativos do movimento operário e onde a luta cultural pela hegemonia
proletária tenha avançado mais e todos esses processos contribuem com uma
possível confluência entre bloco revolucionário (cujo setores “ambíguos” podem
abandonar a ambiguidade e assim contribuir mais efetivamente com o movimento
revolucionário) e proletariado.
Nesse contexto, a
crítica do anti-humanismo e do subjetivismo é fundamental e é parte da luta
cultural pela hegemonia proletária contra a hegemonia burguesa e burocrática. A
luz no fim do túnel aparece quando essa tendência latente se torna perceptível
e quando ela permite sair do imobilismo e conformismo no sentido de agir para
reforçar sua passagem para tendência manifesta e, posteriormente, sua
realização efetiva. O anti-humanismo não é apenas uma concepção falsa e
conformista, mas desumana. Seres humanos desumanizados não conseguem contribuir
com a luta pela libertação humana e por isso é necessário resgatar o humanismo
e combater o anti-humanismo, o que é parte desta luta mais geral, mas que é de
suma importância e que tem consequências sobre ela.
Referências
ALTHUSSER,
Louis. A Favor de Marx. Rio de
Janeiro: Zahar, 1979.
DOSSE,
François. História do Estruturalismo. Vol. 2. O Canto do Cisne. Bauru:
Edusc, 2007.
FROMM, Erich. O
Caráter Revolucionário. Marxismo e Autogestão, Ano 01,
Num. 02, jul./dez. 2014
MARX, Karl e ENGELS,
Friedrich. Manifesto
do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 1988.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª Edição, São
Paulo: Ciências Humanas, 1982.
SARTRE, Jean-Paul. O
Existencialismo é um Humanismo. Col. Os Pensadores. 3ª edição, São Paulo:
Nova Cultural, 1987.
TARDIEU, Serge. Crítica
ao Especifismo. Marxismo e Autogestão,
Ano 01, Num. 02, jan./jun. de 2014.
VIANA, Nildo. Hegemonia Burguesa e Renovações
Hegemônicas. Curitiba: CRV, 2019.
VIANA, Nildo. O Manifesto Inaugural do
Materialismo Histórico. In:
MARX, Karl e VIANA, Nildo. Introdução
à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel: O Manifesto Inaugural do
Materialismo Histórico. Goiânia: Edições Redelp, 2020.
VIANA, Nildo. Universo
Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas. São Paulo:
Escuta, 2008.
* Professor da Faculdade de
Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade
Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília.
[1] Impugnação, aqui, significa não
admitir uma determinada opinião ou concepção, promovendo sua censura e
condenação.
[2] O bloco revolucionário é
composto pelos setores mais organizados, conscientes e ativos que expressam os
interesses fundamentais do proletariado, o que significa que se materializa em
indivíduos, grupos, organizações, ideias, que são revolucionários, seja de
forma mais coerente ou ambígua.
[3] Ou deveria ser, pois muitos
marxistas – enquanto indivíduos concretos – são perpassados por ambiguidades,
indecisões, avanços e recuos, influências diversas, determinada personalidade,
vínculos e valores contraditórios, etc. – e isso pode gerar ambiguidades e
limites intelectuais, valorativos, etc. Isso vale para o caso de determinados
marxistas, especialmente os representantes do marxismo ambíguo.
[4] Mesmo as crianças que tem pais
adeptos do marxismo não se tornam imediatamente marxistas. A razão disso é que
o processo de socialização e desenvolvimento da consciência é complexo e possui
múltiplas determinações, sendo que, na sociedade capitalista, tudo aponta
(escola, meios oligopolistas de comunicação, a maioria esmagadora da população,
etc.) para uma concepção conservadora e não-marxista.
[5] Erich Fromm (2014) fez uma
reflexão sobre o que denominou “caráter rebelde” que ajuda a entender esta
afirmação. A respeito do “revoltado” não conhecemos nenhuma reflexão profunda
ao seu respeito.
[6] A esse respeito é possível
consultar sua obra A Favor de Marx,
no qual ele critica o humanismo (ALTHUSSER, 1979).
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