MITO,
IDEOLOGIA E UTOPIA
Nildo
Viana
Resumo:
O presente artigo visa discutir o mito e sua
manifestação no mundo moderno. As formas do mito na sociedade capitalista são
analisadas a partir dos conceitos de ideologia e utopia. A conclusão é a de que
os mitos modernos podem ser manifestar tanto como ideologia quanto como utopia,
sendo que a classe social que é responsável pela sua produção oferece a
tendência ideológica ou utópica, tal se percebe nas manifestações analisadas do
mito como antissemitismo e como messianismo.
Palavras-Chave: Mito, Ideologia, Utopia, Classes
Sociais, Messianismo, Antissemitismo.
Abstract:
This
article aims to discuss the myth and its manifestation in the modern world.
Forms of myth in capitalist society are analyzed based on the concepts of
ideology and utopia. The conclusion is that modern myths can be manifested as
both ideology and utopia, and social class that is responsible for its
production offers the utopian or ideological bias, as can be seen in the
demonstrations analyzed the myth as anti-semitism and how messianism.
Keywords:
Myth, Ideology, Utopia, Social Classes, Messianism, Anti-Semitism.
O mito é uma das manifestações culturais mais antigas da humanidade. Apesar
disso, não recebeu a mesma atenção que outros fenômenos culturais. Uma das
razões para isso é a suposição, comum nas representações cotidianas, de que os
mitos desapareceram na sociedade capitalista, na qual a secularização e
racionalização não permitiriam manifestações do “pensamento primitivo”. Essa
suposição, no entanto, pode ser questionada. Sem dúvida, os mitos na sociedade
moderna não poderiam se manifestar exatamente da mesma forma que nas sociedades
simples ou pré-capitalistas, mas a suposta racionalização total de nossa
sociedade é uma ficção.
Por conseguinte, para saber se o mito se manifesta ou não na sociedade
capitalista, é necessário, em primeiro lugar, explicitar o que é um mito.
Dentre as diversas concepções de mito (LÉVI-STRAUSS, 1978;
CASSIRER, 1985; GODELIER, 1982; ELIADE, 1989a)[1],
grande parte assume um caráter ideológico, ou seja, são um sistema de
pensamento ilusório que busca definir o mito mas que acaba ofuscando o seu
verdadeiro caráter (VIANA, 2011). Nesse sentido, começaremos definindo mito
para depois ver suas manifestações na sociedade moderna.
O primeiro ponto a se destacar é que o conteúdo do mito não se encontra
nele mesmo, pois uma representação não pode se autonomizar em relação àqueles
que a produziram, ou seja, os seres humanos. Segundo Marx:
“As representações que estes
indivíduos elaboram são representações a respeito de sua relação com a
natureza, ou sobre suas mútuas relações, ou a respeito de sua própria natureza.
É evidente que, em todos estes casos, estas representações são expressão consciente
– real ou ilusória – de suas verdadeiras relações de atividades, de sua
produção, de seu intercambio, de sua organização política e social. A suposição
oposta é apenas possível quando se pressupõe fora do espírito de indivíduos
reais, materialmente condicionados, em outro espírito à parte. Se a expressão
consciente das relações reais destes indivíduos é ilusória, se em suas
representações põem a realidade de cabeça para baixo, isto é consequência de
seu modo de atividade material limitado e das suas relações sociais limitadas
que daí resultaram” (MARX e ENGELS, 1982, p. 36).
Os mitos são representações que buscam explicar e conhecer o mundo,
devido às necessidades existenciais e sociais, e que servem para se atuar sobre
a realidade reconhecida ou pelo menos se situar diante dela sem ocorrer ricos
desnecessários. Entretanto, existem várias outras representações que buscam o
mesmo objetivo, pelo menos motivos, e apresentam os mesmos resultados.
Portanto, a definição do mito não pode se limitar a isto, pois é
necessário delimitar a forma específica em que ele se manifesta para
compreendermos sua especificidade enquanto forma cultural. Entretanto, não se
pode autonomizar esta forma cultural, pois aí retornaríamos ao formalismo (com
todos os seus defeitos: descrição ao invés de explicação, generalização abusiva
a todas as formas parecidas de discurso, etc.). A definição do mito, assim como
de todas as formas culturais, deve se basear na unidade de seu “fundamento
material” e sua forma específica de manifestar tal fundamento.
A especificidade do mito encontra-se, como diria Hegel (1980), nas
“imagens” ou na “forma do figurativo” sob as quais se manifesta. A característica
do mito é que ele se manifesta sob uma determinada “linguagem simbólica”.
Entretanto, em antropologia muito se fala dos “símbolos” e do “simbólico”, mas
geralmente não se define esses termos. Concordamos com a definição de Erich
Fromm:
“Costuma-se definir símbolo
como 'algo que representa outra coisa'. Essa definição parece um tanto
decepcionante. Torna-se mais interessante, entretanto, caso nos interessemos
pelos símbolos que são expressões sensoriais da visão, audição, olfato e tato como
representando 'outra coisa' que é uma experiência interior, um sentimento ou
pensamento. Um símbolo dessa espécie é algo exterior a nós mesmos; o que ele
simboliza é algo dentro de nós. A linguagem simbólica é aquela por meio da qual
exprimimos experiências interiores como se fossem experiências sensoriais, como
se fosse algo que estivéssemos fazendo ou que fosse feito com relação a nós no
mundo dos objetos. A linguagem simbólica é uma língua onde o mundo exterior é
um símbolo do mundo interior, um símbolo de nossas almas e nossas mentes” (FROMM,
1983, p. 20).
Resta, então, esclarecer qual é a relação entre o símbolo e o que é
simbolizado. E, Fromm distingue três espécies de símbolos: o convencional, o
acidental e o universal. O símbolo convencional
é aquele que aplicamos na linguagem cotidiana. Tomemos como exemplo a palavra
“mesa”: ela representa outra coisa, que é um objeto que nós vemos, tocamos e
usamos. Qual é a relação entre a palavra e o objeto? Não existe nenhuma relação
inerente entre esta palavra e este objeto. A única razão para tal palavra
simbolizar tal objeto se encontra na convenção de dar o nome de “mesa” a este
objeto determinado, ou seja, determinado nome foi dado a determinado objeto por
convenção. Não só as palavras, mas também as imagens podem ser símbolos
convencionais. Por exemplo, uma bandeira que representa determinado país e foi
adotado convencionalmente como símbolo. Segundo Erich Fromm:
O oposto exato do símbolo
convencional é o símbolo acidental, apesar de ambos terem uma coisa em
comum: não há relação intrínseca entre o símbolo e o simbolizado. Suponhamos
que alguém teve em certa cidade uma experiência dolorosa; ao ouvir o nome dessa
cidade, facilmente ligará o nome a um estado de espírito deprimido, tal como o
associaria a uma disposição alegre se a experiência tivesse sido agradável.
Está claro nada existir de um triste ou alegre na natureza da cidade: é a
experiência individual ligada à cidade que transforma em símbolo de um estado
de ânimo (FROMM, 1983, p. 21).
O símbolo universal, segundo Erich
Fromm, apresenta uma relação intrínseca entre o símbolo e o simbolizado. Fromm
explica esta espécie de símbolo através do exemplo do fogo:
“Ficamos fascinados por
certas qualidades dum fogo aceso numa lareira. Antes de mais nada, por sua
atividade, ele muda constantemente, mexe-se todo o tempo, e no entanto há constância
nele: permanece igual sem ser o mesmo. Dá impressão de força, energia, graça e
leveza. É como se tivesse uma fonte inexaurível de energia. Quando usamos o
fogo como símbolo, descrevemos a experiência interior caracterizada pelos
elementos percebidos na experiência sensorial do fogo: o estado de espírito de
energia, leveza, movimento, graça e regozijo – às vezes outro desses elementos,
predominando no sentimento” (FROMM, 1983, p. 22-23).
Acontece que em determinadas sociedades certos símbolos universais mudam
de significado. O sol, por exemplo, nos países nórdicos assume um aspecto
simbólico positivo devido à existência abundante de água e todo o crescimento
depender da luz solar enquanto que, nos países tropicais, o sol assume um
aspecto negativo, pois, devido seu calor intenso, lá ele se apresenta como uma
força perigosa da qual é necessário se proteger. Portanto, as experiências se
manifestam simbolicamente diferentes e por isso podemos dizer que existem
diversos “dialetos simbólicos”. Além disso, um mesmo símbolo pode ter mais de
um significado, pois diferentes tipos de experiências podem ser relacionados e
associados a um mesmo fenômeno natural.
Qual é a relação destas três espécies de símbolos e linguagem simbólica?
A linguagem simbólica como expressão do “mundo interior” descarta o símbolo
convencional, pois este não possui os seus elementos fundamentais. O símbolo
acidental, por sua vez, dificilmente pode ser compartilhado por outros
indivíduos e por isso é muito raro sua utilização nos mitos ou na literatura,
nos contos de fada, etc. Escritas em linguagem simbólica. Portanto, a linguagem
simbólica dos mitos utiliza, fundamentalmente, os símbolos universais.
Entretanto, não é suficiente definir o mito como uma “linguagem
simbólica”, pois a poesia também é uma linguagem simbólica e não é um mito.
Embora o mito se utilize dos símbolos universais isto não é privilégio seu. A
especificidade do mito está não só no fato dele se manifestar sob linguagem
simbólica, mas na forma específica na qual realiza isto. Consideramos que esta
linguagem simbólica tem como características próprias: a) tal como colocou
Mircea Eliade (1989a; 1989b; 1988), aqueles que produzem e reproduzem o mito
acreditam dele como algo verdadeiro e, além disso, sua reprodução se dá em
coletividade, que é a dos seus produtores e reprodutores; b) o mito realiza o
processo de personificação e é desta forma que ele busca explicar o mundo.
Portanto, se formos definir os mitos em poucas palavras, diríamos que
eles são representações que buscam explicar e conhecer o mundo provocadas por
necessidades existenciais e sociais que servem para atuar sobre a realidade
buscando controlá-la ou se situar diante dela. Essas representações se
manifestam sob uma linguagem simbólica que é considerada verdadeira pelos que a
produzem e reproduzem e que executa o processo de personificação e assim busca
explicar o mundo. Estas necessidades existenciais são as necessidades de resposta
ao que Erich Fromm (1961) chama de “dicotomias existenciais”, que são a posição
do homem diante da morte, a sua impossibilidade de desenvolver toda a sua
potencialidade devido a curta duração da vida e o fato do homem ser um ente
individual orgânico (logo, sozinho) que só se sente bem ao lado de outros de
sua espécie. As necessidades sociais estão ligadas às relações dos homens entre
si e com a natureza, inclusive para satisfazer as suas outras necessidades
(biológicas e psíquicas). Existe, obviamente, um entrelaçamento entre esses
tipos de necessidades.
Portanto, esse é o conteúdo do mito, sua “essência”. Mas, como dizia
Hegel (1980), a essência em sua manifestação concreta é existência. Por isso, o
mito assume formas diferentes em sociedades e tempos históricos diferentes. Os
mitos nas sociedades simples tratam da origem do cosmos, do homem, das
instituições, etc. A dependência do homem em relação à natureza nestas
sociedades faz com que ela se torne o tema fundamental dos mitos, embora as
relações sociais se apresentem também como temas.
Tal como colocou Hegel (1980) e Godelier (1985), as mitologias nas
sociedades simples apresentam-se sob a forma do antropomorfismo. Os seres da
natureza ganham características humanas. Dentre essas características existe
uma que é fundamental e que explica todas as outras: a intencionalidade. O sol,
a lua, o mar, etc. ganham intencionalidade, se tornam agentes. Essa
intencionalidade não difere em nada da intencionalidade humana, a não ser as
“razões ocultas” que movem as ações das divindades.
Resta saber os motivos que levam os homens a executar esse procedimento.
Uma explicação para isso foi dada por E. P. Tylor. Segundo Pierre Smith (1978),
Tylor afirmava que foram as ilusões do sonho que criaram a crença em almas e espíritos
que, para os indígenas, tudo povoam e assim fundaram os mitos. Estes seriam uma
análise confusa da realidade. Os deuses e heróis da mitologia seriam
personificações de forças naturais explicadas por “doença da linguagem” que
permite a transformação de objetos inanimados em sujeitos de ação. Portanto, a
explicação do antropomorfismo se encontra nas “ilusões do sonho”. Esta
explicação, entretanto, nos parece inconsistente. Consideramos que a relação do
homem com a natureza é mediada pelo trabalho e neste o homem atua sobre a
natureza e esta, de acordo com a regularidade seu funcionamento, responde à
ação humana. Além do trabalho material que o homem realiza sobre a natureza,
mas relacionando-se com ele, há também um trabalho intelectual sobre ela, onde
se busca compreendê-la. Essa busca de compreensão da natureza (e também das
relações sociais) é mediada pelo trabalho intelectual da consciência. O homem
não pode possuir uma “consciência da natureza”, mas sim uma consciência da sua
relação com a natureza (VIANA, 2007b). Esta autoconsciência produz uma visão da
natureza que tem como referencial o próprio homem em sua relação com a
natureza. Sendo o homem o referencial para a compreensão da natureza torna-se
compreensivo o antropomorfismo. Os conceitos, os sentimentos, as relações que
são próprias do homem são transferidos para a natureza por serem o referencial
que eles possuem para buscar compreendê-la e explicá-la. A personificação dos
seres naturais, que assim se tornam “sobrenaturais”, é um procedimento racional
realizado em condições sociais determinadas[2].
Essa situação se modifica com o processo crescente de separação entre o
homem e a natureza, provocado pelo desenvolvimento das forças produtivas. O
homem adquire, com isto, a autoconsciência da real diferença entre ele e a
natureza. São os homens que são portadores de intelectualidade e não a
natureza.
Quando as populações das sociedades simples entram em contato com outras
populações (principalmente no caso dos povos ocidentais e suas invasões) há uma
reformulação dos mitos, ou seja, os mitos também estão envolvidos da dinâmica
histórica. Vejamos isto através de um exemplo. Os índios hidatsa,
norte-americanos, tinham mito que dizia o seguinte:
“(...) dois demiurgos
criaram a terra e fizeram emergir os humanos do mundo subterrâneo. Depois que
as tribos e as línguas se diversificaram, aconteceu, em certo lugar, que uma
mulher 'ofereceu de beber' (provavelmente um eufemismo) a seu jovem cunhado. Este
julgou o oferecimento inconveniente e declinou do convite. Furiosa por ter sido
repelida, a mulher acusou seu cunhado de ter pretendido violá-la, e, a pretexto
de conduzi-lo à guerra, o marido ultrajado abandonou seu irmão mais novo numa
ilha. Os deuses intrometeram-se na questão, tomando partido por um ou por outro
dos irmãos. Os protestos do irmão prevaleceram finalmente e destruíram, numa
conflagração, o irmão casado e quase todos os habitantes da aldeia. Os
sobreviventes separaram-se. Os que partiram para o norte, tornaram-se os Crow-hidatsa;
os que formam para o sul, os awaxawi, cuja migração foi provocada por um
dilúvio, que se seguiu aos acontecimentos, dirigiram-se para o Missouri, onde
encontraram, mais tarde, outro grupo hidatsa, os awatixa. Quanto aos Crow-hidatsa
propriamente ditos, voltaram para o sul, onde se cindiram, dando origem às duas
tribos respectivamente conhecidas por esses nomes (LÉVI-STRAUSS, 1983, p.
147-148).
Este mito relata migrações, fusões e separações de tribos que ocorreram
historicamente. Segundo Lévi-Strauss,
De fato essas migrações são aquelas provocadas por
ataques dos Ojibwa dos bosques, armados pelos colonos franceses do Canadá, e em
consequência de que os ancestrais comuns dos Crow e dos hidatsa tiveram que
refugiar nas planícies. A arqueologia confirma esses movimentos de populações.
A chegada dos Awatika ao Missouri, a separação ulterior dos Crow-hidatsa em
duas tribos, são também fatos históricos atestados (LÉVI-STRAUSS, 1983, p. 149).
Vemos, portanto, que as novas condições históricas e a nova situação
social se refletiram na explicação mítica do mundo, inclusive criando novos
temas, pois muda-se também o próprio significado de elementos existentes no
mito, tal como demonstra os maias de Yucatán que consideravam os Dzules
(estrangeiros) como deuses e após a invasão espanhola passaram a considerá-los
como destituídos de sabedoria, palavras e ensinamentos, aqueles que vieram para
“ensinar o terror”, “secar as flores”, “mutilar o sol”, e que deixaram apenas
“a amargura” (GENDROP, 1987).
Demonstrando que o mito muda temas e significados com a mudança
histórica e social e que tais mudanças ocorreram dentro de sociedades simples.
Resta saber qual é o tipo de mudança que ocorre no mito quando se instaura uma
sociedade complexa em substituição a uma sociedade simples. Portanto, é aqui
que devemos colocar a questão do mito no mundo moderno[3].
A contradição entre o homem e natureza como tema fundamental dos mitos nas
sociedades simples é substituída pelo tema das contradições sociais nas
sociedades de ascensão da sociedade capitalista traz consigo a “secularização”
(parcial) da cultura e juntamente com ela se expande o racionalismo e o
cientificismo. Entretanto, isso não afeta todas as classes sociais com a mesma
intensidade, pois classes trabalhadoras possuem menor acesso às “conquistas da
ciência” e as classes privilegiadas possuem um maior domínio neste campo. Cada
classe social produz aqueles que irão sistematizar as ideias e/ou ilusões sobre
si e sobre a sociedade. Na classe dominante realiza-se uma divisão entre
aqueles que executam o trabalho manual e aqueles que executam o trabalho
intelectual (MARX e ENGELS, 1982). No caso das classes trabalhadoras, a
elaboração de suas concepções acerca de si e da sociedade é realizada
principalmente pelos seus próprios integrantes que não exercem uma profissão
intelectual embora existam algumas exceções.
Se retornarmos a tese de que os homens criam representações reais ou
ilusórias como expressão consciente de suas relações sociais então devemos ver
a diferença entre estes dois tipos de representações e como elas se relacionam
com as classes sociais. A ideologia dominante é, como dizia Marx, a ideologia
da classe dominante (MARX e ENGELS, 1982). Esta busca “naturalizar” e
“universalizar” o mundo existente e assim evitar o reconhecimento da história e
das contradições sociais. Ela é, portanto, uma representação ilusória da
realidade, ou seja, é uma inversão da realidade, falsa consciência,
sistematizada pelos ideólogos (MARX e ENGELS, 1982). As classes exploradas,
devido a sua própria situação social, não podem evitar o reconhecimento da
história e das contradições sociais e por isso apresenta em suas representações
a necessidade da mudança. Portanto, a classe dominante evita reconhecer a
história e as classes exploradas buscam, ao contrário, reconhecê-la e,
consequentemente, as ideias da classe dominante são conservadoras e as ideias
das classes exploradas são revolucionárias. No primeiro caso, temos a ideologia
e, no segundo caso, a utopia.
Se a ideologia busca “naturalizar” e “universalizar” o existente, a
utopia traz, ao contrário, a proposta de um novo existente, ou, mais
exatamente, uma nova sociedade que constitui uma mudança radical. Entretanto, tal
como exposto por Ernst Bloch, existem dois tipos de utopia: a utopia abstrata e
a utopia concreta (BICCA, 1987). A utopia concreta é aquela que leva em
consideração as possibilidades de sua realização enquanto a utopia abstrata não
fundamenta as condições de sua concretização.
A relação entre mito e ideologia é bastante complexa, pois a ideologia
só surge com a divisão entre trabalho manual e intelectual, ou seja, quando
surgem os ideólogos, e o mito surgiu antes de tal divisão. Em outras palavras:
a ideologia surge com a ascensão das sociedades de classes e o mito é anterior
ao surgimento dessas sociedades. Isto quer dizer que o mito não é uma ideologia
nas sociedades sem classes, embora possa, numa sociedade classista assumir a
forma de ideologia. A ideologia, por sua vez, pode assumir a forma de mito,
embora isto seja raro por possuir inúmeras outras formas de se manifestar.
A relação entre mito e utopia é semelhante mas não é igual. A utopia
também surge com o aparecimento das sociedades de classes e se apresenta sob as
duas formas acima citadas. O mito surge antes mas se reproduz de forma
modificada nas sociedades classistas. O mito, quando propõe uma nova sociedade
e realiza a crítica da sociedade existente, assume a forma de utopia, embora
por suas características intrínsecas, como demonstraremos mais à frente,
somente pode assumir a forma de utopia abstrata. A utopia, assim como a
ideologia, possui inúmeras outras formas de se manifestar.
Se recordarmos a definição de mito apresentada anteriormente, veremos
como ele se manifesta no mundo moderno. O deslocamento da contradição do homem
com a natureza para as contradições sociais cria a necessidade se buscar
compreender e controlar principalmente
os fenômenos sociais, ao invés, como nas sociedades simples, os fenômenos
naturais, neste sentido, o tema dos mitos modernos são “secularizados” e
tornam-se sociais. A transformação ou conservação das relações sociais
tornam-se produtos da ação social. Se os mitos das sociedades simples
personificam os seres da natureza transformando-os em “seres sobrenaturais”, os
mitos das sociedades complexas fazem com que essa “natureza personificada”,
reconhecida pela “herança cultural”, se materialize em pessoas e/ou grupos
sociais. Os mitos, nas sociedades simples, servem como regularizador das relações
e ações sociais por serem “modelo exemplar” que se deve reproduzir, seja
através de tabus ou rituais[4].
Nas sociedades complexas, os mitos também cumprem o papel de incentivar ações
sociais, seja através da prática política ou de rituais. Os mitos são representações que fundamentam
ações sociais e por isso não podem ser analisados isoladamente em sua dimensão
simbólica, pois as ações que eles provocam estarão sempre presentes.
Podemos dizer que os mitos na sociedade capitalista foram precedidos por
outros nas sociedades de classes pré-capitalistas. Entretanto, como nosso
objetivo é tratar dos mitos no mundo moderno, só trataremos dos mitos nas
sociedades classistas pré-capitalistas quando contribuírem para compreensão dos
“mitos modernos”.
Os mitos no mundo moderno se manifestam tanto como ideologia quanto como
utopia abstrata. O exemplo mais típico nesse último caso é o do messianismo.
Embora alguns autores coloquem que o messianismo tenha surgido a partir do
declínio do mundo feudal (MANNHEIM, 1986), o primeiro movimento messiânico na
história foi representado pelo cristianismo primitivo[5].
Mas antes de tratarmos do messianismo no mundo moderno, devemos primeiro
defini-lo. Os termos “messias” e “messianismo”. Surgiram a partir dos relatos
bíblicos e posteriormente passaram a ser aplicados a outros fenômenos fora da
religião cristã e judaica, devido à descoberta dos etnólogos da existência de
crenças e figuras messiânicas em sociedades primitivas. Segundo Jean-Pierre
Dozon o messianismo tem como aspectos essenciais: “1. negação do mundo
presente; 2. espera de um mediador: profeta ou messias; 3. crença no milênio” (DOZON,
1978, p. 13).
A partir dessa definição vemos que o messianismo é uma subcategoria do
milenarismo, pois este pode existir sem a figura de um messias. O milenarismo
também apresenta uma estrutura mítica, mas geralmente se reproduz no interior
de uma seita e tem suas manifestações bastante reduzidas no mundo moderno[6].
O profetismo, segundo Dozon, pode ser considerado uma subcategoria do
messianismo, pois o profeta é o mensageiro que anuncia a vinda do messias.
Maria Isaura P. De Queiróz diz que Max Weber e P. Alphandery apresentaram uma
definição muito próxima de messias: “o
messias é alguém enviado por uma divindade para trazer a vitória do bem sobre o
mal, ou para corrigir a imperfeição do mundo, permitindo o advento do paraíso
terrestre, tratando-se pois de um líder religioso e social” (1976, p. 27).
Portanto, resta saber se podemos definir o messianismo como um mito.
Julgamos que sim, pois o messianismo se manifesta, tal como os mitos, sob uma
linguagem simbólica que se caracteriza por: a) é considerada verdadeira pelos
que a produzem e reproduzem coletivamente; b) realiza a encarnação de um ser
‘sobrenatural’ – tal como definido anteriormente – ou então dota um ser humano
de atributos mágicos por ser um enviado dos seres divinos. Entretanto, essa
definição é incompleta, pois o mito também é: a) uma representação que busca
compreender e explicar o mundo; b) esta representação é provocada por
necessidades existenciais e sociais; c) seu objetivo é, ao compreender e
explicar o mundo, controla-lo ou se situar diante dele. Consideramos que estes
elementos também estão presentes no messianismo. O messianismo também busca
compreender e explicar as contradições sociais, pois ele surge em momentos de
crise social ou em regiões extremamente empobrecidas, sendo gerado a partir de
necessidades existenciais e sociais e seu objetivo é controlar o mundo através
da instauração de uma nova “idade de ouro”. As diferenças são evidentes: as
representações voltam-se para as contradições sociais, sendo expressão mais
destas do que da contradição homem-natureza. E sua atuação sobre o mundo também
assume característica de ação política. Outra diferença está em que a
personificação de seres da natureza é pressuposta e essa natureza personificada se manifesta através de um homem, o messias
que é a encarnação de um ser sobrenatural ou seu “enviado”.
Portanto, o messianismo é uma forma de manifestação de mito. Tanto o
mito quanto o messianismo são representações que possuem as mesmas
características e as mesmas raízes. O messianismo, no entanto, é também uma
mobilização social, manifestação da luta de classes, além de ser uma
representação. O mito, nas sociedades simples, produz um conjunto de atividades
que lhe são complementares, assim como o messianismo nas sociedades complexas.
O mito e o messianismo são mobilizadores,
pois são representações que geram ações coletivas. Entretanto, o messianismo é
não só um mito, mas uma manifestação deste sob a forma de utopia abstrata. Isto
é comprovado pelo seu discurso utópico que propõe a instauração de uma nova
sociedade e por isso traz implícita ou explicitamente uma crítica da sociedade
existente.
O messianismo surge como uma negação da sociedade existente. Entretanto,
existem outras formas de negação da sociedade existente que não utilizam a
linguagem mítica. Por isso, para explicarmos o surgimento do messianismo temos
que realizar uma análise que supere tanto o reducionismo sociológico (que
explica o fenômeno messiânico por razões puramente sociais) quanto o
reducionismo religioso (que explica o messianismo por razões puramente
religiosas). Ernst Bloch (1973) já dizia que a compreensão da rebelião camponesa
liderada por Thomas Münzer, sob a forma de milenarismo, não pode ser
proporcionada pelo estudo isolado do aspecto econômico, pois é necessário
compreender o contexto cultural em que ele se realizou.
(...) convém
olhar as rebeliões camponesas mais profundamente e não só levar em conta o seu
aspecto econômico, se se quer realmente apreender, o que então aconteceu e
podia acontecer, tem-se de levar necessariamente, em consideração, uma outra
coação e um outro apelo, ao lado do choque econômico. Pois o apetite econômico
é, aliás, o mais sóbrio e permanente, porém não o motivo mais peculiar da alma
humana, sobretudo em exaltados tempos religiosos. Não só vacilantes e livres
orientações da vontade, bem como estruturas de sentido espiritual, pelo menos sociologicamente
reais e amplamente compreensivas, agem efetivamente sobre o acontecimento
econômico, ou ao lado dele. A situação do respectivo modo de produção é já, em
si mesmo enquanto desígnio econômico, dependente de conjunto de decisões mais
altas e complexas, principalmente de sentido religioso, conforme Max Weber
demonstrava; portanto, a economicidade logo se encontra bastante sobrecarregada
com superestrutura e, no seu autônomo processo, condiciona e efetiva aparição
de conteúdos culturais-religiosos, porém de nenhum modo isolada, por sua parte,
deste conteúdo. O que significa que não pode, sozinha, fazê-los eclodir,
abstraída de um intercondicionamento, entrelaçado com características
nacionais, com sobreviventes ideológicos de anteriores relações econômicas, com
a ideologia da sociedade em ascensão, cuja superestrutura se encontrava, pois,
em vários aspectos, já mais amadurecida que a econômica, cuja madureza só em
seguida ocorria. E, finalmente, existe, percebida pela respectiva classe
revolucionária, a influência, a longo prazo, por parte do autônomo processo
espiritual-religioso, pelo menos ‘histórico-filosófico’ – com frequência
interrompido – enquanto autoeducação do gênero humano” (BLOCH, 1973, p. 47-48)[7].
A partir disto consideramos que o messianismo só pode ser compreendido
como expressão das lutas de classes. Acontece que ele é uma expressão
específica dessas lutas e para ser compreendido em sua especificidade é
necessário compreender aqueles que estão envolvidos nestas contradições e contexto
cultural em que eles vivem.
Não tratamos do messianismo na sociedade escravista e na sociedade
feudal com suas características particulares, mas apenas de sua manifestação na
sociedade moderna. O messianismo surge como produto das contradições sociais, seja
a miséria e a destruição do mundo rural tradicional, seja a opressão colonial
(principalmente no caso da África) e revela a necessidade sentida pelas classes
exploradas de lutar por mudanças sociais. Essa luta por mudanças sociais é
realizada muitas vezes inintencionalmente e é esse caráter inintencional que
revela suas limitações políticas e faz com que ele não ultrapasse o nível da
utopia abstrata.
A penetração do modo de produção capitalista em nações ou regiões
pré-capitalistas ou não-capitalistas destrói relações sociais tradicionais e
traz a resposta das classes exploradas sob a forma de messianismo[8].
Portanto, um dos motivos fundamentais do surgimento dos movimentos messiânicos
é a desestruturação de relações sociais tradicionais pela expansão capitalista.
Tal expansão se caracteriza pela subordinação de modos de produção
pré-capitalistas ou não-capitalistas às suas necessidades. Os modos de produção
pré-capitalistas são aqueles que são anteriores ao capitalismo (escravismo,
feudalismo, modo de produção tributário, etc.) enquanto que os não-capitalistas
são aqueles que surgem simultaneamente com o capitalismo (por exemplo, modo de
produção camponês e o artesão) e se caracterizam por serem subordinados a ele.
A penetração capitalista em modos de produção pré-capitalistas ocorre apenas a
nível nacional e somente após isto é com a formação do predomínio do
capitalismo juntamente com a formação de modos de produção não-capitalistas é
que há a penetração sobre estes últimos, o que leva, com o desenvolvimento
capitalista, à sua destruição. Portanto, podemos dizer que o capitalismo só
cria relações de produção tipicamente capitalistas e a produção de relações de
produção não-capitalistas é produto do contato entre capitalismo e
pré-capitalismo ou passagem deste para aquele[9].
O messianismo como produto do primeiro caso ocorre principalmente em países
africanos e como produto do segundo caso em países como o Brasil.
O fenômeno messiânico não surge somente da expansão capitalista, mas
também da formação cultural de onde ele emerge. O cristianismo primitivo surgiu
como uma apropriação/assimilação cultural das mitologias anteriormente
existentes realizada pelo povo judeu. O messianismo africano das classes exploradas
se caracteriza por ser uma apropriação cultural feita por estas do cristianismo
do colonizador e das mitologias africanas, criando, assim, o sincretismo
messiânico. São os agentes histórico-concretos, as classes sociais, que,
partindo de suas condições reais de existência que assimilam os elementos
culturais existentes para satisfazerem suas necessidades e interesses. Esse
processo de assimilação é um processo cultural comum, pois é a partir das
necessidades e cultura já existente que se interpreta e produz novas
representações.
É por isso que no período de crise da sociedade feudal todas as
mobilizações sociais contestatórias assumiam uma linguagem religiosa e
herética. Os camponeses conviviam com a desarticulação do modo de produção
feudal e a formação do capitalismo e sofriam as consequências sociais da
ascensão do domínio do capital e do predomínio do mundo urbano e mercantil. A
forma dominante da ideologia dominante era a teologia e era esta, portanto, que
servia de referencial cultural para os camponeses lutarem pela sua emancipação.
Foi por isto que Engels afirmou que no mundo feudal “todas as doutrinas
revolucionárias sociais e políticas tinham de ser ao mesmo tempo e
principalmente heresias teológicas” (ENGELS, 1978).
Vejamos o exemplo do messianismo brasileiro expresso no caso de Canudos
e Contestado. Em ambos os casos havia uma desestruturação das sociedades
tradicionais e esta atingia as classes sociais mais empobrecidas tanto
destruindo seu modo de vida tradicional quanto criando uma situação social
insuportável para elas. O conflito de terras, a pobreza, as dificuldades para
sobrevivência, que se agravaram depois da proclamação da república, fizeram com
que os camponeses identificassem a “República dos Coronéis” como o reino do mal
e por isso uma volta à monarquia era tida como um retorno ao reino do bem. A
penetração capitalista durante a república dos coronéis acirrou as lutas de
classes expressas na luta pela terra, provocando as rebeliões camponesas
(MARTINS, 1986; QUEIRÓZ, 1977).
Entretanto, isso, por si só, não explica por qual motivo a classe
camponesa reagiu diante desta situação usando uma linguagem mítica. É preciso,
para compreendermos isto, conhecermos a formação cultural predominante no campo
brasileiro nesta época. Neste, o que predominava era a cultura rústica[10].
A base cultural do messianismo brasileiro era o “catolicismo rústico”
(MONTEIRO, 1982). As classes exploradas retiram do universo cultural existente,
no caso, do catolicismo rústico, os elementos culturais e os re-elabora fazendo uma assimilação dele
para satisfazer suas necessidades, produzindo assim o messianismo.
Portanto, o messianismo de Canudos e Contestado são produtos da expansão
capitalista no campo e em regiões não-capitalistas e da assimilação cultural
que as classes exploradas realizam do catolicismo rústico para compreenderem e
explicarem sua realidade e a partir disto agirem diante das transformações
sociais que lhes atingiam. A volta da “monarquia”, ou seja, do reino onde
predomina a “Lei do Céu”, em substituição à “República”, onde predomina a “Lei
do Diabo”, é a proposta de uma nova “idade de ouro”, com a implantação do
“igualitarismo comunitário”.
Os mitos no mundo moderno também se manifestam sob a forma de ideologia.
Vamos retomar, então, a discussão sobre ideologia e utopia, mas agora como
formas de manifestação do mito. O mito como utopia abstrata é um produto
principalmente das classes exploradas enquanto que sob a forma de ideologia é
um produto das classes auxiliares da burguesia e em momentos de crise recebem o
apoio da classe dominante e tornam-se consolidados socialmente. Outra diferença
se encontra no fato de que, como utopia abstrata, o mito coloca a ênfase na
construção de uma nova sociedade e na ação do enviado da divindade que
representa o bem enquanto que o mito como ideologia coloca a ênfase no combate
àqueles que representam o mal para proteger a sociedade existente de suas ações
maléficas. Outra diferença substancial encontra-se no fato de que o mito
enquanto utopia se manifesta principalmente em regiões subordinadas ou
colonizadas, surgindo como negação desta situação, mas o mito como ideologia
surge nas regiões dominantes e colonizadoras. Todas essas diferenças podem ser
sintetizadas em uma só: o mito como utopia é uma assimilação cultural das classes
exploradas da cultura existente para satisfazer suas necessidades e interesses
e o mito como ideologia é uma assimilação cultural da burguesia e suas classes
auxiliares.
Uma das manifestações do mito na sociedade capitalista sob a forma de
ideologia é o antissemitismo. O que é o antissemitismo? Antes de responder a
esta pergunta é necessário responder outra: o que é semita? Semitas são os
“descendentes de Sem”, um dos filhos de Noé, que depois do dilúvio teriam
povoado a Ásia, assim como os filhos de Cam povoaram a África e os de Japmet a
Europa. Isto, obviamente, é uma crença popular que nem mesmo é coerente com a
genealogia bíblica. Nesse sentido, é melhor buscar uma definição melhor
fundamentada:
A palavra foi criada em 1781 pelo filósofo alemão Schözer
para designar um grupo de línguas que constitui uma família, de parentesco
evidente, e comparável ao grupo indo-europeu, a que pertencem idiomas tão
diversos como o latim, o alemão, o russo e o sânscrito. As principais línguas
semitas são o árabe, o hebraico, o aramaico (ainda falado hoje por uns poucos
milhares de indivíduos), além das mortas, como o acadiano ou babilônico e o
assírio, usadas nos antigos documentos cuneiformes (MORAIS, 1972, p. 45).
Portanto, a palavra semita não possui conotação racial, pois parentesco
linguístico não implica parentesco racial. Além disso, os que falam a língua
semita pertencem à raças diferentes. Apesar de uma grande diversidade de
concepções sobre raças e quantidade de raças, a que é mais próxima da realidade
é a que reconhece a existência de apenas três raças: a negroide, a mongoloide e
a caucasoide (LEWIS, 1968; VIANA, 2009a; VIANA, 2009b) demais concepções fazem
proliferar uma grande quantidade de raças, que, no entanto, dificilmente são
sustentáveis.
Portanto, por tudo que foi visto é pouco convincente pensar na
existência de uma “raça semita”. Resta saber, nesse caso, qual é o sentido da
palavra antissemitismo. Segundo Vamberto Morais (1972), tal palavra é um
“eufemismo incorreto” que busca dar uma “fachada respeitável” ao antijudaísmo.
Por isso, a pergunta correta é a seguinte: o que é o judaísmo? Ele era uma
religião unitária que se dividiu em duas outras: a dos judeus rabínicos e a dos
judeus cristãos. Os primeiros mantiveram as suas crenças originárias intactas
enquanto que os outros se tornaram cristãos, ou seja, passaram a defender que o
messias – Jesus Cristo – já havia surgido e que teria morrido para salvar a
humanidade (MARGULIES, 1976). Os judeus, inclusive, serão acusados de serem
responsáveis pela morte de Cristo. Em poucas palavras, o antissemitismo é o
antijudaísmo e o judaísmo é uma religião de um povo que se dispersou pelo mundo
e sofreu diversas mudanças no decorrer de sua longa história.
A origem histórica do antissemitismo se encontra na separação entre
judeus e cristãos. Além da divergência sobre a vinda ou não de Cristo, eles se
separavam porque o judaísmo se caracterizava por ser um messianismo nacional e
o cristianismo um messianismo social. Por isso, os judeus continuaram
combatendo o império romano enquanto que os cristão defendiam a tese do “daí a
César o que é de César”, pregando um messianismo universalista que não se
opunha, diretamente, a Roma. Os cristãos acusavam os judeus de “deicídio”: “a
culpa pelo sangue de Cristo cairá sobre todos os descendentes do povo deicida
(Mateus, 27, 25), que se assemelhará ao Diabo (João, 8, 44)” (MARGULIES, 1976).
Com a integração do cristianismo na sociedade feudal, o judaísmo se tornou
ainda mais marginalizado e acabou sendo, em muitos casos, perseguido pela
Igreja Católica e os judeus passaram a ser relegados a guetos, de acordo com os
interesses dos senhores feudais.
Mas o nosso interesse é no antissemitismo na sociedade moderna. O
antissemitismo vem para compreender e explicar as razões das tensões sociais,
das crises sociais e financeiras, das dificuldades das classes sociais
subsidiárias, e, como em todo mito, a partir deste “saber”, busca controlar ou
se situar diante da situação existente. As necessidades que levam os seres
humanos a adotar essa visão da realidade é o sentimento de insegurança e
impotência de determinadas classes diante da crise social e financeira e o
temor da burguesia em relação ao proletariado. Tal compreensão e explicação do
mundo são consideradas “verdadeiras” pela coletividade que a produz e reproduz,
ou seja, os antissemitas. O antissemitismo busca concentrar o mal nos judeus.
No fundo, eles criam um inimigo imaginário (VIANA, 2007a; VIANA, 2009a). A
“conspiração judaica” para dominar o mundo é apresentada como obra dos “judeus
capitalistas” ou dos “judeus comunistas”. Claro que isto é bastante confuso e
ambíguo. Segundo Jean-Paul Sartre:
Para
o antissemita, o que faz o judeu é a presença nele da judiaria, princípio judeu
análogo ao Flogístico ou à virtude dormitiva do ópio. Não nos iludamos: as
explicações pela hereditariedade e pela raça apareceram mais tarde, são como o
tênue revestimento científico desta convicção primitiva; muito antes de Mendel
e Gobineau, existia o horror ao judeu e os que o experimentavam não poderia
explicá-lo senão dizendo, como Montaigne dizia de sua amizade por La Boetie:
‘porque é ele, porque sou eu’. Sem esta virtude metafísica, as atividades atribuídas
ao judeu seriam rigorosamente incompreensíveis. De fato, como conceber a
obstinada loucura de um rico comerciante judeu que deveria, se fosse razoável,
almejar a prosperidade do país onde comercia e que, segundo nos afiançam, se
encarniça em arruiná-lo? Como compreender o internacionalismo nefasto de homens
cujas famílias, afetos, costumes, interesses, natureza e fonte de suas fortunas
deveriam ligá-lo ao destino de um país particular? Os hábeis falam de uma
vontade judaica de dominar o mundo: mas ainda aqui, se não possuirmos a chave,
as manifestações desta vontade correm o risco de nos parecer ininteligíveis;
pois, ora nos apontam atrás do judeu, o capitalismo internacional, o
imperialismo dos trustes e dos traficantes de canhões, ora o bolchevismo, com
seu punhal entre os dentes, e não se vacila em tornar igualmente responsáveis
pelo comunismo os banqueiros israelitas, a quem deveriam horrorizar, e pelo
capitalismo imperialista, os judeus miseráveis que povoam a Rue des Rosiers.
Mas tudo se esclarece se dispensarmos o judeu de uma conduta racional e
conforme com seus interesses, se discernirmos nele, ao contrário, um princípio
metafísico que o impele a praticar o mal
em todas as circunstâncias, ainda que para tanto deva destruir-se a si mesmo.
Este princípio, não resta a menor dúvida, é mágico: de um lado, é uma essência,
uma forma substancial, e ao judeu, faça o que fizer, não é dado modificá-la,
assim como o fogo não pode impedir-se de arder. E, de outro, como é necessário
que se possa odiar os judeus e como não se detesta um tremor de terra ou a
filoxera, esta virtude é também liberdade. Só que a liberdade em questão é
cuidadosamente limitada: o judeu é livre para
praticar o mal, não o bem, pois dispõe de livre arbítrio suficiente apenas
para arcar com a plena responsabilidade dos crimes que comete, mas não o
bastante para que possa reformar-se. Estranha liberdade que, em vez de preceder
a essência, lhe permanece inteiramente submetida, que não passa de uma
qualidade irracional e continua sendo, não obstante, liberdade. Só há uma
criatura, que eu conheça, tão absolutamente livre e acorrentada ao Mal: é o próprio Espírito do Mal, é Satã. Destarte,
o judeu é assimilado ao espírito maligno (SARTRE, 1960, p. 25-26).
O antissemitismo inverte a realidade ao produzir um inimigo imaginário e
responsabilizá-lo pelos males que afetam a sociedade. Assim, ofusca a percepção
das verdadeiras determinações dos fenômenos e da crise social e a concentra num
grupo social específico: os judeus. A culpabilidade coletiva dos judeus pelos
problemas sociais é uma inversão da realidade e se organiza sob forma
sistemática, ou seja, é uma ideologia, e se manifesta sob uma linguagem mítica.
É preciso entender como o antissemitismo é reproduzido no mundo moderno.
As contradições do modo de produção capitalista faz com ele viva constantes
“crises cíclicas” e estas criam uma situação de insegurança social. O
antissemitismo tem nas classes privilegiadas e algumas outras que ficam entre a
burguesia e o proletariado, os seus produtores e reprodutores, mas, como o
acirramento das lutas de classes, a burguesia se utiliza dessa ideologia para
combater o “perigo da revolução”. A competição social, elemento fundamental da
sociabilidade capitalista (VIANA, 2008) é outra razão para que as classes
ameaçadas pela crise reproduzirem o antissemitismo, pois assim permite
encontrar setores da sociedade que podem ser chamados de “inferiores” que lhe
possibilita se sentir “superior”, para compensar o sentimento de inferioridade
em relação à burguesia. Sartre, tratando da relação entre antissemitismo e as
classes que ficam entre a burguesia e o proletariado, afirma:
Parece, com efeito, que a maioria dos ricos utiliza
esta paixão mais do que se lhes entrega: tem mais o que fazer. Propaga-se
comumente pelas classes médias, precisamente porque não possuem terra, nem
castelos, nem casas, mas apenas dinheiro líquido e algumas ações no banco, não
foi por acaso que a pequena burguesia alemã de 1925 era antissemita. A
principal preocupação deste ‘proletariado de colarinho postiço’ era
distinguir-se do autêntico proletariado. Arruinado pela grande indústria,
ridicularizado pelos junkers, dedicava todo o coração ao junkers e aos grandes industriais. Entregou-se ao antissemitismo
com o mesmo calor que usava roupas burguesas: porque os operários eram internacionalistas, porque os junkers possuíam a Alemanha e ele também
queria possuí-la (SARTRE, 1960, p. 17-18).
Karl Marx dizia
que uma classe social que busca se tornar uma “nova classe dominante” deve
concentrar todas as falhas da sociedade numa outra classe social (1968).
Acontece que a classe dominante busca, também, concentrar o mal em alguns
setores da sociedade para que esta seja responsabilizada pela situação de crise
social e/ou financeira e com isso tenta evitar a revolta contra o conjunto das relações
sociais que ela mesma é representante. Por isso, a classe dominante utiliza a
ideologia antissemita, e não só ela, para criar o inimigo imaginário[11] e
busca jogar o resto da sociedade contra os “culpados” pela situação social
indesejável. A burguesia se utiliza deste artifício de forma consciente ou
nao-consciente, pois ela tem que evitar o re-conhecimento da histórias e das
lutas de classes. Tal como demonstrou Lukács (1989), a “consciência possível”
da burguesia nao pode ultrapassar certos limites e re-conhecer as lutas de
classes e a historicidade do capitalismo seria re-conhecer o seu próprio fim enquanto
classe social, o que só ocorre com indivíduos no interior da classe, mas não no
seu conjunto ou maioria, muito menos nos seus representantes ideológicos.
Entretanto, a
escolha do grupo específico que será a “vítima” da ação repressora só pode se
realizar a partir de dois pressupostos: a) é preciso que exista um grupo social
que seja diferenciado em relação ao resto da sociedade; b) é preciso que haja
uma tradição cultural que já alimente preconceitos contra tal grupo. Em determinadas
sociedades e períodos históricos é possível utilizar como inimigos imaginários
mais de um grupo social (na Alemanha nazista, o alvo principal eram os judeus,
mas também se visava os homossexuais e os comunistas). Não deixa de ser
esclarecedor, nesse sentido, que o neonazismo no Brasil, na falta de judeus e
de uma forte tradição antissemita, coloque como inimigos imaginários os negros,
os homossexuais e os nordestinos. O antissemitismo na Alemanha tinha toda uma
tradição cultural de preconceito contra os judeus e foi isto que possibilitou,
juntamente com outras determinações, tal como a crise financeira e social, a
ascensão do nazismo.
Portanto,
chegamos à conclusão de que existem mitos no mundo moderno e que eles se
manifestam tanto como utopia abstrata quanto como ideologia. Claro que neste
último caso, segundo o exemplo do antissemitismo, ele se apresenta “disfarçado”
como “ciência”, tal como no caso do nazismo que prega a “superioridade” da
“raça ariana” e a inferioridade dos judeus como justificativa para a “solução
final” (extermínio) usando discurso pseudocientífico. Entretanto, nem os
“arianos”, nem os “judeus” podem ser considerados uma “raça” e o mecanismo do
pensamento antissemita, tal como demonstrou Sartre, é mítico. O mito, de
representação inocente e homogênea nas sociedades simples, passa a ser, nas
sociedades de classes, uma representação libertária ou conservadora do mundo
existente, expressando uma ou outra classe social existente. Em síntese, o mito
como ideologia é uma manifestação geralmente das classes privilegiadas ou que
estão entre a burguesia e o proletariado e o mito como utopia é expressão das
classes exploradas e essa diferença dos produtores dessas formas de mito também
mostra a diferença de perspectiva e objetivo, sendo uma concepção contestadora
ou conservadora.
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[1] Sem dúvida, existem diversas
outras abordagens do mito, mas não julgamos necessário citar todas elas. Para
uma análise crítica destas quatro abordagens do mito, cf. Viana (2011).
[2] “As religiões e as mitologias
dos povos são produtos da razão que se torna consciente. Embora pareçam ainda
tão insuficientes, tão pueris, contudo contém o momento da razão; o instinto da
racionalidade as fundamenta” (HEGEL, 1980, p. 112). Para Hegel, a mitologia é
produto da “razão fantasiadora”. No entanto, isto só pode ser afirmado partindo
do ponto de vista de nossa sociedade, que tem outro referencial, caracterizada
por possuir uma relação diferente com a natureza e relações sociais também
distintas e que por isso a mitologia aparece como equivalente da “fantasia”.
Portanto, a mitologia não é produto da “razão fantasiadora” e sim da razão, só
que esta trabalhando a partir de outro referencial.
[3] Por “mundo moderno” entendemos
as sociedades em que predomina o modo de produção capitalista, ou seja,
capitalismo e modernidade são uma única e mesma coisa.
[4] Georges Sorel, utilizando-se da
distinção bergsoniana do “eu superficial” (resultado da adaptação mecânica ao
mundo exterior) e do “eu profundo” (que age livremente, de modo criador),
coloca que o mito é a tradução em imagens do “eu profundo” das massas e por
isso as tornam protagonistas de uma transformação radical. Portanto, o mito com
sua linguagem simbólica é “mobilizador” e gera ações sociais. apesar do acerto
dessa colocação, Sorel apresenta uma concepção, em alguns aspectos, equivocada
do mito e por isso pode julgar a “greve geral” como um mito (cf. PAOLA, 1984).
[5] Sobre o caráter messiânico e
utópico do cristianismo primitivo existe uma ampla bibliografia (LUXEMBURGO,
1986; FROMM, 1986; HOUTART, 1982). Sobre a integração do cristianismo na
sociedade feudal há também uma ampla bibliografia (LUXEMBURGO, 1986; MANNHEIM,
1972; DOZON, 1978) e sobre o caráter utópico da doutrina cristã no antigo
testamento há a obra de Fromm (1988).
[6] Sobre o milenarismo, o
pré-milenarismo e o pós-milenarismo é interessante a leitura de Dozon (1978),
Queiróz (1976); Hobsbawn (1978).
[7] A
ideia geral de Bloch está correta, apesar de sua linguagem carregar problemas
(economia, supesrestrutura, etc.), mas é importante para questionar o
economicismo, tal como outros fizeram, especialmente Korsch (1977) e Pannekoek
(1978).
[8] O messianismo nem sempre é uma
resposta apenas das classes exploradas quando a penetração capitalista se dá em
nações, pois as elites locais podem se utilizar da religiosidade popular para
romper com o pacto colonial e implantar sua própria dominação, tal como no
exemplo do kimbaguismo na África (DOZON, 1978).
[9]
Isso entra em visível contraposição com a concepção de José de Sousa Martins,
que defende a tese da “produção capitalista de relações de produção
não-capitalistas”, inspirado em Rosa Luxemburgo, pois, em nossa concepção, a
produção capitalista se expande sobre relações de produção já existentes e
tornar o resultado desse contato como produto exclusivo do capitalismo é um equívoco
(cf. MARTINS, 1985).
[10]
Sobre o conceito de “cultura rústica”, cf. Queiróz (1976).
[11] Em termos populares, também
usado na psicologia, o inimigo imaginário é chamado de “bode expiatório”, mas
também de “inimigo objetivo”, na expressão de Hannah Arendt (1975). O termo
“inimigo imaginário” é utilizado por Viana (2007a) e Agacinski (1991). Para uma
análise crítica da concepção de “bode expiatório” e “inimigo objetivo”, cf.
Viana (2007a).
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Publicado originalmente em:
http://www.saps.com.br/sites/estacio/downloads/revista/revista08_humanas-14.pdf
VIANA, Nildo. Mito, Ideologia e Utopia. CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE ESTÁCIO DE SÁ GOIÁS – FESGO
VOLUME 02, n. 09, Jul. 2013/Jan. 2014.
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