Nildo Viana
Segundo o ditado popular, futebol, política e religião não se discute. A princípio, a afirmação parece óbvia como todos os ditados populares. Porém, existe algo além do que está dito e só a reflexão pode resgatar isso e nos proporcionar um entendimento mais adequado do ditado, do seu significado e seu alcance. Algumas questões ajudam a rediscutir este ditado e entrarmos na questão fundamental que é o futebol como tema para discussão*. As questões são as seguintes: a) o que existe de comum no futebol, na religião e na política? B) por que se busca evitar discutir esses temas? C) quais são as conseqüências ao se evitar discutir tais assuntos?
Ao entender o que há em comum entre estes assuntos, temos a chave para abrir a porta da resposta para as outras duas questões. A religião, a política e o futebol são caracterizados por um alto grau de envolvimento sentimental e valorativo dos indivíduos, bem como com seus interesses. A religião é marcada por um forte vínculo sentimental e valorativo do indivíduo com suas crenças, símbolos, representantes, ídolos. É por isso que ela enfraquece a racionalidade e pode gerar o fanatismo e a intolerância com relativa facilidade e por isso é fonte de polêmicas, conflitos e até guerras e mortes. Não é preciso lembrar as cruzadas ou do conflito entre judeus e muçulmanos para demonstrar isso. Milhões morreram por causa de conflitos religiosos. A política (no sentido de adesão a determinadas concepções ou disputa pelo poder) também possui o mesmo forte vínculo sentimental e valorativo e por isso também gera também um enfraquecimento da razão e polêmicas, conflitos, guerras e não faltam exemplos para demonstrar isso, desde a briga de ruas até as guerras mundiais e as ações nazistas e stalinistas. Os interesses estão presentes nos dois casos, intimamente relacionados com os valores e sentimentos, mas também com o poder, a riqueza, etc.
O futebol, da mesma forma, também é marcado pelo envolvimento sentimental e valorativo e, logo, também é gerador de fanatismo, intolerância, e, por conseguinte, polêmicas e conflitos. Contudo, a intensidade disso é bem menor no futebol, que nunca conseguiu gerar guerras ou morte de milhões de seres humanos, como nos casos anteriores. O futebol gera discussões acaloradas, brigas e violência, em alguns casos gera morte derivada do conflito entre torcidas organizadas, mas nada comparável com o que ocorre no caso da religião e da política. Assim, o que há em comum entre estes três fenômenos sociais é o alto grau de envolvimento com sentimentos e valores e, em menor grau, com os interesses dos indivíduos.
É por isso que discutir estes temas geralmente provoca desentendimentos, brigas, rompimentos. Daí muitos tentarem evitar tais assuntos e isso é a fonte do ditado popular. Assim, temos a resposta da segunda questão ao responder à primeira. Evitar discutir futebol, política e religião é evitar polêmicas e conflitos, pois com a primazia dos sentimentos e valores, a racionalidade é enfraquecida e o diálogo dificultado. Porém, a discussão é, de qualquer forma, uma tentativa de comunicação e de uso da razão, que geralmente falha devido à supremacia sentimental e valorativa, mas seu abandono é ainda pior. O que passa a reinar é a incomunicação e a formação de grupos inflexíveis e rivais. Nesse sentido, a mediação entre discussão e conflito aberto não é mais mediada pela polêmica (palavra derivado do grego, polemos, que significa guerra), que significa guerra ou disputa intelectual. Assim, o isolamento é seguido imediatamente pelo conflito e pela guerra física. Desta forma, o mais adequado não é evitar a polêmica e a discussão sobre estes temas e sim buscar, apesar das dificuldades nesse sentido, que ela seja comandada pela razão. É somente a racionalidade coordenando os sentimentos e valores que é possível avançar intelectualmente e nas relações sociais, bem como é o que permite discutir futebol, religião e política sem cair em agressões verbais ou físicas diante das diferentes posições.
Desta forma, o futebol é discutível, inclusive com mais facilidade do que a religião e a política. Claro que dependendo de quem está discutindo. Mantendo o princípio da racionalidade na discussão, a polêmica pode até se desenvolver, mas estará resguardada pela elegância dos debatedores. Por isso, a discussão em torno destes assuntos é fundamental. Mas o meu foco aqui é o futebol. Este é um dos assuntos nos quais os sentimentos e valores tendem a obstruir a racionalidade e por isso ou gera discussões acaloradas que muitas vezes gera conflitos ou no máximo descamba para uma competição humorística sem avanço nenhum sobre o tema e as posições dos debatedores. No fundo, quanto mais se discutir e compreender o futebol, menos polêmicas e conflitos ele irá gerar. Logo, a conclusão é a de que não só que futebol se discute, mas também que é fundamental a discussão sobre ele.
* Este é o primeiro de uma série de textos sobre futebol.
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Nildo Viana,
ResponderExcluirPara haver uma discussão é preciso que duas ou mais pessoas falem, nos três exemplos que você citou um não deixa o outro falar e ainda levando em conta que geralmente as pessoas debatem esses temas na mesa de um butequim [risos] é quase impossível fazer um verdadeiro debate sobre estes assuntos. Portanto as pessoas evitam falar sobre esses assuntos, pois já sabem que não serão ouvidas.
Atenciosamente,
Ricardo Lenard.
Ricardo, tem razão, e isso é justamente devido ao envolvimento sentimental e valorativo. Porém, o avanço da possibilidade de discussão é expressão do avanço da razão emancipadora (ao invés da instrumental), que contribui para uma mudança de valores e sentimentos, inclusive no sentido de permitir que o outro coloque sua posição e use a racionalidade para questionar. Obviamente, que na sociedade atual, marcada pela competição social enquanto elemento estrutural da sociedade capitalista e fonte de diversos valores e sentimentos, isso é extremamente dificultado, mas não impossível. Faz parte da luta pela transformação social buscar essa possibilidade de discussão. Pensar sobre isso já é um passo para contribuir com sua superação. Abraços.
ResponderExcluirParabens ... Nildo concordo plenamente !!
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