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terça-feira, 9 de agosto de 2016

O QUE É A POBREZA?


O QUE É A POBREZA?
Nildo Viana

Existem várias formas de identificar e classificar a pobreza. Alguns governos classificam o que denominam “pobreza absoluta” e “pobreza relativa” em termos de nível de renda. Há também o uso do termo “pobres” para se referir a um determinado contingente populacional, em oposição aos “ricos”. Esses usos são problemáticos e não acrescentam muito para a compreensão da sociedade ou do que seria a “pobreza” ou quem seriam os “pobres”. Por isso é interessante refletir sobre o que é a pobreza e quem são os pobres.

A sociologia, por sua vez, poucas vezes se ocupou sistematicamente desse termo. É por isso que uma compreensão mais adequada desse termo se torna importante. É preciso, pois, elaborar mais definição mais precisa do termo. A pobreza pode ser compreendida como a carência na satisfação das necessidades corporais, que são necessidades básicas dos seres humanos. A alimentação, a habitação, a procriação, o sono, estão entre essas necessidades. Essa carência pode ser extrema, na qual se encontram aqueles que passam fome e outras necessidades, ou ainda, que possuem alimentação precária ou insuficiente. Ela também pode ser moderada, sendo que a carência é de uma ou outra necessidade e a satisfação precária de uma outra.

Na sociedade capitalista, na qual tudo se transforma em mercadoria ou mercancia, os bens materiais e os bens coletivos necessários são valores de troca diretamente ou indiretamente (quando são serviços estatais) e por isso os meios de satisfação das necessidades básicas e as condições de vida dos indivíduos depende do fato de se possuir ou não dinheiro. A renda é, assim, um elemento que determina a pobreza ou não. Quem não tem dinheiro ou tem muito pouco, vive na pobreza, pois não consegue satisfazer suas necessidades básicas. Mas a renda não é o mais importante, é apenas um indício que aponta ou não para a pobreza dependendo de sua quantidade. O mais importante é o que determina a ausência de renda ou a baixa renda de setores da população. A explicação para isso remete ao problema da divisão de classes sociais.

Aqui também encontramos uma possibilidade de discutir o que são os “pobres”. Deixamos de abordar a pobreza, que remete às condições precárias de vida, e passamos a abordar os pobres, seres humanos que vivem nessas condições. A oposição simples entre “pobres” e “ricos” é ilusória. Nessa oposição só existiram dois grupos sociais, o dos ricos e o dos pobres e quem não pertence a um pertence a outro. Ora, é extremamente difícil afirmar que um burocrata com salário de 20 mil reais é “pobre”, assim como também, sendo um assalariado, que seria “rico”. O conceito de classes sociais, tal como elaborado por Karl Marx[1], é fundamental para entender que na sociedade não existem apenas ricos e pobres e sim diversas classes sociais. Os “ricos” são aqueles que possuem uma riqueza acumulada e por isso esse termos somente se aplica à classe capitalista e, em certos momentos históricos e sociedades, aos latifundiários. As demais classes com altos rendimentos, como burocratas e intelectuais, não são ricos e sim assalariados, que inclusive possuem estratos de renda distintos. Uns possuem altos salários e outros salários médios e até baixos. Na classe intelectual, por exemplo, um professor universitário tem um salário relativamente alto e um professor do ensino fundamental um salário relativamente baixo e pertencem à mesma classe social.

Porém, se compararmos as classes sociais na sociedade, podemos identificar classes sociais que são privilegiadas, no sentido de quem possuem riqueza ou salários variados, mas que estão acima dos salários de outras classes sociais, ou relativamente equivalente. A questão salarial não define classe social. O que define o pertencimento de classe social do indivíduo é sua posição na divisão social do trabalho. Portanto, o burocrata bem remunerado convive com o burocrata mal remunerado e a remuneração é determinada por sua posição na hierarquia. Da mesma forma, isso ocorre com outras classes: intelectuais, operários, subalternos, etc. No entanto, os burocratas e intelectuais possuem mais status, maior acesso a informação, etc., e por isso, mesmo com salários relativamente baixos, são pertencentes à classes privilegiadas. Os ricos são indivíduos pertencentes à determinadas classes (capitalistas e latifundiários). As demais classes privilegiadas não geram pobres, por pior que seja o nível de renda dos seus extratos mais baixos.

As classes desprivilegiadas não são composta por “pobres”. Os proletários, os lumpemproletários, os camponeses, entre outros, podem ter um salário ou renda relativamente suficiente para ter suas necessidades básicas atendidas satisfatoriamente. Em certos contextos históricos e sociais, podem ter salários acima do suficiente para satisfazer as necessidades básicas. No entanto, os setores mais empobrecidos dessas classes sociais podem não conseguir satisfazer tais necessidades de forma adequada. É por isso que os pobres são os extratos mais baixos das classes desprivilegiadas, ou seja, do proletariado, campesinato, etc. e a quase totalidade do lumpemproletariado, a classe dos que são marginalizados na divisão social do trabalho, vivendo de subemprego ou no desemprego.

O que gera a pobreza, ou seja, indivíduos pobres? A pobreza é um resultado inevitável do capitalismo e a constituição da pobreza significa o aumento do extrato mais empobrecido das classes desprivilegiadas e lumpemproletarização. A mercantilização das relações sociais, a destruição da produção camponesa, a centralização dos meios de produção nas mãos da classe capitalista, as crises pecuniárias, a necessidade de existência de um “exército industrial de reserva” (lumpemproletariado), o preço dos alimentos e outros bens necessários para a sobrevivência, o imperialismo, são algumas das determinações desse processo.

Portanto, quando certos governos dizem que “diminuíram” a pobreza, utilizando como critério apenas o nível de renda ou alterando o critério de renda para definir quem está em situação de pobreza ou não, o que fazem é apenas manipular a opinião e os dados estatísticos (veja uma crítica, no caso brasileiro, clicando aqui). Além disso, as épocas de crise financeira ou crise pecuniária, ou então em momentos de desestabilização de um regime de acumulação (que é de uma fase do capitalismo, mas que pode se tornar uma crise do capitalismo), a pobreza tende a crescer exageradamente. Desta forma, o problema da pobreza remete ao problema do capitalismo e a superação da pobreza, efetiva e totalmente, só pode ocorrer com a superação do capitalismo.





[1] Uma síntese da teoria das classes de Marx, pode ser vista em: VIANA (2012).

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