Quem tem Medo da Utopia?
Artigo publicado originalmente em: Revista Brasil Revolucionário. ano 2, n. 7, dezembro de 1990.
Nildo Viana
O socialismo já
foi muitas vezes taxado de utopia e tal palavra é entendida como sinônimo de
sonho irrealizável. Agora, com a crise dos países “ditos” socialistas,
tornou-se “moda intelectual” dizer que o socialismo e o marxismo morreram e com
isso fica comprovado seu caráter utópico. Essa é a ideologia dominante mas
nunca devemos esquecer que “as idéias dominantes são as idéias da classe
dominante” e que é preciso refutá-las.
Comecemos então
pelo significado dado à palavra utopia. Se a entendermos como “sonho
irrealizável”, ela se torna uma arma para se desacreditar os opositores do
atual sistema social. Na Revolução Francesa de 1789, os monarquistas acusaram
os republicanos de “utopistas”, pois tal sonho seria irrealizável. Mas,
entretanto, a república foi instaurada, este sonho realizou-se. Aqueles que
defendem a manutenção do sistema social acusam as idéias subversivas e
revolucionárias de serem utópicas. Augusto Comte critica a utopia contrapondo a
ela a realidade. Considerava-a um “sonho metafísico e irracional”, ao contrário
do conhecimento científico. Tal conhecimento, no entanto, é o positivismo, que
toma a realidade como se ela não tivesse contradições e não se transformasse,
ou seja, estamos presos na jaula do “eterno presente”, a-histórico. O
pensamento conservador que ataca a utopia não consegue enxergar um palmo à
frente do nariz, que é, para este pensamento, uma “realidade palpável”; é um
pensamento preso no presente e que não consegue ultrapassar os limites do aqui
e agora; é um pensamento sem perspectiva e por isso sem ação e daí a atitude
pré-humana que apenas reproduz o existente sem procurar ultrapassá-lo.
Mas através de
uma análise crítica podemos dizer que o essencial das utopias pode ser
encontrado na estrutura da obra A Utopia,
de Thomas Morus[1].
Na primeira parte deste livro, ele critica a sociedade de sua época e, na
segunda, descreve a ilha de Utopia, que tem uma organização social “perfeita”.
Vê-se, na primeira parte, por exemplo, uma crítica aos cercamentos (enclosures) na Inglaterra e na segunda
parte descreve uma sociedade sem propriedade privada e sem divisão social do trabalho.
Mesmo se não houvesse a primeira parte da obra, como em muitas outras utopias,
estaria implícito a crítica a tal sociedade que convivia com a propriedade
privada, a divisão social do trabalho, etc. No caso de Morus, a crítica está
explícita, tal como se nota na comparação que ele fez entre o trabalho na Utopia
e o da sociedade inglesa, pois na Utopia não se trabalha como um “burro de
carga” desde “a madrugada até a noite”, o que seria pior que a “tortura e a
escravidão”, embora esta seja em “outra parte” a “triste sorte do operário”[2].
Utopia significa, então, uma crítica à sociedade existente e uma proposta de
uma nova sociedade. Toda crítica ao existente traz em si, implicitamente, uma
proposta de uma nova sociedade e toda proposta de uma nova sociedade traz em
sai uma crítica à sociedade existente.
O marxista
ocidental Ernst Bloch classifica as utopias em dois tipos fundamentais: as
abstratas e as concretas[3].
A partir disso podemos dizer que Morus, Campanella, entre outros, produziram
utopias abstratas, pois, apesar de apresentarem uma crítica e uma “alternativa”
à sociedade existente, elas apresentavam críticas muito limitadas e projetos
que muitas vezes atendiam a caprichos de alguns indivíduos ou pequenos grupos
sociais e não os interesses da coletividade. As suas propostas de sociedade
alternativa chocava-se com a sua possibilidade real de implantação na época em
que foram escritas. Mas o grande defeito das utopias abstratas e que lhes
caracterizam, segundo Bloch, é que elas não apresentam como se passa da
sociedade presente para a sociedade futura.
Outro tipo de
utopia abstrata é a produzida pelos socialistas utópicos. Estes faziam uma
crítica mais completa do capitalismo e, apesar das deficiências, esse era o seu
aspecto mais revolucionário. Eles também propuseram construir novas sociedades
mas o avanço em relação às utopias anteriores é que a crítica ao capitalismo se
tornou melhor fundamentada e também passou a tratar da passagem de uma
sociedade à outra. Entretanto, os socialistas utópicos compreendiam que a
passagem ao “socialismo” se daria com o apoio do Estado ou das “classes cultas”
ou, ainda, através da “educação”, da “conscientização”, e da “razão”. Aqui se
revela a principal limitação do socialismo utópico.
O outro tipo de
utopia, a concreta, se baseia, como dizia Bloch, na percepção do realmente
possível, ao contrário das utopias abstratas. Neste sentido, o marxismo é uma
utopia concreta. Ao operar a crítica da sociedade burguesa, Marx e Engels
analisaram as possibilidades históricas de instauração do socialismo e como
isso se daria. A utopia concreta é a teoria revolucionária que não só é
possível e necessária sua concretização como é o provável resultado do processo
histórico.
A crise do
capitalismo estatal da URSS e Leste Europeu faz com que a fração radicalizada e
intelectualizada de nossas classes auxiliares da burguesia retome idéias
pré-marxistas e passa a considerar o marxismo como algo “ultrapassado”. Sem a
muleta que era a URSS e o Leste Europeu, as classes auxiliares da burguesia não
têm em que se “apoiar” para continuar sua “luta heróica” pelo “socialismo”. É
nesse momento que marxistas e ex-marxistas começam a qualificar Marx como
idealista. Como disse Claude Lefort, entre outros, a idéia de uma sociedade sem
classes não passa de um ideal criado por Marx[4].
A palavra ideal, para muitos, é sinônimo de utopia. Ambos os conceitos, nesse
caso, são entendidos como uma proposta que não leva em conta as possibilidades
de sua realização. Em uma análise dialética podemos dizer que a realidade das
sociedades atuais é dominada pela exploração, opressão e alienação. Esta
realidade contradiz as aspirações humanas tornando-se indesejável e ela vista
desta forma produz a vontade de criação de uma sociedade humanizada. O “ideal”
não surge arbitrariamente e sim da necessidade real. Contudo, como o real está
em movimento e o ideal que surge a partir dele está também em movimento, que
busca sua superação e a do real, podemos dizer que é o real com os caminhos
possíveis que pode percorrer que cria o ideal e este ou se coloca a favor e
reforça um desses caminhos ou se coloca contra esses caminhos e se torna pura
“abstração”. Portanto, esse “ideal” não é uma simples criação “arbitrária e
ilusória”, mas sim a negação do real.
A partir disto
podemos dizer que Marx não era idealista no sentido filosófico da palavra mas
era idealista a partir da noção comum que atribui a esta palavra a posição de
uma pessoa que tem um ideal. Entretanto, Marx não era um idealista como Morus
ou Campanella. Neste caso surge à mesma diferenciação entre utopia abstrata e
utopia concreta que apresentamos anteriormente. Marx não tinha um ideal
abstrato e sim um ideal concreto e não fazer tal distinção é o mesmo que
colaborar com a propaganda conservadora, o que muitos “marxistas” andam fazendo
depois da crise do capitalismo de estado (“socialismo real”).
Vejamos se a
utopia marxista é concreta ou não. Há no “marxismo” duas posições sobre a
instauração do socialismo: a economicista e a idealista (no sentido filosófico
da palavra). A posição economicista gera duas outras posições: a reformista e a
catastrofista. A posição reformista concebe que o desenvolvimento econômico do
capitalismo leva à sua própria superação e por isso é possível passar ao
socialismo gradualmente, conquistando espaço no parlamento e no Estado e a
partir disto ir construindo o socialismo. Esta é a proposta do socialismo
evolucionista de Kautsky e seus seguidores. A posição catastrofista concebe que
haverá uma “crise final do capitalismo” e por isso se deve preparar um partido
de classe que tomará o poder com o surgimento da famosa “crise final”. Esta é a
proposta de Amadeo Bordiga.
A posição idealista
também gera duas outras posições: o revolucionarismo vanguardista e o
reformismo vanguardista. Os adeptos do revolucionarismo vanguardista concebem
que as “condições objetivas” da revolução socialista já estão maduras, sendo
que o que falta são as “condições subjetivas” que serão criadas pelo “Partido
de Vanguarda”, devido à incapacidade da classe operária adquirir espontaneamente
sua consciência de classe. É o partido, através de seus intelectuais, que
elaboram a consciência socialista e a introduzem no proletariado e que por isso
tem o “direito histórico” de dirigi-la rumo à conquista do poder estatal. Nesse
caso não é a classe e sim o partido que é o sujeito revolucionário. Esta é a
proposta de Lênin e dos bolchevistas. Outros, os reformistas vanguardistas,
dizem que se a ideologia burguesa domina toda a sociedade, inclusive as
“classes subalternas”, então cabe aos intelectuais do partido elaborarem uma
nova “visão de mundo”, “novos valores”, etc., e através disso unificar tais
classes e promover uma mudança cultural e assim conquistar a hegemonia,
necessária à implantação do socialismo. Esta e a proposta de alguns “intérpretes”
de Gramsci.
Mas estas
posições são compatíveis com a de Marx? Segundo Marx, o comunismo não é um
ideal (abstrato) mas sim um movimento real que abole o estado de coisas atual.
Os pressupostos reais são o desenvolvimento universal das forças produtivas e o
surgimento de uma massa da humanidade destituída de propriedade em contradição
com um mundo de riquezas e cultura existentes produzidos pelo próprio
desenvolvimento das forças produtivas. Em outras palavras, os pressupostos são:
a formação do capitalismo e do proletariado e, através do desenvolvimento
capitalista, a criação de um mercado mundial. O capitalismo ao se desenvolver
cria e fortalece sua própria negação: o proletariado. A partir daí o socialismo
torna-se uma tendência histórica.
A partir disto,
podemos dizer que o capitalismo é abolido pelo próprio desenvolvimento
capitalista e assim cria o comunismo. Entretanto, a criação do comunismo é obra
da classe operária. A primeira afirmação sem a segunda leva em conta apenas um
metafísico desenvolvimento das forças produtivas em detrimento da luta de
classes e das classes sociais que seriam, nesta análise, passivas. O comunismo
não surge “economicamente” dentro do capitalismo, ou seja, o capitalismo,
obviamente, não cria a propriedade coletiva no seu interior. O capitalismo não
cria o comunismo diretamente mas cria o proletariado que é o agente da constituição
do comunismo. O capitalismo se autodestrói mas isso não quer dizer que o
resultado de sua destruição seja o socialismo. Bukhárin já havia notado que
poderia surgir uma sociedade pós-capitalista e não-socialista e esta seria
fruto do desenvolvimento das forças produtivas e Marx afirmou que poderia haver
uma abolição positiva da propriedade privada (burguesa), o que significa que
poderia haver, também, uma abolição negativa[5].
O método de Marx é, como observou Bloch, uma “ciência da tendência” e não um
determinismo econômico puro e simples. O socialismo é uma necessidade da
humanidade e uma tendência histórica. Portanto, ele não é “inevitável”, ou
seja, não é a única possibilidade histórica, embora seja a mais provável.
A tese
bordiguista afirma que é o partido que realiza a revolução não é verdadeira.
Como já dizia Otto Rühle, “a revolução não é tarefa de partido”[6].
A revolução proletária só pode ser feita pela classe e os partidos podem até
fazer “revoluções” ou contra-revoluções, mas não podem fazer a revolução
comunista. Além disso, não se justifica a tese mecanicista de ficar esperando a
“crise final do capitalismo”, pois, como já havia observado Marx, as revoluções
podem ser antecipadas.
Engels, ao
criticar os socialistas utópicos, dizia que o seu principal defeito estava em
não se basear no movimento operário. Estes, segundo Marx e Engels, surgiram em
uma época em que o proletariado estava em formação e por isso “à atividade
histórica substituem sua própria imaginação, às condições históricas de
emancipação, condições fantásticas, e à organização espontânea e gradativa do
proletariado em classe em organização social pré-fabricada por eles. Em sua
opinião, a história do futuro resume-se na propaganda e na realização prática
de seus planos de organização social”[7].
Esta posição
seria retomada por Lênin na Rússia czarista com seu proletariado em formação. O
bolchevismo é uma expressão ideológica do atraso da Rússia czarista. A
organização social pré-fabricada por Lênin, o partido de vanguarda, tem sua
justificativa na “ideologia da vanguarda”, segundo a qual a consciência de
classe não surge espontaneamente no proletariado mas somente através dos intelectuais
burgueses reunidos no partido[8].
Essa tese foi fundamentada filosoficamente por Georg Lukács que afirmou que a
passagem do proletariado de “classe em-si” a “classe para-si” é mediada pelo
partido, que é onde estão os intelectuais[9].
Estes, ao descobrirem os interesses de classe do proletariado, lhe atribui a
consciência que deveria ter dos seus interesses, ou seja, a consciência de
classe do proletariado é uma consciência atribuída a ele pelos intelectuais.
Mas, deixando de lado as “fraseologias metafísicas” de Lukács e Lênin, vejamos
o que diz Marx: “as condições econômicas, inicialmente, transformaram a massa
do país em trabalhadores. A dominação do capital criou para esta massa uma
situação comum, interesses comuns. Esta massa, pois, é já, face ao capital, uma
classe, mas ainda não o é para si mesma. Na luta, de que assinalamos algumas
fases, esta massa se reúne, se constitui em classe para si mesma. Os interesses
que defendem se tornam interesses de classe”[10].
Portanto, o proletariado adquire consciência de classe (ou passa de classe
em-si a classe para-si) através da luta de classes, ou seja, sem mediação de
partido ou intelectuais. Resta-nos escolher: Marx ou Lênin?
Hoje se tornou
comum a diversos “marxistas” e ex-“marxistas” privilegiar a conscientização e a
mudança de valores. Alguns mais à direita, que dizem representar uma “nova
esquerda”[11],
lançam seus apelos “culturais” para a conquista da hegemonia junto a todas as
classes sociais, pois eles superaram o “mito do proletariado”. Esta é uma bela
volta ao socialismo pré-marxista com base em um humanismo abstrato que nem o
chamado “jovem Marx” concordava. Mas se tais teses eram normais na época dos
socialistas utópicos, devido ao grau de desenvolvimento do proletariado, hoje
são mais que ultrapassadas e são expressão da crise de consciência das classes
auxiliares da burguesia e que não servem à luta pelo socialismo. De qualquer
maneira, privilegiar a conscientização e a mudança de valores, em uma posição à
direita ou à esquerda, é uma postura epistemologicamente idealista que gera uma
prática política elitista, já que são os intelectuais da “nova” esquerda que
irão conscientizar o “mundo ignorante” e fazê-lo, como dizia Marx, abrir a boca
e engolir o “pato assado do conhecimento absoluto”.
Todas essas posições
têm em comum, além do positivismo, a negação do papel revolucionário do
proletariado. Este é “passivo” e só entra em ação quando é chamado pelos
kautskistas para votarem neles, quando a vanguarda bolchevista lhe dirige e
fornece a consciência socialista ou quando são conscientizados pelos “pretensos
reformadores do mundo” (Marx). Se Marx estivesse vivo e seus “seguidores”
fossem apenas estes, certamente retomaria a metáfora de Heine: “meu mal foi ter
semeado dragões e colhido apenas pulgas!”.
Se a criação do
comunismo é obra da classe proletária, então é na experiência histórica do
movimento operário que poderemos descobrir como isso se dará. A teoria
socialista só justifica seu próprio nome se basear-se no movimento real dos
trabalhadores. Marx e Engels, no Manifesto
Comunista, propunham a estatização dos meios de produção sobre controle do
proletariado organizado como classe dominante, mas depois da experiência
operária na Comuna de Paris, eles voltaram atrás e declararam que não basta
conquistar o poder estatal e utilizá-lo de acordo com os seus interesses, pois
é necessário destruí-lo e substituí-lo pela “autogestão dos produtores”. Após
Marx, foi Rosa Luxemburgo quem se baseou no movimento real dos trabalhadores
para elaborar sua teoria revolucionária. Rosa Luxemburgo, ao observar a
explosão de greves de massas em vários países e principalmente na Rússia
czarista, definiu-as como a arma política mais poderosa do proletariado. A
considerada “tese anarquista”, foi retomada por Rosa Luxemburgo como força universal
da luta operária. As greves passaram a ser defendidas por Bernstein, mas apenas
para servir à luta parlamentar da social-democracia alemã e por Kautsky e
Trotsky que logo abandonaram tal posição, o primeiro por assumir seu reformismo
e o segundo por aderir ao bolchevismo. Depois de Rosa Luxemburgo, coube aos
comunistas conselhistas fundamentar a teoria revolucionária no movimento
operário. A Revolução Russa, a Revolução Alemã, entre outras tentativas de
revolução proletária no início do século 20, foram palco de greves de massas
que geraram os conselhos operários e foram teóricos como Karl Korsch, Anton
Pannekoek, Hermann Gorter, Helmutt Wagner, Paul Mattick, Otto Rühle, entre
outros, que tomaram esta experiência dos trabalhadores – os conselhos operários
– como a forma de organização revolucionária do proletariado. Pannekoek disse
que na época de Marx e Engels não havia a possibilidade de prever com clareza
como o proletariado tomaria o poder e que o antigo poder estatal, no processo
revolucionário, seria destruído e substituído pelos conselhos operários[12].
Sem esquecer as contribuições mais recentes e as novas questões surgidas com o
desenvolvimento histórico, podemos dizer que estes são os principais teóricos
da revolução proletária e também que eles se opõem tanto à social-democracia
quanto ao bolchevismo, que, como já dizia o historiador marxista Arthur
Rosenberg, nada têm a ver com o movimento operário[13].
Mas hoje nos
informam que tudo isto é utopia. Quem diz isso são aqueles que têm “compromisso
com a sociedade existente”. São estes que têm medo da utopia e nós sabemos
muito bem que ninguém teme “sonhos irrealizáveis”. Nada é mais ridículo que
dizer que as mudanças históricas no Leste Europeu demonstram que não haverá
mais mudanças históricas. Os ideólogos da classe dominante são tão competentes
em inverter a realidade que utilizam o próprio movimento histórico para dizer
que ele não existe. Entretanto, o mais curioso disso tudo é que aqueles que até
bem pouco tempo se diziam “defensores dos trabalhadores” agora assumem um
discurso conservador em nome do “realismo político”. O comunismo passou, para
estes, de negação do capitalismo para apenas um “remendo” deste.
A fórmula
“socialismo democrático” é um belo exemplo disso. O socialismo, por natureza, é
democrático e a democracia autêntica só pode existir no socialismo, ou seja,
tal expressão é um contra-senso. Nos dizem que o socialismo democrático terá
planejamento estatal convivendo com as leis do mercado e, ainda, com a pequena
e média propriedade. O que é que tem isso de socialismo? Vejamos primeiro a que
setores da sociedade tal projeto de sociedade beneficia: o planejamento estatal
serve aos interesses da burocracia e a pequena e média propriedade serve aos
interesses da pequena e média burguesia. Agora vejamos o que acontece com o seu
prolongamento histórico: qualquer economista sabe que a pequena e média propriedade
convivendo com as “leis do mercado” logo se tornam grandes propriedades, ou
seja, há uma volta à situação anterior. Para os trabalhadores tal proposta
acena apenas com a “redistribuição de renda”, ou seja, a diminuição da taxa de
exploração e não sua abolição. Esta proposta visa construir, na verdade, um
capitalismo reformado e não o modo de produção comunista.
O comunismo não
é a redistribuição de renda e sim um modo de produção no qual os trabalhadores
dirigem coletivamente os meios de produção implantando relações de produção
comunistas, pois a redistribuição de renda pode ser refeita novamente e contra
os trabalhadores, se estes não deterem a propriedade e direção dos meios de
produção. É o modo de produção que determina a distribuição e é por isso, entre
outras razões, que o comunismo se fundamenta na produção. A concepção do
“socialismo democrático” ataca apenas as questões superficiais do capitalismo e
não as essenciais. Mantém-se a produção de mercadorias, a lei do valor, a
propriedade privada, as classes sociais, o trabalho assalariado, o mais-valor,
o Estado, etc., e, conseqüentemente, a exploração, a opressão e alienação. O
“socialismo democrático” de socialismo só tem o nome. Sob o pretexto de
realismo político, adere-se ao positivismo e ao reformismo. Mas em contraposição
surge a utopia com seu caráter crítico-revolucionário negando o realismo
político e o seu conservadorismo inerente.
O comunismo é a
socialização dos meios de produção com base na autogestão social. Paul Mattick
tinha razão quando disse que “nada prova de maneira mais peremptória o caráter
revolucionário das teorias de Marx do que a dificuldade de assegurar a sua manutenção
em períodos não-revolucionários”[14].
O comunismo de movimento de superação do capitalismo torna-se apenas um nome
que justifica, inclusive, a permanência da sociedade burguesa, agora reformada.
Apesar de dizerem que o marxismo morreu, a tendência é de ascensão do movimento
revolucionário e, conseqüentemente, do marxismo. A classe operária vai seguir o
seu caminho e deixar que os outros tagarelem.
[4]
Entrevista concedida à Revista Veja.
[5]
Cf. Bukhárin, N. Tratado de Materialismo Histórico. Rio
de Janeiro, Laemmert, 1970; Marx,
Karl. Manuscritos Econômicos e
Filosóficos. In: Fromm, Erich.
Conceito Marxista do Homem. 3ª
edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1964.
[6]
Apud. Authier, Denis. A Esquerda Alemã – Doença Infantil ou
Revolução? Porto, Afrontamento, 1978.
[7] Marx, Karl e Engels, Friedrich. O
Manifesto do Partido Comunista. In: Laski,
H. J. (org.). O Manifesto Comunista de Marx
e Engels. 2ª edição, Rio de Janeiro, Zahar,1978, p. 121.
[11]
Nova Esquerda era o nome de uma tendência organizada do PT – Partido dos
Trabalhadores, que editava a Revista Teoria & Política e tinha como
representantes Adelmo Genro Filho, Tarso Genro, Ozeas Duarte, José Genoíno,
entre outros.
[12] Pannekoek, Anton. Os Conselhos Operários. In: Pannekoek,
A. e outros. Conselhos Operários.
Coimbra, Centelha, 1975.
[14] Mattick, Paul. Kautsky: de Marx a
Hitler. In: Mattick, P. e
outros. Karl Kautsky e o
Marxismo. Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1988, p. 23.
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