Freud e a
Abjuração dos Sentimentos
Nildo Viana
O presente ensaio busca abordar o
pensamento de Freud apresentando o seu elemento fundamental, que denominamos “a
paixão do instinto” (tal como Y. Simonis declarou que a abordagem de
Lévi-Strauss poderia ser resumida como “a paixão do incesto”), o que provoca,
como iremos trabalhar mais adiante, a abdicação do reconhecimento da
importância dos sentimentos para a explicação do ser humano. Assim, iremos,
inicialmente, analisar a concepção freudiana dos instintos e, posteriormente,
apresentar sua abjuração dos sentimentos em obras em que apresenta sua análise
da “horda primeva” e “complexo de Édipo”.
Freud e os Instintos
A psicanálise freudiana se
fundamenta numa concepção instintual, concedendo um papel determinante para os
instintos. Freud, em seu texto Os Instintos e suas Vicissitudes, diz que
o instinto surge dentro do próprio organismo e possui um impacto constante e
assim “não há como fugir dele” (Freud, 1974a, p. 138)
“Chegamos
assim à natureza essencial dos instintos, considerando em primeiro lugar suas
principais características – sua origem em fontes de estimulação dentro do
organismo e seu aparecimento como uma força constante – e disso deduzimos uma
de suas outras características, a saber, que nenhuma ação de fuga prevalece
contra eles” (Freud, 1974a, p. 139-140).
Freud acrescenta que o sistema
nervoso tem a finalidade de livrar-se dos estímulos ou reduzí-los ao máximo
possível. Ele consegue fazer isto com relativa facilidade quando se trata de
“estímulos externos” mas não quando se trata dos instintos, já que originam
dentro do organismo e atuam de forma constante.
Freud complementa:
“Se agora nos
dedicarmos a considerar a vida mental de um ponto de vista biológico, um
‘instinto’ nos aparecerá como sendo um conceito situado na fronteira entre o
mental e o somático, como o representante psíquico dos estímulos que se
originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida da exigência
feita à mente no sentido de trabalhar em conseqüência de sua ligação com o
corpo” (Freud, 1974a, p. 142).
Freud considerava uma tarefa
difícil delimitar quais são os instintos existentes no ser humano. A sua falta
de delimitação, no entanto, permitiu que psicólogos e outros passassem a
utilizar em suas análises uma enorme variedade de instintos (instinto gregário,
instinto de sobrevivência etc.). Freud aponta, como “hipótese de trabalho”, a
existência de dois instintos: os instintos autopreservativos (do ego) e os
instintos sexuais.
Ele centra sua atenção sobre os
instintos sexuais. Para Freud, tais instintos são numerosos e emanam de uma
variedade de fontes orgânicas. Eles atuam independentemente um do outro e só
posteriormente realizam uma “síntese”.
Os instintos sexuais são,
portanto, de origem biológica. Eles funcionam como uma energia propulsora que
impulsionam o organismo humano no sentido de sua realização. Freud chama esta
energia de libido. Esses instintos são abrangidos pela expressão alemã “lieben”
(amor), cujo núcleo consiste no amor sexual, tendo como objetivo a união
sexual. Freud acrescenta que não exclui desta definição o amor próprio, amor
paterno, amor fraterno, a devoção a objetos concretos e idéias abstratas
(Freud, 1976):
“Libido é
expressão extraída da teoria das emoções. Damos esse nome à energia, considerada
como uma magnitude quantitativa (embora na realidade não seja presentemente
mensurável), daqueles instintos que têm a ver com tudo o que pode ser abrangido
pela palavra ‘amor’. O núcleo do que queremos significar por amor consiste
naturalmente (e é isso que comumente é chamado de amor e que os poetas cantam)
no amor sexual, com a união sexual como objetivo. Mas não isolamos disso – que,
em qualquer caso, tem sua parte no nome ‘amor’ –, por um lado, o amor próprio,
e, por outro, o amor pelos pais e pelos filhos, a amizade e o amor pela
humanidade em geral, bem como a devoção a objetos concretos e a idéias
abstratas” (Freud, 1976, p. 116).
Desta forma, Freud busca,
simultaneamente, recusar a acusação feita a ele, nos meios intelectuais, de ser
um “pansexualista” e se distinguir do sentido popular da palavra “sexual”. É
justamente na definição psicanalítica desta expressão que ele irá justificar
sua posição como não sendo pansexualista. O sexual, na concepção de Freud, é
bem mais abrangente do que a visão popular:
“Em psicanálise o conceito do que é sexual abrange bem mais; ele vai
mais baixo e também mais acima do que seu sentido popular. Essa extensão se
justifica geneticamente; nós reconhecemos como pertencentes à ‘vida sexual’
todas as atividades dos sentimentos ternos que têm os impulsos sexuais
primitivos como fonte, mesmo quando esses impulsos se tornaram inibidos com
relação a seu fim sexual original, ou tiveram de trocar esse fim por outro que
não é mais sexual. Por essa razão, preferimos falar em psicossexualidade,
colocando assim ênfase sobre o ponto de que o fator mental na vida sexual não
deve ser desdenhado ou subestimado. Usamos a palavra ‘sexualidade’ no mesmo
sentido compreensivo que aquele em que a língua alemã usa a palavra lieben
[amar]” (1970, p. 208-209)[1].
Assim, os sentimentos e valores
são derivados dos instintos sexuais em sentido estrito. O instinto sexual, em
seu sentido estrito, é o núcleo e a fonte dos sentimentos, tal
como se vê nas duas citações anteriores. Assim, a sexualidade propriamente dita
acaba “sexualizando” as demais esferas da atividade humana. Freud irá, a partir
da formação desta tese central, desenvolver a predisposição mental de
interpretar todos os fenômenos (individuais e sociais) como sendo sua
expressão. No entanto, tal predisposição mental, ao fornecer um guia de
interpretação para Freud, abriu-lhe caminhos e, ao mesmo tempo, fechou-lhe o
horizonte. É justamente aí que encontramos o fenômeno da abjuração dos
sentimentos em sua análise, tal como colocaremos a seguir.
Os Instintos Como Forças
Motrizes da Ação Humana
Iremos aqui analisar duas
interpretações realizadas por Freud para exemplificar a abjuração dos
sentimentos que ele realiza. Trata-se de sua interpretação do surgimento do
tabu do incesto expressa em sua análise da “horda primeva” em Totem e Tabu e
sua interpretação da tragédia de Rei Édipo contida em sua Interpretação dos
Sonhos.
Comecemos com a interpretação freudiana do tabu do incesto.
Freud diz que conhecemos o homem pré-histórico através de um conjunto de
informações sobre seu modo de vida transmitido pela tradição (lendas, mitos,
contos, sobrevivência residual em nossos costumes etc.). Mas, além disso,
coloca Freud, ele ainda é nosso “contemporâneo”, se referindo ao “indígena”.
“Se essa
suposição for correta, uma comparação entre a psicologia dos povos primitivos,
como é vista pela antropologia social, e a psicologia dos neuróticos, como foi
revelada pela psicanálise, está destinada a mostrar numerosos pontos de
concordância e lançará nova luz sobre fatos familiares às duas ciências”
(1974b, p. 20).
Aqui Freud apresenta a tese da
equivalência entre a mentalidade dos primitivos e a dos neuróticos (e, mais à
frente, também incluirá a das crianças). Freud afirma que escolheu para tal
comparação as “tribos mais atrasadas e miseráveis” descritas pelos
antropólogos, os aborígines australianos.
Freud descreve tais tribos,
revelando que são sociedades de caçadores e coletores, sem reis e chefes e com
escassez de água. A “vida sexual desses canibais pobres e desnudos” não deveria
ser restrita por uma moral como a nossa.
“Entretanto,
verificamos que eles estabelecem para si próprios, com maior escrúpulo e o mais
severo rigor, o propósito de evitar relações sexuais incestuosas. Na verdade,
toda a sua organização social parece servir a esse intuito ou estar relacionada
com a sua consecução” (Freud, 1974b, p. 21).
Façamos um intervalo nesta
descrição da concepção freudiana para colocarmos dois conceitos que orientarão
nossa análise, a saber: catexia e predisposição mental. A catexia é um conceito
psicanalítico que Freud compreendia como “carga de afeto” ou “soma de
excitação” (1986), embora não fosse totalmente clara sua concepção deste termo.
Iremos denominar catexia como o conjunto de investimentos afetivos (sentimentais)
e valorativos do indivíduo, que é a determinação fundamental dos seus atos de
consciência. Tal categoria, portanto, cria nos indivíduos uma predisposição
mental que acompanha e direciona as atividades conscientes do indivíduo. Aqui
encontramos a catexia de Freud: a paixão do instinto. Esta gera uma
predisposição mental que perpassa todo o discurso freudiano. A sua tese de
equivalência de mentalidade entre o neurótico, o primitivo e a criança revela
tal predisposição e mais ainda sua afirmação de que a organização social
primitiva se volta para a proibição do incesto, mas colocaremos isto em
evidência mais adiante. Aqui só nos resta acrescentar que uma predisposição
mental unilateral tende a cegar o indivíduo e impedi-lo de perceber aquilo que
não se enquadra em sua análise unilateral. A isto denominamos processo de
abjuração. Trataremos novamente disto mais adiante.
Voltemos a Freud e sua sociedade
primitiva. Em tal sociedade, o lugar da religião é ocupado pelo “sistema do
totemismo”. As tribos australianas são subdivididas em clãs, sendo que cada um
possui uma denominação derivada do seu totem. Um totem é geralmente um animal,
embora, em casos mais raros, possa ser um vegetal ou fenômeno natural. Ele é
considerado um antepassado do clã e, ao mesmo tempo, o seu espírito guardião.
Ele pode ser herdado por linha masculina ou feminina e se apresenta como
perigoso para os outros clãs e protetor do seu.
Freud diz que a característica
do totemismo que “atraiu os interesses dos psicanalistas” (1974b, p. 23) foi a
exogamia, que proíbe relações sexuais entre pessoas do mesmo totem. Freud
considera tal proibição “notável” por sua obrigatoriedade e diz que não havia
nenhum atributo anteriormente citado que levasse a prevê-la. Aqui novamente se
vê a predisposição mental de Freud, pois a exogamia atrai a atenção “dos
psicanalistas” (na verdade, atraiu a atenção de Freud...) devido sua relação
com a sexualidade.
No entanto, a exogamia parece
contradizer as teses psicanalíticas e o longo texto de Freud busca justamente
abolir esta contradição. A exogamia impede relações sexuais entre membros do
mesmo clã, mas, como os totens são hereditários e não mutáveis pelo casamento,
permite o incesto do pai com as filhas (quando a herança ocorre pela linha
feminina) ou da mãe com os filhos (quando ocorre pela linha masculina). Podemos
notar que isto derruba a tese psicanalítica do complexo de Édipo. No entanto,
Freud irá buscar elementos que permitam a superação desta objeção à sua tese
fundamental.
Freud diz que os selvagens
possuem um horror excepcionalmente intenso ao incesto e junto com isto vem a
peculiaridade de “substituir o parentesco consangüíneo real pelo parentesco
totêmico” (1974b, p. 25). Contudo, tal substituição é acompanhada por uma
proibição ao incesto verdadeiro como um “caso especial”. Freud descreve um
outro conjunto de proibições existentes entre os “primitivos” que vai além das
restrições totêmicas até chegar as evitações, que são proibições restritivas
severas que impedem o incesto verdadeiro (entre pais-filhas; mães-filhos;
irmãos-irmãs; genro-sogra; marido-cunhada), impedindo até mesmo o mais simples
contato social.
Este “horror ao incesto”,
segundo Freud, “se trata fundamentalmente de uma característica infantil”.
“A psicanálise
nos ensinou que a primeira escolha de objetos para amar feita por um menino é
incestuosa e que esses são objetos proibidos: a mãe e a irmã. Estudamos também
a maneira pela qual, à medida que cresce, ele se liberta dessa atração
incestuosa. Um neurótico, por outro lado, apresenta invariavelmente um certo
grau de infantilismo psíquico; ou falhou em libertar-se das condições
psicossexuais que predominavam em sua infância ou a elas retornou; duas
possibilidades que podem ser resumidas como inibição e regressão no
desenvolvimento”(Freud, 1974b, p. 36-37).
Aqui temos a base da tese da
equivalência entre a mentalidade de uma criança, um selvagem e um neurótico:
todos possuem um desejo incestuoso, o que confirma a tese freudiana do complexo
de Édipo.
Mas o que Freud quer saber é
qual é a origem do horror ao incesto que está na base da exogamia. É aqui que
ele irá tratar da “horda primitiva”. Ele retoma Darwin para elaborar sua tese.
Darwin (1974), se inspirando nos símios superiores, pensava que o homem
primitivo vivia em hordas pequenas, nas quais o macho mais velho e mais forte,
devido ao seu ciúme, monopolizava as fêmeas:
“Naturalmente,
não há lugar para os primórdios do totemismo na horda primeva de Darwin. Tudo o
que aí encontramos é um pai violento e ciumento que guarda todas as fêmeas para
si próprio e expulsa os filhos à medida que crescem” (Freud, 1974b, p. 169).
Assim, é preciso complementar a
tese darwiniana com a interpretação psicanalítica. Freud apresenta casos de
crianças que, devido ao complexo de Édipo ou de castração, “confundiam” o pai
com um animal tal como no totemismo. Freud diz que “na verdade, os homens
primitivos dizem a mesma coisa e, onde o sistema totêmico ainda se acha em
vigor atualmente, descrevem o totem como seu ancestral comum e pai primevo”
(1974b, p. 159).
Aqui temos novamente a presença
da predisposição mental de Freud que termina por comandar sua análise. O
totemismo está intimamente ligado ao infantilismo psíquico, devido ao complexo
de Édipo. A partir disto temos a criação de mais uma “ficção freudiana”:
“Certo dia, os
irmãos que tinham sido expulsos retornaram juntos, mataram e devoraram o pai,
colocando assim um fim à horda patriarcal. Unidos, tiveram a coragem de fazê-lo
e foram bem sucedidos no que lhes teria sido impossível fazer individualmente.
(Algum avanço cultural, talvez o domínio de uma nova arma, proporcionou-lhes um
senso de força superior). Selvagens canibais como eram, não é preciso dizer que
não apenas matavam, mas também devoraram a vítima. O violento pai primevo fora
sem dúvida o temido e invejado modelo de cada um dos irmãos: e, pelo ato de
devorá-lo, realizavam a identificação com ele, cada um deles adquirindo uma
parte de sua força. A refeição totêmica, que é talvez o mais antigo festival da
humanidade, seria assim uma repetição e uma comemoração desse ato memorável e
criminoso, que foi o começo de tantas coisas: da organização social, das
restrições morais e da religião” (Freud, 1974b, p. 170).
Ele acrescenta:
“A fim de que
estas últimas conseqüências possam parecer plausíveis, deixando suas premissas
de lado, precisamos apenas supor que a tumultuosa malta de irmãos estava cheia
dos mesmos sentimentos contraditórios que podemos perceber em ação nos
complexos-pai ambivalentes de nossos filhos e de nossos pacientes neuróticos.
Odiavam o pai, que representava um obstáculo tão formidável ao seu anseio de
poder e aos desejos sexuais; mas amavam-no e admiravam-no também. Após terem-se
livrado dele, satisfeito o ódio e posto em prática os desejos de
identificarem-se com ele, a afeição que todo esse tempo tinha sido recalcada
estava fadada a fazer-se sentir e assim o fez sob a forma de remorso. Um
sentimento de culpa surgiu, o qual, nesse caso, coincidia com o remorso sentido
por todo o grupo. O pai morto tornou-se mais forte do que o fora vivo – pois os
acontecimentos tomaram o curso que com tanta freqüência os vemos tomar nos
assuntos humanos ainda hoje. O que até então fora interdito por sua existência
real foi doravante proibido pelos próprios filhos, de acordo com o procedimento
psicológico que nos é tão familiar nas psicanálises, sob o nome de ‘obediência
adiada’. Anularam o próprio ato proibindo a morte do totem, o substituto do
pai; e renunciaram aos seus frutos abrindo mão da reivindicação às mulheres que
agora tinham sido libertadas. Criaram assim, do sentimento de culpa filial, os
dois tabus fundamentais do totemismo, que, por essa própria razão,
corresponderam inevitavelmente aos dois desejos reprimidos do complexo de
Édipo” (1974b, 171-172).
O caráter fictício da descrição
freudiana é reconhecido por ele ao começar com “um certo dia” (poderia ser
também “era uma vez...”). Mas as “ficções freudianas”, segundo expressão de
Octave Mannoni (1983), assumem o mesmo papel de “modelo exemplar” que se
encontra nos mitos, segundo Mircea Eliade (1988). Por qual motivo Freud apela
para este artifício? Devido à falta de qualquer base concreta para se explicar
a origem do tabu do incesto, é preciso utilizar um recurso artificial, seja a
especulação pura ou sob a forma de ficção. Freud escolhe a última opção.
Aqui encontramos o problema da
transição da animalidade para a humanidade, isto é, o processo de humanização.
Na falta de uma base concreta, o que exige um quantum elevado de
informações, muitos pensadores (e entre eles Darwin e Freud) complementam a
escassez de informações com a especulação ou a ficção. A tese de Freud e Darwin
é insustentável. Ambos possuíam uma “predisposição mental” que, apesar das
diferenças, apontaram para teses semelhantes. Darwin queria ver no processo de
humanização um prolongamento da “luta pela existência” e pela “sobrevivência
dos mais aptos”. Tal tese tinha origem na teoria da população de Malthus e na
sociedade de sua época, sendo que ele a transpôs para sua concepção sobre a
evolução das espécies e assim a “naturalizou”, tornando-a um fenômeno natural
e, posteriormente, a reintrojetou na sociedade, agora justificada por ser uma
lei natural (Viana, 2001; Viana, 2003).
Freud, por sua vez, tinha a
predisposição mental de explicar os atos humanos pelos instintos sexuais. A
tese darwinista servia para ele fazer sua construção fictícia. No entanto,
tanto Freud quanto Darwin criaram ficções, pois não existe fundamentação
concreta para tais teses. Mesmo se pensássemos que a tese da “horda primitiva”
pudesse ser verdadeira, teríamos que entender como que tal fenômeno ocorreu não
apenas em um clã e sim em todos. A única hipótese alternativa seria a de que um
clã realizou tal obra e os outros a repetiram ou copiaram apenas os seus
efeitos. Obviamente que isto não tem o menor sentido. A origem da proibição do
incesto não pode ser explicada a partir da ficção ou especulação e sua formação
concreta é algo que não tem informações suficientes para que se possa
constituir uma teoria deste fenômeno, mas tão somente hipóteses, na espera de
novas informações que poderiam dar forma a uma teoria. O mais provável é que
tenha sido um logo processo histórico e talvez nem tenha tido uma origem
relacionada ao processo de humanização ou de instituição da civilização, tal
como supõem muitos, pois várias espécies animais não possuem relações
incestuosas, o que significa que não é necessário que um dia tenha surgido esta
proibição na espécie humana. A diferença fundamental seria, na verdade, a
instituição da consciência humana, ou seja, a percepção da existência da
possibilidade e inexistência de relações incestuosas, e através dela a sua
justificativa intelectual, moral etc. Também não deixa de ser interessante o
fato de que Freud escolha como exemplo justamente as “tribos mais atrasadas e
miseráveis”, as sociedades de caçadores e coletores, que possuem até “escassez
de água”. Freud não verificou a hipótese de que o “horror ao incesto”,
observado não só nas “evitações”, mas desenvolvido nas regras de exogamia,
poderia ser produto da situação de dependência em relação ao meio ambiente,
sendo que a escassez gera a necessidade de controle do aumento populacional (Viana,
2007; Clastres, 1988).Tal hipótese é muito mais realista do que a de Freud e
não se enquadra em nenhum modelo instintivista de explicação dos fenômenos sociais.
Mas, independentemente da forma
fictícia de especulação criada por Freud, é esta a base de sua explicação da
origem da exogamia e do tabu do incesto. Freud acrescenta que a proibição do
incesto tem uma poderosa “base prática”. Tal base são os desejos sexuais, que
não unem os homens, mas, ao contrário, os dividem. Os irmãos se uniram para
derrotar o pai, mas no que se referia às mulheres, eram rivais. Todos
desejariam possuir todas as mulheres, o que geraria um novo conflito, agora
entre irmãos. Desta forma, para conseguirem viver juntos, tiveram que instituir
a lei contra o incesto. Salvaram, assim, a organização social (e Freud ainda
imagina que isto pode ter se baseado em “sentimentos e atos homossexuais”
derivados do período em que viveram fora da horda).
“A sociedade
estava agora baseada na cumplicidade do crime comum; a religião baseava-se no
sentimento de culpa e no remorso a ele ligado; enquanto que a moralidade
fundamentava-se parte nas exigências dessa sociedade e parte na penitência
exigida pelo sentimento de culpa” (Freud, 1974b, p. 174-175).
Freud complementa sua tese do
“complexo de Édipo”. Ele em seu texto Interpretação dos Sonhos realiza
uma análise da tragédia grega do Rei Édipo, de Sófocles, extraída da mitologia
grega. Totem e Tabu retoma o tema do complexo de Édipo. Assim, a
infância da humanidade é repetida na infância do indivíduo, ou seja, aqui Freud
retoma a lei biogenética de Haeckel, segundo a qual há a recapitulação da
filogênese pela ontogênese (Assoun, 1983).
Iremos
aqui retomar a interpretação freudiana da história de Rei Édipo para,
posteriormente, demonstrar que sua paixão do instinto não só comanda sua
análise e interpretação como também lhe cega de perceber elementos importantes
que ele mesmo revela.
Os pais, segundo Freud,
desempenham um papel fundamental na vida mental das crianças psiconeuróticas.
“Apaixonar-se por um dos pais e odiar o outro” é um dos elementos essenciais
dos impulsos psíquicos destas crianças. É neste contexto que Freud irá
descrever e interpretar Rei Édipo. Iremos focalizar tão-somente sua
interpretação, pois esta tragédia é bem conhecida.
“Se Oedipus
Rex comove tanto uma platéia moderna quanto fazia com a platéia grega da época,
a explicação só pode ser que seu efeito não está no contraste entre o destino e
a vontade humana, mas deve ser procurado na natureza específica do material com
que esse contraste é exemplificado. Deve haver algo que faz uma voz dentro de
nós ficar pronta a reconhecer a força compulsiva do destino no Oedipus, ao
passo que podemos descartar como meramente arbitrários os desígnios do tipo
formulado em Die Ahnfrau (de Grillparzer) ou em outras modernas tragédias do
destino. E há realmente um fator dessa natureza envolvido na história do Rei
Édipo. Seu destino comove-nos apenas porque poderia ter sido o nosso – porque o
oráculo lançou sobre nós, antes de nascermos, a mesma maldição que caiu sobre
ele. É destino de todos nós, talvez, dirigir nosso primeiro impulso sexual para
nossa mãe, e nosso primeiro ódio e primeiro desejo assassino, para nosso pai”
(Freud, 1987, p. 257-258).
A interpretação freudiana é
comandada por sua predisposição mental, centrada no papel fundamental dos
instintos sexuais. Eles assumem o papel de forças motrizes da ação humana em
seu conflito com a realidade. No entanto, algo foi dito mas não foi devidamente
avaliado na exposição de Freud sobre a horda primitiva e a história de Rei
Édipo. É disto que trataremos a seguir.
A Abjuração dos Sentimentos
Freud ao enfatizar os instintos
realiza uma interpretação obscurante dos sentimentos. Obscurecer significa
“tornar obscuro”, “turvar, tornar pouco visível ou compreensível; confundir;
toldar; perturbar; encobrir; deslustrar; desonrar; fazer esquecer” ou,
“suplantar”, entre outros significados,
tal como podemos ver nos dicionários. Mas ao mesmo tempo em que
obscurece os sentimentos, Freud os revela, os expõe. Eles estão presentes na
narrativa freudiana, são forças motrizes do comportamento humano, mas não são
apresentados assim na explicação freudiana. É a este processo que chamamos
abjuração. Queremos extrair deste termo um significado mais preciso,
caracterizado por um jogo de luz e sombra, que revela e ao mesmo tempo esconde,
encobre. Abjurar significa, para nós, tornar algo simultaneamente presente e
ausente, sendo que a presença é pouco visível. A presença significa que algo
está lá, mas de forma tal que sua percepção não é clara e sua importância real
não é percebida. A abjuração é este jogo de esconder e revelar. É isto que
Freud faz com os sentimentos.
Se recordarmos alguns aspectos
da interpretação freudiana da horda primitiva e de Rei Édipo, veremos uma ampla
gama de sentimentos presentes (ciúme, inveja, remorso etc.) e o seu papel de
força motriz da ação humana, que, no entanto, desaparece na explicação freudiana.
Vejamos como isto está presente
em sua análise da “horda primitiva”. Freud busca explicar a origem da exogamia
e do tabu do incesto a partir de um “ato fundador”: o assassinato do pai. O que
motivou este assassinato, tal como no complexo de Édipo, foi o desejo sexual
incestuoso. Esta é a explicação fornecida por Freud, o que significa que a
força motriz da ação humana presente no assassinato do pai foi o desejo sexual
incestuoso. No entanto, existem outros elementos relatados por Freud que ele
mesmo não leva em consideração: os sentimentos. Iremos resgatá-los a partir da
narrativa freudiana do assassinato do pai.
Em primeiro lugar, o pai era o
macho mais velho e mais forte que monopolizava as mulheres devido ao ciúme.
Assim, no início de tudo, temos um sentimento. Freud diz que ele expulsou os
filhos que, unidos, tiveram coragem de voltar e assassinar o pai. Este
fora o temido e invejado modelo de cada um dos irmãos. Eles estavam
cheios de sentimentos contraditórios, pois eles odiavam o pai,
devido ao anseio de poder e aos desejos sexuais, mas ao mesmo tempo o amavam.
Após o assassinato, o amor recalcado fez-se sentir sob a forma de remorso (sentimento
de culpa). Tal sentimento produziu a origem da exogamia e o tabu do
incesto.
Aqui temos outra versão do surgimento da exogamia e do tabu
do incesto. O pai monopolizava as mulheres por causa do ciúme e por isso era
temido e invejado pelos filhos, que só tiveram coragem de assassiná-lo quando
se uniram. O ódio falou mais forte e, depois do assassinato, o amor recalcado
aparece sob a forma de remorso. Este produz as regras da exogamia e o tabu do
incesto. Nesta nova versão, baseada no relato de Freud, temos os sentimentos
como forças motrizes da ação humana e que foram obscurecidos pela análise
freudiana.
Mas é preciso esclarecer algumas
questões. Em primeiro lugar, alguém pode nos retrucar dizendo que tão-somente
invertemos a ordem estabelecida por Freud colocando os sentimentos no lugar dos
instintos e obscurecendo estes últimos. O nosso objetivo era exatamente este,
pois assim comprovamos que uma predisposição mental unilateral tende a
obscurecer tudo que não gira em torno do seu sol. Também era nosso objetivo
demonstrar que, mesmo neste caso, alguns elementos da realidade submersos na
análise de um autor, devido sua importância real, acabam emergindo em seu
discurso, pois ele é constrangido a falar deles, mesmo que subordinando-os à
sua análise.
Obviamente que o desejo sexual
está presente e também que é uma das forças motrizes da origem da exogamia e do
tabu do incesto. Isto, obviamente, se acreditarmos na ficção freudiana da
“horda primeva”. Mas não estamos tratando aqui da origem real da exogamia e do
tabu do incesto, o que pressupõe informações concretas e uma análise rigorosa
destas, e sim do pensamento freudiano e da importância atribuída por ele aos
instintos em detrimento dos sentimentos, apesar dele ter manifestado uma
pré-consciência de sua força e relevância.
A sua interpretação de Rei Édipo
tem o mesmo caráter. Freud interpretou Rei Édipo a partir de sua predisposição
mental. Assim, a relação pai-mãe-filho presente em Rei Édipo confirma a tese
freudiana do complexo de Édipo. Esta relação familiar, na concepção freudiana,
apresenta a rivalidade entre pai e filho, sendo que este último possui desejos
incestuosos em relação à mãe. O filho tem inveja e ciúme do pai, segundo Freud,
mas isto é derivado do seu desejo sexual incestuoso. Os sentimentos estão
presentes no discurso de Freud mas são novamente obscurecidos. Isto novamente
se revela no caso da menina: ela tem inveja do pênis. Ora, inveja não significa
desejo sexual, mas Freud não retira todas as conseqüências desta concepção, o
que significa que ele revela e ao mesmo tempo obscurece a importância dos
sentimentos.
Por qual motivo Freud obscurece
o papel dos sentimentos na ação humana? Isto se deve, tal como já colocamos, à
sua predisposição mental comandada pela paixão do instinto. No entanto, ainda
resta esclarecer por qual motivo Freud elegeu os instintos como forças motrizes
da ação humana em detrimento dos sentimentos, dos valores e coloca o conflito
entre a consciência e os instintos. Isto é visível em sua colocação de que os
afetos (sentimentos) possuem como fonte os instintos sexuais em sentido
estrito. Freud afirma que a sexualidade, para a psicanálise, é um conceito
amplo, que engloba os sentimentos, mas que tem como fonte a sexualidade
genital. Os sentimentos são seus “derivados”. Daí podemos notar em Freud um
pansexualismo que ele busca negar com seu conceito amplo de sexualidade, mas
que, na prática, acaba reforçando, pois o que ele ampliou foi apenas o que
derivou de sua concepção restrita de sexualidade.
A origem da concepção freudiana se encontra no seu postulado
do caráter científico-naturalista da psicanálise, cujo materialismo exige um
substrato orgânico como motor da ação (Assoun, 1983). Os instintos cumprem este
papel perfeitamente. Eles são a fonte orgânica da ação humana:
“Isso é tudo que pode ser
dito à guisa de uma caracterização geral dos instintos sexuais. São numerosos,
emanam de grande variedade de fontes orgânicas, atuam em princípio
independentemente um do outro e só alcançam uma síntese mais ou menos completa
numa etapa posterior” (Freud, 1987, p. 146)
Neste contexto, Freud não poderia conceder o mesmo papel aos
sentimentos, pois estes são “produtos derivados”, instituídos socialmente e não
organicamente. O instinto sexual (bem como o de auto-preservação) possui uma
origem orgânica, mas o mesmo não se pode dizer do ciúme, do medo, da inveja, do
amor fraterno, do remorso, pois estes só podem existir após o reconhecimento do
outro, ou seja, num contexto social. A construção freudiana, por conseguinte,
não poderia dar o verdadeiro valor aos sentimentos, tal como fizeram outros
psicanalistas (Adler, 1939; Jung, 1976), pois ele estava dominado pela paixão
do instinto, isto é, sua catexia o cegou.
Freud pensava em termos de energia libidinal. A influência do
“energetismo” é evidente, mas a forma como Freud a assimilou acabou se tornando
unilateral. Para Freud, a energia libidinal era a força motriz da ação humana e
só poderia cumprir tal papel por possuir uma fonte orgânica. O organismo e suas
necessidades se tornaram assim os únicos elementos que Freud reconhecia como
motor da ação humana[2].
Neste aspecto, Jung acabou avançando mais do que Freud. Jung também partia de
uma concepção energética mas superou a unilateralidade da concepção freudiana
da libido, ampliando este conceito (Jung, 1989). Para Jung, libido e energia
psíquica são sinônimos, o que significa que todos os interesses, necessidades,
sentimentos etc. são objetos de manifestação da energia psíquica e, portanto,
são forças motrizes da ação humana (Silveira, 1981). A sexualidade, aqui, é uma
manifestação dentre uma vasta totalidade de manifestações do ser humano. Isto
não quer dizer que a totalidade da concepção de Jung, que acabou se tornando
mais metafísica e fictícia do que a de Freud, seja aceitável. Na verdade, a
concepção ampliada de libido de Jung foi sua grande contribuição, que, no
entanto, foi limitada pela doutrina metafísica que lhe englobou. Aqui
destacamos os sentimentos como parte importante desta totalidade, como uma das
forças motrizes da ação humana. A abjuração freudiana dos sentimentos obscurece
a importância dos sentimentos como força motriz da ação humana. No entanto,
podemos resgatar na própria narrativa freudiana esta importância obscurecida.
Os sentimentos, assim, não são expressão direta das necessidades orgânicas mas
são necessidades humanas e são partes da energia psíquica, sendo, por
conseguinte, determinações da ação humana.
Observações Finais
O presente texto buscou analisar a concepção freudiana e o
processo de abjuração que ele realizou dos sentimentos. Assim, notamos que os
sentimentos estavam presentes na narrativa freudiana, mas devido à predisposição
mental de Freud foi relegada a segundo plano. Isto significa que a concepção
freudiana possui uma limitação que precisa ser superada para o desenvolvimento
da psicanálise e Jung ofereceu uma contribuição neste sentido ao criticar a
unilateralidade de Freud e ampliar o conceito de libido. Agora é preciso ir
além e incluir os sentimentos como elemento importante para a explicação
psicanalítica do indivíduo. Desta forma, apontamos uma problemática e indicamos
um caminho a seguir para o desenvolvimento da psicanálise.
Referências Bibliográficas
Adler,
Alfred. A Ciência da Natureza Humana. São Paulo, Nacional, 1939.
Allers,
Rudolph. Freud: Estudo Crítico da Psicanálise. Porto, Tavares Martins,
1970.
Assoun,
Paul-Laurent. Introdução à Epistemologia Freudiana. Rio de Janeiro,
Imago, 1983.
Clastres,
Pierre. A Sociedade Contra o Estado.
4ª edição, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1988.
Darwin,
C. A Origem do Homem e a Seleção Sexual.
São Paulo, Hemus, 1974.
Eliade,
Mircea. Aspectos do Mito. Lisboa, Edições 70, 1988.
Freud,
Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. Parte 1. In: Obras Psicológicas
Completas de Freud. Vol. IV. Rio de Janeiro, Imago, 1987.
Freud,
Sigmund. As Neuropsicoses de Defesa. In: Obras Psicológicas Completas de
Freud. Vol. III. Rio de Janeiro, Imago, 1986.
Freud,
Sigmund. Os Instintos e suas Vicissitudes. In: Obras Psicológicas
Completas de Freud. Vol. XIV. Rio de Janeiro, Imago, 1974a.
Freud,
Sigmund. Psicanálise ‘Silvestre’. In: Obras Psicológicas Completas de
Freud. Vol. XI. Rio de Janeiro, Imago, 1970b.
Freud,
Sigmund. Psicologia de Grupo e Análise do Ego. In: Obras Psicológicas
Completas de Freud. Vol. XVIII. Rio de Janeiro, Imago, 1976.
Freud,
Sigmund. Totem e Tabu. In: Obras Psicológicas Completas de Freud. Vol.
XIII. Rio de Janeiro, Imago, 1974b.
Jung,
C. G. Psicologia do Inconsciente. Petrópolis, Vozes, 1989.
Jung,
C. G. Tipos Psicológicos. Rio de Janeiro, Zahar, 1976.
Mannoni,
Octave. Ficções Freudianas. Rio de Janeiro, Taurus, 1983.
Silveira,
Nise da. Jung – Vida e Obra. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
Simonis,
Yvan. Lévi-Strauss: A Paixão do Incesto. Lisboa, Moraes, 1969.
Viana,
Nildo. A Consciência da História. Rio de Janeiro, Achiamé, 2007.
Viana,
Nildo. Darwin e a Competição na
Comunidade Científica. Fragmentos de Cultura. IFITEG-UCG, Vol. 13,
nº 01, jan./fev. 2003.
Viana, Nildo. Darwinismo e Ideologia.
Pós – Revista Brasiliense de Pós-Graduação em Ciências Sociais. UnB, ano
05, nº 5, dez. 2001.
[1] “O prazer condicionado pela amizade, pelo esforço
científico, pela luta por um sucesso econômico, tudo isto continua a ser aquilo
que se afigura à consciência. Apenas se estabelece que todas essas coisas são
derivativos da sexualidade, e que a sua capacidade para dar satisfação é
baseada no total de descarga que foi, em última análise, posta de reserva, se
nos é permitida esta comparação, para crédito do instinto sexual” (Allers, 1970,
p. 154).
[2] Na verdade, Freud reconhecia o papel da consciência
como outro motor da ação humana, bem como as relações sociais. No entanto, as
forças motrizes da ação humana possuem sua fonte primordial no organismo, nos
instintos, sendo que a consciência e a sociedade são elementos externos, que
criam desvios, mutações, etc., desta energia orgânica, criando um conflito no
interior do indivíduo, que introjeta a moral externa produzida pela civilização
e com isso produz uma situação de conflitualidade no aparelho psíquico.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Freud e a Abjuração dos Sentimentos. Fragmentos de Cultura. vol. 14, num. 05, 2004.
Republicado em:
VIANA, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas. São Paulo: Escuta, 2008.
Nenhum comentário:
Postar um comentário