COMO
COMBATER O REACIONARISMO?
Nildo
Viana
Hoje é possível perceber um avanço do reacionarismo que vem
ganhando cada vez mais espaço, especialmente na sua forma do conservantismo,
inclusive no Brasil. Esse conservantismo (e não fascismo, como querem nos fazer
crer o discurso petista)[1] vem se fortalecendo em
escala mundial, tendo alguns países que elegeram presidentes conservantistas ou
próximos disso. O conservantismo é uma variante do reacionarismo, tal como o
fascismo e o nazismo, embora mais moderado em alguns aspectos. Ele se
caracteriza por ser um conservadorismo amplo, tanto moral quanto político.
Desta forma, ele é estatista, autocrático, tradicionalista, etc. O regime militar,
no Brasil, era conservantista. No caso brasileiro, há um avanço do
conservantismo e do liberal-conservantismo[2].
A questão que assume importância hoje é: como combater o
conservantismo? Esse problema, no entanto, é em si mesmo, problemático e vamos
mostrar isso. Em síntese, os nossos objetivos aqui são dois: discutir como
combater o conservantismo e mostrar que isso é algo problemático se reduzido a
apenas isso.
O que é o reacionarismo?
No interior da sociedade capitalista, emergem inúmeras
ideologias, doutrinas, representações, ideias, etc., que são burguesas e
próximas (burocráticas, semiburguesas, etc.). Isso cria uma enorme dificuldade
de entender suas diferenciações. Num nível mais abstrato, poderíamos simplesmente colocar que são concepções burguesas, o que é correto, mas aí perdemos de vista
suas divisões e diferenciações internas, correndo o risco de não compreender as
disputas internas no interior do bloco dominante, bem como entre este e o bloco
progressista, além de não entender ações e discursos. Podemos realizar divisões
e subdivisões e isso não seria apenas um exercício intelectual, mas algo
importante para compreender as lutas políticas dentro do bloco dominante e de
sua disputa eleitoral e política com o bloco progressista. O pensamento
conservador (expressão intelectual do bloco dominante) pode assumir a forma do
reacionarismo, do liberalismo, do republicanismo, etc. O pensamento
progressista (expressão política do bloco progressista) pode assumir a forma do
trabalhismo, social-democracia, bolchevismo, etc.
O reacionarismo é, portanto, uma expressão intelectual de uma
ala do bloco dominante, a ala reacionária[3].
Ela conta com uma base social variada, incluindo setores da burguesia, da
semiburguesia, da burocracia, etc. Ela é bem diminuta em momentos de
estabilidade política e econômica, mas tende a se fortalecer quando emergem
processos de desestabilização, diminuição da renda de certas classes sociais,
crises, ascensão da luta operária, etc. Ela se torna, em muitos momentos, a tropa de choque da classe dominante. A
burguesia, no seu conjunto, não apoia a ala reacionária e até a desdenha.
Apenas um restrito setor dessa classe adere ao reacionarismo.
Porém, a desestabilização faz aumentar os adeptos da classe
capitalista ao reacionarismo e, em momentos de crise, ameaça de revolução
proletária, a maioria da burguesia pode apoiar a ala reacionária do bloco
dominante para garantir a sobrevivência do capitalismo. O fascismo e o nazismo
encarnam a ala reacionária do bloco dominante em momentos de crise e
necessidade de expansão imperialista, enquanto que o conservantismo é mais
comum e emerge em diversos países e momentos históricos, assumindo diversas
formas, mas mantendo sua essência. Outras formas de reacionarismo, como o
liberal-conservantismo e o estatismo, são formas híbridas e mais comuns dentro
da sociedade capitalista, mas podem desembocar no conservantismo dependendo da
situação nacional e mundial. O reacionarismo, em qualquer de suas formas, pode
ganhar popularidade e obter apoio de setores das classes trabalhadoras. A
conquista de setores das classes trabalhadoras ocorre, geralmente, pelo apelo
ao nacionalismo, ao moralismo conservador, a ideia (geralmente deformada) de
raça, aos interesses nacionais, etc.[4]
Em síntese, o reacionarismo é uma ala do bloco dominante e
seu combate é muito mais contra os trabalhadores, determinados grupos sociais,
do que por algum ideal em si mesmo. Isso mostra o seu caráter pragmático, tal
como se vê no nazismo, fascismo, conservantismo, bem como o seu pouco
desenvolvimento intelectual, constituindo doutrinas políticas muito mais que
ideologias e mostrando fraqueza intelectual e, em alguns casos, desdém pela
teoria, pela formação intelectual, etc.[5] O seu objetivo é sempre a
retomada da acumulação capitalista e aumento da exploração, bem como
intensificação da repressão e controle social. Todas as tendências
reacionaristas tem alguns elementos em comum: nacionalismo, estatismo,
controle, etc. O reacionarismo pode ser definido com um conjunto de doutrinas e
concepções burguesas que sustentam a reação capitalista diante da
desestabilização ou crise (do regime de acumulação e/ou do capitalismo), sendo
a ala mais extremista do conservadorismo.
A luta contra o reacionarismo é uma luta contra
o conservadorismo e o progressismo
Quando, em 1939, Otto Rühle, que participou do processo da
revolução alemã, lançou seu texto A
Luta contra o Fascismo começa com a Luta contra o Bolchevismo, ele já coloca alguns elementos fundamentais
para compreender a luta proletária contra as tendências fascistas e sua relação
com a luta de classes. A grande questão é compreender que a luta contra o
reacionarismo a partir da perspectiva de outros setores do conservadorismo
(liberalismo, republicanismo, etc.) ou do progressismo (social-democracia,
bolchevismo, etc.) é um recuo para o movimento operário e para o conjunto das
classes trabalhadoras.
A razão disso se encontra no fato de que a luta, a partir
desta perspectiva, é a redução da luta operária a uma luta de partidos (ou alas, blocos, etc.) no qual se luta contra um
setor da burguesia e a favor de outro ou a favor da burocracia. Isso gera um
desarmamento do proletariado e dos trabalhadores em geral, pois gera
despolitização e reboquismo no conjunto das classes trabalhadoras, além de apagar
os interesses de classes e seu antagonismo. A despolitização dos trabalhadores
é um interesse do capital, pois quanto mais despolitizado for a população, mais
fácil dominá-la, explorá-la, e menores serão as reivindicações, mais fracas
serão as lutas, etc. A despolitização é interesse também da esquerda, pois por
mais que façam discurso sobre educação e outros aspectos, querem que os
trabalhadores fiquem num nível elementar de consciência, que é para ser os seus
apoiadores (seja eleitoralmente, seja como bucha de canhão, etc.). Aliás, não é
sem motivo que a sociedade contemporânea, altamente desenvolvida
tecnologicamente, possui um desenvolvimento intelectual tão restrito e surgem
fantasmagorias junto com o reacionarismo (religiosidade confusa, pseudoteorias
da conspiração, ideias ridículas como a de que a “terra é plana”,
simplificações políticas grosseiras, etc.) e os progressistas apostam em outras
mistificações (tal como o discurso sobre o “fascismo”, mas também o
neopopulismo marcado por promessas irrealizáveis, etc.).
Assim, a luta contra o reacionarismo, quando este chega ao
poder, por parte dos liberais, republicanos, social-democratas, etc.,
geralmente assume a forma da crítica a indivíduos e governos, a determinadas
políticas pontuais e específicas, a uma recusa das ações e políticas
governamentais, sem apresentar nenhuma alternativa real (e geralmente fazendo
de conta de que não há problema algum, ou seja, o único problema é o governo).
Isso se manifesta hoje na sociedade brasileira, e o fato de
ter havido os governos petistas (três mandatos completos e um iniciado e
interrompido) não alterou em nada esse quadro. Pelo contrário, reforçou. As
políticas educacionais dos governos petistas foram no sentido de diminuir a
qualidade do ensino e da educação e a ampliação da hegemonia burguesa e de
determinadas ideologias, inclusive irracionalistas[6]. O bolchevismo, na Rússia,
também efetivou um processo de despolitização, ao criar a ilusão da abolição
das classes e do capitalismo e gerar a simplificação intelectual do
pseudomarxismo transformado em ensino obrigatório.
É necessário, portanto, evitar o reboquismo. O reboquismo se
manifesta através da adesão acrítica à luta pela democracia burguesa, o que
significa apoiar setores da burguesia (a ala moderada do bloco dominante) e da
burocracia (progressismo) e abandonar a necessidade de autonomia de classe e a
luta por seus interesses. Assim, ao criar um “inimigo comum”, que é apenas a
ala reacionária do bloco dominante, se cria uma unidade que é em torno de forças
burguesas ou burocráticas visando garantir a conquista do governo ou vitória
eleitoral, entre outras possibilidades semelhantes. No plano concreto, é apenas
discurso defensivo contra reformas retrógradas, políticas governamentais, ou
ataque a partidos e indivíduos. Nesse caso, o proletariado e o conjunto das
classes trabalhadoras se tornam apenas uma força auxiliar numa luta
interburguesa e/ou entre setores da burguesia contra outros setores da
burguesia e da burocracia. Assim, a luta gira em torno de quem deve governar e
como deve fazê-lo: quem deve governar é a reacionária do bloco dominante ou uma
aliança de sua ala moderada com o bloco progressista? Claro que nessa disputa
há também aquela que é quem terá hegemonia na luta contra o governo da ala reacionária,
pois isso lhe beneficia nas futuras disputas eleitorais. Daí o discurso da
“unidade”, da “frente popular” e outros nomes dependendo do caso concreto.
Ao lado disso, os interesses de classe do proletariado e
demais trabalhadores são esquecidos e em seu lugar se opta por um programa
liberal, reformista, ou qualquer outro programa burguês que, sem dúvida, não só
mantém a exploração e a dominação, como geralmente há a tendência a se impor um
processo de deterioração das condições de vida do conjunto dos trabalhadores,
pois, para evitar o “fascismo”, é necessário “sacrifícios de todos”, embora nem
todos fazem parte do “todos”. As necessidades e reivindicações dos
trabalhadores são esquecidas e apenas um fetichismo da democracia permanece e é
exigido de todos. O que se pede aos trabalhadores é “apoiem e/ou votem nos
democratas para que eles cheguem ao poder e reproduzam o que existe, piorando a
sua situação” e assim se escamoteia quem ganha com isso e quem perde. E quem
perde, ganhe a ala reacionária ou ganhe os seus adversários, são os
trabalhadores.
A percepção da luta de classes é apagada e se reduz a uma
luta de partidos ou coalizão de partidos, que pode assumir a aparência de mera
“resistência” ao governo. Nesse momento, o proletariado é abandonado pelos
progressistas, bem como suas reivindicações, necessidades, interesses (tanto os
imediatos quanto os fundamentais e históricos), e assim é possível conquistar o
governo sem ter que prometer nada, apenas manter a farsa democrática[7].
É por isso que, a partir da perspectiva do proletariado, a
luta contra o reacionarismo é, simultaneamente, uma luta contra o
conservadorismo em geral e também contra o progressismo. A autonomização do
proletariado é fundamental, para colocar contra as forças políticas do bloco
dominante e do bloco progressista, suas reivindicações e assim criar uma força
maior no sentido de realizar suas exigências, gerar suas formas organizacionais
próprias, desenvolver a autoformação (e consciência de classe, não uma
consciência fragmentada e reboquista), etc. Se aliar ao progressismo, ou a
setores conservadores que defendem a democracia burguesa, é algo que reforça
organizações, indivíduos, concepções antiproletárias e que não se diferenciam
radicalmente, da perspectiva de classe, do reacionarismo. Por isso é
fundamental um combate simultâneo ao reacionarismo, ao conservadorismo em geral
e ao progressismo.
As táticas para combater o reacionarismo
E como se combate o reacionarismo, sob qualquer forma que
ele apareça? Podemos dizer que existem elementos comuns nesse combate ao
reacionarismo e elementos distintos dependendo da forma como ele aparece e o
contexto social e histórico. Historicamente, existiram algumas táticas visando
combater algumas manifestações do reacionarismo e vamos apresentá-las para
mostrar seus limites e apontar outra forma de realizar tal combate.
Uma tática que se convencionou utilizar para enfrentar o
reacionarismo foi a luta armada. Essa é defendida por variadas posições
políticas. No entanto, no plano da luta concreta, ela sempre fracassou. Ela
também assumiu formas distintas: o combate de rua, a guerrilha, a guerra civil,
etc. Alguns defendem tal tática até em momentos em que isso não se faz
necessário ou mesmo possível, a partir de análise de casos isolados. No caso da
Alemanha e do nazismo, houve combates entre integrantes do KPD (Partido
Comunista da Alemanha) e do Partido Nazista. Como todos sabem, isso não evitou
a ascensão nazista ao poder. No Brasil, na luta contra o conservantismo,
setores da esquerda resolveram realizar a luta armada via guerrilhas e outras
ações simultâneas, o fracasso é conhecido, e as consequências também (mortes,
torturas, etc.). A luta armada é uma tática equivocada por alguns motivos
básicos. No caso do combate de rua, ela transforma a luta em disputa de facções
armadas e as forças paramilitares de algumas forças reacionárias possuem
vantagem de armamentos e treinamento, bem como muitas vezes podem ser apoiadas
pelo aparato repressivo do Estado capitalista ou contar com sua omissão.
A guerrilha (urbana ou rural, ou ambas, simultaneamente) é
outra tática equivocada na maioria dos contextos. E o que a torna equivocada,
assim como o combate de rua, é a falta de apoio popular. O caso brasileiro,
onde um punhado de guerrilheiros queriam enfrentar o exército brasileiro num
país continental, é algo totalmente desproporcional e mostra como a esquerda
perde o senso de realidade por causa de suas crenças, muitas vezes descoladas
completamente da realidade.
A luta armada só tem sentido e possibilidade de efetividade
quando não é ação partidária e sim um movimento mais amplo e com iniciativa
popular, pois, caso contrário, as forças reacionárias (e o aparato estatal, em
determinados contextos e dependendo da situação) são muito mais preparadas para
tal confronto e o agrupamento combatente tende a ser reduzido. Da mesma forma,
trata-se de iniciativa popular, ao lado do bloco revolucionário, e não de
“apoio popular”, o que significaria que as classes trabalhadoras estariam
apoiando algum partido ou coalização de partidos ou outras forças políticas.
Isso significa que a luta armada só tem sentido num momento de guerra civil, ou
seja, quando a população está diretamente envolvida na luta e o proletariado se
autonomiza colocando sua perspectiva de classe, de forma autônoma e
independente. Fora disso significa combater e morrer por forças que não
expressam os interesses dos trabalhadores e sim a reprodução do capitalismo. A
guerra civil espanhola foi um momento em que era possível a luta armada contra
um regime ditatorial, mas isso só tem sentido se houver uma defesa da
autonomização do proletariado e não defesa do bloco progressista ou mera
disputa política institucional. Da mesma forma, não se deve idealizar a luta
armada que se manifesta nesse contexto e transpô-la para qualquer outro
contexto como alguns fazem. A luta armada só tem sentido ao lado da iniciativa
popular e lutando pelos interesses do proletariado, pois se for para reforçar
forças democráticas da burguesia ou da burocracia, significa tão somente apoio
popular e reboquismo.
Outra tática é a eleitoral. Essa, por tudo que já dito
acima, é totalmente inócua e contrária aos interesses das classes
trabalhadoras, pois significa um apoio popular superficial para um determinado
setor que quer reproduzir a sociedade burguesa contra outro setor. As eleições
não garantem a derrota do reacionarismo e nem impede sua ascensão, que pode
ocorrer via eleitoral ou via insurrecional. Mussolini foi convidado pelo rei
Victor Emannuele para fazer parte do governo. O presidente da Alemanha, Paul
von Hindenburg, nomeou Hitler chanceler em 1933. Eles não ganharam eleições,
mas ganharam o poder que foi doado por quem havia vencido o processo eleitoral.
Outras formas de reacionarismo tomaram o poder via golpe de estado ou guerra
civil. Isso quer dizer que as eleições não são o elemento fundamental para
definir quem exercerá o poder estatal e sim a correlação de forças na sociedade
e por isso, com ou sem eleição, os reacionários podem conquistar o poder
estatal. As eleições como tática para evitar o reacionarismo é uma ingenuidade,
pois havendo correlação de forças contrárias a quem ganha a eleição, existem
vários subterfúgios para se derrubar o governo e colocar um reacionário em seu
lugar.
A tática eleitoral de setores ditos “revolucionários”, que
apoiam de bom grado os ditos “reformistas”, é um contrassenso, pois fortalece o
bloco progressista que é contrário ao bloco revolucionário e aos interesses da
maioria da população, enfraquecendo, assim, sua autonomia, criticidade,
iniciativa, etc. E, mais do que isso, o processo eleitoral é marcado pela
ausência do proletariado, da luta de classes, etc. E quando se brada o “perigo
do reacionarismo”, o que se faz é colocar em disputa qual forma de dominação
burguesa se escolherá e se coloca o proletariado para combater do lado de uma
das forças pró-burguesas. A tática eleitoral é, além disso, desmobilizadora e
despolitizadora. Ela é desmobilizadora por delegar a um terceiro a luta contra
o reacionarismo e é despolitizadora por colocar o proletariado a reboque dos
progressistas e lutando por questões que não são relacionadas com seus
interesses de classe, pois a discussão fica geralmente reduzida a escolher
entre ditadura (burguesa) ou democracia (burguesa). Ao apoiar o progressismo,
há um processo de desmobilização e despolitização que, por sua vez, havendo a
derrota dos progressistas, gera uma situação onde não há um trabalho e uma base
para uma iniciativa popular e, portanto, para a autonomização do proletariado.
Assim, a disputa entre reacionários e outras forças burguesas e burocráticas
serve apenas para facilitar a dominação burguesa e a anulação do proletariado.
Uma terceira tática é a da chamada “frente popular”, ou
“frente democrática” ou, ainda, “frente única”. No fundo, essa tática pode
estar sendo defendida junto com a da luta armada ou eleitoral. Por isso, padece
dos mesmos problemas dessas duas formas já abordadas. A frente democrática é,
no fundo, ou uma união de forças burguesas (republicanistas, liberais-democráticos,
etc.) e forças burocráticas (social-democracia, trabalhismo, bolchevismo, etc.)
contra uma ala do bloco dominante, a ala reacionária vinculada quase
exclusivamente à burguesia. Novamente o proletariado e o bloco revolucionário
(a não ser seus segmentos mais volúveis e semiproletários que mantém um vínculo
psíquico[8] com a social-democracia
e/ou bolchevismo e acabam ficando ao reboque da burocracia dessas tendências)
ficam ausentes ou servem apenas como apoio, especialmente eleitoral. O problema
da frente popular é justamente o mesmo que as demais táticas, o afastamento da
luta de classes, do proletariado, da ideia de transformação social, e a tomada
de partido por uma das forças que querem governar para reproduzir o
capitalismo. Se ela se torna luta armada, reproduz o mesmo problema[9].
O que todas essas táticas possuem em comum é o abandono da
perspectiva do proletariado e da transformação social, o que, indiretamente,
significa adesão ao capitalismo. Por mais que digam que o voto é crítico, que é
um apoio temporário, que é para evitar o pior, que é melhor para desenvolver as
lutas, apenas se justifica e legitima um ato covarde e não-proletário. Sem
dúvida, que isso vale para aqueles que possuem determinada formação e são
aguerridos defensores do apoio aos progressistas e seus aliados burgueses e não
para os que acabam cedendo por pressão e sem grande convicção.
Como se deve combater o reacionarismo?
Se todas as táticas anteriores não servem, então resta a
pergunta: como combater o reacionarismo? A noção de tática, é ela mesma de
origem militarista, o que significa uma disputa entre forças militares e
burocráticas e não luta de classes. Ao invés de tática, trata-se de pensar uma
estratégia específica numa situação específica. E, enquanto estratégia, pressupõe
reflexão e análise, bem como nunca abandonar o objetivo final. Assim, a
primeira questão é entender qual forma de reacionarismo se combate e após essa
identificação, é preciso entender suas fontes, o que o fortaleceu para se
tornar uma possibilidade de chegar ao poder. De posse desses elementos
reflexivos, o passo seguinte é elaborar a estratégia específica de combate na
perspectiva do proletariado.
Contra qual reacionarismo é a luta? Fascismo, nazismo,
conservantismo? Quais são as fontes geradoras desse reacionarismo? E o que o
bloco revolucionário, ao lado do proletariado e demais classes trabalhadoras,
pode e deve fazer nesse contexto? O primeiro elemento é não se aliar com o
bloco progressista e/ou outros setores da burguesia, pois isso seria ajudar um
inimigo contra outro e enfraquecer o proletariado e os trabalhadores em geral.
Como já dissemos e explicamos anteriormente, a luta contra o reacionarismo é
uma luta contra o progressismo, tal como já destacava, sob outra forma, Otto Rühle[10].
A isso se soma as estratégias constantes da luta proletária:
a) luta nos locais de trabalho, moradia, estudo; b) luta cultural; c) trabalho
junto com as classes trabalhadoras no sentido de reforçar sua autonomização,
auto-organização e autoformação (não chamando ela para apoiar forças burguesas
ou burocráticas e sim para decretar sua autonomia e efetivar sua própria luta
contra ambos os lados em disputa); d) reivindicações e exigências proletárias,
ou seja, que atendam aos seus interesses (imediatos e fundamentais). Essas
estratégias constantes, no entanto, nem sempre se concretizam, e menos ainda
com grande eficácia. Isso ocorre por uma razão bem simples: o bloco
revolucionário, por mais desenvolvido que seja teoricamente, depende da
ascensão das lutas dos trabalhadores e por mais que incentive essa luta, não
pode criá-la artificialmente, pode fortalecê-la, mas não pode gerá-la (pelo
menos não em grandes proporções, a não ser que ele esteja extremamente
desenvolvido, o que significa que as próprias lutas operárias também estão,
pois é sua condição de possibilidade).
Assim, o bloco revolucionário tem como elemento fundamental buscar
desenvolver a união, as organizações autárquicas e a formação/autoformação das
classes trabalhadoras, num sentido autogestionário. E o avanço do reacionarismo
é apenas um sintoma de que algo na sociedade está gerando problemas e estes, a
partir de certo contexto, gerando soluções equivocadas. Por isso, para combater
o reacionarismo e seus adversários é preciso entender a sua forma e a sua
fonte. Nesse momento, a luta cultural passa a ter que abordar outros elementos
e realizar uma luta contra a adesão das classes trabalhadoras ao reacionarismo
e aos seus adversários.
Um dos elementos que o reacionarismo utiliza é a manipulação
dos sentimentos. Em épocas de crise, de contradições mais agudas, de ascensão
da luta proletária, etc., a manipulação dos sentimentos é uma das armas que
atinge o proletariado e os demais trabalhadores no sentido de desviá-los da
luta de classes e da autonomização. Os nazistas, por exemplo, culpam os judeus
do desemprego e assim despolitizam esse fenômeno social e seu vínculo com as
classes sociais e seus interesses. Desta forma, criam um inimigo imaginário que
se torna responsável pelos males sociais e canaliza o ódio e outros sentimentos
contra ele e livra a burguesia da responsabilidade. Um dos elementos que os
vários reacionarismos utilizam para combater a esquerda é a questão da família,
tradição, nação, etc.
Aqui temos a dificuldade da esquerda em combater o
reacionarismo. A esquerda geralmente cede ao racionalismo e iluminismo e assim
desconsidera os sentimentos e a questão da moral, ou então tenta impor à
população a sua concepção moral (ou faz como os fascistas, buscam manipular os
sentimentos). Isso cria um afastamento. Mais contemporaneamente, derivado do
novo paradigma hegemônico, o subjetivismo, a esquerda passou, em vários
setores, a reproduzir essa concepção e os seus elementos derivados, tal como o
moralismo subjetivista, e assim acabou criando novos obstáculos diante da
maioria da população. A ideia liberal do “meu corpo, minhas regras”, da defesa
do “politicamente correto” e outros processos, geraram um moralismo
progressista subjetivista que é oposto ao que a maioria dos indivíduos das
classes trabalhadoras defendem. Aliado a isso, parte da esquerda aderiu à
política de identidades e abandonou as políticas voltadas para as classes
trabalhadoras. No caso brasileiro, que não cabe aqui retomar[11], os governos petistas
foram os responsáveis pela geração de um forte antipetismo e o endurecimento do
moralismo conservador em vários setores da sociedade como reação ao moralismo
progressista subjetivista (e seu subproduto, o imoralismo). Assim, ao não
contribuir para o desenvolvimento de uma consciência de classe e ainda gerar um
moralismo malvisto pela maioria dos trabalhadores, a esquerda se afasta e perde
a influência sobre as classes trabalhadoras. O problema é que o bloco
revolucionário, seja pela influência do bloco progressista seja por suas
debilidades próprias[12], não conseguiu preencher
o vazio, e por isso uma grande parte dos trabalhadores acabam preferindo o
conservadorismo ao progressismo.
O bloco revolucionário também comete alguns erros, tal como
reproduzir o moralismo progressista ou o imoralismo. É preciso deixar claro que
esse é um campo pouco explorado pela teoria e pelos grupos, intelectuais,
militantes e por isso é espaço aberto para a reprodução das concepções
progressistas. É preciso aprofundar a discussão nesse âmbito e colocar uma
perspectiva proletária em relação a tais questões. Algumas tentativas e esboços
nesse sentido já foram realizados no passado, mas nada de muito desenvolvido e
as interpretações posteriores e influência do paradigma hegemônico, dificultam
um avanço nessas questões.
Mas um elemento fundamental seria romper com o moralismo,
seja o conservador, seja o progressista, e em todas as suas formas. O moralismo
se fundamenta em uma moral, e esta pode ser compreendida como “um conjunto de
normas produzidas de forma exterior aos indivíduos, é imposta pela sociedade ao
indivíduo. Por isso, ela é pouco praticada embora seja muito propagandeada, gerando
quase sempre uma contradição entre discurso e prática”[13]. Se temos, por um lado, a
moral religiosa como uma das manifestações da moral conservadora, temos, por
outro, o politicamente correto como uma das manifestações da moral progressista.
Ambas são imposições de normas de conduta sobre os indivíduos e isso gera,
geralmente, uma contradição entre discurso e prática. O bloco revolucionário
deve expandir a ética revolucionária e não ceder aos moralismos (e nem ao
“imoralismo”, subproduto do moralismo progressista que quer romper com “todas
as regras”, num hiperindividualismo, muitas vezes hedonista). Não cabe a quem
se considera revolucionário partir dos indivíduos da sociedade atual, com seus
valores (constituídos socialmente), concepções, desequilíbrios psíquicos, falta
de autonomia e reflexão, submetidos ao modo de pensar burguês (reducionista,
anistórico e antinômico), para formar “normas de conduta” para os demais ou
para a futura sociedade autogerida. Uma sociedade de seres humanos livres é a mais
adequada para instaurar uma ética generalizada na sociedade e não a projeção de
seres humanos de uma sociedade desumanizada sobre um projeto de futuro[14].
Assim, o combate ao reacionarismo deve se fundamentar na
estratégia revolucionária constante (luta nos locais de trabalho, moradia,
estudo; luta cultural; trabalho junto com as classes trabalhadoras no sentido
de reforçar sua autonomização, auto-organização e autoformação, reivindicações
proletárias). Porém, a debilidade do bloco revolucionário é um obstáculo para
tal. Essa debilidade é expressa no aspecto quantitativo (quantidade de
militantes, e que é menor ainda se levarmos em conta apenas aqueles que atuam
mais frequentemente), nas divisões internas, nas ambiguidades de vários
indivíduos e grupos, entre outros processos, alguns já aludidos anteriormente,
na dificuldade de vínculo mais efetivo com as classes trabalhadoras em certos
momentos históricos (especialmente nas épocas de estabilidade ou no qual a
classe dominante consegue impor polarização entre setores do bloco dominante ou
entre este e o bloco progressista), a falta de estratégia de vários setores, etc.[15] Independentemente dessa
debilidade, é preciso elaborar estratégia específica para combater o
reacionarismo. No entanto, em primeiro lugar é preciso deixar claro que não se
trata apenas de combater o reacionarismo e sim lutar contra a sociedade
capitalista. O combate ao reacionarismo só tem sentido se for uma luta contra o
capital, o estado e todas as concepções, organizações, etc., que visam sua
reprodução. O combate ao reacionarismo é um combate ao capitalismo num contexto
de fortalecimento da ala reacionária do bloco dominante ou então sob um governo
comandado por ela. Não se trata de lutar apenas contra o reacionarismo, pois
isso fortalece os liberais, os republicanos, os progressistas nas suas várias
tendências.
Isso significa que o primeiro ponto é entender e ter clareza
de qual é o combate e que não se trata de limitar a luta a uma recusa do
reacionarismo, pois isso seria perder autonomia, ser não estratégico (pois não
contribui com a realização do objetivo final) e fortalecer outros setores da
burguesia ou da burocracia. Este esclarecimento, ausente em vários setores do
bloco revolucionário, é o que permite e gera o reboquismo. Isso é reforçado
pelo clima social e cultural que pode ser criado, bem como pressão social,
envolvimento com processos de manifestações e outras ações, além de interesses
pessoais. Um professor universitário, por exemplo, pode ficar preocupado
excessivamente com os cortes de verbas e outros ataques dos reacionários contra
as universidades, em grande parte dos casos por temer por seu futuro, pelo
impacto que isso tem diretamente, etc. Agora, um professor universitário que se
considera revolucionário, deveria fazer uma autoanálise e ser mais crítico em
relação à situação e não cair no desespero e dramas que se efetiva em muitos
casos. Um revolucionário é uma pessoa que deve estar disposta a ir, em muitos
casos, contra os seus interesses pessoais, pois é o interesse de classe, do
proletariado, é que deve ser priorizado. Então ele não deve fazer coro com os
progressistas e sim defender uma ação autônoma e independente e de caráter
estratégico.
Tendo essa clareza e superando estes obstáculos, o que resta
é efetivar o combate ao reacionarismo e isso é realizado através da estratégia
revolucionária constante e que assume alguns elementos específicos nesse
contexto, que é mais na forma como se efetiva do que no seu conteúdo. É preciso
combater o reacionarismo em suas fontes, o que significa “atacar o mal pela
raiz”. É necessário identificar e demonstrar o caráter de classe do
reacionarismo, o que significa ultrapassar o discurso progressista que focaliza
em indivíduos (os ataques, muitas vezes infantis, ao líder e principais
representantes da ala reacionária, por exemplo)[16], partidos, governos, pois
em que pese possam ser nomeados e ter seus problemas revelados, esse não deve
ser o foco, pois isso não gera politização e não serve para a autonomização do
proletariado. Atacar apenas o partido X só tem sentido se ele é um suposto
representante e tem força no interior do proletariado e das classes
trabalhadoras. Porém, atacar um partido conservador ou reacionário, ou seus
líderes e representantes, é se limitar a luta partidária e sair da luta de
classes. A crítica aos partidos progressistas pode ser necessária em momentos
em que estes são obstáculos para a autonomização do proletariado, o que não
ocorre com os partidos conservadores, já que estes não possuem raízes no
interior das classes trabalhadoras.
Qual é a raiz do reacionarismo? Quais são seus objetivos?
Isso depende do país (há uma diferença enorme entre o reacionarismo que emerge
no bloco imperialista e o que emerge no bloco subordinado, pois no primeiro
caso o nacionalismo pode ser autêntico e no segundo é mero discurso sem base
real, a começar pela burguesia subordinada que não tem força política, e nem
vontade e interesse, para combater o imperialismo), da época, do contexto, da
hegemonia cultural, etc. Uma análise do golpe militar[17] da década de 1960 é
suficiente para mostrar que a luta contra a “república sindicalista” e o
“comunismo” foi mero pretexto para efetivar políticas voltadas para o aumento
da exploração[18].
O reacionarismo existe no interior da sociedade capitalista, mas somente se
torna forte e influente em certas situações, nas quais uma parte da classe
dominante passa a apoiá-lo. Isso ocorre geralmente em momentos de declínio da
taxa de lucro ou em momentos de desestabilização ou crise (e essas coisas
estão, geralmente, inter-relacionadas). A burguesia, em sua maioria, prefere os
liberais, os republicanos, e até mesmo trabalhistas e social-democratas, do que
os reacionários. Mas, nesses momentos históricos, uma parte considerável dela
passa a apoiar os reacionários, pelo simples motivo de que eles não titubeiam
em expressar os seus interesses e tomar medidas impopulares e de forma mais
drástica, rápida e direta[19]. Assim, uma luta cultural
ampla e geral que explicite as bases do reacionarismo, bem como dos seus
opositores institucionais, é um dos pilares desse combate.
Assim, cabe ao bloco revolucionário ampliar suas ações, de
forma autônoma e independente, e se aproximar mais das classes trabalhadoras,
que tem que ser precavida da necessidade de não se aliar nem com os
reacionários nem com os seus opositores. Isso, em momentos marcados pela
existência de um governo reacionário, que tende a gerar um aumento progressivo
da insatisfação dos trabalhadores, abre maior espaço para o bloco
revolucionário e a possibilidade de sua ampliação, tanto no sentido de maior
força quanto quantitativo, tendo novas adesões de desiludidos com o bloco
progressista ou trabalhadores e jovens que buscam alternativas.
Por isso, o combate ao reacionarismo se inicia com uma ampla
luta cultural no sentido de mostrar o seu vínculo com os interesses da classe
dominante. Isso requer análises de suas políticas estatais concretas, bem como
apresentação de alternativas. Isso significa não reproduzir o discurso
progressista (muitas vezes vazio e apenas uma recusa das políticas estatais
implementadas, sem nenhuma análise mais profunda e sem nenhuma alternativa real
e exequível). Essa luta cultural é, portanto, teórica (uma explicação mais
profunda da gênese e significado do reacionarismo, uma análise desenvolvida dos
seus representantes e de suas ações, entre outros aspectos), propagandística
(esclarecer e combater ele e seus semelhantes, incluindo o progressismo),
artística (voltada para o esclarecimento e crítica social), etc.
Por outro lado, tendo em vista que existe uma possibilidade
de maior receptividade do bloco revolucionário por parte da população, ampliar
as ações para fortalecer a luta pela auto-organização, autoformação e união das
classes trabalhadoras, bem como nos locais de trabalho, estudo e moradia. Isso
deve ser acompanhado por reivindicações que atendam aos interesses do
proletariado e do conjunto das classes trabalhadoras. Ou seja, ao invés de
apenas questionar ações e políticas dos reacionários, e defender interesses de
diversas classes e grupos, é preciso colocar em evidência interesses próprios e
específicos do proletariado e dos trabalhadores em geral, como a questão do
salário mínimo (no caso dos interesses imediatos) e da auto-organização e
autoformação (no caso dos interesses fundamentais). O bloco revolucionário
deve, portanto, ao invés de fazer como seus setores reboquistas fazem, devem ao
invés de atuar nas manifestações, reivindicações e ações com o bloco
progressista, deve se esforçar para agir diretamente com as classes
trabalhadoras (e sem reproduzir os receituários e discursos progressistas).
Em síntese, é isso que pode e dever ser feito no combate ao
reacionarismo, que é, um combate à sociedade capitalistas e todas as suas
manifestações, tal como o bloco dominante e o bloco progressista. A capacidade
e a força nesse processo depende de diversas determinações e uma delas é a
disposição e luta do bloco revolucionário, que, pode antecipar grandes
explosões de insatisfações e assim ajudar a elas serem orientadas para a
transformação radical e total das relações sociais, ao invés de serem desviadas
e canalizadas para interesses da classe dominante ou da burocracia
(especialmente a partidária, ou seja, o bloco progressista). Em cada caso
concreto, com sua especificidade, requer análise e pensar as formas de luta e
como concretizar essa estratégia.
Enfim, não existe uma fórmula infalível. O que existe é uma
estratégia geral, da qual fizemos uma síntese, que depende muito mais do que
sua mera existência para se concretizar e gerar resultados satisfatórios ou
não, e não há muito o que inventar. Um elemento fundamental nesse processo é a
insatisfação das classes trabalhadoras e do proletariado, que é o rastro de
pólvora que poderá explodir a sociedade capitalista, mas ela tem que ser
acompanhada com um projeto, bem como com a união e autonomização do
proletariado, o que só pode ocorrer com auto-organização e autoformação. E o
bloco revolucionário tem um significado importante em contribuir com essa
passagem da insatisfação para a luta radicalizada e possibilidade de revolução
proletária. Agora, se a maioria do bloco revolucionário fica a reboque do bloco
progressista, não só se autossabota como fortalece um inimigo que é fundamental
para a reprodução do capitalismo e das situações que ele cria, incluindo o
reacionarismo.
[1] Trata-se, geralmente, de
um discurso oportunista e eleitoral e que tem como um dos elementos não definir
o que é fascismo ou apresentar uma pseudodefinição tão ampla que pode se
aplicar até aos aliados dos petistas. Ao definir fascismo como violência ou qualquer
autoritarismo acabam banalizando o termo e nem percebem que essa suposta
definição se aplica ao stalinismo e aos países capitalistas estatais
(falsamente chamados de “socialismo real”, como URSS, China, Cuba, etc.) e que
o PCdoB é stalinista. Logo, a vice de Haddad poderia ter sido chamada de
fascista durante o último processo eleitora, pois isto se torna possível quando
se usa essas pseudodefinições amplas ou não se define. Sobre fascismo, cf: O que
é fascismo?
[2] Inclusive, no caso
brasileiro, o presidente Jair Bolsonaro, era originalmente um conservantista,
ou seja, um estatista, mas, por causa de objetivos eleitorais, avançou para o
liberal-conservantismo, tal como expresso na sua escolha do Ministro da Economia,
o liberal Paulo Guedes, o que significa a manutenção do moralismo conservador
misturado com um liberalismo econômico.
[3] A ala reacionária é uma
subdivisão da ala oposicionista no interior do bloco dominante. O bloco
dominante possui a ala governista, composta por quem está no governo, e uma ala
oposicionista, na qual há setores da burguesia que são oposição. A ala
reacionária é uma das subdivisões da ala oposicionista e somente em algumas
situações históricas ela se torna a ala governista e, a antiga ala governista
se torna oposicionista (e, em certas situações, acaba se aliando ou se tornando
omissa, especialmente em regimes ditatoriais, com poucos setores assumindo
realmente que é oposição).
[4] O liberal-conservantismo,
uma mistura híbrida de conservantismo e liberalismo (um acordo entre setores da
ala moderada e da ala extremista do bloco dominante), é algo mais excepcional,
pois emerge em pleno momento de hegemonia neoliberal e subjetivista e por isso
mantém aspectos do conservantismo e os une com elementos de liberalismo. Se não
fosse isso, o governo brasileiro atual seria puramente conservantista, mas a
força da burguesia e do liberalismo constrange a essa concessão, que pode ser
superada com a dinâmica das lutas de classes e mudança na situação do país.
[5] A respeito do pragmatismo
do nazifascismo, cf. Hegemonia Burguesa e
Renovações Hegemônicas (ainda a ser publicado).
[6] O subjetivismo, o
irracionalismo, etc., são algumas das formas ideológicas que dão suporte ao
anti-intelectualismo reinante até os dias de hoje e foi reforçado pelas
políticas educacionais de um governo denominado de esquerda. A hegemonia
subjetivista atacou, pela esquerda e pela direita, a formação política e
intelectual e as políticas governamentais, no caso brasileiro, reforçaram essa
hegemonia e precarizaram a educação no país.
[7] Não existe nada mais
ridículo que anarquistas, autonomistas e outros se aproximarem dos
trabalhadores e da população para pedir votos para os progressistas para evitar
o reacionarismo. Ao invés de contribuírem com a politização (luta cultural) e
autonomização (a formação de organizações autárquicas), com a formação de
conselhos de bairros, conselhos de trabalhadores, entre outras formas, apontam
para solicitar o apoio aos burocratas partidários para que esses façam o
trabalho sujo para a burguesia no sentido de reproduzir o capitalismo e
determinadas políticas estatais necessárias no momento para essa classe.
[8] Isso pode ser explicado
pelo sentimento de unidade que se cria entre os indivíduos do bloco
revolucionário pela proximidade de linguagem, discurso, símbolos, referências
intelectuais, com parte do bloco progressista, bem como pela convivência,
pressão social, locais de atuação que muitas vezes são semelhantes. Esse
sentimento de unidade pode se tornar um obstáculo para a percepção do real
significado do progressismo e do seu caráter burguês ou semiburguês e de adesão
de muitos às táticas do bloco progressista.
[9]
Há aqueles que recusam tais alianças, mas acabam reproduzindo elas ao ir ao
reboque intelectual das interpretações e posições de outros setores,
especialmente do bloco progressista. Isso é derivado de falta de autonomia
intelectual (o que remete ao problema da formação intelectual e política), da proximidade
sentimental com o bloco progressista (derivado da proximidade de linguagem, símbolos,
autores de referência – tal como Marx, que é usado de forma deformada pelos progressistas,
alguns valores – como o humanismo de alguns progressistas, embora distinto do
humanismo radical, da não percepção do populismo e hipocrisia vinculados a esta
posição, etc.).
[12] Esses elementos não estão
separados, pois são as suas debilidades próprias (na verdade, a da maioria dos
seus componentes) que o faz ficar a reboque do bloco progressista e gerar um
divisionismo interno que o enfraquece.
[13] VIANA, Nildo. Crítica ao
Moralismo. Revista Posição, vol. 2,
num. 7, 2015, p. 10.
[14] Um exemplo disso se
encontra no debate de Erich Fromm e Herbert Marcuse. Fromm avança mais por se
manter numa posição humanista, enquanto que Marcuse cai em erros grosseiros.
Assim, se Marcuse defende a liberação das perversões sexuais (como, por
exemplo, a coprofilia), Fromm é um crítico disso. A questão que se coloca é: a
coprofilia é uma necessidade humana ou produto de um desequilíbrio psíquico
gerado por uma sociedade repressiva e desumanizadora? Para os moralistas a
solução seria defender uma ou outra posição. Para a posição revolucionária,
trata-se de ser prudente e não criar modelos de sociedade (e, como Fromm
coloca, gerados por pessoas problemáticas constituídas por essa sociedade) e de
comportamento. Trata-se, na verdade, de defender uma ética que aponte para a liberdade
e não criar normas de comportamento, pois elas são constituídas por pessoas
dessa sociedade e para essa sociedade, partindo da percepção de indivíduos
dessa sociedade com os problemas gerados por ela.
[15] No caso de certos
indivíduos e grupos, essa debilidade também se manifesta através falta de
teoria, estratégia, ou, ainda, incompreensão da conjuntura. Isso é mais forte
no caso de grupos de jovens quando inexperientes e sem maior formação
intelectual, bem como no caso do anarquismo e é mais forte contemporaneamente
devido a hegemonia subjetivista.
[16] Isso é visível
contemporaneamente, no qual a infantilidade da esquerda brasileira se manifesta
de forma tão explícita quando nos apelidos dados ao atual presidente da
república, Jair Bolsonaro, o que inclusive faz perder a seriedade e para os
não-iniciados (trabalhadores não ligados ao progressismo) e fica parecendo
“torcida organizada” ao invés de debate sério sobre questões políticas e
sociais.
[17] Aqueles que querem
reformular o nome e chamar o golpe da década de 1960 como “civil-militar” ou
“empresarial-militar” apenas dizem a obviedade de que ele não é algo meramente
ou apenas militar. No fundo, nunca existiu golpe apenas militar. Mas por detrás
dessa terminologia, que tem como única vantagem expressar que existem
interesses na sociedade civil no sentido de realizar o golpe, há uma
incompreensão do significado das forças militares e seu vínculo indissolúvel
com a classe capitalista. Todos os golpes militares, assim como todos os
regimes ditatoriais, expressam os interesses da burguesia em determinado
contexto histórico e por isso não tem sentido colocar o termo “civil-militar”,
pois nunca houve uma autonomização das forças armadas, mesmo quando elas
implantam tais regimes. O caso mais extremo de autonomização, tal como o
nazismo, foi efetivado de acordo e com o apoio da classe capitalista alemã.
Isso é suficiente para explicar a razão da não adoção da “nova terminologia”,
que aponta para um esclarecimento e gera um obscurecimento, simultaneamente.
[18] VIANA, Nildo. Acumulação
Capitalista e Golpe de 1964. Revista
História & Luta de Classes, Rio de Janeiro, v. 01, n.01, p. 19-27,
2005. Disponível em: https://informecritica.blogspot.com/2019/05/acumulacao-capitalista-e-golpe-de-1964.html
[19] Embora possa haver
exceções, especialmente quando um governo reacionário tem forte oposição ou
legitimidade e apoio popular muito limitado.
Opa, excelente análise Nildo.
ResponderExcluirSe entendi bem, o combate ao liberal-conservantismo (por ser reacionário) deve ocorrer da mesma forma que qualquer reacionarismo (nazismo, fascismo, etc). Assim não interessa se estamos tratando desse ou daquele reacionarismo, isto é, o combate será o mesmo.
Contudo, mesmo que do ponto de vista teórico cada tipo de reacionarismo possuem distinções entre si além das semelhanças, do ponto de vista político não necessariamente se considera essas distinções e se combate de igual forma. Certo? Caso contrário, teríamos que analisar também do ponto de vista político as possibilidades e riscos que um tipo de reacionarismo mais moderado podem desembocar em um reacionarismo extremado.
Por exemplo, o discurso (na campanha e também enquanto oposição) do PT sobre o governo Bolsonaro acaba atingindo um setor da população que tem preocupações sérias desse governo reacionário se transformar em um reacionarismo extremado, os petistas antecipam essa possibilidade e oportunamente se adiantam acusando o governo de fascista. Essa sua análise desconstrói facilmente esse oportunismo petista, porém como fica as preocupações de setores da população com a possível "radicalização" desse governo reacionário? Isso implicaria em reanálises na forma como o reacionarismo deve ser combatido? Ou mesmo com a "radicalização" do reacionarismo o combate deve ser o mesmo?
Muito obrigado pelo seu excelente trabalho. Saudações autogestionárias!!!
lá, anônimo!
ResponderExcluirO combate ao reacionarismo é o mesmo, independentemente de sua forma. Porém, o que muda é a forma. Por exemplo, para combater o fascismo é preciso entender o fascismo, seu discurso, suas táticas, suas bases sociais, etc. É por isso que no meu texto sobre o fascismo fica explícito a impossibilidade de um fascismo autêntico no capitalismo subordinado (cf. http://informecritica.blogspot.com/2018/10/o-que-e-o-fascismo.html).
No plano da análise e da teoria, realizamos a distinção, pois assim podemos também distinguir praticamente e isso tem efeitos políticos. Um deles é perceber a semalhança, mas também as diferenças. Contudo, além das características de cada tendência reacionária, com suas semelhanças e diferenças, há também outros elementos para se analisar nesse processo, como sua força política real, sua base de apoio, a sua relação com as classes trabalhadoras, etc. Isso não promove mudança na estratégia específica do bloco revolucionário, apenas gera especificaidades (discursivas, de explicação, de ações pontuais, etc.).
A dinâmica do reacionarismo precisa ser compreendida e dificilmente se passa de um reacionarismo a outro, pois o hegemônico alglutina e dificilmente o apoio de setores da burguesia e da população passa de um para outro. Ele cria raízes sociais e por isso não é fácil passar de um para outro. Além disso, da perspectiva do proletariado, ou seja, para o bloco revolucionário, a questão de ser mais ou menos extremista muda muito pouca coisa, pois continuam sendo expressão da classe dominante e a serviço dela. O mesmo poderia ser dito em relação à oposição entre democracia e ditadura. Se fóssemos escolher o menos ruim, escolheríamos a democracia burguesa ao invés da ditadura (a autocracia burguesa), mas ambas tem vantagens e desvantagens para a luta proletária. A democracia traz a vantagem de uma pequena liberdade de organização e expressão (bem pequena, não apenas pelos limites legais, mas, fundamentalmente, pelos limites impostos pela mercantilização e burocratização de tudo) e como desvantagem a corrupção, a cooptação, o aparelhamento, de setores da população, das classes trabalhadoras, dos movimentos sociais, etc. A ditadura, por sua vez, tem desvantagens, tais como a censura, a repressão explícita e ampliada, a diminuição da liberdade de organização e expressão, etc. E tem como vantagens o menor grau de corrupção, cooptação e aparelhamento. Os exemplos históricos mostram isso. Por isso, essa questão de "reacionarismo mais moderado" e "reacionarismo mais extremado" acaba não ultrapassando a discussão que já havíamos ultrapassado no artigo acima: as divisões e subdivisões da burguesia e de suas classes auxiliares (mais especificamente, do bloco progressista) não são fundamentais, e se posicionar do lado de uma elas contra outra, é cair no reboquismo e abrir mão de uma política autônoma e independente do proletariado, o que significa, por sua vez, sua despolitização e enfraquecimento, fortalecendo, inclusive, essas forças que podem se tornar atrativas para setores das próprias classes trabalhadoras.
(Continuação da resposta):
ExcluirQuanto aos petistas, trata-se, realmente, de oportunismo. O fascismo é apenas um espantalho - e lendo o artigo indicado acima isso fica claro. O que poderia ocorrer, no caso brasileiro, é a passagem para um regime ditatorial, conservantista. Os setores da população preocupados por isso estão hegemonizados pela concepção burguesa, pois se preocupam com a defesa da democracia (burguesa) ao temer a autocracia (burguesa), ou seja, opta por uma de duas possibilidades de dominação burguesa expressa por duas forças burguesas. Logo, o discurso petista apenas faz, de forma oportunista, apontar para uma coisa que é impossível (e se fosse algo mais "provável", que seria a passagem para um regime ditatorial, teria que ver as condições e possibilidades disso, pois mesmo setores da burguesia são contra isso, alguns por interesse próprio e outros por concepção, etc., que são mais propensos a mudar de lado).Assim, eu lhe diria que a preocupação desses setores da população é equivocada e mesmo que passe a ser possível, isso não vai impedir as mudanças concretas a não ser que se passe da preocupação para a ação. A ação, no entanto, seria apoiar o PT ou alguma "frente democrática", o que é um equívoco e problema, pois reforça um lado e em momentos de radicalização, isso fortalece o lado oposto e nenhum dos dois lados é proletário, o que significa promover uma despolitização e afastamento de possibilidade de autonomização do proletariado. Em síntese, o bloco revolucionário não deve tomar partido de nenhum dos lados da disputa burguesa, seja entre setores do bloco dominante ou entre este e o bloco progressista. Se houver um endurecimento do governo ou então a passagem para um regime ditatorial, a luta é a mesma: autonomização do proletariado e luta por hegemonia proletária no interior das classes trabalhadoras. Logo, a resposta para sua pergunta é que as análises são as mesmas, só que englobando as mudanças e novas tendências e acontecimentos e que a efetivação de uma passagem para um mais forte autoritarismo ou mesmo regime ditatorial não muda o combate, que continua o mesmo, pois muda apenas a forma de dominação e quem é o agente principal disso, mas a dominação continua e o seu combate efetivo tem como elemento fundamental a autonomização do proletariado e dos trabalhadores em geral, sem essa autonomia e independência de classe, o que se faz é lutar (e até morrer) por um setor da burguesia ou de suas classes auxiliares contra outro, e dificultar ainda mais a possibilidade e tendência de real transformação social.