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sexta-feira, 14 de outubro de 2022

O BLOCO REVOLUCIONÁRIO E AS ELEIÇÕES

 


O BLOCO REVOLUCIONÁRIO E AS ELEIÇÕES

 

Nildo Viana

 

A luta operária realiza avanços e retrocessos durante o processo histórico. A explicação disso remete a um conjunto de determinações. O aparato estatal, a ilusão democrática, o consumismo, a cultura (ideologias, doutrinas, discursos, etc.), o capital comunicacional, entre inúmeras outras determinações, travam a luta operária. Com o desenvolvimento do capitalismo, a estratégia burguesa vai se ampliando e agora invade o lazer, a cotidianidade, os sentimentos, as divisões sociais, no sentido de impedir uma autonomização do proletariado. Não é nosso objetivo discutir essa questão mais geral e sim algo mais específico. Trata-se da questão das eleições e do bloco revolucionário e sua relação com a estagnação da luta operária. Sem dúvida, as eleições são parte da “ilusão democrática” e o bloco revolucionário deveria ser um ponto de apoio para a autonomização do proletariado. Por isso, é fundamental uma reflexão sobre a relação do bloco revolucionário com as eleições e de ambos com o movimento operário.

As eleições reforçam as ilusões democráticas. Elas amortecem a luta de classes ao desviar a insatisfação social existente para a arena eleitoral e disputas pelo poder estatal. Além dos candidatos “messiânicos” (os “salvadores da pátria”), as promessas irrealizáveis, a tentativa de “lavagem cerebral” do aparato estatal e capital comunicacional, o próprio período eleitoral aparece como um momento de “democracia”, no qual o “povo” escolhe os governantes, e de possibilidade de mudança. Sem dúvida, uma parte da população não se ilude com isso, pois eleições após eleições, a sua vida não muda, a corrupção continua, as coisas pioram em vários aspectos e momentos. Outra parte, por outras determinações, como setores da juventude e da intelectualidade, também recusa o processo eleitoral. Estes setores, em sua maioria, são integrantes do bloco revolucionário. Porém, para grande parte da população a ilusão democrática persiste.

Nesse sentido, as eleições realizam o processo de amortecer as lutas de classes. E isso é ainda mais verdade com o oportunismo dos partidos de esquerda que canalizam todas as suas forças para conseguir retorno eleitoral. assim, uma das determinações (embora de efeito temporário) da estagnação do movimento operário é o processo eleitoral. O bloco revolucionário, tem, por conseguinte, a tarefa de combater a ilusão eleitoral. O bloco revolucionário deveria ser a fração mais resoluta, a que tem uma percepção mais global e acima dos interesses pessoais, partidários, grupais ou até mesmo de setores das classes trabalhadoras, dentre aqueles que lutam pela transformação social, tal como Marx definiu ao tratar da posição dos comunistas. Porém, aqui encontramos um elemento problemático, que é a ambiguidade no interior do bloco revolucionário. Essa ambiguidade se manifesta não apenas no processo eleitoral, mas em diversas outras questões. Contudo, o nosso objetivo se limita a analisar a relação entre bloco revolucionário e o processo eleitoral, o que nos faz focalizar apenas esse aspecto da questão.

O bloco revolucionário deveria ser o setor mais avançado da luta política, trabalhando no sentido de contribuir com a autonomização do proletariado para que este assumisse independência de classe e lutasse por seus interesses, tanto os imediatos quanto o histórico e fundamental, que é transformação radical e total das relações sociais, o que significa lutar pela abolição do capital, e, por conseguinte, pela sua autoabolição. A autonomização do proletariado significa que ele deixa de seguir ao reboque do capital, dos governos, dos partidos, de outras classes sociais (burocracia, intelectualidade, etc.), rompe com a hegemonia burguesa e ideias dominantes, e, ao mesmo tempo, recusa a burocracia e os seus falsos representantes e dirigentes. Esse processo de autonomização significa que a classe operária passa a se ver como classe e reconhecer o processo de exploração e dominação ao qual está submetida, bem como a necessidade de revolução social. O proletariado caminha espontaneamente para tal autonomização, pois seu modo de vida e condição de classe, as relações instituídas com a burguesia e o resto da sociedade, gera sua insatisfação e contestação, gera a luta. O trabalho alienado, mortificador, além dos problemas políticos e econômicos, as crises financeiras, a ameaça do desemprego, entre milhares de outras determinações (que afetam diferentemente setores distintos da classe operária e sob formas e intensidades diferentes em contextos sociais e históricos distintos), tendem a jogar o proletariado na luta. Na luta, o proletariado avança e desenvolve sua consciência, suas formas de organização, sua unificação, e, nesse processo, passa de classe determinada pelo capital para classe autodeterminada (ou, como disse Marx usando linguagem hegeliana, “de classe em-si a classe para-si”). Porém, a classe dominante sabe disso e por isso usa todos os seus recursos (aparato estatal, meios oligopolistas de comunicação, instituições de ensino, etc.) para amortecer os conflitos de classes e evitar a autonomização do proletariado.

O proletariado realiza sua autolibertação, mas não faz isso num fantástico mundo isolado, fora da história e das relações sociais. As lutas espontâneas são combatidas e impedidas pelo capital e, nesse processo, recebe a ajuda escusa da esquerda, dos partidos políticos, da classe burocrática e da classe intelectual. O que existe de apoio ao proletariado, uma classe social de assalariados sem grandes recursos, sem grande bagagem cultural, é as demais classes inferiores, que, na maioria das vezes, se encontra num nível inferior de desenvolvimento da consciência e organizacional, bem como de setores da juventude e da intelectualidade, e o bloco revolucionário. De todos esses aliados potenciais, o bloco revolucionário seria o mais sólido no plano intelectual e o mais resoluto no plano da ação e da iniciativa. Os demais também são atingidos pela hegemonia burguesa, pelas necessidades cotidianas, entre outros processos.

Porém, o bloco revolucionário não está livre da hegemonia burguesa e dos demais elementos que atinge o resto da sociedade. A origem de classe de grande parte de seus integrantes, geralmente oriundos das classes superiores, é um dos obstáculos nesse processo, pois esses indivíduos carregam consigo valores, interesses, ideias, que não são efetivamente proletárias (no sentido revolucionário), devido ao lugar social do qual emergem. A isso se soma o lugar onde se encontram, sendo que a maioria são estudantes ou intelectuais e, portanto, estão envolvidos com as escolas e instituições de ensino e suas ideologias, doutrinas, interesses, valores, influências, correntes de opinião. Alguns tentam superar isso caindo no obreirismo e outros equívocos semelhantes, confundindo proletariado como classe determinada e proletariado como classe autodeterminada. Além disso, os limites intelectuais (o que, na contemporaneidade, se torna mais dramático, pois ao mesmo tempo em que o acesso às obras revolucionárias e a informação é facilitado, o grau de leitura e aprofundamento é reduzido, bem como os modismos e a hegemonia se tornaram ainda mais fortes nos meios revolucionários) acabam promovendo interpretações e análises equivocadas, gerando ecletismos e ambiguidades por conta da falta de autonomia intelectual e dificuldade de expressar a perspectiva do proletariado revolucionário.

Neste contexto, a relação entre bloco revolucionário e processo eleitoral deveria ser de luta contra as eleições e afirmação da necessidade de autonomização do proletariado. Porém, as ambiguidades do bloco revolucionário dificultam esse processo. Inclusive, em períodos eleitorais, os setores mais indecisos e volúveis do bloco revolucionário abandonam a posição revolucionária, e alguns não apenas momentaneamente, mas definitivamente (no fundo, abandonam o seu período de “arroubo infantil” e rebeldia, voltando como filhos pródigos ao lar das classes superiores, passando a buscar “vencer na vida”, o que combina bem com o conformismo e conservadorismo, mesmo que seja em sua forma “progressista” e ainda mantendo discurso “esquerdista”). Outros cedem às pressões do progressismo e eleitoralismo, incluindo supostos anarquistas, que seriam antieleitorais por princípio.  Alguns não conseguem se posicionar contra a corrente predominante de opinião que se estabelece nos meios intelectualizados e acabam cedendo ao eleitoralismo. Resta, assim, apenas uma parte do bloco revolucionário, a que efetivamente expressa sem ambiguidades a hegemonia proletária.

Assim, a relação entre bloco revolucionário e eleições é complexa e atualmente é marcada pelo retrocesso. Sem dúvida, a estagnação do movimento operário é uma das principais determinações desse processo. Contudo, a iniciativa do bloco revolucionário hoje pode contribuir com a superação dessa estagnação (e a desestabilização e possível crise que se aproxima é outra ainda mais forte), criando uma retroalimentação. Isso também serviria para fortalecer e ampliar a hegemonia proletária no interior do bloco revolucionário, o que beneficiaria ele nas lutas posteriores e isso, por sua vez, ampliaria sua possibilidade de uma intervenção mais importantes nas lutas de classe que virão. Assim, apenas o voto nulo autogestionário ou outras formas de recusa do processo eleitoral são formas de luta revolucionária, visando deslegitimar a democracia burguesa e contribuir com a autonomização do proletariado.

Publicado originalmente em:

Boletim do Movimento Autogestionário, Ano 01, num. 06, Julho de 2022.


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