Nildo Viana
A
luta operária realiza avanços e retrocessos durante o processo histórico. A
explicação disso remete a um conjunto de determinações. O aparato estatal, a
ilusão democrática, o consumismo, a cultura (ideologias, doutrinas, discursos,
etc.), o capital comunicacional, entre inúmeras outras determinações, travam a
luta operária. Com o desenvolvimento do capitalismo, a estratégia burguesa vai
se ampliando e agora invade o lazer, a cotidianidade, os sentimentos, as
divisões sociais, no sentido de impedir uma autonomização do proletariado. Não
é nosso objetivo discutir essa questão mais geral e sim algo mais específico.
Trata-se da questão das eleições e do bloco revolucionário e sua relação com a
estagnação da luta operária. Sem dúvida, as eleições são parte da “ilusão
democrática” e o bloco revolucionário deveria ser um ponto de apoio para a
autonomização do proletariado. Por isso, é fundamental uma reflexão sobre a
relação do bloco revolucionário com as eleições e de ambos com o movimento
operário.
As
eleições reforçam as ilusões democráticas. Elas amortecem a luta de classes ao
desviar a insatisfação social existente para a arena eleitoral e disputas pelo
poder estatal. Além dos candidatos “messiânicos” (os “salvadores da pátria”),
as promessas irrealizáveis, a tentativa de “lavagem cerebral” do aparato
estatal e capital comunicacional, o próprio período eleitoral aparece como um
momento de “democracia”, no qual o “povo” escolhe os governantes, e de
possibilidade de mudança. Sem dúvida, uma parte da população não se ilude com
isso, pois eleições após eleições, a sua vida não muda, a corrupção continua,
as coisas pioram em vários aspectos e momentos. Outra parte, por outras
determinações, como setores da juventude e da intelectualidade, também recusa o
processo eleitoral. Estes setores, em sua maioria, são integrantes do bloco
revolucionário. Porém, para grande parte da população a ilusão democrática
persiste.
Nesse
sentido, as eleições realizam o processo de amortecer as lutas de classes. E
isso é ainda mais verdade com o oportunismo dos partidos de esquerda que
canalizam todas as suas forças para conseguir retorno eleitoral. assim, uma das determinações (embora de
efeito temporário) da estagnação do movimento operário é o processo eleitoral.
O bloco revolucionário, tem, por conseguinte, a tarefa de combater a ilusão
eleitoral. O bloco revolucionário deveria ser a fração mais resoluta, a que tem
uma percepção mais global e acima dos interesses pessoais, partidários, grupais
ou até mesmo de setores das classes trabalhadoras, dentre aqueles que lutam
pela transformação social, tal como Marx definiu ao tratar da posição dos comunistas.
Porém, aqui encontramos um elemento problemático, que é a ambiguidade no
interior do bloco revolucionário. Essa ambiguidade se manifesta não apenas no
processo eleitoral, mas em diversas outras questões. Contudo, o nosso objetivo
se limita a analisar a relação entre bloco revolucionário e o processo
eleitoral, o que nos faz focalizar apenas esse aspecto da questão.
O
bloco revolucionário deveria ser o setor mais avançado da luta política,
trabalhando no sentido de contribuir com a autonomização do proletariado para
que este assumisse independência de classe e lutasse por seus interesses, tanto
os imediatos quanto o histórico e fundamental, que é transformação radical e
total das relações sociais, o que significa lutar pela abolição do capital, e,
por conseguinte, pela sua autoabolição. A autonomização do proletariado
significa que ele deixa de seguir ao reboque do capital, dos governos, dos
partidos, de outras classes sociais (burocracia, intelectualidade, etc.), rompe
com a hegemonia burguesa e ideias dominantes, e, ao mesmo tempo, recusa a
burocracia e os seus falsos representantes e dirigentes. Esse processo de
autonomização significa que a classe operária passa a se ver como classe e
reconhecer o processo de exploração e dominação ao qual está submetida, bem
como a necessidade de revolução social. O proletariado caminha espontaneamente
para tal autonomização, pois seu modo de vida e condição de classe, as relações
instituídas com a burguesia e o resto da sociedade, gera sua insatisfação e
contestação, gera a luta. O trabalho alienado, mortificador, além dos problemas
políticos e econômicos,
O
proletariado realiza sua autolibertação, mas não faz isso num fantástico mundo
isolado, fora da história e das relações sociais. As lutas espontâneas são
combatidas e impedidas pelo capital e, nesse processo, recebe a ajuda escusa da
esquerda, dos partidos políticos, da classe burocrática e da classe
intelectual. O que existe de apoio ao proletariado, uma classe social de
assalariados sem grandes recursos, sem grande bagagem cultural, é as demais
classes inferiores, que, na maioria das vezes, se encontra num nível inferior
de desenvolvimento da consciência e organizacional, bem como de setores da
juventude e da intelectualidade, e o bloco revolucionário. De todos esses
aliados potenciais, o bloco revolucionário seria o mais sólido no plano
intelectual e o mais resoluto no plano da ação e da iniciativa. Os demais
também são atingidos pela hegemonia burguesa, pelas necessidades cotidianas,
entre outros processos.
Porém,
o bloco revolucionário não está livre da hegemonia burguesa e dos demais
elementos que atinge o resto da sociedade. A origem de classe de grande parte
de seus integrantes, geralmente oriundos das classes superiores, é um dos
obstáculos nesse processo, pois esses indivíduos carregam consigo valores,
interesses, ideias, que não são efetivamente proletárias (no sentido
revolucionário), devido ao lugar social do qual emergem. A isso se soma o lugar
onde se encontram, sendo que a maioria são estudantes ou intelectuais e,
portanto, estão envolvidos com as escolas e instituições de ensino e suas
ideologias, doutrinas, interesses, valores, influências, correntes de opinião.
Alguns tentam superar isso caindo no obreirismo e outros equívocos semelhantes,
confundindo proletariado como classe determinada e proletariado como classe
autodeterminada. Além disso, os limites intelectuais (o que, na
contemporaneidade, se torna mais dramático, pois ao mesmo tempo em que o acesso
às obras revolucionárias e a informação é facilitado, o grau de leitura e aprofundamento
é reduzido, bem como os modismos e a hegemonia se tornaram ainda mais fortes
nos meios revolucionários) acabam promovendo interpretações e análises
equivocadas, gerando ecletismos e ambiguidades por conta da falta de autonomia
intelectual e dificuldade de expressar a perspectiva do proletariado
revolucionário.
Neste
contexto, a relação entre bloco revolucionário e processo eleitoral deveria ser
de luta contra as eleições e afirmação da necessidade de autonomização do
proletariado. Porém, as ambiguidades do bloco revolucionário dificultam esse
processo. Inclusive, em períodos eleitorais, os setores mais indecisos e
volúveis do bloco revolucionário abandonam a posição revolucionária, e alguns
não apenas momentaneamente, mas definitivamente (no fundo, abandonam o seu
período de “arroubo infantil” e rebeldia, voltando como filhos pródigos ao lar
das classes superiores, passando a buscar “vencer na vida”, o que combina bem com
o conformismo e conservadorismo, mesmo que seja em sua forma “progressista” e ainda
mantendo discurso “esquerdista”). Outros cedem às pressões do progressismo e
eleitoralismo, incluindo supostos anarquistas, que seriam antieleitorais por
princípio. Alguns não conseguem se
posicionar contra a corrente predominante de opinião que se estabelece nos
meios intelectualizados e acabam cedendo ao eleitoralismo. Resta, assim, apenas
uma parte do bloco revolucionário, a que efetivamente expressa sem ambiguidades
a hegemonia proletária.
Assim,
a relação entre bloco revolucionário e eleições é complexa e atualmente é
marcada pelo retrocesso. Sem dúvida, a estagnação do movimento operário é uma
das principais determinações desse processo. Contudo, a iniciativa do bloco
revolucionário hoje pode contribuir com a superação dessa estagnação (e a desestabilização
e possível crise que se aproxima é outra ainda mais forte), criando uma
retroalimentação. Isso também serviria para fortalecer e ampliar a hegemonia
proletária no interior do bloco revolucionário, o que beneficiaria ele nas
lutas posteriores e isso, por sua vez, ampliaria sua possibilidade de uma
intervenção mais importantes nas lutas de classe que virão. Assim, apenas o
voto nulo autogestionário ou outras formas de recusa do processo eleitoral são
formas de luta revolucionária, visando deslegitimar a democracia burguesa e
contribuir com a autonomização do proletariado.
Publicado originalmente em:
Boletim
do Movimento Autogestionário, Ano 01, num. 06, Julho de 2022.
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