O QUE É MÚSICA BREGA?
Nildo Viana
A
definição e entendimento do que é música brega é difícil tendo em vista
diversas concepções a respeito, embora a maioria sem maior fundamentação. Alguns
confundem música brega com gênero musical, o que é um equívoco e uma
classificação arbitrária. Alguns rotulam como “música brega” todas as músicas
que não gostam, o que é um uso opinativo e sem fundamentação.
A
palavra brega tem vários sentidos. Alguns contam uma história sobre o seu
surgimento, que não teria a ver com o significado da palavra em Portugal (ação
do toureiro durante a tourada, tendo sido importada da Espanha). Segundo uma
das histórias da origem da palavra, ela teria surgido numa boate na região
nordeste, na qual cantores considerados de má qualidade cantavam (Reginaldo
Rossi, Waldick Soriano, etc.), que se chamava “Nóbrega”, mas o letreiro em néon
queimou e apagou as duas primeiras letras, ficando apenas “brega”. Uma outra
história conta que a palavra surgiu em Salvador, Bahia, numa rua em que ficavam
várias casas de prostituição, e se chamava “Rua Padre Manuel da Nóbrega” e a
ferrugem teria apagado o nome quase inteiro, sobrando apenas “brega”. Essas
histórias são meras curiosidades, pois a origem do significado que vamos
abordar é mais importante do que a origem da palavra em si.
O significado da palavra brega se consolidou através dos meios oligopolistas de comunicação, especialmente a Rede Globo de Televisão, durante os anos 1980. Os arquitetos dessa denominação foram intelectuais progressistas que tinham espaço no capital comunicacional. A consolidação se iniciou em 1984 quando o cantor Eduardo Dusek lançou seu LP Brega e Chique em 1984 e mais ainda em 1987, com o lançamento da novela Brega & Chique pela Rede Globo de Televisão. No fundo, a ideia já existia muito antes, bem como outra palavra nomeava o fenômeno: cafona. Aliás, nos anos 1970 a palavra cafona era bastante usada e novamente foi a Rede Globo a responsável pelo seu sucesso, especialmente através da novela chamada justamente “O Cafona”, que foi ao ar em 1971.
Abertura da Novela O Cafona:
A
explicação desse processo remete ao contexto. Nos anos 1970, período da
ditadura militar, havia uma forte censura, mas havia também uma forte
resistência nos meios intelectualizados, o que jogava grande parte da
intelectualidade e da juventude no bloco progressista. Os autores das
telenovelas da Rede Globo eram, em sua maioria, intelectuais progressistas. E
nos meios intelectuais havia toda uma crítica à cultura denominada “alienada”
(um uso indevido do termo, ganhando o sentido de estar “fora da realidade”), e
de mau gosto. Um elitismo era propagandeado pelo capital comunicacional, mas,
ao mesmo tempo, uma certa criticidade aparecia simultaneamente. Basta ver as
propagandas da época, que mostravam uma valoração do dinheiro (como em uma
sobre cartão de crédito, uma novidade naquele momento que só era acessível à
parte mais endinheirada das classes superiores), assim como as novelas não
cansavam de apresentar mansões e iates, tal como se via nas novelas Selva de Pedra (1972) e Semideus (1973).
Esse
processo, no âmbito musical (já que o “brega” e o seu antecessor, o “cafona”,
não se referia apenas à música, mas também ao vestuário, decoração, etc.), se
iniciou nos anos 1960, nos quais havia uma posição mais elitista, expressa pela
Bossa Nova, que buscava produzir “música de qualidade”, enfrentando diversos
gêneros musicais, alguns considerados de má qualidade, como o bolero e a
seresta. O samba passa a ser mais refinado tecnicamente e sua união com o jazz
e os novos temas (não mais o “barracão” e a vida da população mais pobre e
negra, dos morros cariocas ou da periferia de outras grandes cidades) como a
belezas naturais do país e do Rio de janeiro, a beleza feminina, etc. passavam
a ser dominante nesse gênero. Porém, o regime militar deslocou parte dos representantes
da Bossa Nova, como Edu Lobo, e outros para a “canção de protesto” e aí se
consolida a MPB, música popular brasileira, através dos festivais musicais.
Surge, também o tropicalismo. Por outro lado emerge uma nova música trivial e
mercantil inspirada na música estrangeira, a Jovem Guarda. Assim, a partir, por
um lado, da Bossa Nova e a valoração da técnica e, por outro, da “canção de
protesto” e valoração da crítica social, se gerou uma posição de negação das
músicas de técnicas simples e sem criticidade. Nesse contexto o capital
comunicacional avançava na sociedade brasileira e a música trivial ganhava
novos filões do mercado, tal como a Jovem Guarda e as músicas de sucesso
popular da época (bolero, seresta, etc.). Se desenvolvia, nessa época, uma maior
diversificação através do capital radiofônico e do capital televisivo (além dos
festivais de MPB, e dos programas de auditório, entre outros, havia os
programas específicos de bossanovistas, tropicalistas e da Jovem Guarda).
Assim,
existia uma oposição, realizada por intelectuais elitistas e progressistas (com
critérios diferenciados, pois para uns a distinção era fundamentalmente técnica
e temática, enquanto que para outros era especialmente política e social).
Nesse contexto, a MPB erudita da Bossa Nova convivia com a MPB semierudita da
canção de protesto[1]
e tropicalismo e ambas conviviam com a música considerada de má qualidade, que
reunia um conjunto de músicas, gêneros, cantores e cantoras, como destaque para
a Jovem Guarda. O tropicalismo, que tinha como destaques musicais Gilberto Gil
e Caetano Veloso, emerge tentando reunir, o que se percebe pela ideia de
“geleia geral”, esses extremos (Viana, 2009). Isso gerou polêmicas,
especialmente em relação aos adeptos da canção de protesto e nacionalistas em
geral. O tropicalismo, no entanto, apesar de abordar temáticas despolitizadas,
como Baby, de Gal Costa (quando essa música foi cantada em um lugar público que
reunia artistas, a reação negativa de Geraldo Vandré tinha sua razão de ser,
afinal era a época do regime militar e a letra tratava de banalidades da vida
cotidiana), também apresentava músicas com crítica social. No plano técnico, ao
mesmo tempo que desagradava os nacionalistas por usar guitarra, também trazia
elementos tradicionais da música brasileira[2]. O
tropicalismo também pode ser considerado semierudito, ao lado da canção de
protesto.
O que
nos interessa aqui, no entanto, é a música considerada de má qualidade. Não
havia uma palavra para nomeá-la até esse momento. Má qualidade, “alienada”,
entre outros termos apareciam, mas não era consenso e nem tinham popularidade
além de alguns setores dos meios intelectualizados. É apenas com o passar do
tempo que a palavra “cafona” vai se estabelecendo e a novela da Rede Globo de
mesmo nome consolidou. E isso mostra uma divisão de classes sociais. A
juventude das classes superiores e os meios intelectualizados ouviam música
clássica, bossa nova, tropicalismo, canção de protesto, rock and roll. Os indivíduos
das classes inferiores, embora alguns ouvissem parte dessas músicas, ouviam,
além disso, samba, bolero, música caipira, baião, rock, etc. Porém, alguns
gêneros nacionais não recebiam as mesmas críticas que outros. Para alguns dos
meios intelectualizados, o baião e o samba, por exemplo, não entravam no rótulo
de música ruim, embora, para muitos, também não fizessem parte da música de
alta qualidade.
Mas o
que era a “música cafona”? A música cafona era qualquer música considerada de
má qualidade da época. Porém, essa denominação se estabeleceu nos anos 1970,
momento em que houve uma mutação musical na sociedade brasileira. Com a MPB
consolidada via capital radiofônico e televisivo, a divisão musical dos anos
1960 deixou de existir. A bossa nova praticamente desapareceu, o tropicalismo
teve uma curta duração, a canção de protesto se confundiu com as músicas gerais
de crítica ao regime militar e deixou de existir como tendência musical. Assim,
a MPB acabou concretizando a ideia de “geleia geral”. Mas isso no seu setor de
qualidade superior. Ao lado disso, o capital fonográfico investia em novos
produtos musicais. A música trivial ganha novas formas, com os herdeiros da
Jovem Guarda e dos gêneros marcadamente românticos, como o bolero e a seresta.
Assim, o rock trivial, simplificado e infantilizado da Jovem Guarda, tal como
se via em músicas como “Calhambeque”,
“Splish Splash”, “Pega Ladrão”, etc. perdeu espaço, mas os
seus representantes continuaram e representaram uma das mais fortes tendência
da “música cafona” (mais tarde denominada “brega”). Sérgio Reis abandona o rock
trivial e adere gênero da música sertaneja[3],
fazendo grande sucesso com “O Menino da
Gaita” e “Menino da Porteira”,
entre outros. Os demais aderem a um romantismo sentimentalista ou um subproduto
do rock trivial, ou uma mistura de ambos, tal como Ronnie Von, Jerry Adriani,
Wanderléa, Vanusa.
Sérgio Reis: coração de papel:
Sérgio reis: Menino da porteira:
Além da
vertente oriunda da Jovem Guarda, emerge os herdeiros do bolero e da seresta,
bem como os que já emergiam no interior do novo clima musical. Esse último foi
o caso de Amado Batista, Odair José, Fernando Mendes, Ângelo Máximo e diversos
outros. Os herdeiros da música trivial dos anos 1960 e anteriores também
continuavam e se adaptavam aos novos tempos, tais como Agnaldo Timóteo e
Altemar Dutra[4].
Uma outra vertente era a do que poderíamos denominar “brega chique”[5],
que eram músicas com aceitação relativa nos meios intelectualizados e classes
superiores, tal como foi o caso de Roberto Carlos, Wando e outros. A música
brega chique possui, em alguns casos, elementos musicalmente mais elaborados do
que o brega comum da época. A transformação da música caipira em música
sertaneja abre um novo filão de música brega, que ainda mantém relação com o mundo
rural, mas que se perder com a urbanização mais geral e intensa a partir dos
anos 1980, especialmente com a emergência de duplas como Leandro e Leonardo,
Chitãozinho e Chororó, Christian e Ralph, entre diversas outras. Trata-se,
nesse caso, de um gênero brega. A partir dos anos 1980, além de uma nova onda
de cantores bregas, surgem mais gêneros bregas (pagode[6],
axé, etc.), de acordo com a necessidade do capital fonográfico de criar
modismos musicais passageiros. Alguns cantores mais antigos se renovam para se
adequar ao novo momento musical, como foi o caso de Cauby Peixoto, como se vê
até na sua mudança de vestuário, e outros.
Isso
tudo quer dizer que a música brega não é homogênea e possui diversas variedades
e divisões. Porém, é preciso entender o que significa música brega e depois
entender suas variações. A música brega não é um gênero musical, como alguns
equivocadamente acreditam (Souza, 2009). Um gênero pressupõe seguir regras fixas
e específicas que o caracterizam, tal como o rock, o jazz, o samba. A música
brega, inclusive pela própria origem da palavra, não está tratando de gênero
musical e sim de um conjunto de músicas e gêneros musicais considerados de
baixa qualidade. No fundo, é uma distinção de classe social. Quem produz música
brega, em sua maioria (e não em sua totalidade) é oriundo das classes
inferiores, com bagagem cultural mais limitada, bem como, geralmente, formação
musical mais precária. Quem ouve música brega é, em sua maioria, pessoas das
classes inferiores. Porém, a sua origem é nos estratos inferiores das classes
inferiores. E por isso se destoa de outros estratos, que, inclusive, encontra
uma parte que não simpatiza com tais músicas. Não é à toa que Amado Batista era
chamado do “rei das empregadas domésticas”. Aliás, Eduardo Dusek expressava
isso em uma de suas músicas (Maldito
Dinheiro):
Eu
era lixeiro, você empregada
A
gente se amava e se encontrava
Na
mesma calçada
Ouvindo
pelo rádio
Uma
brega, de Amado Batista,
Eu
me lembrei, já meio atrasado,
da
hora do dentista
Essa
vinculação de classe social tem a ver com o processo de proximidade temática e
vida cotidiana da população mais pobre. Porém, através de uma versão
empobrecida e exagerada. Por isso muitos se equivocam em confundir música brega
com música romântica. O romantismo sempre foi um dos temas fundamentais da
música popular, independentemente do gênero musical ou da qualidade técnica.
Assim, no rock, Elvis Presley e diversos outros fizeram diversas músicas
românticas. Alguns roqueiros fizeram músicas românticas de alta qualidade, como
se pode ver em “Desculpe o Auê”, de
Rita Lee, “Certas Coisas”, de Lulu
Santos, entre diversos outros exemplos. Mas não apenas no Rock, pois a maioria
das músicas semieruditas brasileiras são românticas, tal como se vê em cantores
como Tim Maia, Zizi Possi e diversos outros. Os eruditos, como os bossanovistas,
mesmo que de forma discreta, também produziram músicas românticas. Posteriormente,
nos anos 1980, Tom Jobim faz sucesso com tema de novela Luiza. Porém, a música romântica aparece em todos os gêneros. Claro
que “música romântica” não é um gênero e sim uma classificação musical por
temática. Qualquer tema pode ser expresso em música de alta ou de baixa
qualidade (tanto no plano formal quanto no conteúdo), com maior ou menor
criatividade, etc.
Rita Lee: Desculpe o Auê
Lulu Santos: Certas Coisas
Tim Maia: Gostava Tanto de Você
Zizi Possi: Perigo
Tom Jobim: Luiza
A música
brega é predominantemente romântica, mas não unicamente, como alguns dizem[7].
Em primeiro lugar, é preciso entender que o romantismo das músicas bregas é
sentimentalista. O romantismo sentimentalista além de exagerado, é simplório.
Ele se encontra presente em músicas sertanejas e outras versões bregas, sendo,
muitas vezes, apelativo. Esse é o caso de músicas como “Cadeira de Rodas”, de Fernando Mendes, ou “No Hospital”, de Amado Batista. No caso da música sertaneja, o
caráter simplório das letras, é o que predomina, tal como em “Pense em Mim”, de Leandro e Leonardo.
Fernando Mendes: Cadeira de rodas:
Amado Batista: No Hospital:
Leandro e Leonardo: Pense em mim
Porém, a
música brega não se limita ao romantismo sentimentalista. Temas gerais aparece,
inclusive alguns bem ridículos. O cantor brega Gilliard ficou conhecido por
suas músicas românticas, mas também lançou “Festa
dos Insetos”, no qual tematiza o incômodo provocado pela “pulga” e o
“percevejo”. Gretchen e suas músicas bregas dificilmente poderiam ser
entendidas como “românticas”, bem como as músicas de Genival Lacerda. O
humorismo simplório, ao nível de Os Trapalhões, é outro filão temático da
música brega. Genival Lacerda é um bom exemplo disso, ao lado de Sérgio
Mallandro e outros. Porém, a religião, como se vê no cantor de músicas românticas,
Antonio Marcos, que gravou O Homem de
Nazareth, e diversos outros temas também são trabalhados pelos cantores bregas.
O humor insosso que apresenta a sexualidade através do uso do duplo sentido
também é comum, tal como se vê em É o
Tchan e semelhantes. Assim, embora tenha uma temática predominante, não é
isso que define a música brega. Nem toda música romântica é brega, e nem toda
música brega é romântica.
Gilliard: Aquela nuvem:
Gilliard: Festa dos Insetos
Genival Lacerda: Vários músicas de humor insosso
Gretchen: Brega dançante
Sérgio Mallandro: Vem fazer Glu Glu
Antonio Marcos:
É o Tchan: Pau que nasce torto
Se não é
a temática que define a música brega, o romantismo sentimentalista, então o que
a caracteriza? A música brega é a música trivial que emerge a partir do capital
comunicacional nos anos 1970 e vai ganhando novas formas e contornos desde então.
A data de nascimento do brega coincide não apenas com o uso do termo “cafona”,
depois substituído por “brega”, mas por uma nova fase do capital comunicacional
e nova fase do capitalismo mundial e brasileiro. Nos anos 1960, especialmente
no seu final, após o Movimento Hippie, a contracultura, a chamada “Revolução
Sexual”, a radicalização do movimento operário e alguns movimentos sociais,
especialmente o estudantil, houve uma liberalização e a moral conservadora
passou a conviver com um novo moralismo, de orientação progressista, que foi,
após a derrota do Maio de 1968, assimilado pela burguesia e pelo capital
comunicacional. Assim, há uma mudança cultural e nos costumes, permitindo mais
amplamente tematizar sexualidade e outras questões que apareciam de forma mais
restrita e recatada. Por outro lado, o capital comunicacional ampliou suas
estratégias e aprendeu com o sucesso de Elvis Presley, The Beatles e do rock em
geral (cujo público-alvo era a juventude), passando a gerar produtos culturais
específicos para as classes inferiores e abrir espaço para todos que gerassem
consumo de mercadorias e mercancias. Roberto Carlos era para ser a versão
brasileira de Elvis Presley, para ficar em apenas um exemplo.
Roberto
Carlos: ídolo fabricado.
A
“música ligeira”, para utilizar termo de Adorno (1983)[8],
ganha novos contornos. Sem dúvida, antes desse período a mercantilização da
música produzia já músicas de qualidade inferior, mas ainda dentro de limites e
regras formais, que simplesmente deixam de existir após esse período. E isso –
bem como o sucesso relativo de público – reacende o elitismo de alguns, tal
como apontamos anteriormente. Assim, o setor hegemônico da produção musical
(bossanovistas e outros), o setor heterodoxo (tropicalistas e outros), o setor
engajado (canção de protesto e outros) conviviam com os amadores e venais. São
destes dois últimos grupos que se recrutaram a maior parte dos bregas. Em
síntese, a mutação cultural que ocorreu a partir dos anos 1970, derivada das
lutas de classes, explica o nascimento da música brega e essa é um
aprofundamento da música trivial (“ligeira”) que lhe antecedeu, ampliando sua
superficialidade, pasteurização e perda de criatividade. A música brega é a música
trivial em seu estado putrefato, embora com algumas variações que fogem um
pouco de situação tão deplorável.
Ela se
caracteriza por sua má qualidade, que se revela em sua musicalidade restrita,
simples e repetitiva, bem como por letras simples permeadas de clichês e
repetições. As vozes e interpretações não são homogêneas e harmônicas (existem
variações, alguns até que fazem interpretações melhores do que a média, como
Sérgio Reis que coloca emocionalidade em Menino
da Gaita, assim como Milionário e José Rico em Solidão, mas a maioria fica num nível bem inferior, tendo alguns
extremamente desafinados). Há uma forma de cantar – na verdade, mais de uma –
que é mais perceptível na música sertaneja, mas é visível em outras formas de
música brega, como nos derivados da Jovem Guarda, na forma seresteira de
outros. A originalidade e criatividade são restritas, sendo que um relativo
sucesso gera milhares de cópias e imitações. É uma música comercial, na qual a
qualidade e o caráter artístico são coisas secundárias ou são desconsideradas.
É por isso que transparece, em grande parte dos casos, uma bagagem musical
restrita dos seus produtores (existem exceções, inclusive por parte de alguns
oportunistas que mesmo possuindo uma bagagem cultural mais elevada e tendo potencial
de fazer música melhor, optam pelo brega por saber que é mais fácil e é um
filão que permite ganhar dinheiro). No fundo, é música produzida por
intelectuais venais[9],
com alguns sendo originalmente amadores, cujo compromisso principal é com o
dinheiro e o compromisso artístico, criativo, político, social, algo
secundário, quando existe.
Milionário e José Rico: Solidão:
Sérgio Reis: Menino da Gaita
Assim,
um cantor ou música brega reúne um conjunto de características que remetem para
a melodia, arranjo, entre outros aspectos técnicos, mas também interpretação,
voz, etc. até chegar ao conteúdo das letras e mensagens, que são pobres, muitas
sendo de um profundo mau gosto, apelativas, ridículas. Sem dúvida, existem
exceções. Um cantor brega pode fazer uma música que é diferente e melhor do que
a média de sua produção ou da média das produções bregas, bem como existem
alguns bregas que ficam acima da média na sua produção em geral. O contrário
também é verdadeiro, pois tem cantor/compositor erudito ou semierudito[10]
que pode fazer música brega, ou, ainda, elevar um cantor brega a um nível
superior. Lulu Santos, por exemplo, fez música (em coautoria com um dos grandes
compositores da MPB, Nélson Motta) para Sérgio Mallandro, Tric Tric, e se rebaixou ao nível da música brega, com letra
simplória e humor insosso. Também compôs (novamente com Nélson Motta) Sereia, para Fafá de Belém, elevando o
nível do repertório dessa cantora. Raul Seixas também se aproximou do brega em Tu és o MDC da Minha Vida e outras
músicas compostas por ele e gravadas por renomados cantores bregas (tal como “Doce, doce, amor”, de Jerry Adriani).
Sérgio Mallando: tric tric
Fafá de Belém: Sereia:
Raul Seixas e a música brega:
A música
brega não é homogênea. Além dela mudar historicamente, ela tem divisões e varia
em suas origens e processos de mutação, bem como em alguns casos há mesclas de
música brega e música não brega, tal como alguns sambistas que se aproximavam
do brega. Por outro lado, o rock trivial também se aproxima do brega, como é o
caso de Jota Quest e outras bandas da mesma época. É possível distinguir entre
o brega original de Amado Batista, Odair José e outros; o brega chique do
Roberto Carlos, Wando e outros; os ultrabregas, que são aqueles que assumem a
breguice e não temem o ridículo, como Falcão, Reginaldo Rossi e outros[11];
os bregas dançantes, como Gretchen, Sidney Magal e outros; o brega sertanejo
das duplas Zezé de Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo e inúmeras outras; o
brega passadista de Cauby Peixoto, Agnaldo Timóteo, Altemar Dutra, Nélson Ned,
Nélson Goncalves e outros; e a lista seria enorme chegando até as versões mais
recentes, como o sertanejo universitário, o “funk” brasileiro e o “tecnobrega”,
além das misturas e formas mais individualizadas, como se vê na cantora Anitta.
Existem
também aqueles que ficam na “fronteira” entre o brega e a música de melhor
qualidade. É o caso do rock trivial pós-1970, pois, por pior que seja, por
causa do gênero, não consegue ser totalmente brega, sendo que alguns poderiam
ser chamados de semibrega, embora haja exceções, como os Mamonas Assassinas,
que conseguiram ser bregas por completo, mas realizaram um amálgama do rock com gêneros,
estilos e outros aspectos do brega e outras manifestações musicais (e sua
aproximação ao brega é também extramusical e perceptível em seu vestuário, por
exemplo). Inclusive existem algumas músicas bregas que são regravadas por
eruditos ou semieruditos e assim conseguem ser elevadas a um patamar superior,
pois a nova interpretação, arranjo, etc., melhoram sua qualidade. Uma
comparação entre a versão original de Márcio Greyck e a regravação de Bárbara
Eugênia de É Impossível Acreditar que
Perdi Você mostra isso. A letra é a mesma, embora não possua grande riqueza
criativa, mas a nova versão a melhora. Existem algumas letras de música brega, no entanto, que são inadaptáveis, de tão ruins que são. O inverso também ocorre e a qualidade
pode ser diminuída drasticamente, tal como se pode ver na versão de Cartaz, de Raimundo Fagner, feita pela
dupla Jorge e Mateus. Existe, nesse caso, uma dificuldade de adaptação também, pois algumas letras são muitos extensas e complexas, dificultando a criação de uma "versão brega" da mesma.
Márcio Greyck: É impossível acreditar que perdi você:
Bárbara Eugênia: É impossível acreditar que perdi você:
Raimundo
Fagner: Cartaz
É preciso, no entanto, deixar claro que existe uma diferença entre a música de origem nas classes inferiores em geral e a música brega. As músicas folclóricas, tal como frevo, samba, baião, a música caipira, etc., são produzidas por indivíduos das classes inferiores e possuem qualidade superior às das músicas bregas, embora produzidas em condições muito mais adversas. A questão é que a capacidade criativa existe nas classes inferiores, apesar dos recursos tecnológicos, financeiros e outros serem escassos. A sua adaptação através do capital comunicacional tende a afastá-las de suas raízes e alterar sua forma, em alguns casos piorando, em outros, melhorando. O seu vínculo autêntico com a realidade social torna sua música também mais autêntica e sem a adulteração realizada pela música brega com sua submissão ao capital fonográfico. A adulteração da música caipira, transformada em sertaneja, mostra isso. A música caipira narrava a vida dos moradores do campo, o vínculo com a natureza, por exemplo.
Música caipira:
O Frevo
Sem
dúvida, muito do que é rotulado de “brega” não se baseia em uma análise da
produção musical em si e sim um processo de rotulação baseado apenas no gosto
musical. Existem também alguns que não são bregas, mas ao produzirem muitas músicas
românticas acabam sendo assim rotulados. A música brega é a música trivial
elevada a um alto grau de mercantilização e de má qualidade. Para
identificar uma música ou cantor/a (ou grupo musical) brega é preciso analisar
o seu conjunto e não apenas um aspecto isolado. Existem cantores que são bons
compositores, fazem música tecnicamente bem elaborada, mas não são bons
intérpretes, o que não faz deles representantes do “brega”; outros focalizam
mais a temática romântica, mas sua interpretação e outros aspectos musicais os
salvam de tal classificação. Obviamente que aqui descartamos aqueles que
simplesmente denominam brega o que não gostam, pois aí o critério é o gosto
pessoal, não tendo nada a ver com a música em si ou com análise musical. Por
exemplo, a música folclórica é melhor do que a música brega, mas quem não tem
vínculos com as suas origens podem não gostar, assim como tem pessoas que não
gostam de Bossa Nova, Jazz, Rock, Samba, e nem por isso eles se tornam
“bregas”. Claro que, por detrás disso, há muita irracionalidade e por isso a
reprodução desse discurso tende a continuar. Somente quem não entende
absolutamente nada de música[12] poderia,
por exemplo, dizer que Guilherme Arantes é “brega”, entre diversos outros
absurdos que são ditos por várias pessoas. Alguns álbuns de coleção de músicas bregas incluem cantores como Raimundo Fagner, Alceu Valença e outros junto com famosos bregas, o que é sem sentido (pode ter o sentido financeiro, pois o lucro é o que move as gravadoras).
O Rock trivial de Jota Quest: "Só hoje"
O
problema da música brega é, além de sua qualidade musical baixa, a sua
contradição com o processo de humanização e civilizatório. Sem dúvida, a
circunscrição burguesa e outros elementos da cultura da classe burguesa (formalismo, tecnicismo) e sua
busca por distinção são produtos do elitismo. Mas não é possível jogar fora a
criança junto com a água suja da bacia. Se, no âmbito musical, a Bossa Nova é
elitista e evasiva, o seu refinamento técnico não é problema. A oposição do
luxo e do lixo não faz o último se tornar bom pelo fato do primeiro surgir da
burguesia e suas classes auxiliares. A música brega não incentiva o
desenvolvimento intelectual e sentimental, não auxilia na humanização, não gera
informação ou desperta curiosidade, não traz o novo, não politiza. Ela promove
evasão e despolitização, transforma a arte em mero entretenimento
descompromissado, estando na fronteira entre o artístico e o não-artístico.
Claro que muitos intelectuais saem em defesa desses produtos culturais. Isso é o caso dos intelectuais populistas. Esses não querem que a consciência e a maioria da população alcance um nível mais elevado de humanização, politização, desenvolvimento intelectual e sentimental. Por isso, afirmam que esses elementos são oriundos da própria população e por isso é “popular” e “é igual a qualquer outra música”. Esse tipo de posicionamento não só coincide com os interesses do capital comunicacional e dos políticos profissionais, como contribui com a reprodução da desumanização. O discurso relativista também contribui com esse posicionamento. O relativismo é a forma mais “democrática” de legitimar a dominação e a miséria cultural reinante no capitalismo contemporâneo. O subjetivismo em todas as suas formas colabora com isso e hoje, “um par de botas é igual a Shakespeare” (Finkielkraut, 1988). Dizer que a música brega não é “inferior” e não se diferencia do rock, do samba, do frevo e de outras manifestações musicais de boa qualidade é o mesmo que dizer que um filme como Debi e Lóide ou os filmes pornográficos são “tão bons” quanto O Fantasma da Liberdade; 2001, Uma Odisseia no Espaço; O Crepúsculo dos Deuses; Vinhas da Ira; A Nós a Liberdade, por exemplo.
Existem os que justificam as músicas bregas afirmando que elas questionam e subvertem a ordem estabelecida. Esse argumento não se sustenta, pois mesmo que a música brega (e a breguice em geral) se contraponha ao formalismo, discrição e outros elementos do estilo burguês de vida, isso não tem nada de subversivo. A razão disso é relativamente simples: é apenas uma contraposição ao gosto de uma classe social e não à sociabilidade e relações sociais da sociedade capitalista. Se os burgueses gostam de golfe, isso não faz ser subversivo gostar de futebol, que foi tão mercantilizado e se tornou tão evasivo que tem a função, para a maioria da população, de reprodução do capitalismo. Desagradar os indivíduos burgueses em seu gosto e estilo não tem nada de contestador. A recusa do formalismo, quando cai no seu par antagônico, a recusa da forma, é tão nonsense quanto ele. A música brega não efetiva uma real crítica ao capitalismo e sim apresenta uma contraposição ao estilo da classe burguesa. Toda crítica deve ter um objetivo ao invés de ser apenas “crítica pela crítica”. Nesse sentido, é importante compreender que a crítica deve ser acompanhada por um projeto de transformação e que ela deve, por conseguinte, ser totalizante. Não basta questionar o estilo de vida burguês e suas imitações nas classes auxiliares da burguesia, é necessário questionar o estilo de vida de todas as classes sociais produzidas pela sociedade capitalista e todos os gostos, valores e estilos que reproduzem a sociabilidade burguesa e que continuam o processo de competição e supervaloração da riqueza e do poder. A “contestação brega” nada contesta. No máximo é uma nova forma de competição que quer valorar o lixo para se igualar ao luxo e não para superar ambos.
Uma parte dos intelectuais defendem a música brega por serem os seus equivalentes em outras áreas culturais; outros por razões políticas e alguns por puro oportunismo, além daqueles que acabam reproduzindo as concepções hegemônicas e subjetivistas acriticamente. Há também o caso daqueles que passam a gostar de tais músicas e assim saem em sua defesa e assim justificam o seu mau gosto e seu caráter volúvel e subserviência aos ditames do capital comunicacional[13].
Para aqueles que gostam de música brega, ou uma ou outra manifestação dela ou cantor/a específico, é preciso entender que a formação do gosto musical (Viana, 2014) é complexa e a consciência crítica dos próprios gostos, valores e sentimentos é um elemento importante para o desenvolvimento pessoal. Muitos, ao adquirirem tal consciência, abandonam gostos e valores, outros apenas omitem e evitam manifestá-los publicamente. O vínculo sentimental e histórico que uma música brega pode despertar, apesar de sua má qualidade, justifica e legitima tal gosto. Quem ouvia Roberto Carlos na infância, pode ter boa recordação de algumas músicas, por exemplo. O mesmo vale para qualquer outro, tal como Roberto Leal, José Augusto, entre outros. Outros reconhecem que gostam, mas não defendem e sabem que se trata de algo de nível inferior (técnico e de conteúdo). O que não se justifica e legitima é querer afirmar sua suposta qualidade ou querer relativizar e fazer de conta que todas as produções musicais, de Tiririca a Beethoven, ou de Lindomar Castilho a Dire Straits (ou, para citar música brasileira, Engenheiros do Hawaii), possuem a mesma “qualidade” ou um “conteúdo” equivalente. Esse é o problema de alguns que gostam e defendem a música brega. A verdade deve prevalecer, mesmo que seja desagradável. E isso vale não apenas para a questão da música, mas para a arte em geral.
Tiririca: Florentina de Jesus
Beethoven: Para Elisa
Lindomar Castilho: Você é Doida Demais
Dire Straits: Sultans Of Swing
Esse problema também aparece para alguns dos produtores de música brega[13B]. Claro que existem diferenças, já apontadas, entre o que é brega, mas também existem variações de qualidade, desde a música brega que é completamente mal feita até aquelas que podem ser consideradas “menos ruins” e algumas que ficam na fronteira com música de qualidade mínima. Os ultrabregas e os brega chiques são distintos, tal como as demais diferenciações apresentadas. Por isso alguns podem se sentir ofendidos com a denominação (e críticas musicais, como as de Chico César, Itamar Assunção, Rita Lee e outros), mas ela não é gratuita e é possível passar com mais facilidade de “brega chique” para um ex-brega, desde que dê conta e esteja disposto a perder parte do público e dinheiro, ou então consiga convencer o público a manter a preferência apesar das mudanças e complexificação da produção musical. O passado brega é um complicador, nesses casos. Se quer continuar brega, que continue. O problema é transformar a miséria em virtude.
Chico César: Odeio Rodeio
Itamar Assumpção: Cultura Lira Paulista
Assim, a questão da música brega envolve vários aspectos. Outro aspecto é o histórico. A emergência do brega significou uma perda de qualidade na já precária música trivial anterior. A evolução da música brega não tem alterado essa tendência. A análise da história da música popular não aponta para nenhum otimismo para o seu futuro, pois a evolução da música vem sendo caracterizada, historicamente, por uma involução artística e social. E isso se relaciona com questões sociais, históricas e políticas mais amplas. Porém, o interesse fundamental aqui é o do capital comunicacional (especialmente o capital fonográfico), que é produzir produtos de custo mais baixo, menos complexos, e que atingem um grande público[14]. De forma derivada, ainda ganham com a despolitização e evasão. A hipermercantilização que ocorre no capitalismo contemporâneo empobrece ainda mais a qualidade da produção musical e do seu conteúdo. O brega contemporâneo, em suas múltiplas manifestações, se moderniza tecnologicamente, mas o avanço tecnológico é acompanhado pelo retrocesso da qualidade, tanto de forma quanto de conteúdo.
Exemplo de brega contemporâneo: "Vai Malandra", Anitta.
E quem mais
sofre com isso são justamente as classes inferiores, pois elas são privadas de
acesso à produção musical de melhor qualidade, bem como são vítimas do
empobrecimento musical. A música vira mero entretenimento, passatempo, ou, em
outras palavras, evasão. Um indivíduo, após ouvir uma música brega, fica mais
pobre e vazio do que era antes disso, com raras exceções. A crítica da música
brega é uma necessidade, apesar da tendência não ser favorável para uma mudança
na produção musical em grande escala, bem como sua divulgação nos meios
oligopolistas de comunicação. A música de melhor qualidade tende a ser ouvida
por uma minoria. Sem dúvida, só uma ampla luta social poderia forçar o capital
comunicacional a alterar sua rota, bem como incentivar produção musical mais
crítica e valiosa. O pior é que a rota do capital comunicacional é a da
sociedade capitalista como um todo, e aponta para a idiocracia[15]
como ponto de chegada. Nesse momento, o filme se torna realidade. E essa já é
parcialmente a nossa realidade.
Referências
ADORNO,
Theodor. O fetichismo na música e a regressão da audição. In: Benjamin/Adorno/Horkheimer/Habermas. Coleção
Os Pensadores. 2ª edição, São Paulo: Abril Cultural, 1983.
BOURDIEU, Pierre. Capital Cultural, Escuela y Espacio Social. México: Siglo Veinteuno, 1997.
BOURDIEU, Pierre. Gostos
de Classe e Estilo de Vida. In: ORTIZ, Renato (org.). Bourdieu. São
Paulo: Ática, 1994.
FINKIELKRAUT, Alan.
A Derrota do Pensamento. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1988.
JAMBEIRO,
Othon. Canção de Massa – As Condições da Produção. São Paulo: Pioneira,
1975.
MARX, Karl; Engels,
Friedrich. Sobre Literatura e Arte. 4a
edição, São Paulo: Global, 1986.
SOUZA,
Vinicius. A existência inexistente da música brega. Disponível em: http://www.cult.ufba.br/enecult2009/19570.pdf Acesso em: 01/03/2023.
VIANA,
Nildo. As Esferas Sociais. Rio de
Janeiro: Rizoma, 2016.
VIANA,
Nildo. Capital Fonográfico e a Formação do Gosto Musical. Revista Espaço Livre. Vol. 9, num. 17, 2014. Disponível em: https://redelp.net/index.php/rel/article/view/576.
VIANA, Nildo. O Mistério da MPB.
In: SOUZA, Erisvaldo. (Org.). Música e
Sociedade no Brasil. Uma Análise Crítica do Fenômeno Musical. Curitiba:
Prismas, 2018.
VIANA, Nildo. Tropicalismo: A Ambivalência de um Movimento
Artístico. Rio de Janeiro: Corifeu, 2009.
[1] Sobre o significado de música
popular erudita e semierudita, cf. Viana (2018).
[2] Cf. Viana, 2009.
[3] Em entrevista o cantor conta que
sua passagem para o sertanejo tinha a ver com uma apresentação numa boate em
Goiânia, que tinha exatamente o nome de “Cafona”, em 1973.
[4] Jambeiro narra o processo pelo
qual a gravadora Odeon, projetou, a partir de suas pesquisas de mercado, lançar
Altemar Dutra como principal concorrente de Nélson Gonçalves (da gravadora
concorrente RCA Vitor), denominado, na época, “o cantor romântico do Brasil”,
no público da “classe B”, pois na “classe C” ele já tinha concorrentes
disputando o espaço musical. “Possuindo exatamente o material vocal de que a
Odeon necessitava para seu plano de concorrência com Nélson Gonçalves, ele foi
imediatamente contratado e mantido em silêncio, sem nada gravar, durante quase
seis meses. Nesse tempo, a gravadora tratou de adaptá-lo ao estilo de que
precisava, treinando-o no gênero [sic] romântico, a fim de que perdesse as
características que havia adquirido no Trio Irakitan [pelo qual teve uma breve
passagem – NV], possuidor de um etilo diferente, já que cantava principalmente
sambas e sambas-canções, em arranjos modernos e alegres” (Jambeiro, 1975, p.
11-12).
[5] A ideia do “brega chique” e do
“cafona” é a mesma: indivíduos saem das classes inferiores se enriquecendo, mas
não conseguem adotar o novo padrão cultural em sua totalidade. São os chamados
“novos-ricos”. A novela Brega & Chique
apresenta a inversão entre uma mulher rica que empobrece e uma mulher pobre que
enriquece, tal como na música do mesmo título de Dusek (https://www.youtube.com/watch?v=ZePFx_MhBFo).
A música de Eduardo Dusek, “Barrados no
Baile” é uma sátira com um casal que quer frequentar a “alta sociedade” (https://www.youtube.com/watch?v=FFviOhJE_YA).
Bourdieu (1997; 1994) tematizou isso colocando a questão do capital cultural,
distinto em classes sociais distintas.
[6] Não se trata do pagode que
surgiu com subgênero do samba, mas sim a versão derivada e empobrecida que
surge no final dos anos 1980.
[7] Essa versão aparece, por
exemplo, no documentário “Amor e Brega”, no qual seleciona apenas as músicas
bregas centradas no romantismo sentimentalista e temas semelhantes (https://www.youtube.com/watch?v=WQlx6KxiJY0).
[8] O que não quer dizer que
concordamos com este autor. A posição de Adorno é elitista ao opor “música
ligeira” e “música séria” (“clássica”). A música trivial não é o mesmo que “música
ligeira” para Adorno, mas tão somente as músicas populares puramente
comerciais. Porém, existem semelhanças na análise de Adorno sobre “música
ligeira” e o que abordamos enquanto música trivial, só que nossa delimitação é
mais restrita e exclui desse âmbito diversas manifestações de “música popular”.
[9] Intelectuais, aqui, não
significa pessoas inteligentes e nem grandes pensadores. Os intelectuais são os
indivíduos que compõem a classe intelectual, que engloba pensadores complexos e
renomados, bem como artistas, professores, dos mais variados níveis, incluindo
aqueles de pequena bagagem cultural. A função dos artistas, incluindo músicos,
é a produção cultural e eles vivem disso. A qualidade do produto, bem como sua
complexidade, é outra questão. É a divisão social do trabalho que define se
alguém é “intelectual” ou não, e não a inteligência, bagagem cultural, etc.
[10] A distinção entre música popular
erudita e semierudtiva pode ser vista em O
Mistério da MPB (Viana, 2018). Disponível em: https://informecritica.blogspot.com/2020/01/o-misterio-da-mpb.html
[11] Esses assumem a “breguice” de
forma integral, alguns inclusive usam roupas espalhafatosas. É claro que essa
tendência é reforçada ao surgir um público de “saudosistas do brega”.
[12] Não no sentido de saber técnico
ou ampla bagagem informativa sobre produção musical, mas basta saber de
aspectos da evolução da música popular ou realizar a comparação entre as
diversas produções musicais para se evitar esse equívoco.
[13] Sobre a formação do gosto musical,
cf. Viana (2014).
[13B] - “A concentração exclusiva do talento artístico em alguns indivíduos e sua consequente supressão nas grandes massas representam o resultado da divisão do trabalho” (Marx e Engels, 1986, p. 21). Além da divisao social do trabalho e constituição dos artistas profissionais, se cria também uma subdivisão e hierarquia interna, incluindo os artistas venais. A esse respeito, cf. Viana, 2016.
[14] O capital comunicacional cria um público específico com determinado gosto musical e este, uma vez existindo, acaba reproduzindo espontaneamente o que foi criado artificialmente. E isso serve de pretexto para muitos afirmarem que foi uma criação e/ou demanda popular, justificando, assim, diversas manifestações da música brega. E, contemporaneamente, a internet permitiu que setores da sociedade abandonem o acesso musical por via do capital radiofônico e televisivo, e este é o público mais exigente. Assim, o capital radiofônico e o televisivo (especialmente TV aberta) se tornam ainda mais poderosos e com menos pressão para elevar a qualidade dos seus produtos e divulgação musical.
[15] Filme norte-americano de 2006.
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