LULA OU BOLSONARO?
A PESQUISA ELEITORAL E A ILUSÃO DA OPINIÃO
Nildo Viana
O resultado
da pesquisa eleitoral realizada pelo Instituto Paraná Pesquisas/RecordTV Goiás,
pode ser, para muitos, surpreendente. Porém, é preciso compreender alguns
aspectos da pesquisa eleitoral para entender o seu significado. Assim, vamos
iniciar com uma discussão sobre pesquisa eleitoral e depois analisar o
resultado dessa pesquisa, que apontou um empate técnico entre Lula e Bolsonaro
na preferência do eleitorado goiano.
As pesquisas
eleitorais são pesquisas de opinião. Isso traz um problema para tais pesquisas, pois opiniões
não são convicções[1].
As opiniões são momentâneas, volúveis. As convicções são mais arraigadas e
mudam com muito mais dificuldade. As preferências eleitorais são, em sua
maioria, opiniões e, portanto, facilmente alteradas. Isso altera com o tempo. No
contexto atual, o índice de eleitores que manifestam suas opiniões (em comparação com as convicções) é bem maior
do que quando estivermos diante da disputa eleitoral, pois agora reina falta de
informações, não começou a propaganda política (o que tende a alterar a imagem
dos candidatos, os desconhecidos ficam um pouco mais conhecidos, os que estão
na frente passam a ser mais criticados e atacados, etc.), entre outras
questões.
Por isso, o
resultado da pesquisa em questão é bastante superficial e dificilmente será o
que veremos nas eleições do ano que vem, inclusive devido ao quadro caótico da
política e sociedade brasileira atuais, o que torna o eleitorado ainda mais vulnerável para
mudanças drásticas de opinião. O resultado da pesquisa aponta para três
aspectos que chamam a atenção: os primeiros colocados, Lula e Bolsonaro, mais
ainda o segundo e por sua posição de quase empate com o primeiro; os índices de
votos de Lula junto à população de idade mais avançada, especialmente acima de
60 anos e o índice de Bolsonaro diante dos eleitores mais jovens; o alto índice
de futuros eleitores que não votam em nenhum dos candidatos listados.
Os primeiros colocados na pesquisa são Lula e Bolsonaro. Essa é uma tendência
nacional. Porém, uma tendência do momento e, além disso, numa situação política
e social caótica que caracteriza a sociedade brasileira na atualidade. Com o
desenvolvimento do processo social e político, incluindo o início das campanhas
eleitorais, a tendência é ambos os candidatos perderem votos, pois na
competição eleitoral, informações e denúncias, entre outros processos (além do
surgimento e fortalecimento de outros candidatos), tendem a atingir
especialmente estes dois candidatos.
A razão para
isso é a oposição que a candidatura Lula teria para os setores que articularam
o impeachment de Dilma Roussef, que aglutina não apenas diversos
partidos, mas também setores da sociedade e poderosas instituições e organizações
empresariais. A ala mais conservadora do bloco dominante[2] não
somente evitará aliança com o PT (Partido dos Trabalhadores), tal como aconteceu
no passado e permitiu a ascensão desse partido à burocracia governamental
(Partido Liberal, Rede Globo, etc.), como agora tende a tentar evitar sua volta
ao governo usando todos os recursos para isso. A campanha contra Lula tende a
ser impiedosa e poderosa, do ponto de vista financeiro.
Além disso, Lula
tem ampla rejeição de vários outros setores da sociedade, por outros motivos.
Diversos setores da juventude e certos grupos e intelectuais, rejeitam Lula por
causa de seus governos anteriores e não ter efetivado uma política voltada para
mudanças sociais mais amplas. Outro setor que rejeita Lula é o daqueles que
priorizam as questões morais, sendo que o vínculo do Partido dos Trabalhadores
com certas políticas e discursos, como “gênero”, “homossexualidade”, “corrupção”,
etc., tendem a criar forte rejeição nos meios populares.
Por outro
lado, ele tem eleitores fiéis, como os petistas e simpatizantes, além de outros
setores da esquerda, da burocracia e intelectualidade, bem como setores de
movimentos sociais que foram cooptados pelos governos petistas. No entanto, o peso eleitoral desses setores é
bem pequeno e as eleições municipais de 2016 demonstraram isso.
A tendência,
nesse contexto, é a de que Lula perca terreno durante a campanha eleitoral e
sua posição atual seja explicada pelos elementos citados acima. O caso de
Bolsonaro é diferente. Os seus índices eleitorais são mais surpreendentes. No
entanto, também não é um candidato forte e está sendo beneficiado pela
conjuntura e falta de outros candidatos mais expressivos. Bolsonaro tem setores
da sociedade que são fiéis e manterão o voto, mas no conjunto, é
percentualmente muito pequeno. O início da campanha deve gerar um candidato
mais adequado para unir o bloco dominante e seus setores antipetistas. Muitos destes
setores não gostam e não confiam em Bolsonaro. Seria muito difícil ele
conseguir ser um segundo Collor. Isso só ocorreria se ele e Lula disputassem o
segundo turno, sendo o candidato preferido do bloco dominante nesse contexto.
O início da
campanha deve mostrar uma rejeição maior em relação ao atual deputado do PSC
(Partido Social Cristão), da mesma forma que no caso de Lula. O seu alto grau
de rejeição convive, ainda, com um partido pouco expressivo e sem grande
estrutura e quadros políticos e recursos financeiros, o que significa que uma
vez iniciada a campanha eleitoral tende a ficar atrás no processo de propaganda
eleitoral generalizada.
Assim, é
possível perceber, pela pesquisa, que a maioria dos eleitores de Lula são de
escolaridade inferior e acima de 60 anos, o que nos aponta para a hipótese de
que sua força está mais, além de suas bases próprias, nos setores mais
empobrecidos da população e mais velhos, nos quais a relativa “melhoria”
durante os dois governos de Lula seja motivação para votar nele novamente. Sem
dúvida, é um setor da população que vincula a estabilidade política e financeira
relativa existente nos dois mandatos de Lula com o indivíduo que ocupou a
presidência, desconsiderando as bases criadas pelos governos anteriores e
desconhecendo a dinâmica da acumulação de capital que permitiu um período de aceleramento
da acumulação.
No entanto,
entre a juventude, a sua popularidade é baixa, tanto em relação aos votos mais
conservadores que estão migrando para Bolsonaro e outros, quanto os setores
mais descontentes, que migram para o voto nulo e abstenção (o que pode ser
deduzido da opinião de não votar em nenhum dos sete candidatos apontados pela
pesquisa)[3].
Os votos de Bolsonaro junto à juventude é especialmente em relação a certos
setores dessa, majoritariamente os homens. Aqui temos outra divisão: Lula tem mais
votos femininos e Bolsonaro mais votos masculinos. Bolsonaro tem uma grande
rejeição entre as mulheres, por razões óbvias (seu discurso sexista, por
exemplo). No entanto, o quadro eleitoral geral, a partir da pesquisa, mostra que
Lula tem mais votos em certos setores da sociedade, mas mesmo nesse caso está
longe de ser unanimidade, não consegue chegar nem a um terço. O caso de
Bolsonaro é um pouco inferior. O fato de Bolsonaro ter conseguido ficar em
segundo lugar e com uma votação expressiva é explicado pela distância do
processo eleitoral, pela falta de opções e informações, bem como pela rejeição
de Lula que em grande parte vai migrar para o segundo lugar ou para o seu
antagonista no plano moral.
No entanto,
a disputa eleitoral pode avançar num sentido no qual nenhum dos dois candidatos
melhor posicionados chegue ao segundo turno, tanto pela rejeição e problemas de
ambos, que serão exaustivamente explorados na campanha eleitoral, quanto pela
situação conturbada que vive o país. No caso de Bolsonaro, outro elemento é a
fragilidade de sua sigla partidária e no caso de Lula há o elemento adicional
do enfraquecimento drástico do PT.
Um terceiro elemento que chama atenção na pesquisa é o número elevado de
pessoas que afirmam não votar em nenhum dos sete candidatos listados (15%) e um
percentual razoável de “indecisos” (5%). Os eleitores que não votam em ninguém
ficam em terceiro lugar na pesquisa. Isso significa, que mesmo numa pesquisa
estimulada e que busca avaliar opinião (e não convicção) eleitoral, o índice de
recusa de todos os setes candidatos é alto e o número de indecisos é razoável e
dentro do esperado. Esse processo tende a fortalecer o número de votos nulos,
votos brancos e abstenções.
Por outro
lado, essas informações mostram que parte da população rejeita todos os
candidatos e que a força de Bolsonaro entre a juventude é pequena, embora
significativa eleitoralmente, mas que tende a diminuir. Da mesma forma, os que
não votam em ninguém mostram os descontentes e que eles se concentram nos
setores mais empobrecidos e nos setores mais intelectualizados, sendo que o
índice menor de recusa se encontra nos setores intermediários, tanto no plano
da renda quanto da educação. Isso significa que os dois setores em que Lula
teria mais força, há um maior número de descontentes. E isso tende a aumentar
com a campanha eleitoral. Ou seja, além do número significativo de eleitores
que rejeitam todos os candidatos, há uma tendência para eles aumentarem e
enfraquecerem justamente os dois primeiros colocados na pesquisa.
Em síntese,
a pesquisa mostra um momento de predominância de determinadas opiniões
eleitorais que tende a se alterar com o desenvolvimento da campanha eleitoral e
da situação do país. Esse momento não deve iludir as pessoas pensando que
teremos um segundo turno com Lula e Bolsonaro. Os candidatos que estarão no
segundo turno são ainda imprevisíveis e uma das possibilidades é que nenhum dos
dois que hoje ficam nos primeiros lugares das pesquisas eleitorais chegue ao
segundo turno.
[1]
Sobre isso, cf. VIANA, Nildo. A Pesquisa em
Representações Cotidianas. Lisboa: Chiado, 2016; VIANA, Nildo. Representações
Cotidianas e Correntes de Opinião.
Revista Espaço Livre. Vol. 10, num. 19, 2015. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rel/article/view/293/227
[2] Para compreender os blocos sociais, cf. VIANA, Nildo. Blocos Sociais e Luta de Classes. Revista Enfrentamento, ano 10,
N. 17, jan/jun. 2015. Disponível em: http://enfrentamento.net/enf17.pdf e
em: http://informecritica.blogspot.com.br/2016/03/blocos-sociais-e-luta-de-classes.html
[3]
Os sete candidatos que aparecem na pesquisa são: Lula, Bolsonaro, João Dória/Geraldo
Alckmin, Marina Silva, Ciro Gomes, Joaquim Barbosa, Álvaro Dias. A pesquisa
apresentou duas possibilidades de candidatura do PSDB, João Dória e Geraldo
Alckmin e a mudança de candidato não altera significativamente o quadro
eleitoral.
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