Karl Marx e a Comuna de Paris segundo C. L. R. James
Nildo Viana
C. R. L. James é um autor pouco conhecido. Sua obra mais conhecida no Brasil é a única traduzida, “Jacobinos Negros” (James, 2000). Porém, suas demais obras, do período pós-trotskista, tal como Capitalismo de Estado e Revolução Mundial, não foram traduzidas e são praticamente desconhecidas. O presente texto visa discutir um artigo deste autor sobre Marx e a Comuna de Paris, divulgado em sites trotskistas. Isso se deve ao fato de que C. R. L. James aderiu, por algum tempo, ao trotskismo e quando escreveu este texto ainda estava nessa tendência. Poucos trotskistas sabem que ele abandonou o trotskismo e se tornou um dos principais articuladores da tendência Jonhson-Forest, um grupo autonomista norte-americano, que rompeu com o trotskismo e leninismo, inclusive analisando a URSS como um capitalismo de Estado.
No seu texto sobre a Comuna, uma abordagem que tem pontos problemáticos óbvios derivados do trotskismo, James coloca que a classe trabalhadora norte-americana não está habituada com a história das lutas proletárias como ocorre na Europa. Segundo ele, somente uma minoria, iria comemorar o aniversário da morte de Marx (14 de março) e o aniversário da Comuna (18 de março). Tais comemorações são questionáveis, caso não seja mera reprodução de hábitos burgueses, tal como encontrar uma suposta data especial para tudo, na maioria dos casos, mercantilizado. Porém, não é este o caso de James. O raciocínio de James aponta para que o aprofundamento da crise internacional (seguindo aqui o cacoete da pseudo-esquerda tradicional, que é sempre aguardar ou propagandear uma suposta “crise do capital” ou mesmo “crise final do capitalismo”), o proletariado dos EUA irá aumentar seu interesse por tais acontecimentos. Assim, a radicalização da luta de classes nesse país aumentará o interesse pelo marxismo. O que nos interessa, no entanto, é a análise que ele faz da Comuna. Nesse contexto de radicalização do proletariado norte-americano, haverá então uma atenção deste em torno da Comuna, pois os comunardos, “deram ao mundo, pela primeira vez, a forma política finalmente descoberta sob a qual se realiza a emancipação econômica do trabalho”, diz James citando Marx.
James retoma Marx e sua produção para depois chegar à questão da Comuna. Ele afirma que a vida de Marx foi uma “totalidade unitária”. Ele teria dedicada a “demonstração científica” do “declínio inevitável” do capitalismo. Ao lado de tal declínio, analisou o “proletariado socialista”, destinado a destruir o capitalismo e instaurar o socialismo, erradicando a exploração do homem pelo homem. Além da linguagem, essas afirmações são problemáticas e estão inseridas numa concepção não-marxista. A demonstração de Marx sobre as tendências do capitalismo não são científicas, no sentido burguês do termo, como diria Korsch (1977) e se trata justamente de “tendências” e não de inevitabilidade, que é uma deformação do pensamento de Marx e do materialismo histórico-dialético. James afirma:
“Não havia em Marx o menor traço de misticismo. Era um mestre da economia política inglesa, filosofia alemã e ciência política francesa. Estes foram por ele usados em seu trabalho monumental para estabelecer que o movimento social tinha a inevitabilidade de um processo de história natural, que era “governado por leis não apenas independentes da vontade, da consciência e da inteligência humana, mas antes, ao contrário, determinavam esta vontade, consciência e inteligência”. Não quis ele dizer com isso que o futuro da sociedade humana estava predestinado em todos os eventos e acontecimentos. Sabia que os homens fazem a sua própria história. Sabia que a vida social avançava através dos conflitos de interesses e paixões, complicados por todos os intrigantes fenômenos que assistem à atividade diária de centenas de milhões de seres humanos. Ele, no entanto, mais que qualquer outro pensador, determinou o fato de que todas estas múltiplas ações ocorrem segundo leis determinadas. Para ele, a lei mais importante era o movimento orgânico do proletariado para derrubar a sociedade burguesa”. Outro equívoco é dizer que Marx era mestre em “economia política”, “filosofia alemã” e “Ciência Política francesa”. Marx, na verdade, como fica claro nos títulos de seus livros, era um crítico da economia política, e, além disso, foi severo crítica da filosofia idealista na Alemanha e do socialismo utópico francês, que, não se saber por qual motivo, James transformou em ciência política.
O início da citação é bem complicado e remete à ideologia leninista das leis da história e da inevitabilidade da mudança independente dos seres humanos. Curiosamente, a citação sobre “governo das leis” não tem fonte e pode ser atribuída, erroneamente, a Marx, tal como dá a entender o trecho. James minimiza seu equívoco ao colocar que Marx sabia que são os homens que fazem sua história, mas, no entanto, conclui equivocadamente que isso ocorreria segundo “leis determinadas”, posição tipicamente positivista clássica, segundo a qual, o mundo é regido por leis, inclusive a sociedade.
James retoma o aspecto do marxismo que ele julga importante, discutindo a grande obra de Marx, O Capital. Ele retoma a exposição de Marx do trabalho assalariado enquanto produto da exploração, marcado pela alienação, especialização e rígido controle por parte do capital. Também retoma a tese de que o proletariado abre possibilidade para a emergência de uma nova humanidade, indo além da alienação. Marx também era um militante, acrescenta James, e por isso ele saudou a Comuna de Paris, que passa a ser o tema de suas reflexões.
James coloca o contexto histórico em que ocorre a Comuna de Paris e a união entre governo francês e exército alemão para destruí-la. Ele, enquanto representante do trotskismo, acaba deformando o que Marx afirmou, ao dizer que os operários parisienses “tomaram o poder em Paris e estabeleceram a Comuna de Paris”. O que ocorreu, em termos marxistas, foi a destruição do Estado capitalista, ao invés de tomada do poder. Ele reafirma o que Marx colocou sobre o que foi a Comuna de Paris, ele diz que foi essencialmente um “governo da classe operária”, o produto da luta da classe produtora, o proletariado, contra a classe exploradora, a classe capitalista e foi “a forma política finalmente descoberta” de emancipação humana. Assim, a ideia de um “governo da classe operária” poderia fornecer o mal entendido da concepção de Marx. Para quem não lê o texto completo de Marx sobre a Comuna (Marx, 1986; Viana, 2011) e realiza uma análise verbalista (Labriola, s/d), ao colocar a palavra “governo” parece que Marx justifica a interpretação leninista de “tomada do poder”. Porém, a leitura rigorosa do texto de Marx aponta para a ideia do autogoverno dos produtores, autogestão social, e não para um “estado proletário”, criação da ideologia leninista. É preciso, inclusive, saber que os conceitos de governo e estado são distintos e Marx usa o segundo no sentido de quem detém o controle e, nesse caso, era o proletariado.
James busca explicitar o que a Comuna simbolizou:
“A Comuna de Paris foi em primeiro lugar e acima de tudo uma democracia. O governo era um corpo eleito pelo sufrágio universal. Nenhum dos seus funcionários recebia mais que o salário de um operário qualificado. Não expropriou a propriedade da burguesia, mas entregou a associações de operários todas as oficinas e fábricas fechadas, fosse porque os proprietários capitalistas tivessem fugidos ou simplesmente porque tinham decido interromper o trabalho. Durou 71 dias. Foi destruída por uma combinação da sua própria fraqueza, principalmente a falta de decisão, e das traições da burguesia francesa em uma despudorada aliança com o exército alemão. A brutalidade assassina com que os combatentes da Comuna foram fuzilados, torturados e deportados permanecem um marco na civilização européia até os dias de Hitler e Stálin. Hoje, para o proletariado americano há muitas lições a serem retiradas da história da Comuna. Talvez a mais importante para os operários de vanguarda são os métodos pelos quais Marx abordou o seu estudo as conclusões que tirou. Para ele, a Comuna, apesar do seu fracasso, foi um símbolo de valor inestimável. Foi um símbolo na medida que mostrou as mulheres de Paris - heróicas, nobres e devotadas como as mulheres da antiguidade. Foi um símbolo na medida que mostrou ao mundo, “a Paris que trabalhava, pensava, lutava e sangrava - quase esquecida, em sua incubação de uma sociedade nova, dos canibais às suas portas - radiante no entusiasmo da sua iniciativa histórica”. Foi um símbolo na medida que admitiu todos os estrangeiros à honra de morrer pela causa imortal. Foi um símbolo porque antes mesmo que a paz fosse assinada com Alemanha, a Comuna fez de um operário alemão o ministro do Trabalho. Foi um símbolo porque ante os olhos dos conquistadores prussianos de um lado, e do exército bonapartista do outro, derrubou a grande coluna de Vendôme que erguia-se como um monumento à glória marcial do primeiro Napoleão. Marx viu nestas ações não gestos acidentais, mas a resposta orgânica do proletariado revolucionário às práticas bárbaras e à ideologia da sociedade burguesa”.
Nesse aspecto, há pouco a se questionar da interpretação de CRL James. Apenas o seu deslize formal de qualificar a Comuna como uma “democracia”, que, apesar de suas limitações, superou e o próprio Marx discutiu isso no sentido de mostrar a diferença entre parlamentarismo burguês e autogoverno proletário.
James encerra seu pequeno texto com uma conclusão:
“O mais importante, no entanto, é que Marx retirou grandes conclusões teóricas da experiência da Comuna. Mostrou que o exército capitalista, o estado capitalista, a burocracia capitalista não podem ser tomados pelos revolucionários proletários e utilizados para os seus próprios propósitos. Tinham que ser esmagados completamente e um novo estado organizado, baseado na organização da classe operária. Em 1871, ele tirou esta conclusão teórica. Em 1905, e mais tarde, em 1917, a classe operária russa, pela formação dos sovietes, ou conselhos operários, sentou as bases de um novo tipo de organização social. Foi pelos seus estudos da análise de Marx da Comuna que Lênin foi capaz de reconhecer com tanta rapidez o significado dos sovietes e estabelecê-los com a base do novo estado operário”.
Conclusão problemática, pois une o verdadeiro e o falso. O verdadeiro é que Marx realmente tirou grandes conclusões teóricas da Comuna, que ele percebeu a necessidade de abolir a burocracia e o Estado capitalista. O falso é que os proletários teriam que organizar um novo estado, afirmação não feita por Marx e uma imprecisão conceitual que tem sérias conseqüências políticas. Também é falso dizer que Lênin reconheceu “com tanta rapidez” os conselhos operários (sovietes) devido ao estudo de Marx. Na verdade, Lênin se colocou contra os sovietes em 1905 (Viana, 2010) e em 1917, com o seu ressurgimento e força política, ele de forma oportunista passou a defender “todo o poder aos sovietes”, mas no fundo queria era o apoio destes para conquistar o poder estatal (Viana, 2007). Da mesma forma, não existe e nem foi fundado um “novo estado operário” na Rússia, e sim um Estado burguês, com uma burguesia estatal oriunda da burocracia, fundidas como classe dominante, formando um capitalismo de Estado (Viana, 1993). E desde que Lênin e os bolcheviques assumiram o poder estatal, os sovietes foram combatidos e derrotados (Brinton, 1975), ou seja, nunca foram base de nenhum estado.
Assim, podemos notar que neste escrito James não ultrapassou os limites do trotskismo e por isso não pôde realizar uma apreciação mais profunda e correta da Comuna de Paris e do pensamento de Marx. Mas, felizmente, ao contrário de milhares de outros, abandonou o trotskismo e superou suas simplificações e deformações, contribuindo com o avanço da compreensão da Rússia como capitalismo estatal e das lutas operárias.
Referências:
Brinton, M. Os Bolcheviques e o Controle Operário. Porto, Afrontamento, 1975.
James, C. R. L. Os Jacobinos Negros. São Paulo, Boitempo, 2000.
Korsch, Karl. Marxismo e Filosofia. Porto, Afrontamento, 1975.
Labriola, A. Ensaios sobre o Materialismo Histórico. São Paulo, Atena, s/d.
Marx, Karl. A Guerra Civil na França. São Paulo, Global, 1986.
Viana, Nildo. A Revolução Russa de 1905 e os Conselhos Operários. Em Debate (UFSC. Online), v. 4, p. 42-58, 2010. Disponível em: http://informecritica.blogspot.com/2011/01/revolucao-russa-de-1905-e-os-conselhos.html
Viana, Nildo. Marx e a Essência Autogestionária da Comuna de Paris. Revista Espaço Acadêmico (UEM), v. 10, p. 56-66, 2011. Disponível em: http://informecritica.blogspot.com/2011/03/marx-e-essencia-autogestionaria-da.html
Viana, Nildo. O Capitalismo de Estado da URSS. Revista Ruptura, ano 01, num. 01, maio de 1993. Disponível em: http://informecritica.blogspot.com/2011/03/o-capitalismo-de-estado-da-urss.html
Viana, Nildo. Rússia: Uma Sociedade em Transformação. Sociologia, Ciência e Vida, v. 14, p. 10, 2007. Disponível em: http://informecritica.blogspot.com/2011/03/russia-1917-uma-sociedade-em-trans-html
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