A Aurora do Anarquismo no Brasil
Nildo Viana*
O anarquismo brasileiro tem uma longa história que vem sendo
reconstituída pela historiografia brasileira, embora, muitas vezes, de forma
preconceituosa. O nosso objetivo, no presente trabalho, é reconstituir as
origens do anarquismo no Brasil a partir de perspectiva histórica e explicativa
visando abordar as suas condições de possibilidade e sua hegemonia no movimento
operário no início do século 20. O anarquismo brasileiro, em sua origem, não só
era força hegemônica no movimento operário como era uma força política poderosa
e que estava presente nas lutas operárias de forma intensiva.
Iremos dividir o presente trabalho em três partes. A primeira aborda a
formação da classe operária, condição de possibilidade do anarquismo
brasileiro, que é nossa tese central. É com o surgimento da classe operária que
se constitui a possibilidade histórica do surgimento do anarquismo brasileiro,
sendo sua determinação fundamental. É com a constituição do proletariado que se
cria a base social necessária para a produção, desenvolvimento e divulgação das
idéias anarquistas.
A segunda parte aborda a imigração italiana para o Brasil e o seu papel
essencial na divulgação das idéias anarquistas em nosso país. A existência da
classe operária, bem como de sua exploração e dominação, principalmente na
época de sua formação, que é acompanhada por péssimas condições de trabalho e
habitação, elevadas jornadas de trabalho, baixos salários, ao lado de um
intenso despotismo fabril, produz a luta operária, a resistência dos
trabalhadores, suas primeiras formas de associação e organização, bem como traz
a necessidade de compreensão da realidade social à qual ela está inserida,
produz a formação de uma cultura operária, formas de manifestações culturais.
As representações cotidianas da classe operária são reforçadas pelas concepções
oriundas de outros setores da sociedade, incluindo os intelectuais. Durante a
formação da classe operária na Europa, as idéias socialistas foram sendo
produzidas no interior da classe operária (Wetling, Proudhon, etc.) e também
por intelectuais ou indivíduos de outras classes sociais. No caso brasileiro, a
formação do proletariado local esteve intimamente ligado à imigração européia,
mais especificamente italiana, no qual, devido ao processo anterior de formação
de sua classe operária, já trazia de lá uma forte cultura operária e a
influência das idéias socialistas, principalmente, no caso dos italianos, das
idéias anarquistas. A hegemonia do anarquismo no movimento operário brasileiro teve
como determinação fundamental a imigração italiana. Assim, podemos dizer que a
condição de possibilidade do anarquismo brasileiro foi a formação da classe
operária e da imigração italiana, e a hegemonia anarquista no movimento
operário brasileiro foi possibilitada por esta última.
A terceira e última parte é dedicada a analisar a relação entre movimento
operário e anarquismo no Brasil. O movimento operário brasileiro mostrou sua
força através de suas lutas esboçadas no final do século 19 e início do século
20 e os operários e intelectuais anarquistas tiveram um papel fundamental neste
processo e por isso iremos realizar uma breve reconstituição histórica deste
período heróico da luta operária no Brasil.
A Formação do Proletariado Brasileiro
A classe operária brasileira é formada através de um longo processo
histórico. A passagem do escravismo colonial para o capitalismo subordinado no
Brasil foi marcada pela abolição da escravidão, que foi o resultado de intensas
lutas sociais (dos escravos, abolicionistas, senhores de escravos, burguesia
nacional interessada em trabalhadores livres, potências estrangeiras, no caso a
interferência inglesa, etc.). A formação da classe operária brasileira,
portanto, ocorreu de forma diferenciada em relação ao caso clássico europeu. Na
Europa, houve a transição do feudalismo para o capitalismo, onde o trabalho
servil foi paulatinamente substituído por outras formas de trabalho,
especialmente o trabalho fabril. No Brasil, a transição foi do escravismo
colonial para o trabalho semilivre e “livre”. A abolição do trabalho escravo
significou uma ampla mudança na sociedade brasileira, instaurando novas
relações de produção. O trabalho “livre” é o trabalho assalariado, ampliado com
o fim da escravidão, e o trabalho semilivre é o ligado a relações de produção
não-capitalistas. A transição do escravismo colonial para o capitalismo foi
marcada pela ampliação das relações de produção capitalistas, no campo e na
cidade, e também pela instauração de relações de produção não-capitalistas,
expressas no chamado “coronelismo”, o que constitui uma complexa aliança entre
a classe capitalista e os latifundiários exploradores de trabalhadores do
campo. O trabalho assalariado vai se desenvolvendo paulatinamente mas somente
ganha impulso real com a imigração. O proletariado brasileiro é formado não por
uma população camponesa e artesã, tal como na Europa, mas principalmente pela
vinda de estrangeiros para o Brasil (Kowarick, 1987), sendo que a referida
população camponesa e artesã contribuiriam modestamente, do ponto de vista
quantitativo.
Antes do processo de expansão da industrialização brasileira, a classe
operária brasileira era numericamente insignificante, sendo mais numeroso o
operariado da construção civil e ferroviária. A industrialização brasileira
começa timidamente a partir de 1840, quando começa a se estabelecer as fábricas
modernas e o emprego de operários (Foot Hardman & Leonardi, 1991). A
industrialização brasileira foi, num primeiro momento, uma “industrialização
descentralizada”, o que impediu uma maior articulação do movimento operário.
Tal industrialização foi se concentrando cada vez mais na Região Centro-Sul:
“O deslocamento no espaço da indústria de
tecidos de algodão indica a importância gradativa que o centro-sul vai
assumindo, em confronto com outras áreas. O Estado da Bahia – Especialmente
Salvador e arredores – foi o primeiro núcleo das atividades do ramo, de 1844
até fins da década dos sessenta, reunindo cinco das nove fábricas existentes no
país em 1866. Em 1885, antes mesmo que na província de São Paulo a produção
industrial tivesse algum significado, observava-se a existência de maior número
de empresas no centro-sul. Dentre 48 fábricas arroladas em todo o país, 33 se
localizavam nesta região. Minas Gerais aparecia como a primeira província (13
unidades) tendo a Bahia 12, a província do Rio de Janeiro 11 e a de São Paulo 9
unidades” (Fausto, 1976, p. 14).
Neste período histórico, observa-se um crescimento do trabalho
assalariado nas cidades e do trabalho semilivre (sob as mais variadas formas)
no campo. A industrialização brasileira ganha impulso após este período, o que
promove um crescimento quantitativo da classe operária (Iglesias, 1987;
Gorender, 1988; Foot Hardman & Leonardi, 1991). Depois de 1880, há um aceleramento
do desenvolvimento industrial e este provoca uma demanda por força de trabalho.
A criação de novas indústrias ocorre de forma intensa: 150 entre 1880-1884; 248
entre 1885-1889, aumentado o seu número rapidamente, passando de 636 indústrias
e 54.169 operários em 1889 para 3.410 indústrias e 156.250 operários em 1907 e
chegando, em 1920, a 13.336 indústrias e 275.512 operários (Segatto, 1987). É a
partir do final do século 19 e início do século 20 que o processo de imigração
ganha impulso.
A origem social do proletariado brasileiro, no período anterior à
abolição, advinha da camada mais pobre da população urbana, no qual se
destacava a forte presença de força de trabalho feminina e precoce (crianças e
jovens).
“Além dos menores, empregados principalmente
na indústria têxtil, os proletários eram também originários do campesinato
pobre, especialmente em cidades isoladas do interior. Também ocorreu
proletarização entre certos artesãos, arruinados pela concorrência e pelos
baixos preços dos produtos similares industrializados. Nas primeiras décadas do
longo período 1840-1890, os operários especializados eram, em geral, recrutados
na Inglaterra. Mecânicos, mestres de fiação e de tecelagem, maquinistas,
moleiros e outros operários ingleses eram contratados por períodos de três a
cinco anos, com passagem de ida e volta. As doenças tropicais, principalmente a
febre amarela, atacavam-nos imediatamente após a chegada. Além da dificuldade
de adaptação destes trabalhadores, seus salários eram um pouco mais altos, o
que obrigou os industriais a procurar formar rapidamente os próprios operários
nacionais. Nos anos 90, o papel dos operários ingleses já era bem reduzido,
encontrando-se no Brasil profissionais em condições de substituí-los. Já em
1866, na Bahia, a indústria têxtil empregava quase exclusivamente operários
brasileiros que garantiam um padrão técnico de bom nível, assegurando a
qualidade de certos produtos. Em São Paulo e Rio, nos anos 90, os trabalhos
especializados eram executados por brasileiros ou por imigrantes
não-britânicos, em geral italianos, alemães, espanhóis e portugueses” (Foot
Hardman & Leonardi, 1991, p. 99).
A partir dos anos 90, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, passou a
predominar a força de trabalho estrangeira, especialmente italiana. As
migrações inter-regionais e internacionais formaram a base social da classe
operária brasileira deste período. O imigrante italiano provinha de várias
regiões, tal como Nápoles, Vêneto, Sicília, Calábria, entre outras (Dias, 1977).
A imigração vai atingindo índices cada vez maiores:
“Continuando o fluxo anterior, o decênio
de 1894-1903 assinala a entrada de 162 110 imigrantes, seguidos por 1 006 617
em 1904-1913, com uma queda para 503 981, de 1914 a 1923, resultante da guerra;
o decênio seguinte atinge o número de 737 233” (Carone, 1989, p. 8).
Em São Paulo, que vai se constituindo como centro industrial do país, a
imigração é intensa, tendo 149 018 operários, sendo a maioria absoluta composta
por estrangeiros; em 1912, 80% dos operários da indústria têxtil eram
estrangeiros (Rezende, 1990). Os italianos são a maioria dos imigrantes
estrangeiros em São Paulo. Após a abolição da escravidão, chegaram ao Brasil
cerca de 180 000 italianos e a partir de 1890 há um forte crescimento da
imigração italiana, sendo que entre 1888 e 1898 chegaram cerca de 820 000
italianos em São Paulo (61% do total da imigração) e em 1912, 60% dos operários
têxteis eram italianos (Foot Hardman & Leonardi, 1991).
Assim, o processo de industrialização constitui uma classe operária cada
vez mais numerosa e fortalece cada vez mais as relações de produção
capitalistas, instituindo a produção de mais-valor, através da exploração dos
trabalhadores fabris. A base da sociedade capitalista, o processo de exploração
do proletariado, sustentava a formação do capitalismo brasileiro. E, tal como
na Europa, o proletariado nascente é vítima de uma exploração intensiva, por
condições de vida e trabalho precárias, por jornadas de trabalho extensas e
pelo uso de força de trabalho feminina e precoce com salários mais baixos. A
luta de classes na esfera da produção marca o grau de exploração do operário e
isto interfere não somente nos salários, mas também nos custos da força de
trabalho, na produtividade, etc. A classe capitalista, deixada ao seu bel-prazer,
aumenta a taxa de exploração aos limites suportáveis pela força de trabalho, e,
às vezes, ultrapassa este nível, apostando na reserva de força de trabalho
existente e na possibilidade assim produzida de destruição de indivíduos
proletários. O despotismo fabril, no Brasil, não era diferente do existente na
Europa:
“Na grande indústria têxtil, violências
sexuais contra meninas e mulheres por parte de mestres e contramestres eram
denunciadas rotineiramente na imprensa operária. As prepotências e agressões
físicas dos chefes e mestres contra menores eram a norma também no caso da
indústria de vidros, de pequeno e médio porte. Um retrato em detalhe das
miseráveis condições de trabalho no setor de vidreiros foi feito por um antigo
operário do ramo, o memorialista Jacob Penteado. Além da violência física
contra os menores, eram comuns as punições, o alcoolismo e doenças como
tuberculose e a sífilis. Inexistia qualquer higiene nos locais de trabalho. As águas
eram insalubres e a temperatura da fornalha chegava a um grau insuportável,
dentro de um barracão de zinco sem janelas nem ventilação. O ar era totalmente
poluído pela poeira de vidro, além dos cacos espalhados no chão. O autor
comparou o interior de uma fábrica de vidro a um dos ‘círculos do inferno’”
(Foot Hardman & Leonardi, 1991, p. 136).
A vida fora da fábrica não era muito diferente. As condições de habitação
eram precárias, em São Paulo, os cortiços assumiam a forma mais comum de
residência operária. Não havia nenhuma participação do proletariado na política
institucional e ela era vigiada e controlada pelo Estado. Neste contexto, a
classe operária buscava resistir e lutar, criar sua própria cultura. É neste
contexto que irá surgir as idéias sindicalistas, socialistas e principalmente
anarquistas no interior do movimento operário nascente no Brasil. As concepções
anarquistas só puderam se desenvolver em solo brasileiro devido à formação da
classe operária e sua luta, sendo sua condição de possibilidade.
Imigração Italiana e Anarquismo
Já apontamos a importância da imigração italiana para a formação do
proletariado brasileiro. No entanto, é necessário também destacar o seu papel
no processo de desenvolvimento do movimento operário no Brasil e na hegemonia
anarquista existente nesse período.
O primeiro ponto a destacar é a razão de ser da imigração italiana. Segundo
alguns, isto se deve ao desemprego na Itália, o que provocava a imigração
visando fugir desta situação (Foot Hardman & Leonardi, 1991), ou a expansão
demográfica italiana (Azevedo, 1982). Sem dúvida, houve um conjunto de
determinações para o processo migratório. A situação de pobreza e miséria do
Norte da Itália, as doenças em expansão (malária, cólera, etc.), a concentração
fundiária, a política estatal, etc. No entanto, podemos resumir este conjunto
de determinações no processo social italiano, marcado por relações de produção
fundadas num alto grau de exploração dos trabalhadores agrícolas. A permanência
de relações de produção feudais ao lado de novas relações de produção
comandavam as ações estatais. A reação dos trabalhadores rurais se dava através
de “greves agrárias”, que foram aumentando a partir do final do século 19 e
início do século 20 (Azevedo, 1982). O desemprego e a pobreza geral era
visível. A alimentação era pobre em alimentos mais nutritivos e quase não se
consumia carne, ovos, leite e verduras frescas, sendo a polenta o alimento
básico para milhares de pessoas. Esta precária situação alimentar e a
desnutrição que lhe é derivada, aliada a algumas catástrofes naturais, tal como
enchentes e inundações, abria caminho para o desenvolvimento de diversas
doenças, a pelagra, a malária e a cólera, por exemplo (Azevedo, 1982).
A concentração fundiária e a pobreza dos trabalhadores rurais eram
reforçadas pela ação estatal, visando aumentar cada vez mais os impostos. O
processo de unificação italiana originou um Estado unitário que precisava de
recursos para consolidar o Estado-Nação italiano. Este quadro, incompleto, da
situação do Norte da Itália, mostra a tendência para a migração de milhares de
trabalhadores italianos, o que, em alguns casos, será reforçado pelo
messianismo religioso ainda forte em alguns segmentos rurais do norte da Itália
(Azevedo, 1982).
No entanto, esta tendência só se concretizou devido à política
imigratória do governo brasileiro e ao conjunto de interesses ligados a ela.
Esta política imigratória tinha dois objetivos diferentes: por um lado,
pretendia realizar uma colonização das províncias meridionais, implantando
colônias no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná; por outro, o
processo de industrialização paulista, que promovia programas de imigração e
colonização, sob as formas de assalariamento, parceria, empreitada, entre
outras. A imigração paulista era promovida, principalmente por grandes fazendeiros
e empresários urbanos, com apoio do governo provincial. As promessas de uma
nova vida, e a propaganda do governo brasileiro era um estímulo poderoso para
aqueles que viviam em uma situação subumana na Itália. Mas além do governo
brasileiro e seu incentivo à imigração italiana, também se constituiu um conjunto de interesses que reforçaram este
processo. As companhias de navegação, os bancos e as empresas de colonização
estavam interessadas na imigração italiana que lhe proporcionava enormes lucros.
Este conjunto de interesses e seu caráter lucrativo promoveram um amplo
incentivo ao processo migratório, muitas vezes acompanhado, tal como denunciado
pelo governo italiano, de “promessas falazes” (Azevedo, 1982).
Assim, a ânsia em buscar a superação de uma condição miserável e o desejo
de uma vida nova provocada pela situação do Norte da Itália, ao lado dos
incentivos provenientes do Governo Brasileiro e instituições privadas que
lucravam com isto, foram os elementos determinantes da grande imigração italiana
para o Brasil.
A imigração italiana também explica a hegemonia anarquista no movimento
operário brasileiro. O movimento operário italiano era fortemente influenciado
pelo anarquismo. Proudhon exerceu uma certa influência nos meios operários na
Itália, sendo que o primeiro jornal socialista deste país, Il Proletario, era de tendência proudhoniana, embora numa versão
moderada (Woodcock, 1984). Com a chegada de Bakunin, em 1864, as idéias
anarquistas se tornam mais influentes e assumem um caráter revolucionário. A
influência de Bakunin atingia um círculo de militantes italianos (Giuseppe
Fanelli, Saverio Friscia, Carlo Gambuzzi, Alberto Tucci) e o movimento
anarquista formou-se na Itália e foi se tornando cada vez mais forte.
“A relação de Bakunin com seus discípulos
italianos era muito próxima. Fanelli, Friscia e Tucci acompanharam-no quando
ingressou na Liga pela Paz e Liberdade, renunciando com ele mais tarde para
tornarem-se membros fundadores da Aliança Internacional da Social Democracia.
Fanelli, Gambuzzi, Tucci e Friscia, com Rafaelle Mileri, da Calábria, e
Giuseppe Manzoni, de Florença, formaram o núcleo do Comitê Nacional de Aliança.
Mais uma vez, é difícil determinar o poder que a Aliança obteve na Itália, já
que no início de 1869 a organização foi dissolvida e suas seções passaram
automaticamente a integrar a Associação Internacional dos Trabalhadores. Os
militantes italianos haviam se oposto a essa mudança, mas foi a partir dessa
época – os primeiros meses de 1869 – que começou a surgir na Itália um
influente movimento anarquista” (Woodcock, 1984, p. 116).
Este núcleo inicial de militantes anarquistas seria substituído por um
novo grupo, de onde sairiam destacados pensadores anarquistas, sendo Errico
Malatesta o nome mais proeminente. O grupo que contava com nomes como os de
Carlo Cafiero, Errico Malatesta, Carmelo Palladino, oriundos da região
camponesa mais pobre da Itália, nas quais resquícios de relações de produção
feudais e outras relações não-capitalistas conviviam com a ascensão capitalista
industrial em outras regiões italianas, foram importantes para a divulgação das
idéias anarquistas e fortalecimento do movimento anarquista italiano. O
anarquismo se desenvolveu através de diversas ações e atividades, tais como
publicações, congressos, e até mesmo insurreições, tal como o de Bolonha, entre
outras cidades italianas. A partir de 1880 a força do anarquismo italiano é
diminuída, apesar de publicações e outras ações (Woodcock, 1984). Os
anarquistas italianos com sua imigração assumiam um importante papel na
divulgação dos ideais libertários:
“O que distinguia os anarquistas
italianos dos anarquistas de outros países era o fato de que, ao emigrar, eles
se transformavam em missionários de suas idéias. Homens e mulheres como
Malatesta, Merlino, Pietro Gori, Camillo Berneri e sua filha Marie Louise
Berneri, exerceram uma influência constante sobre o pensamento e a atividade
anarquista internacional até a metade do nosso século. Em todo o Levante, os
primeiros grupos anarquistas foram italianos, enquanto que na América Latina e
nos Estados Unidos os imigrantes italianos desempenharam um importante papel na
difusão de idéias anarquistas durante a década de 1890, tendo publicado mais
‘jornais expatriados’ do que todos os outros grupos nacionais colocados na
mesma situação” (Woodcock, 1984, p. 128).
O anarquismo era a força política hegemônica no movimento operário
italiano. A influência de outras correntes políticas de esquerda no movimento
operário italiano, neste período de final de século 19 e início do século 20,
era pequena. O grande concorrente do anarquismo no movimento operário, o
marxismo, não era forte na Itália. A influência de Marx era maior na Alemanha e
com o passar do tempo atingiu outros países europeus, mas na Itália somente na
década de 20 do século 20 com Bordiga e Gramsci, entre outros, é que as idéias
de Marx passam a ser influentes no movimento operário italiano. Também na
Espanha, que também proporcionou uma massa de imigrantes influenciados pelo
anarquismo, a força hegemônica no movimento operário era o anarquismo.
A imigração italiana para o Brasil explica, portanto, a hegemonia do
anarquismo no movimento operário brasileiro, principalmente em São Paulo, onde
predominou a imigração italiana. Os italianos também foram para os outros estados,
assim como os espanhóis, sendo que, no Rio de Janeiro, eles eram a maioria ao
lado dos portugueses. Mas apesar da imigração espanhola ter contribuído com a
hegemonia anarquista no movimento operário, coube aos italianos o mérito de ter
sido a grande força de influência no caráter anarquista do movimento operário
brasileiro do início do século 20, principalmente tendo-se em conta que São
Paulo foi se constituindo no grande centro de concentração industrial e
operária do país.
Movimento Operário e Anarquismo no Brasil
A classe operária brasileira, tal como já colocamos, vivia sob condições
de vida e de trabalho desfavoráveis. Mas, no entanto, ela não era passiva e sim
ativa. As lutas operárias do início do século 20 no Brasil foram intensas. A
luta operária no Brasil neste período ganhou força por três motivos principais.
O primeiro era a situação da classe trabalhadora no Brasil em sua época de
“Revolução Industrial”, que já aludimos anteriormente, e isto provocava a
reação operária. Outro elemento que exerceu influência na ascensão das lutas
operárias no Brasil era a conjuntura internacional marcada por uma
radicalização do movimento operário e por lutas intensas a partir do final do
século 19 e principalmente no início do século 20 (basta lembrarmos a Revolução
Russa de 1905 e a nova tentativa de 1917, derrotada pela vitória bolchevique,
uma contra-revolução burocrática; as tentativas de revolução socialista na
Alemanha, Hungria, Itália, etc.). Um terceiro elemento que contribuiu com a
ascensão da luta operária no Brasil foi a influência das idéias socialistas
vindas da Europa, principalmente o anarquismo que acompanhava os imigrantes
italianos. Uma das primeiras manifestações de radicalidade do movimento
operário brasileiro foram as greves:
“As Greves, esparsas a partir de meados
do século 19, vão aumentando paulatinamente até 1900. Desta data em diante, os
movimentos grevistas que tinham caráter praticamente econômico e não obedeciam
a orientação de associações de classe, vão ganhando nova dimensão com a
fundação de entidades de classe, a princípio sob os títulos de ‘Associação’,
‘União’ e, por fim, Sindicato.
Pulando de estado para estado, vamos ver
que as greves tinham sempre uma feição econômica, neste final do século 19. Em
São Paulo, operários públicos declararam-se em greve por aumento de salário; o
mesmo tendo feito os chapeleiros que pretendiam melhorar seus vencimentos. Na
Bahia, os trabalhadores das docas vão à greve no ano de 1897, enquanto Santos
era palco duma parede que durou 15 dias, terminando com as investidas policiais
e ameaça de intervenção da Marinha e do Exército.
Na Estrada de Ferro Central do Brasil, em
São Félix, Bahia, os trabalhadores pleiteiam melhorias salariais e o pagamento
em dia, tendo o Governo prometido resolver a questão. Medidas semelhantes são
reclamadas no ano de 1898 aos donos da fábrica de fósforos Vila Mariana e da
indústria de tecidos “São Caetano”, ambas do Estado de São Paulo. O não
atendimento das reivindicações levou os trabalhadores a se declararem em greve.
Neste final do século 19 e começo do século 20, processam-se modificações
substanciais no setor trabalhista. O aumento de indústrias abrindo novos
mercados de trabalho fazem chegar, da Europa principalmente, operários
especializados, trazendo idéias novas e novos entendimentos dos direitos
humanos” (Rodrigues, 1977, p. 54)
A formação de associações ou “sindicatos” foi constante e esta foi a
forma organizativa principal neste período do movimento operário brasileiro.
Estes “sindicatos”, entretanto, não eram idênticos aos sindicatos
burocratizados do período histórico posterior no Brasil ou aos já existentes na
Europa. Tratava-se mais de associações de luta e reivindicações, cuja forma
organizativa e objetivos eram bem diferentes dos atuais sindicatos. Tais associações
possuíam dois objetivos principais: os imediatos, tais como o “melhoramento das
condições presentes, a propaganda associativa e a educação” e o objetivo final,
“a emancipação integral do trabalhador” (Rodrigues, 1977, p. 65). Eles não
participavam nas lutas partidárias, não aceitavam em suas fileiras patrões,
mestres e encarregados, bem como não admitiam funcionários pagos. A
administração era composta por cinco pessoas: 1 secretário, 1 tesoureiro, 1
revisor de contas e 2 vogais.
A luta operária a nível internacional foi outro incentivo para as greves,
associações e movimentos no Brasil. O anarquismo cumpriu um papel importante,
não só na divulgação de suas idéias como também no contato com as lutas do
passado e do presente na Europa. Antes da grande imigração italiana para o
Brasil, já haviam anarquistas italianos em nosso país. Um dos primeiros foi o
médico Libero Badaró, que chegou ao Rio de Janeiro em 1826 e em São Paulo
fundou o Jornal Observador Constitucional,
o segundo da cidade. Em 1830 ele é assassinado e a Rua Ouvidor passa a ter seu
nome. Na Rua Libero Badaró se aglutinavam os anarquistas, que em 1894
planejavam a primeira manifestação no dia Primeiro de Maio no Brasil
(Rodrigues, 1984). A Revolução Praieira teve como influência as idéias de
Proudhon e no Estado de São Paulo foram fundadas Comunidades de Oleiros, que
proporcionaram um trabalho educativo com salas de aula para crianças visando a
alfabetização, e artísticos, com peças teatrais anticlericais e revolucionárias
(Rodrigues, 1984).
Em 1888 chegou em São Paulo Artur Campagnoli, joalheiro, que comprou uma
fazenda e fundou uma comunidade, a Comunidade de Guararema, e chamou para viva
na fazenda coletiva diversas pessoas de várias origens nacionais, mas
prevalecendo italianos e entre suas atividades, além das produtivas, haviam
conferências, palestras, recitais de poesias libertárias, teatro social,
alfabetização (Rodrigues, 1984). No entanto, com a deposição de Dom Pedro II,
os republicanos decretaram a prisão de Campagnoli, que fugiu e depois retornou,
continuando seu trabalho de colaboração com a comunidade vizinha.
Outra experiência comunal foi a da Colônia
Cecília. Dom Pedro II, devido ao tratamento de saúde que fez na Itália,
passou a ter contato com o anarquista Giovani Rossi, que lhe presenteou com o
livro Il Commune in Riva al Mare (A Comuna à Beira Mar). Dom Pedro II ofereceu
300 alqueires no Paraná para que ele fundasse sua colônia. Os jornais
anarquistas na Itália anunciaram o acontecimento e muitos voluntários
apareceram, entre eles Gigi Damiani e Francisco Gattai, que terão forte
influência no movimento anarquista em São Paulo. Em 1890 eles chegavam nos
navios italianos (Rodrigues, 1984).
“Reunidos, concordaram em construir casas
coletivas para os solteiros e casas pequenas, com um mínimo de conforto, para
os casados que as quisessem ocupar, em vez das residências coletivas.
Escolhido e decidido com total liberdade
de todos e dentro de uma ordem irrepreensível, sem desconfiança, foi dado
início à coleta de ferramentas, e em pouco tempo todos trabalhavam, cada um
fazendo o que podia e sabia. Dentro em pouco estavam todos acomodados.
Isto feito, nasceu o grande Barracão,
lembrando a Casa do Povo de Milão, onde passariam a reunir-se, debater e
decidir coletivamente os trabalhos da colônia.
Tudo se resolvia em assembléias abertas,
gerais, com a participação dos habitantes da comunidade.
Para cada nova iniciativa, procedia-se a
debates, quer se tratasse de construções de mais casas, do moinho de fubá, da
montagem da oficina de sapataria ou de carpintaria, bem como para planejar
novas plantações, colheitas, trocas, vendas e compras fora da colônia.
Não havia donos, superioridades culturais
e profissionais nem figuras inferiores dentro da colônia, além daquela
hierarquia que cada componente carregava consigo, subjetivamente. Cada membro
da comunidade, adaptado à nova forma de trabalho, lutava lado a lado com seus
companheiros, durante o dia de enxada na mão, e, à noite, trocava idéias,
debatia interesses coletivos, sem esquecer o anarquismo, desafiado a viver na
prática. Um homem ali, valia um homem!
E no topo da mais alta palmeira da
Colônia, tremulava ao vento a bandeira vermelha e preta simbolizando o ideal e
os anseios que uniam os fundadores da Cecília” (Rodrigues, 1984, p. 24-25).
As dificuldades encontradas, desde os limites individuais expressos nos
valores e idéias da sociedade burguesa que os indivíduos carregavam consigo até
os naturais que dificultavam o processo produtivo, não foram suficientes para
acabar com a experiência da Colônia Cecília. Mas em 1890 Pedro II foi deposto.
Os republicanos começaram a atacar a Colônia Anarquista e a primeira forma como
fizeram isso foi cobrar altos impostos, o que fez com que os colonos aumentassem
sua carga de trabalho e passassem a trabalhar nas fazendas vizinhas (e muitas
vezes trapaceados, pois não recebiam o salário combinado) e até o caso de um
roubo de dinheiro, arrecadado para pagar os impostos, feito por um integrante
da Colônia. A experiência da Colônia Cecília foi destruída pela ação dos
soldados republicanos que, sob o pretexto de procurar um criminoso refugiado,
destruiu as obras existentes.
Estas primeiras experiências anarquistas no Brasil – que podem ser
consideradas utopistas, isto é, constituídas por utopias abstratas e não por
utopias concretas, pois para ser uma utopia concreta, que é aquela que vê no
presente os germens do futuro, sua
possibilidade concreta, os meios de sua realização, segundo Bloch (Furter, 1974),
seria necessário não criar comunidades isoladas mas sim participar do movimento
vivo e coletivo de transformação social – abriram caminho para o florescimento
de uma cultura libertária e anarquista, que se tornaria muito mais próxima ao
movimento operário, tal como ocorreu nos anos seguintes.
Já no final do século 19, cresce o número de militantes e agrupamentos
anarquistas. Os imigrantes italianos anarquistas formavam centros de cultura
social, grupos por afinidades, escolas para alfabetização de operários. Eles
incentivaram a formação de associações, e logo surgiram a dos sapateiros,
vidreiros, tecelões, operários da construção civil, etc. As profissões com
maior número de estrangeiros eram as primeiras
a organizarem suas associações e o anarquismo passou a ser o símbolo da “idéia
mestra da luta de classes”, na ótica do governo (Rodrigues, 1984). Os
anarquistas conseguiram realizar a sua primeira grande mobilização no dia
primeiro de maio de 1898:
“Os anarquistas resolveram comemorar o
dia 1º de maio de 1898, aproveitando a chegada de alguns militantes de valor
intelectual, remanescentes da Colônia Cecília, de Guararema e da Europa, como
Gigi Damiani, Galileu Botti, Artur Campagnoli, Felix Versand, Vitaliano
Rotellini (mais tarde diretor de Fanfulha),
Ambrósio Chiodi, Artur Breves, Bernardino Ferraz, Valentim Diego, Alfredo
Mari (diretor de Revesglio), eng. Alcebíades Bertolotti, Estevão Estrella e outros
anarquistas e socialistas. Foi uma manifestação estrondosa para a época,
principalmente em Santos, São Paulo, Jundiaí, Campinas e Ribeirão Preto, com
diversos oradores a falar simultaneamente junto às fábricas, nas praças e em
recintos fechados” (Rodrigues, 1984, p. 60).
É neste período que há a expansão das publicações e coletivos
anarquistas. O anarquista português Neno Vasco passa a dirigir o Semanário O Amigo do Povo, que passa a ser
publicado a partir de 1902 e em 1903 surge A
Greve, Jornal Anarquista dirigido por Elysio de Carvalho. Alguns grupos de
propaganda surgiram e se destacaram, tais como Germinal, Filhos da Era
Anarquista e Pensiero e Azione.
O anarcossindicalismo vai se desenvolvendo e surgem os Congressos
Operários. Em 1906 foi realizado o primeiro Congresso Operário Brasileiro. 31
associações compareceram neste congresso, cuja “presença majoritária” pertencia
aos anarquistas (Segatto, 1987). Deste Congresso surgiria a COB (Confederação
Operária Brasileira). A COB colocava como seus objetivos, a defesa dos
interesses dos trabalhadores, sua união e solidariedade, o estudo e divulgação
dos meios de emancipação do proletariado, a produção de um jornal, intitulado A Voz do Trabalhador, bem como reunir e
publicar informações sobre o movimento operário e as condições de trabalho em
todo o país (Pinheiro & Hall, 1979).
As lutas operárias começam a buscar o atendimento de diversas
reivindicações, sendo uma delas a luta pela redução da jornada de trabalho. O
Congresso Operário de 1906 aconselha a luta pela redução da jornada de trabalho
e as primeiras reivindicações neste sentido são realizadas. O não atendimento
por parte dos patrões provoca as primeiras mobilizações e greves visando sua
concretização. Em maio de 1906, uma greve reivindica a jornada de 8 horas na
Companhia Paulista de Estrada de Ferro e Mogyana, e a resistência patronal é
violenta, mas acaba cedendo e instituindo a nova jornada de trabalho. Os marmoristas
declaram greve no Rio Grande do Sul e os Construtores de Veículos decretam uma
greve que terá duração de 30 dias, apesar da pressão policial e patronal.
“Mas o grosso do movimento irrompeu no
dia 1º de maio de 1907. A Federação Operária de São Paulo, cumprindo a decisão
do Congresso do Rio de Janeiro, prepara uma manifestação pública. A polícia
resolve proibi-la e os trabalhadores reunem-se na sede daquele órgão máximo do
Proletariado. Na saída da magna assembléia, são presos alguns trabalhadores. A
greve explode! Em poucos instantes ganha forma de greve geral. Atinge Santos,
Rio Claro, Salto de Itú, Campinas, Ribeirão Preto, São José do Rio Pardo, São
Roque, Ipiranguinha, Pilar, Bauru, alargando-se rapidamente até o Rio de
Janeiro e outros estados do Brasil” (Rodrigues, 1977, p. 119).
O período de 1906-1908 é marcado por uma espiral ascendente do movimento
grevista. Em 1906 houve ainda a greve dos 21 dias em Porto Alegre; em 1908
houve a greve das docas de Santos. De 1909 até 1912 houve uma redução do
movimento grevista, sendo que a partir de 1912 já se esboça um novo período de
ascensão da luta operária. Em São Paulo, em 1912, houve uma greve envolvendo
100 000 operários. A partir deste período há uma retomada parcial do movimento
grevista e seu ápice ocorre com a greve de 1917 em São Paulo. Neste ano, a
carestia de vida e a crise das condições de trabalho era o principal assunto da
imprensa paulista (Lopreato, 1997). Ao lado disso, a adulteração e falsificação
de alimentos pelas indústrias alimentícias produziram vários escândalos neste
ano. A greve teve início em junho de 1917 e foi um movimento longo, marcado por
paralisações, conflitos, confrontos com policiais, mortes e envolvendo milhares
de operários. Foi fundado o Comitê de Defesa Proletária, principal órgão
aglutinador e organizador do movimento grevista. Tinha como um de seus
participantes Edgar Leuronth, que afirmou que “a greve geral de 1917 foi um
movimento espontâneo do proletariado” e que não houve a interferência “de quem
quer que seja” (apud. Pinheiro & Hall, 1979, p. 227). Leuronth foi um dos
nomes mais expressivos do anarquismo brasileiro deste período, participando da
União dos Trabalhadores Gráficos e da imprensa operária, nos jornais Terra Livre, Folha do Povo, A Lanterna e
fundou um dos mais expressivos jornais da época, A Plebe.
A difusão das greves ocorreu por todo o país. No Rio de Janeiro, cerca de
50 mil operários entraram em greve e confronto com tropas policiais, que também
atacou a sede da Federação Operária do Rio de Janeiro, tida pelas autoridades
policiais como “centro dos anarquistas” nesta cidade. Também se desencadeou
greves no Pernambuco e Rio Grande do Sul (Bodea, 1980). Em 1919, novas greves
seriam desencadeadas em São Paulo. O movimento grevista também foi desencadeado
no Rio de Janeiro e Porto Alegre. No Rio de Janeiro houve uma tentativa de
insurreição armada incentivada por anarquistas, mas a repressão policial
impediu o seu desencadeamento (Rodrigues, 1988; Rezende, 1990). A Greve de Maio
em São Paulo contou com cerca de 50 mil trabalhadores (Rezende, 1990) e foi
acompanhada por greves em Salvador, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Recife.
Os militantes anarquistas exerceram forte influência em todo o movimento
operário deste período e duas correntes do pensamento anarquista se destacavam:
o anarcossindicalismo e o anarco-comunismo. A corrente anarcossindicalista
propunha a ação revolucionária via sindicatos. Seu principal órgão de
divulgação foi o jornal O Amigo do Povo e
tinha como militantes figuras conhecidas como Edgard Leuronth, Neno Vasco, José
Sarmento Marques e Giulio Sorelli (Lopreato, 1997). Em 1905 fundaram a
Federação Operária de São Paulo e o anarcossindicalismo era a corrente hegemônica
no movimento operário paulista.
A tendência anarco-comunista tinha como principais órgãos de divulgação os
jornais Il Risveglio (1889) e La Battaglia (1904). Os militantes mais
conhecidos desta tendência foram Gigi Damiani, Oreste Ristori, Alessandro
Cerchiai, Angelo Bandoni e Florentino de Carvalho. Eles criticam os anarcossindicalistas
e viam com cautela a participação em sindicatos, que poderia, segundo eles,
desencadear no reformismo e nas lutas por questões imediatas, o que poderia
significar o abandono do objetivo final, a abolição do capitalismo e
instauração da anarquia.
Apesar disso, as duas tendências colocavam ênfase na ação direta enquanto
estratégia de luta:
“A ação direta contrapõe-se ao
parlamentarismo e a qualquer outra forma de representação política. Ela
expressa a crença de que o proletariado só se libertará quando confiar na
influência da sua própria ação, direta e autônoma, prescindindo de
intermediários no conflito capital/trabalho. Isso significa que a classe
trabalhadora nada deve esperar das forças externas a ela mesma. É ela que deve
criar suas próprias condições de luta e os seus meios de ação. As estratégias
de ação direta são o boicote, a sabotagem e a greve. No entanto, a greve é
considerada a mais rica em ensinamentos porque explicita os interesses
contraditórios entre o patrão e o empregado, rompe a ‘harmonia’ existente entre
eles e faz aparecer a luta de classes. Para fazer greve, o trabalhador tem de
vencer a si mesmo sobrepondo-se à alienação, ao seu costume de submissão e
passividade diante do patrão que se quer inatingível. Como ação coletiva,
desenvolve o sentimento de apoio mútuo, estreita os laços de solidariedade e
ensina aos trabalhadores que para melhorar a sua sorte e transformar a
sociedade é preciso a união dos esforços de todos” (Lopreato, 1997, p. 13).
No entanto, a compreensão da radicalidade e força do anarquismo
brasileiro deste período nos remetem ao contexto sócio-histórico em que
emergiu. A radicalidade e proeminência do anarcossindicalismo não podem ser
dissociadas do período em que isto aconteceu. Os sindicatos eram instituições
em formação, nascidos na/da luta contra o capital, e oriundas das associações
operárias anteriores. O processo de burocratização dos sindicatos, que ocorre
no período posterior a 1919, teve duas raízes importantes. Aqui se repete o
ocorrido na Europa alguns anos antes, dependendo do país. Os sindicatos nascem
na luta contra o capital e tendo a oposição deste, mas, posteriormente, através
do Estado capitalista, sua legislação e regularização, exerce-se uma ação
burocratizante sobre estas instituições e isto é reforçado pela ação dos
partidos políticos, especialmente, mas não unicamente, os que se dizem de
“esquerda”, a começar pelos partidos comunistas e socialistas. Após 1919, tanto
o Estado capitalista, quando os partidos políticos irão exercer este papel
burocratizante. O PCB irá ter um papel fundamental neste sentido, pois o seu
crescimento ocorreu justamente com o refluxo do movimento operário e a
desilusão que levou muitos anarquistas a trocarem o anarquismo pelo bolchevismo
(o que foi facilitado, sem dúvida, pela vitória bolchevista em 1917 na Rússia).
O anarco-comunismo realiza a crítica ao anarcossindicalismo tal como ele
existia naquela época e, naquele contexto, a grande questão era a luta se
situar apenas nas reivindicações imediatas, abandonando o objetivo final, a
transformação social. Neste sentido, o anarco-comunismo também cumpriu um papel
importante nas lutas operárias do início do século 20, ao lado do
anarcossindicalismo mas buscando manter vivo a essência da luta libertária.
O processo de desenvolvimento capitalista no Brasil, com o aprofundamento
de suas instituições (Estado, legislação, etc.) e o amplo processo de
burocratização e mercantilização das relações sociais, abre um novo período de
lutas sociais e de fortalecimento das forças conservadoras em nosso país. Os
sindicatos e os partidos são apenas os exemplos mais visíveis de todo este
processo que abrange, cada vez mais, o cotidiano dos trabalhadores, tal como o
lazer, o futebol, o tempo livre, que passam cada vez mais a ser apropriado pela
burguesia e suas instituições, no qual o último reduto de autonomia e liberdade
proletária se vê controlado, mercantilizado e burocratizado. Ao invés de jogar
futebol de várzea com os demais trabalhadores, o operário passou a ir aos
grandes estádios de futebol ver o espetáculo futebolístico, isto é, de agente
ativo passa a agente passivo, de participante a espectador. As outras formas de
lazer, antes predominante, foram sendo paulatinamente destruídas, restringidas.
O piquenique e seu caráter coletivo acaba se tornando cada vez mais uma
raridade. A imprensa operária não consegue competir com os grandes jornais
burgueses que com toda a sua estrutura proporciona uma homogeneização da
informação, de acordo com os interesses dominantes. O operário e o militante
deixam de ser produtores de notícias para serem leitores. Estes poucos exemplos
mostram a mudança social e o contexto desfavorável ao anarquismo e ao
socialismo libertário no período pós-1919, o que fica ainda mais forte a partir
de 1930, como o chamado “Estado Novo”, a revolução burguesa tardia no Brasil.
No entanto, a riqueza das lutas operárias e a contribuição anarquista não
só trazem lições, memórias, escritos, laços afetivos de velhas lutas, mas
também a visão da possibilidade de se re-conquistar a autogestão de suas próprias
lutas no sentido de concretizar a autogestão social, mesmo nas condições mais
adversas. A luta de classes é esse revezamento constante entre apropriação,
expropriação e reapropriação da luta operária. O movimento operário foi
expropriado de sua autogestão das lutas, mas sempre acaba reconquistando-a, e
nessa luta permanente, almeja abolir esta situação com a concretização da
transformação radical e instauração de uma nova sociedade, fundada na
autogestão social.
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