ETHOS SEXUAIS E
SOCIEDADE
Nildo Viana
Contemporaneamente, reina uma
grande confusão em torno da questão do masculino e feminino. Essa confusão tem
a ver com determinadas mudanças sociais e com a emergência da
ideologia do gênero e sua matriz paradigmática, o subjetivismo. O
processo de mudanças sociais e comportamentais, por um lado, e a mutação
ideológica, por outro, acabam promovendo um obscurecimento das relações sociais
reais.
Os intelectuais, das mais
variadas áreas da divisão social do trabalho intelectual ou do “saber” teriam a
responsabilidade de elevar o nível da discussão trazendo contribuições para a
superação dessa verdadeira balbúrdia em torno da questão dos ethos sexuais[1]. No
entanto, submetidos ao mercado, à pressão da corrente predominante de opinião
(“opinião pública”) nos meios intelectualizados, aos processos sociais de
constituição de hegemonia cultural (política cultural, capital comunicacional,
fundações, partidos políticos, etc.) acabam caindo em modismos, descompromisso
com a verdade, etc. O intelectual que possui compromisso com a verdade não
busca agradar ao “grande público” ou ao “público intelectualizado” e sim dizer
o que considera verdade, doa a quem doer. Essa é a função do intelectual no
sentido ético e compromissado, o que, sem dúvida, se diferencia da maioria dos
intelectuais em carne e osso, que exercem sua profissão visando interesses
pessoais e de classe (e suas subdivisões), muito mais que o compromisso com a
verdade.
Nesse sentido, o nosso objetivo
aqui é contribuir com o esclarecimento da relação entre “ethos sexuais” e
sociedade, visando superar a confusão reinante e a hegemonia do generismo nos meios intelectualizados[2]. O
masculino e o feminino, de acordo com o generismo (a ideologia do gênero), seriam
“construções culturais” e se diferenciaram do “sexo biológico”, e isso
justificaria a escolha do indivíduo, que poderia, independente do sexo,
escolher ser “masculino” ou “feminino”. Essa tese, curiosa e contraditória,
inverte a realidade ao abandonar a totalidade da realidade e gerar um
reducionismo culturalista. Por isso torna-se necessário aprofundar tal reflexão
sobre os ethos sexuais e a sociedade.
O masculino e o feminino são
constituídos socialmente (e não culturalmente, como quer a ideologia do gênero)
e esse processo não é arbitrário, tal como alguns concebem. O ser humano é um
ser biopsíquicossocial e a constituição dos ethos sexuais tem uma base que é
orgânica, psíquica e social. Apenas no mundo invertido da ideologia o aspecto
orgânico (“biológico”) poderia ser desconsiderado. Uma das determinações dos
ethos sexuais é o organismo e sua especificidade no caso de homem e mulheres. O
sexo masculino é diferente do feminino e a questão é como essas diferenças, que
são naturais, são interpretadas e tratadas socialmente. Somente no mundo
fantasmagórico da ideologia é que o corpo poderia ser desconsiderado na
discussão sobre os ethos sexuais[3]. Se
não existissem diferenças orgânicas, não existiriam as noções de masculino e
feminino. A diferença orgânica gera diferenças sociais (e, de forma derivada, culturais)
e psíquicas. No entanto, as relações sociais entre homens e mulheres interferem
nesse processo e em cada sociedade, com suas especificidades, vai realizar esse
processo de forma peculiar e ele pode ser mais ou menos rígido, relacionado com
processos de opressão ou não, o que ocorre geralmente nas sociedades divididas
em classes sociais. O excesso de rigidez e distinção nos ethos sexuais e outros
processos sociais e culturais correlatos estão ligados a relações sociais
concretas.
Nesse contexto, os ethos sexuais
são perpassados por processos psíquicos que reforçam sua existência e
permanência e se relacionam com outros processos psíquicos mais amplos. A base
dessa formação psíquica está ligada tanto a corporeidade quanto às relações
sociais concretas. Logo, esse processo é complexo, perpassado por questões
históricas, sociais, psíquicas, etc. e a sua compreensão não pode ser efetivada
através da ideologia do gênero[4]. E
o apelo ao complemento de outra ideologia, a da identidade, muito menos tem força
explicativa, o que faz, como toda produção ideológica, é inverter a realidade.
A identidade é constituída social e historicamente e é uma autoimagem, muitas
vezes ilusória[5]
e, embora isso seja uma obviedade para a concepção marxista[6], e
a sua naturalização é um procedimento ideológico ligado a interesses de reprodução
dessa sociedade. A concepção hegemônica de identidade cria sua naturalização e
até essencialização[7]
e assim algo que deveria ser explicado aparece magicamente como sendo a explicação
e, comicamente, em certas abordagens simplificadoras, cai do céu de paraquedas
sem ter paraquedista e aeronave, como num passe de mágica. A identidade
individual, que não deve ser confundida com outros processos e nem pode ser
descontextualizada e separada da base teórica que lhe explica e fornece o seu
sentido, é constituída socialmente e não é uma “essência”, da mesma forma que
tende a ser ilusória. A juventude, por exemplo, é constituída socialmente, o
que significa que esse grupo social e as relações sociais concretas que o
materializa, é um produto social e caracterizado por relações sociais
específicas. Uma vez existindo esse grupo social – e é nesse contexto que
abordamos a questão da identidade, bem diferente da ideologia da identidade –
ele acaba gerando uma autoimagem que, por sinal, também é constituída
socialmente, pelo capital comunicacional, legislação, ideologias (discursos
científicos), etc. (VIANA, 2015).
Assim, a chamada “identidade de gênero”
é uma criação ideológica fundada em dois construtos equivocados que em nada
contribuem para a compreensão de relações sociais reais. Se se quer saber por
qual motivo um indivíduo do sexo masculino desenvolve um ethos sexual feminino,
não é através desses construtos que se pode descobrir isso, pois a suposta explicação
derivada de seu uso seria mera extensão ideológica (naturalizante e
essencialista) ou então apenas palavreado vazio. Esse processo pode ser
explicado pela força da hegemonia burguesa que promove determinadas ideologias
e gera sua reprodução simplificadora nos meios intelectualizados e tenta chegar
ao conjunto da população, através de termos-chave[8],
como “gênero”, “identidade”, “desconstrução”, etc.
E como se poderia compreender
essa discrepância entre sexo e ethos sexual? Isso remete ao processo de análise
da história de vida do indivíduo no qual isso se manifesta. O marxismo e a
psicanálise[9]
oferecem a base analítica desse processo. A compreensão dessa discrepância remete
a necessidade de análise do processo histórico de vida do indivíduo, sua socialização
(que inclui relações familiares e outras relações sociais da pessoa em questão),
sua formação psíquica, etc. Assim, há vários processos envolvidos (incluindo a
sexualidade), e os traumas, a repressão sexual, a violência sexual, a relação com
o pai e a mãe (e os processos de identificação estabelecidos nessa relação),
entre diversos outros elementos que metodologicamente a dialética denomina “múltiplas
determinações” e que a psicanálise explorou diversos aspectos. No entanto,
também não adianta remeter ao processo de socialização se este é apenas um
termo esvaziado e substituído por “identidade”, termo usado num sentido
ideológico. Pior ainda os usos oportunistas do conceito de socialização, que
pode ser apenas “repressão” quando se quer defender algo supostamente reprimido
e que perde a negatividade no momento em que trata desse algo, já não sendo
mais “repressão”. O uso de dois pesos e duas medidas só ocorre no reino da
ideologia, que deve evitar a verdade a qualquer custo vinculado aos interesses
que expressa.
Logo, não são as “palavras
mágicas” identidade e gênero que podem explicar tal fenômeno. Aliás, a contradição
é demasiadamente visível nessas expressões ideológicas, pois ao mesmo tempo
colocam que gênero é uma “construção cultural” acabam essencializando a “identidade
de gênero”, como se essa suposta identidade surgisse do nada e não fosse uma “construção
cultural”. Assim, não é difícil ver os defensores dessa ideologia afirmarem que
“gênero é uma construção cultural” e ao mesmo tempo naturalizar e essencializar
a “identidade de gênero”. Essa contradição apenas revela o limite de toda
ideologia: ela nunca pode chegar à verdade e para evitar esta muitas vezes nem pode
levar até as últimas consequências suas próprias teses. A criação de falsos
problemas e falsas soluções é bem comum no reino das ideologias. As questões reais
e concretas são substituídas por palavreado vazio e pseudoexplicações.
Em síntese, a compreensão dos
ethos sexuais e da constituição de um modo de ser masculino e feminino, nos
seus variados aspectos (tanto positivos quanto negativos) só é possível
superando as ideologias hegemônicas, especialmente a de gênero e a de
identidade, e inserindo esses fenômenos na sociedade e na história, bem como
observando as diversas determinações e relações existentes, com destaque, nesse
caso, para a formação psíquica. No caso da sociedade capitalista, isso traz a
necessidade de análise dessa sociedade, o seu processo específico de formação social
do indivíduo e dos ethos sexuais, bem como o desenvolvimento psíquico no seu
interior. Fora disso, o que temos são formulações imaginárias e ideológicas
que, devido à força da hegemonia, são pressões poderosas que fazem os incautos
ou seguidores de modismos ideológicos, reproduzirem afirmações absurdas e sem fundamentação
na realidade concreta. Por isso a crítica da ideologia do gênero e da ideologia
da identidade é necessária e significa remover mais um obstáculo para
compreender o significado e dinâmica dos ethos sexuais e assim contribuir com a
transformação social.
Referências
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Concreto. 4ª edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
RUCK, Richard. A Razoabilização como
Principal Mecanismo de Defesa. Revista Sociologia em Rede, vol. 6 num. 6, 2016. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rsr/article/view/464/422
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2010. Disponível em: http://ojs.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/viewFile/9767/5466
VIANA, Nildo. Espontaneidade e
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VIANA, Nildo. Gênero
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VIANA, Nildo. Naturalização e Desnaturalização:
O Dilema da Negação Prático-crítica. Revista Espaço Livre. Vol. 8, num. 15,
jan. jun./2013. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rel/article/viewFile/51/46
YOUNG, Jock. A
Sociedade Excludente. Exclusão Social, Criminalidade e Diferença na
Modernidade Recente. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
[1] O
termo “ethos sexuais” foi definido em artigo publicado anteriormente (VIANA, 2010)
e significa um modo de ser de cada sexo, que é constituído socialmente (e não apenas
“culturalmente” e muito menos “arbitrariamente”, pois é um processo que possui
múltiplas determinações, e entre elas a corporeidade). Assim, há um modo de ser masculino e um modo de ser
feminino e ambos são produtos sociais e históricos, ligados ao conjunto das relações
sociais (incluindo, nas sociedades complexas, as classes sociais, interesses,
etc., e tendo como principal força regularizadora a classe dominante com seus
aparatos, especialmente o estatal).
[2]
Entenda-se por “meios intelectualizados” os setores da sociedade composta por
uma parte significativa das classes sociais privilegiadas que possuem maior
acesso a informações, produções intelectuais, etc., incluindo os indivíduos da
classe intelectual e setores da burguesia, burocracia, etc. Isso quer dizer que
“meios intelectualizados” não quer dizer que se trata de “pessoas inteligentes”
e sim de indivíduos em situação social determinada que possui acesso a
determinadas produções intelectuais, o que significa que foram submetidos ao
processo de intelectualização e isso gera “razoabilização” (RUCK, 2016) e submissão
à ideologia, doutrinas, etc., que, geralmente são formas de pensamento
ilusório. Por conseguinte, a expressão não conota nenhum sentido positivo ou
superior, apenas um processo social que esconde os limites intelectuais de uma
sociedade decadente marcada pela mercantilização, burocratização e competição
social. A utilização do termo tem o objetivo de distinguir entre esse setor da
sociedade e o chamado “grande público”, a maioria da população que é composta
majoritariamente pelas classes sociais desprivilegiadas.
[3] Não
deixa de ser curioso como supostos marxistas caem no mesmo erro. Ao invés de
analisarem a realidade e os fenômenos como totalidade, geram falsas
totalizações ou se prendem a princípios abstratos: “A falsa totalização e
sintetização manifesta-se no método [sic] do princípio abstrato [leia-se
“modelo” - NV] que despreza a riqueza do real, isto é, levar em conta apenas
aqueles fatos que estão de acordo com o princípio abstrato [modelo - NV]. O
princípio abstrato, erigido em totalidade, é totalidade vazia, que trata
a riqueza do real como “resíduo” irracional e incompreensível. O método [sic]
do ‘princípio abstrato’ deforma a imagem total da realidade
(acontecimentos históricos, obras de arte) e ao mesmo tempo se mostra
destituído de sensibilidade em face dos particulares. Está a par dos fatos
particulares, registra-os mas não os compreende, porque não entende o seu
significado. Não revela o sentido objetivo [real] dos fatos [acontecimentos]
(particulares) mas o obscurece. Assim fazendo rompe a integridade do fenômeno
em causa porque o cinde em duas esferas independentes: uma parte que convém ao
princípio [modelo - NV] e que por ele é explicada; e uma outra parte que
contradiz o princípio [modelo - NV] e que, portanto, permanece na sombra (sem
explicação e compreensão racional), como ‘resíduo’ não explicado e inexplicável
do fenômeno” (KOSIK, 1986, p. 49). O problema metodológico é essencial para
compreender questões correlatas e mostra a diferença entre a perspectiva
marxista e a perspectiva ideológica do gênero (VIANA, 2006a; VIANA, 2006b).
[4] É
necessário ressaltar que o problema não é a palavra gênero e sim a ideologia do
gênero (VIANA, 2006). A ideologia, no sentido marxista, é um “sistema de
pensamento ilusório” e retirar um construto do sistema construtal em que foi constituído
é algo destituído de sentido se o objetivo é analisar a concepção originária do
mesmo. Quando se faz a crítica da ideologia do gênero (e não “de” gênero, como
colocam os opositores religiosos dessa concepção com sua pouca profundidade
analítica) não é a uma mera palavra, que isolada nada significa, e sim a uma concepção
que é um todo e fora desse todo o termo é destituído de importância. Logo, se
alguns ingênuos “críticos críticos” (que querem criticar a crítica da ideologia
do gênero), pensam que refutam a análise crítica da ideologia do gênero retirando
o termo do seu contexto ideológico, apenas mostram que não entenderam nem a posição
defendida nem a sua crítica.
[5]
Por isso não tem nenhum sentido considerar que “identidade” tem algo a ver com “positividade”
ou “autonomia”. Aliás, a própria “autonomia” é constituída social e
historicamente e não significa algo positivo em si. Isso já foi abordado em outro
momento (2015) e basta um exemplo clássico para explicar isso: um psicopata
pode ser espontâneo e autônomo, o que não tem nada de positivo. No nebuloso
mundo da ideologia e do paradigma subjetivista reinante, a reificação da linguagem
é fonte de justificativa ideológica e reprodução da sociedade atual e suas
ideologias e necessidades de reprodução, tal como o hedonismo, o neoindividualismo,
o narcisismo, ligados ao que Erich Fromm denominou Homo Consumens e ao processo de liberação individual de indivíduos
problemáticos e numa sociedade que gera milhares de desequilíbrios psíquicos. Dê
a liberdade para um monstro e ele fará monstruosidades. A apologia da liberdade
individual no interior da sociedade capitalista é anti-humanista e
desumanizante. A verdadeira e autêntica liberdade individual só pode surgir
numa sociedade humanizada. Numa sociedade desumanizada, a liberdade individual abstrata
e absolutizada é mais um problema do que uma solução.
[6] O materialismo
histórico se distingue das ideologias burguesas por colocar a necessidade de
analisar as relações sociais concretas e não as representações derivadas delas
para compreender e explicar a realidade. Isso é ainda mais importante na
sociedade moderna, uma sociedade na qual o imaginário e a ideologia são hegemônicos
(VIANA, 2013).
[7]
Uma crítica a esse processo pode ser visto em Young (2002) e Viana (2013).
[8] Um
termo-chave é uma palavra que é deslocada da ideologia da qual ela surgiu e é
difundida e popularizada reforçando a hegemonia existente. Muitas vezes ele
aparece como uma palavra mágica, cuja pronúncia resolveria as coisas
magicamente ou fariam coisas aparecerem do nada. O construto globalização é um
termo-chave, onde se “explicava” tudo (sem explicar nada) com o apelo para tal
palavra, mal compreendida e que os seus utilizadores, em sua maioria, nem
sequer sabiam defini-la.
[9]
Claro que não se trata do marxismo e da psicanálise domesticados e submetidos à
hegemonia burguesa. A psicanálise é essencial para compreender processos
psíquicos individuais e a sociedade contemporânea, mas ela vem sendo deformada
e domesticada, perdendo o seu potencial crítico e capacidade explicativa, e
isso tem a ver também com a perda da coragem dos psicanalistas de dizerem a
verdade ao invés de enfeitar a prisão do desequilíbrio psíquico, generalizada
na contemporaneidade em grau elevado.
Oi Nildo Viana, tudo bem?
ResponderExcluirNão havia lido o texto sobre o ethos sexual (emancipação feminina e emancipação humana). Algumas proposições me vieram à mente e tentarei sintetizar elas.
1. O Ethos dentro da concepção marxista de análise da sociedade
Você coloca que o ethos sexual é um modo de ser de cada sexo (VIANA, 2010). Logo depois, compreende o ethos como um conceito que está relacionado com o processo de socialização dos seres humanos.
"A regularização do ethos sexual é uma forma de opressão ao realizar um processo de repressão e coerção, reprimindo ideias, comportamentos, gestos, sentimentos, etc., bem como coagindo a outros. Assim, a dependência da mulher é um processo de constituição do ethos feminino, que, no entanto, é complementado pela independência masculina e o processo de repressão no primeiro caso é complementado pelo processo de coerção no segundo (a mulher sendo dependente do marido, este é “responsável” por ela, e assim um é reprimido e outro é coagido e um sofre por não possuir autonomia e o outro sofre por obrigações diversas que é constrangido a cumprir). Assim, o ethos masculino é marcado predominantemente pela coerção e o feminino pela repressão, embora isso mude historicamente, o que efetivamente ocorreu, principalmente no caso do ethos feminino, que sofreu uma diminuição no processo de repressão, mas não no caso do ethos masculino, que sofreu mudança muito menos intensa." (VIANA, 2010, p. 44-45).
Assim, o ethos sexual possui diferenças na socialização dentro da posição em que um indivíduo estará inserido em suas relações sociais concretas. Em termos gerais, você coloca as diferenças entre o ethos feminino e masculino na sociedade capitalista:
"É possível colocar em forma de par a diferenciação do ethos feminino e masculino: feminilidade/masculinidade; beleza/inteligência (ou força); manifestação de sentimentos/repressão de sentimentos; inibição/iniciativa; emoção/razão, etc., embora sejam generalizações muitas vezes abusivas, subsiste alguns elementos de verdade em algumas destas distinções estabelecidas devido ao processo de socialização e não devido ao caso de ser algo natural. Porém, a expectativa em relação ao sexo masculino é interpretado tão-somente como sendo privilégio e nunca como cobrança e exigências que podem, dependendo de um conjunto de outras determinações, promover sérios problemas psíquicos, ansiedade, fracasso acompanhado de alcoolismo e outras formas de fuga da realidade." (VIANA, 2010, p. 45).
Então, compreendo que o ethos sexual é uma construção social, histórica, bem como universal, pois está ligado a um modo determinado de ser, universal, seja masculino ou feminino, no processo de socialização dentro de uma posição social nas relações sociais concretas. Portanto, certas pessoas podem assumir um modo de ser mais feminino ou masculino e, por conseguinte, terão atitudes, comportamentos, visual, estilo, personalidade, ideias, sentimentos distintos que possuem inúmeras variações, não estando necessariamente relacionadas com a condição biológica do sexo em que a pessoa nasceu (homem com ethos sexual masculino ou mulher com ethos sexual feminino). Por conta disso, dessa discrepância entre a sexualidade constituinte (biológica) e o ethos sexual (social, histórico), dependendo da sociedade concreta em questão, certos problemas sociais podem ser ocasionados. Por exemplo, no contexto da sociedade capitalista contemporânea, uma mulher com ethos sexual masculino ou homens com ethos sexual feminino podem se relacionar em nossa sociedade com uma margem de liberdade um pouco maior do que na sociedade feudal. Assim, “o excesso de rigidez e distinção nos ethos sexuais e outros processos sociais e culturais correlatos estão ligados a relações sociais concretas”.
Felipe, O ethos sexual é um modo de ser de cada sexo (masculino e feminino), tendo múltiplas determinações: corpo, universo psíquico e relações sociais. O corpo da mulher tem vários elementos que determinam o ethos feminino e o masculino também. Nesse contexto, as relações sociais realizam um processo de socialização que regulariza e pode ser (pode ser, pois isso depende da sociedade, etc.) repressivo/coercitivo e além disso ajuda a constituir um universo psíquico com especificidade em cada sexo. Logo, não é algo arbitrário e meramente "construção cultural". Assim, a sua afirmação me parece não muito clara. O ethos sexual é constituído histórica e socialmente, numa perspectiva materialista histórica, pois até a natureza humana é assim constituída, sendo diferencial, masculino e feminino. Obviamente que, numa sociedade concreta, esse ethos sexual (seja masculino ou feminino ou ambos) pode ser mais rígido, mais delimitado, etc., gerando maiores problemas e promovendo a repressão/coerção. No entanto, essa é uma questão relativa aos ethos sexuais e não aos indivíduos concretos. Daí a sua colocação de que é possível haver indivíduos do sexo masculino com ethos não masculino é algo que, no nível da possibilidade, pode ser aceito. Porém, isso significa uma discrepância e por isso requer explicação, não sendo algo "natural". É algo que remete ao processo histórico de vida desse indivíduo, tal como peculiaridades no processo de socialização, formação psíquica, etc. Agora penso que deve usar os termos mais adequados. Não se trata de "sexualidade biológica" e sim sexo. Sexualidade é o conjunto das práticas sexuais. Sexo é um indivíduo considerado a partir de sua corporeidade masculina ou feminina e que, tem, por sua vez, um ethos sexual correspondente. Assim, quando digo sexo, estou dizendo indivíduos humanos delimitados a partir de seu corpo (masculino ou feminino) e quando digo sexo feminino estou me referindo às mulheres, que são seres concretos, de carne e osso, que tem um corpo feminino e um ethos sexual geralmente feminino e o mesmo vale para o caso do homem.
Excluir“Daí a sua colocação de que é possível haver indivíduos do sexo masculino com ethos não masculino é algo que, no nível da possibilidade, pode ser aceito. Porém, isso significa uma discrepância e por isso requer explicação, não sendo algo "natural". É algo que remete ao processo histórico de vida desse indivíduo, tal como peculiaridades no processo de socialização, formação psíquica, etc.”
ExcluirSim. Tentei levantar essa questão Nildo. Como é possível que pessoas do sexo masculino possuam uma discrepância no seu ethos sexual masculino? Você respondeu: “Possível”. Era só isso que queria pensar. As dúvidas surgiram da discussão sobre o filme Tomboy, Minha vida em cor de rosa, pessoas transexuais etc. Existem homens (sexo masculino) que a partir da formação psíquica, relações sociais, corpo, possuem uma discrepância maior com o ethos sexual correspondente, assim como para mulheres pode acontecer o mesmo. Era essa a questão e acredito que isso esteja relacionado com a sociedade capitalista, anos 50 em diante nos países de capitalismo avançado, e anos posteriores em países de capitalismo subordinado (o que levanta um tema de pesquisa). Algumas indicações sobre essa mudança foram apontadas por você: pós-estruturalismo, hedonismo, neoindividualismo, regime de acumulação integral etc. Há 200, 300, 500 anos não era assim. Então, ficou respondido. Porém, queria entender melhor, utilizando termos precisos: a regularização do ethos sexual nos anos 80 em diante, na época regime de acumulação integral.
“Agora penso que deve usar os termos mais adequados. Não se trata de "sexualidade biológica" e sim sexo. Sexualidade é o conjunto das práticas sexuais. Sexo é um indivíduo considerado a partir de sua corporeidade masculina ou feminina e que, tem, por sua vez, um ethos sexual correspondente. Assim, quando digo sexo, estou dizendo indivíduos humanos delimitados a partir de seu corpo (masculino ou feminino) e quando digo sexo feminino estou me referindo às mulheres, que são seres concretos, de carne e osso, que tem um corpo feminino e um ethos sexual geralmente feminino e o mesmo vale para o caso do homem.”
Então, estamos falando da mesma coisa com termos diferentes. Vou ser mais rigoroso:
Quando digo “sexualidade constituinte (biológica)“ é a mesma coisa que sexo. Simples. E aqui também, reformulando:
“Uma mulher com ethos sexual masculino ou homens com ethos sexual feminino podem se relacionar em nossa sociedade com uma margem de liberdade um pouco maior do que na sociedade feudal”.
É na verdade: A discrepância entre uma mulher com ethos sexual feminino e um homem com ethos sexual masculino pode ser maior na sociedade capitalista do que na feudal. Foi isso que quis dizer. Não quero abolir o masculino ou feminino, Nildo. Isso não faz o menor sentido. Houve um mal entendido!
Aqui também ficou respondido. Sexo é diferente de sexualidade que é diferente de ethos sexual. Ok.!
Sexo: corpo humano (masculino ou feminino).
Sexualidade: conjunto das práticas sexuais.
Ethos sexual: correspondente ao sexo.
A acumulação integral traz diversas mudanças sociais (no interior de uma permanência: modo de produção capitalista e mentalidade burguesa, etc.) e culturais. Uma dessas mudanças é aquilo que foi adiantado: paradigma subjetivista. O subjetivismo (que ressalta o indivíduo, o grupo, etc., passando por cima as relações sociais concretas, das determinações, etc.) acaba gerando uma suposta ideia falsa de liberdade (e aí discursos sobre eu sou o que quiser, vivência, etc., como derivados simplificados dessa ideologia). Isso, obviamente, tem impacto em vários aspectos da vida, inclusive no comportamento e até na sexualidade. A ideia de "desconstrução" está intimamente ligado a esse processo de voluntarismo subjetivista, por exemplo. Claro que há outros processos sociais além do ideológico e cultural, por exemplo, mercados consumidores específicos, produção mercantil personalizada (vide toyotismo), necessidade de efemeridade para renovação do consumo, etc.
ExcluirEntão, nas relações concretas da sociedade capitalista, temos uma menor rigidez e maior distinção nos ethos sexuais, do que na sociedade feudal. Por exemplo, pensando nos homens e a relação com o ethos sexual feminino: Certas maneiras de se vestir, adotar um estilo ou comportamento, expresso nas travestis, drag queens, uso de certos hormônios para ser feminino, entre outras maneiras presentes em nossa realidade social contemporânea estão relacionados com uma menor rigidez que não se desvincula da totalidade da vida social que o engendra. O que não quer dizer que as pessoas adquiriram “liberdade”, “autonomia” e uma vida “humanizada” e “plena”. Como você mesmo colocou, a nossa sociedade contemporânea é cada vez mais mercantil, hedonista, individualista etc.
ResponderExcluir“O que as análises ideológicas contemporâneas (reprodutoras do paradigma subjetivista) fazem é autonomizar o desejo, fazer dele um fetiche, e tudo que é contra o desejo se torna "opressão", esquecendo que o desejo é um produto social e psíquico e que não é positividade, é, na sociedade, capitalista, negatividade, incluindo o excessivo narcisismo, hedonismo, individualismo, reforçados na atual fase do capitalismo”.
Além disso, acredito que a utilização de métodos contraceptivos, aborto, pílulas anticepcionais, preservativos, aliados ao desenvolvimento da medicina proporcionaram uma determinada discrepância entre o ethos sexual e a sexualidade, aumentando essa distinção. Tudo isso ocorreu provavelmente na década de 50, 60, mas nesse momento me falta uma análise para fundamentar melhor essa questão. Assim, acrescentaria também que essa mudança contribuiu no entendimento dessa discrepância entre o ethos sexual e a sexualidade. Ou seja, ocorreram mudanças no desenvolvimento do capitalismo que mostram uma maior autonomização, ou autoilusão da idéia de liberdade sexual, do ethos sexual em detrimento da sua corporeidade, ou constituição biológica.
O que reforça isso é a possibilidade da operação da mudança de sexo, no qual determinadas pessoas podem alterar a sua sexualidade, diferente da sua sexualidade constituinte. Ou seja, um indivíduo assume outra condição, transexualidade (diferente do sexo constituinte), que, no entanto ainda está determinado pelo ethos sexual (masculino ou feminino).
Sintetizando: O ethos está relacionado com o modo de produção dominante, as relações sociais concretas. A produção (modo de produção dominante) e reprodução da vida (formas sociais - cultura, valores, representações, doutrinas etc.) na totalidade de uma sociedade em um contexto histórico determinado. Assim, o ethos é parte das formas sociais de regularização das relações sociais (formas sociais) que estão determinadas pelo modo de produção dominante.
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A sua conclusão não é adequada ao que escrevi. Uma coisa é a produção social do desejo e a autonomização deste em detrimento da natureza humana e de tudo o mais, incluindo os ethos sexuais. Porém, os ethos sexuais não podem ser reduzidos a uma forma de regularização das relações sociais determinadas pelo modo de produção dominante. Pois aqui você coloca um elemento dos ethos sexuais (a regularização, mas não os ethos sexuais que realizam a regularização, pois isso seria fetichismo, quem faz isso é a sociedade, o aparato estatal, etc. ou, em sociedades simples ou sem classes, a comunidade, sendo que há uma radical diferença nesses dois casos). Os ethos sexuais, em geral, não estão relacionados com nenhum modo de produção. A regularização dos ethos sexuais é que está relacionada com o modo de produção dominante, o que é coisa bem diferente. Em síntese, os ethos sexuais não são parte das formas de regularização, mas são alvos de regularização. A impressão que tenho é que você quer insistir numa concepção oposta a minha misturando com a minha, pois quer sempre colocar que os ethos sexuais são "superestrutura" e, logo, próximo da ideologia do gênero que quer colocar o tal gênero como mera construção cultural. Parece que sua grande ambição é recusar o masculino e o feminino. Isso é um equívoco, pois eles existem e possuem base real e esta não será destruída, por mais que insistam em fazê-lo. O que deve e tende a ocorrer, numa sociedade autogerida, é a humanização dos ethos sexuais, quando se constitui uma forma de regularização distinta e humanizada. Por fim, novamente alerto que está confundindo sexo (corpo sexuado masculino ou feminino) com sexualidade, que são coisas distintas. No meu texto não tratei de sexualidade e sim de sexo, elemento que divide a humanidade entre homens e mulheres. Os ethos sexuais são modos de ser de cada sexo e a relação que eu estabeleci, nesse texto, foi entre sexo (corpo feminino ou masculino) e ethos sexuais. Sendo que quando digo "sexo masculino", estou me referindo ao indivíduo do sexo masculino em sua totalidade (corpo e ethos) e o mesmo vale para o feminino. Quando eu lhe respondi no facebook falando de discrepância, não é nesse sentido que você está colocando. A discrepância é quando um indivíduo do sexo masculino (ou do feminino) adquire aspectos ou elementos do ethos/sexo oposto. Não estava tratando de sexualidade. Assim, se está discutindo o que eu estou dizendo, deve ser fiel (por honestidade intelectual) às definições e posicionamentos que são meus. Nesse sentido, o que me referi a discrepância não se aplica ao que você colocou, pois eu não me referia à sexualidade.
ExcluirOk, peço desculpas por confundir os termos que logo depois foram transformados em equívocos. Regularização dos ethos sexuais é diferente da existência dos ethos sexuais. Entendi.
ExcluirO que eu estava tentando desenvolver sobre a autonomia do ser humano em relação à natureza se referia do desejo, e não ao ethos sexual.
Ethos sexual existe sempre em qualquer indivíduo.
O que estou querendo entender é a sua regularização. Faltou esta palavrinha: regularização. Está claro agora. Tudo bem.
Esse processo de regularização varia historicamente e também de acordo com o sexo, etc. A regularização do ethos feminino é muito maior do que o masculino nas sociedades de classes, pois a propriedade privada e sua herança é um problema que remete para o problema da gravidez e dos filhos, bem como, no capitalismo superdesenvolvido e com o incentivo ao consumismo, as despesas com filhos também tem impacto na relação de reprodução sexual. Existe as necessidades humanas radicais (que incluem as que compartilhamos com os animais, como beber, comer, reprodução, etc. e as especificamente humanas - veja na bilbiografia o artigo Espontaneidade e Liberdade - a práxis e a socialidade) e existe o desejo e este é algo derivado de contextos históricos específicos. A propaganda, a publicidade, etc., incentivam o desejo de consumo e diversos outros desejos que promovem acesso a bens mercantis e lucro (para os capitalistas). Assim, as necessidades se distinguem dos desejos e estes são produtos sociais e históricos mais restritos e que podem e muitas entram em contradição com as necessidades humanas. Por exemplo, o desejo de consumir uma roupa de marca não é uma necessidade humana e sim um produto social (relacionado com certas necessidades humanas como a socialidade, mas sob relações mercantis e valores axiológicos) e uma pessoa pode deixar de se alimentar adequadamente para poupar dinheiro e comprar tal roupa e pode também viver relações pessoais a partir da aparência em detrimento de relações autênticas, deformando a socialidade. A regularização está ligada ao processo social tendo um caráter universal (socialização como constituição do ser social, etc.) e histórico-particular (quando ela está voltada para interesses específicos de reprodução da exploração e da dominação) e por isso o processo é complexo.
Excluir2. A Imposição de um determinado ethos sexual na sociedade capitalista
ResponderExcluirQuais seriam as referências para aprofundar esse tema?
"A socialização feminina é bastante estudada e mostra-se a imposição de um ethos sexual (Belotti, 1985) e, curiosamente, a socialização masculina e a formação de outro ethos sexual imposto não é geralmente discutido."
Anotei esses aqui:
BELOTTI, Elena G. Educar para a Submissão. O Descondicionamento da Mulher. 5 ed. Petrópolis, Vozes, 1985.
MATTOS, Olgária. Masculino e Feminino. Revista USP, junho/julho de 1989.
SCHELSKY, Helmut. Sociologia da Sexualidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
YOUNG, Jock. A Sociedade Excludente. Exclusão Social, Criminalidade e Diferença na Modernidade Recente. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
WEIL, Simone. Opressão e Liberdade. Bauru: Edusc, 2001.
3. Como poderíamos estudar a produção do desejo e da afeição?
"No entanto, qual motivo para uma pessoa nascer de um determinado sexo e "querer" ter o ethos sexual de outro sexo? Essa é a pergunta que a psicanálise ajuda a responder, ninguém nasce assim, isso é um processo psíquico e social e as abordagens psicanalíticas, desde que as mais sérias e profundas, contribuem com isso. As pessoas não são o que desejam ser e sim o que são. O que elas desejam ser, por sua vez, é algo constituído socialmente (e psiquicamente) e a produção social do desejo não é "liberdade", "essência", etc., sendo que este pode ser ilusório, produto de desequilíbrio psíquico, etc. O que as análises ideológicas contemporâneas (reprodutoras do paradigma subjetivista) é autonomizar o desejo, fazer dele um fetiche, e tudo que é contra o desejo se torna "opressão", esquecendo que o desejo é um produto social e psíquico e que não é positividade, é, na sociedade, capitalista, negatividade, incluindo o excessivo narcisismo, hedonismo, individualismo, reforçados na atual fase do capitalismo."
Pensei no seguinte:
A) Afeição
As determinações que levam uma pessoa a desenvolver uma relação com outras pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente se encontram no desenvolvimento da ligação afetiva. Na sociedade capitalista, o desenvolvimento da afeição é marcado pela relação heterossexual. Por conta disso, assumir determinada posição afetiva em nossa sociedade está presente no processo de socialização e possui diversos aspectos. Assim, desenvolver uma ligação afetiva é diferencial em nossa sociedade. Por exemplo, as pessoas que são lésbicas ou gays, sofrem determinadas formas de preconceito, violência, discriminação, que não se separam de outros aspectos sociais, reforçados pelos meios intelectuais, a igreja, a moral conservadora, a família, os valores etc. Dessa maneira, é importante nos questionarmos sobre o problema do desenvolvimento da afetividade na sociedade capitalista no momento de socialização, não se restringindo a uma rigidez sexual, no que colocamos como relação heterossexual. O ethos sexual também deve questionar o desenvolvimento afetivo na socialização do indivíduo na sociedade capitalista. A afirmação da afetividade (amor) é uma das potencialidades inerentes à natureza humana.
O que pensa sobre a constituição da afetividade?
Penso que ainda não entendeu plenamente a minha concepção de ethos sexuais. Eles não são uma imposição. O que ocorre é que cada sociedade produz uma determinada regularização deles. O uso do termo imposição e relacionado com os "ethos sexuais" dá a impressão que já alertei e é diferente da minha. Por isso, nesse sentido, é melhor você usar o construto de gênero. A respeito da afetividade, penso que há alguns problemas nas suas afirmações. Em primeiro lugar, parece que você vê um mundo dividido entre heterossexuais e homossexuais, o que não condiz com a realidade. Essa antinomia é um produto ideológico contemporâneo. Na sociedade capitalista, como em qualquer outra, a ligação afetiva não é "marcada pela relação heterossexual". Aqui você restringe afeição a uma mera questão sexual. Afeição é muito mais que isso e existe sob várias formas. O amor de uma mãe por uma filha é entre duas pessoas do mesmo sexo. Por qual motivo quer reduzir as relações afetivas a algo tão delimitado como a sexualidade? Leia o livro de Erich Fromm, A Arte de Amar. A afetividade não é sinônimo de amor (e muito menos ainda de algo tão restrito como ligação sexual). O que denominei "afeição" no livro Introdução à Sociologia, se refere aos sentimentos e os sentimentos são os mais variados, nunca reduzi e não há nada no livro que indique isso (inclusive trata mais da relação familiar, paterna e materna). Parece que você está com dificuldades de entender os meus argumentos, pois você raciocina apenas nos seus termos, mesmo quando está lendo textos e argumentos dos outros (por isso sua dificuldade de compreender o que são ethos sexuais, misturar sexualidade com sexo, etc.). Nós só avançamos intelectualmente quando damos conta de entender e distinguir o que é nossa concepção e o que é a concepção dos outros, em suas proximidades e distanciamentos. Atribuir ao outro um pensamento que é meu é um problema grave, tanto intelectual quanto ético. Por isso, sugiro reler o meu texto com calma e não substituir o significado dos conceitos e nem sair do contexto onde eles são utilizados.
ExcluirCompreendido que os ethos sexuais são regularizados. Assimilar a socialização diferencial nas relações concretas e relacionar com a regularização dos ethos sexuais.
ExcluirAqui houve uma confusão Nildo.
“A respeito da afetividade, penso que há alguns problemas nas suas afirmações. Em primeiro lugar, parece que você vê um mundo dividido entre heterossexuais e homossexuais, o que não condiz com a realidade. Essa antinomia é um produto ideológico contemporâneo.”
Seguinte, eu errei ao relacionar afetividade com homossexualidade ou heterossexualidade. Uma questão é a sexualidade, outra é a afetividade. Sim, já li A Arte de Amar e inclusive escrevi um post sobre ele. Concordo com o que você disse e não estou defendendo nenhuma antinomia ideológica. Fiz algumas confusões com os termos, simples. Desculpa.
Então, a minha idéia seria entender a sexualidade. Realmente, fiz referência à sexualidade (que não foi tema do seu texto) e não afetividade.
b) Produção social do Desejo
ResponderExcluirTambém fiquei pensando na discussão sobre as perversões sexuais (pedofilia, fetichismo, sadismo, zoofilia, coprofilia, entre outras). Porém, estas não seriam potencialidades, mas problemas psíquicos derivados de outras determinações (trauma, abuso etc.). Então, pensei nos breves apontamentos sobre uma base psicanalítica que discute esse tema da constituição do desejo, entre as perversões, digamos, da miséria sexual e das potencialidades inerentes à natureza humana (amor).
Lembro do livro que ainda não li do Erich Fromm, chamado A Descoberta do Inconsciente Social. Preciso ler: capítulos III e IV (Sexualidade e perversões sexuais e O suposto radicalismo de Herbert Marcuse). Porém, li o livro do Reich chamado O Combate Sexual da Juventude e também Eros e Civilização do Marcuse.
Mesma questão. Nesse caso, também possui essas leituras ou teria outras sugestões?
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Depende do que realmente se quer tratar. Esses textos ajudam, especialmente o Fromm, mas também Reich, embora ele tenha mais limitações que Fromm. O livro do Marcuse é horrível e concordo com a crítica de Fromm a ele. Marcuse faz uma "filosofia da psicanálise" e fica no mundo das abstrações metafísicas e na qual é possível dizer qualquer coisa (e Fromm questiona isso psicanaliticamente... um louco fazendo abstrações é algo muito problemático). Depois posso olhar alguma outra bibliografia a respeito disso.
ExcluirDepois explica a diferença entre desejo e sexualidade também. Acredito que não entendi muito bem. Obrigado e agradeço por todos os comentários e a atenção. Só espero que não seja tão ríspido em algumas de suas respostas. A minha intenção não é deformar o que escreveu, nem usar as suas palavras da maneira como eu quiser. Quero realmente compreender o tema e acredito que seus textos, comentários estão ajudando bastante.
ExcluirAgora, resta ler, aprofundar e o debate segue em outras oportunidades. Esgotei todas as minhas dúvidas nesse momento. Agradeço.
Não foi ríspido, apenas alertei para os problemas que estava vendo e que é necessário, tanto no plano intelectual quanto ético, estar atento para não confundir as coisas. E em alguns momentos o significado que eu apresentava passou a ser outro quando me indagava, aí não tinha como eu responder, pois já era outra coisa. Quanto ao problema do desejo e sexualidade, eu diria que desejo é algo muito mais geral e amplo (assim como estão sendo as minhas discussões aqui) e sexualidade é algo bem mais específico. Logo, eu não estava me referindo apenas a desejo sexual. Penso que a questão da sexualidade é bem complexa e não poderia responder aqui. Arrumando um tempo eu escrevo uma síntese sobre esta questão de acordo com as bases teóricas e metodológicas que estão na discussão sobre ethos sexuais e tudo o mais que trabalho.
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