ELEIÇÕES, INTERESSES
E RACIONALIZAÇÃO
Nildo Viana
Não deixa de ser curioso um fato da política institucional,
que é o seguinte: quando se aproxima a hora da decisão eleitoral, algumas
pessoas tornam-se ardentes defensores de candidaturas A ou B. Além de
incomodarem os demais, com posições distintas ou contrárias, ou mesmo alheios à
disputa ou contra todos os candidatos, a sua insistência e envolvimento
emocional demonstram uma forte “irracionalidade”. De onde vem esta
irracionalidade?
Existem duas palavras-chave para explicar esse processo: interesses e racionalização. Esses termos remontam a contribuição de dois
grandes pensadores, Marx e Freud. No entanto, vamos apenas destacar os
elementos fundamentais destes dois conceitos para explicar sua manifestação
diante do fenômeno eleitoral. Nós podemos distinguir a razão instrumental,
ligado ao exercício da manipulação e do poder, e a razão emancipadora,
humanista, ligada à luta pela emancipação humana. A primeira está ligada aos
interesses da classe dominante (bem como de suas classes auxiliares) e
interesses derivados, subordinados, integrados, enquanto que a segunda está
ligada aos interesses históricos do proletariado e das classes exploradas,
expressando o desejo de libertação humana em geral. Num caso, temos interesses
histórico-particularistas, egoístas, e, no segundo, interesses universais,
altruístas. A razão instrumental reina quase que absoluta em nossa sociedade e
razão emancipadora, dialética, é marginal. Na política institucional (governos,
eleições, etc.), com rara exceção (e temporária, pois ou se integra e perde
esse caráter ou se afasta), não há espaço para razão emancipadora.
É raro pessoas, grupos, classes, manifestarem claramente
seus interesses egoístas, histórico-particulares, explicitamente. Ninguém que
quer dominar, explorar, manipular, os demais para seus objetivos egoístas
(pessoais e grupais, embora estes sempre unidos àqueles) vai afirmar isso.
Seria algo inusitado ver alguém dizer “vote
no candidato A, pois ele é corrupto, incompetente, asqueroso, mas é do meu
partido e vou ter um cargo se ele for eleito”. Daí vem a importância do
segundo termo: racionalização. A racionalização é a busca em fornecer uma
explicação racional para uma motivação não-racional, como justificar um
linchamento dizendo que é para realizar a justiça ao invés do que realmente é: manifestação
de ódio, gerado por uma sociedade desumanizada.
Ao invés do indivíduo apresentar seu real motivo, pois isso
não convenceria os demais, ele apresenta outro, supostamente racional. Além
disso, ele ficaria insatisfeito consigo mesmo (sentimento de culpa). Por isso o
que ele diz é: “vote no candidato A, pois
não está provado que ele é corrupto, se seu governo anterior teve problemas,
foi por causa da assessoria e alianças, e sua antipatia não deve causar
rejeição, afinal será presidente para todos, e será melhor para toda a
população brasileira”. Marx explicou bem como a classe dominante não tem
interesse na verdade e que precisa criar ideologias e outras representações
ilusórias para manter sua dominação. Da mesma forma, os indivíduos também
necessitam fazer isso, tanto pela eficácia de seu discurso quanto pela sua
própria humanidade, pois como ser social a crueldade dos seus vis interesses
lhes causa geralmente mal estar (obviamente que existem exceções: pessoas que
são tão desumanizadas e coisificadas que nem possuem remorso).
Os candidatos manifestam isso exemplarmente. Dilma Roussef e
Aécio Neves, os candidatos à presidência que chegaram ao segundo turno, vão
dizer que querem ser eleitos para beneficiar o povo, melhorar o Brasil, cuidar
dos mais desfavorecidos, seguir uma tradição de pessoas boas e que sempre se
dedicaram ao país, etc. Somente os muito ingênuos (seja pela idade, falta de
acesso à informação, etc.) são capazes de acreditar nisso ou então os muito
cegos, premiados pela cegueira dos interesses particulares. Os candidatos à
presidência (tal como no caso dos candidatos a governador) estão muito longe da
razão emancipadora e sua motivação são seus interesses mesquinhos. Nenhum deles
dirá que é candidato para ter riqueza, dinheiro, poder, para si e para seus
aliados. Claro, existem outras motivações, mas são secundárias. E isso se
repetirá em casos particulares: Dilma Roussef dirá que suas políticas
assistencialistas são para beneficiar o povo e Aécio Neves dirá que manterá
tais políticas pelo mesmo motivo. Nenhum dos dois dirá que é para conseguir
voto e apoio eleitoral, que é apenas um meio para chegar ao poder e usufruir
dele e do dinheiro que vem junto.
A questão é que este não é um problema apenas dos
candidatos. Os eleitores também reproduzem a mesma lógica de seguir seus
interesses e realizar racionalização. Obviamente que aqui se trata dos
eleitores convictos, ou seja, uma parte que está decidida e não mudará seu voto
de forma alguma. Eles, tais como os candidatos, não se contentam em ter sua
posição, mas querem convencer os
demais. Na contemporaneidade, as redes sociais são palco dessas figuras que
querem convencer os demais de qualquer forma. De onde vem tamanha vontade de
convencer os demais? A base é a mesma dos candidatos: interesses. Interesses os
mais variados, sendo que alguns, os mais diretamente envolvidos, estão
preocupados com cargos, dinheiro, fortalecimento partidário (pelos motivos
anteriores), e outros por interesses mais distantes (a vitória do candidato A
beneficia a força de determinadas empresas, igrejas, setores da sociedade,
etc., e a B outros setores).
Um exemplo: muitos intelectuais das universidades públicas
votam em Dilma Roussef por causa de sua ilusão de que ela é menos ruim (ou é
“melhor”, segundo os mais iludidos), do que Aécio Neves, com seu projeto
neoliberal. Nesse caso, há um interesse, embora fundado numa ilusão (pois basta
lembrar a greve nas universidades em 2012 e que o avanço da precarização das
universidades efetivados pelo Governo Dilma, para perceber isso). Outro exemplo
é setores de determinadas igrejas que querem Aécio Neves, não por causa das
razões geralmente apresentadas (discussão sobre aborto, homossexualidade, etc.)
e sim por causa dos benefícios financeiros. Claro que isso é para aqueles
eleitores convictos e ardorosos defensores das candidaturas A ou B.
Os demais acabam sendo envolvidos pelos discursos
racionalizadores, com exceção dos que por convicção não votam em ninguém. Existe
uma grande parcela da população que acaba se envolvendo, inclusive
emocionalmente, com muita força, por acreditar nos discursos e racionalizações
alheias, seja por credulidade seja pela força da pressão social e efervescência
derivada de compartilhar mesma posição. Mas estes últimos não estão incluídos
na análise do presente texto. Os que não votam ou são céticos, apenas
escolhendo por não ver alternativa, também estão excluídos da presente análise.
Assim, os candidatos e seus adeptos fervorosos vão
apresentar um discurso que não mostra seus verdadeiros interesses. As acusações
de corrupção, incompetência, por um lado, e os supostos méritos e políticas
efetivadas no passado, tomam o lugar. Vários subterfúgios podem ser utilizados,
desde o discurso da “ameaça comunista” ou do “direitismo” e “neoliberalismo”,
até questões menores da vida pessoal, com ataques moralistas e desprovidos de
qualquer significado político. A estigmatização dos adversários também é outra
forma de tentar convencer ou silenciar: “esse é um discurso da direita” (como
se tivesse alguma esquerda disputando eleição...) ou “isso é coisa de
comunista” (idem). Alguns apoiadores não vão dizer que são os (seus) interesses
de setores cooptados de movimentos sociais que os fazem apoiarem Dilma ou que
são os interesses de ascensão ao poder e dinheiro de setores de igrejas que os
fazem apoiarem Aécio Neves, pois vão preferir dizer que o que querem é resolver
o problema das drogas, acabar com preconceito, etc. por um lado, e que querem
defender a vida, a família, etc., por outro. Cada um acredita na mentira que
quiser.
No fundo, todos os candidatos são expressão do grande
capital e dos seus próprios interesses e todos os apoiadores fanáticos querem
uma fatia do que sobrar da mesa ou então ter uma suposta tranquilidade de vida
medíocre sem maiores turbulências. O medo da mudança antigamente era do que era
bem radical e diferente e agora, qualquer troca de governo que segue a mesma
cartilha, fazendo tudo igual no atacado e com poucas diferenças no varejo, já
serve para agitarem as bandeiras da Regina Duarte: “eu tenho medo”. A irracionalidade
aparece nas atitudes e discursos porque ela deve esconder os interesses ocultos
daqueles que não podem revelar os seus verdadeiros interesses, bem como buscam
manipular os sentimentos e opiniões dos demais.
As campanhas eleitorais, o discurso dos candidatos e dos
seus eleitores convictos é, no fundo, um grande conto do vigário. Se você quer
receber a herança, vai ter que pagar taxas e mais taxas e, no fim, verá que
gastou mais do que recebeu. A vítima desse conto é o eleitor iludido, que ao
invés de ver que sua força está na auto-organização, na autoformação, na união
e associação com outras pessoas visando interesses mais nobres e coletivos,
acaba acreditando no vigário (ou vigarista) e perderá tudo o que poderia ter
ganhado. Não é o governo A ou B que proporcionará atendimento de reivindicações e sim a luta e união dos trabalhadores e outros setores da população e isso é ponto de partida para objetivos mais profundos, especialmente a emancipação humana.
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