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sábado, 16 de abril de 2011

Capitalismo e Questão Racial

Capitalismo e Questão Racial

Cleito Pereira e Nildo Viana (org).

O presente livro sobre “capitalismo e questão racial” aborda um tema específico, as relações raciais, num enfoque amplo, isto é, tratando não de forma isolada e descontextualizada, mas sim no contexto da sociedade capitalista. Sem dúvida, isto revela opções teóricas e metodológicas. Do ponto de vista metodológico, aqui se prioriza um determinado método de análise. O método dialético e sua concepção específica de totalidade é um dos elementos fundamentais para tal análise. Da perspectiva dialética, não é possível compreender o particular sem entender a totalidade, pois a especificidade do particular está na forma como se relaciona com a totalidade. Traduzindo isto para a questão específica abordada no presente livro, não é possível compreender as relações raciais sem entender a forma específica como esta se organiza na sociedade capitalista e se relaciona com o conjunto de relações sociais que a caracteriza. Da mesma forma, não é possível compreender o racismo sem compreender o modo de produção capitalista.

Esta opção metodológica traz em si algumas opções teóricas. É preciso reconhecer que existem várias formas de se conceber a totalidade, do ponto de vista metodológico, mas aqui a totalidade é o que Marx chama “concreto”, síntese de suas múltiplas determinações, embora tendo uma determinação fundamental. Não precisamos, do ponto de vista além do metodológico, isto é, já adentrando no aspecto teórico, justificar que a teoria do capitalismo desenvolvida por Marx assume papel fundamental neste processo. Sem dúvida, tal como muitos hoje o reconhecem, desde intelectuais declaradamente marxistas até antimarxistas ou mesmo grandes empresários, a explicação do capitalismo apresentada por Marx é insuperável. Assim, compreender o capitalismo passa pela referência a Marx. Sendo assim, as relações raciais, na sociedade capitalista, não pode ser destacada desta base real, que lhe explica.

Assim, o particular e a totalidade se encontram. As relações raciais não caem do céu, são produzidas historicamente, fruto das lutas sociais. Neste sentido, o racismo é um produto social e histórico e somente compreendendo o desenvolvimento histórico e as relações sociais existentes na sociedade moderna é que podemos entender sua razão de ser e por qual motivo existe e permanece sua reprodução, apesar de sua origem em tempos remotos, na aurora do capitalismo.

Desta perspectiva teórica e metodológica surge uma concepção diferenciada das relações raciais tal como colocada por muitos pesquisadores atuais. Uma concepção bastante comum é a de que isola as relações raciais das demais relações sociais. Trata-se de uma concepção frágil, equivocada, ideológica, mas também bastante prejudicial do tendo em vista de suas conseqüências e efeitos práticos. Isolar a relação entre brancos e negros significa retomar as bases intelectuais do racismo. A percepção apenas da relação imediata, da aparência, não permite ir mais longe, chegar à essência. Essa consciência imediatista, falsa, não ultrapassa o aparente, o que parece “dado”, isto é, não percebe o processo de constituição do fenômeno e suas determinações, sua historicidade e suas relações com o conjunto das demais relações
 ideologias racistas, a competição social, os conflitos sociais, a situação de vida da população negra, etc. Mas se existem obstáculos, também deve existir a luta para superá-los. Esta é uma luta cultural, teórica e prática. Neste sentido, o presente livro é uma das várias tentativas neste sentido. O conjunto de textos aqui reunidos serve para se pensar de forma diferente daRaça e Etnia apresenta esclarecimentos conceituais; o texto Capitalismo e Racismo analisa a origem e reprodução do racismo na sociedade moderna, bem como o seu significado. O texto sobre Zurara e a Origem do Racismo é uma análise de um caso específico de desenvolvimento de uma ideologia racista; o texto sobre as Relações Raciais no Brasil Contemporâneo já aborda o caso concreto brasileiro, marcado por uma forte opressão racial. Já o texto Cotas Raciais: Solução para o Racismo? entra na discussão polêmica da implantação do sistema de cotas e suas implicações para as relações raciais, revelando os limites desta política.
Assim, o isolamento das relações raciais cumpre um papel de fornecer uma explicação simples e falsa do racismo e, ao mesmo tempo, reproduzir a estrutura mental da ideologia racista. A luta de raças se torna algo existente e que opõe uma raça à outra, num isolamento fantástico, e assim, o maniqueísmo toma o lugar da compreensão das relações raciais. O maniqueísmo opõe bem e mal e o pensamento racista se estrutura desta forma. Assim, para justificar a opressão racial, a escravidão, etc., os ideólogos afirmam que os negros representam o mal, o inferior, etc. Os negros passam a ter uma essência maligna, perniciosa, negativa. Do outro lado, há o positivo, o bem, o branco. Isto justifica, legitima e reforça praticamente a opressão racial. Mas não seria impossível pensar essa equação maniqueísta inversamente. Assim, na inversão do maniqueísmo dos ideólogos racistas, temos o seu contrário e irmão gêmeo que simplesmente inverte o bem e o mal, e, neste último caso, são os brancos que passam a ter uma essência maligna, perniciosa, negativa. Os negros, neste caso, passam a representar o bem, o positivo. Nesta fórmula invertida, pouco se pode fazer para abolir a opressão racial. O máximo que se pode fazer é trocar de opressor. E o maniqueísmo se reproduz, assim como se justifica uma nova forma de opressão. A idéia de luta de raças criadas pelos ideólogos é racista, quando isolada e descontextualizada, quando considera que “todos os negros são iguais”
e que “todos os brancos são iguais”. Na verdade, estes negros e brancos não são seres sociais, históricos, reais, concretos, são fantasmas da imaginação racista.

Por conseguinte, a chave para compreender o pensamento racista é o maniqueísmo, bem como a receita para escapar dele é partir da perspectiva da totalidade. Somente assim se recupera a história e a sociedade, somente assim se supera seja a aparência essencializada ideologicamente, seja a suposta homogeneidade racial. Somente assim os indivíduos, brancos ou negros, deixam de ser manifestações fantásticas de essências malignas ou benignas e passam a ser vistos como seres sociais, históricos, envolvidos em determinadas relações sociais, portadores de interesses, valores, sentimentos, constituídos social e historicamente a partir de sua posição na divisão social do trabalho e na sociedade dividida em classes sociais. Assim, é necessário não homogeneizar, essencializar, desistoricizar e dessocializar os brancos e os negros, pois esta é a estrutura do pensamento racista. Neste sentido, é necessário compreender a relação entre capitalismo e questão racial, tema de análise do conjunto de textos deste livro. Assim, os textos aqui presentes não caem na solução fácil e que é hegemônica em nossa sociedade que é reproduzir a estrutura do pensamento racista.

Este livro é uma contribuição para a superação do pensamento e prática racistas. Porém, há obstáculos, pois o pensamento racista tem uma forte base aliada: a consciência imediata das relações sociais, as representações cotidianas ilusórias, as
ideologia dominante a questão racial. Claro que muitas contribuições neste sentido já foram produzidas e muitas delas estão citadas nos textos que compõem a presente coletânea. Mas aqui além de se retomar, atualizar e aprofundar algumas destas contribuições, também marca uma possibilidade de um novo espaço para se compreender a estrutura do pensamento racista e buscar superá-lo. Portanto, este é um livro que apresenta a crítica e aponta alguns elementos para se pensar a realidade racial brasileira dentro de um quadro teórico abrangente e atual. Tem a pretensão de estimular os debates em torno das questões levantadas, propiciando a elaboração de outros textos e artigos que aprofundem a compreensão do racismo no capitalismo. Neste sentido, os textos aqui reunidos são complementares. O texto sobre

Assim, a ordem dos textos parte do geral para o particular, mas é preciso fazer o caminho inverso, principalmente no sentido prático. Que fazer? Sem dúvida, é necessário compreender as relações sociais existentes, as relações raciais estabelecidas e sua dinâmica, para poder propor e agir. Alguns elementos neste sentido são apontados, tal como a luta pela transformação social, bem como também ações mais imediatas, mas são apenas esboços, que se tornaram propostas mais concretas com o desenvolvimento das reflexões aqui apresentadas e com novas contribuições que a partir daqui surgirão. De qualquer forma, o racismo é uma prática fundada em determinadas idéias, e se estas são refutadas, a prática é enfraquecida.
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sociais. A ideologia que sistematiza isso é fundada em pressupostos que revela valores, sentimentos, interesses, que não se caracteriza pela luta por relações raciais igualitárias, mas sim que apenas busca a permanência da desigualdade, da opressão, ou, no máximo, sua inversão, transformando a relação entre opressor e oprimido, fazendo do oprimido um opressor e vice-versa. Claro que esta segunda hipótese, em nossa sociedade, é apenas uma fantasia irrealizável. A primeira é a realidade cruel do racismo com a qual convivemos. O problema é que ambas as concepções servem para reproduzir o racismo.
PREFÁCIO

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