Nildo Viana
Em 1955 foi eliminado o último foco do Aedes Aegypti no Brasil. Em 1967, reaparecem focos deste mosquito no Pará e em 1973 é novamente considerado eliminado. Um novo reaparecimento em Salvador (BA) em 1976 é acompanhado por uma contínua expansão de focos a partir do final da década de 70 e inicio da década de 80 e em 1986 é descoberto, no Rio de Janeiro, a existência, em território brasileiro, do Aedes Albopictus, que se espalha pelo país. Ambos são transmissores da dengue, que ressurge com força em todo o país no final da década de 90 do século 20. O que permite o ressurgimento da dengue? A resposta a esta questão nos remete ao problema do meio ambiente e da qualidade de vida na sociedade capitalista e suas transformações.
A explicação deste fenômeno requer a superação de análises simplistas, tais como aquelas que atribuem o ressurgimento da dengue à falta de uma política estatal de prevenção e controle. Esta análise cai em dois erros metodológicos que nenhum pesquisador deveria cair: a) a explicação de um fenômeno pela não ocorrência de outro fenômeno; b) o isolamento ilusório do fenômeno analisado. Assim como não se pode dizer que “uma criança caiu do berço porque o pai não a segurou”, pois a sua queda foi provocada por seu movimento e a ação externa do pai poderia evitá-la mas não provocá-la, também não se pode dizer que a falta de prevenção e controle estatal produziu o retorno da dengue, pois poderia no máximo evitar ou minimizar mas nunca produzir este fenômeno. Um fenômeno jamais pode ser explicado pela não-ocorrência de outro, pois se um fenômeno não ocorre, ele não existe, e, conseqüentemente, não pode produzir nada. Além disso, este tipo de explicação esquece o princípio metodológico fundamental que é o da totalidade, segundo o qual não se pode isolar um fenômeno deixando de lado suas relações com outros fenômenos e suas múltiplas determinações. Mas além de erros metodológicos, há outro motivo pelo qual o retorno da dengue não pode ser explicado graças à falta de política estatal de prevenção e controle, pois ela não existia também nos anos anteriores.
O que explica este fenômeno, então? Algumas características da dengue e dos mosquitos transmissores podem ajudar na resposta. A dengue se desenvolve contemporaneamente nos grandes centros urbanos e em períodos de maior calor e o Aedes Aegypti possui pequena “capacidade de dispersão”, isto é, viaja poucos metros, o que significa que sua passagem de um país para outro é realizado via transporte de utensílios pelos seres humanos. Alguns pesquisadores enfatizarão o papel do chamado “esquentamento” do planeta como uma das causas da expansão da dengue. O esquentamento do planeta, por sua vez, é produto do modelo de desenvolvimento capitalista, fundado na reprodução ampliada do capital e no consumismo, que gera uma destruição ambiental em alta escala. Isto é reforçado pela própria constituição do espaço urbano, que constitui uma alta densidade populacional e desigualdade social, sendo que os benefícios da estrutura urbana (saneamento, etc.) são negados para os grupos sociais mais pobres. Sendo assim, a determinação fundamental, a mais importante, é o modelo de desenvolvimento capitalista e a destruição ambiental em alta escala.
Ao lado e relacionado com esta determinação encontramos diversas outras que contribuem como a expansão da dengue, entre as quais o excesso de lixo, proporcionado por este mesmo modelo de desenvolvimento, fundado na produção de bens de consumo em escala cada vez maior, o que gera, por sua vez, uma reprodução ampliada de lixo, o que beneficia a referida expansão. Outro elemento se encontra na política estatal neoliberal a partir dos anos 80 e 90 do século 20. Tal como coloca Michel Chossudovsky, em seu livro A Globalização da Pobreza, “na África subsaariana várias moléstias contagiosas supostamente controladas reapareceram, entre elas o cólera, a febre amarela e a malária. Também na América Latina a prevalência da malária e da dengue tem aumentado dramaticamente, desde meados dos anos 80, em termos de incidência do parasito. As atividades de controle e prevenção (diretamente submetidas à redução dos gastos públicos imposta pelo Programa de Ajuste Estrutural) sofreram sensível restrição”.
Assim, notamos a relação entre dengue, meio ambiente e capitalismo. O modelo de desenvolvimento capitalista deteriora a qualidade de vida com o processo de destruição ambiental e provoca o esquentamento do planeta, gerando, por sua vez, o processo de reaparecimento da dengue. Ao mesmo tempo, este mesmo modelo de desenvolvimento constitui um espaço urbano fundado na desigualdade e concentração populacional, criando setores marcados pela pobreza e miséria, elementos que contribuem com a expansão da dengue, bem como produz a reprodução ampliada da produção de bens de consumo e do mercado consumidor, ao lado da cultura consumista e da produção crescente de lixo, outro elemento que facilita a ampliação da dengue.
Desta forma, temos o modelo de desenvolvimento capitalista como produtor do reaparecimento da dengue devido à destruição ambiental e ao esquentamento do planeta derivado dela, e temos como facilitadores da expansão da dengue a política estatal neoliberal, a formação de um espaço urbano fundado na marginalização de parte da população urbana, o crescimento da miséria e da fome, a produção ampliada de bens de consumo e tudo que deriva disso (consumismo, alta produção de lixo, etc.).
Desta forma, é preciso repensar o modelo de desenvolvimento para evitar o reaparecimento de doenças contagiosas ou o aparecimento de novas, pois a degradação ambiental e a deterioração da qualidade de vida apontam para se refletir sobre a razão de ser do desenvolvimento, pois ele só teria sentido (racional) se fosse voltado para o bem estar e a melhoria da qualidade de vida e não para uma dinâmica produtivista que atende os interesses de uma minoria, menos prejudicadas com o atual estado de coisas.
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Artigo publicado originalmente no Jornal Diário da Manhã.
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Artigo publicado originalmente no Jornal Diário da Manhã.
Gostei da cartola capitalista na cabeça do aedes egipty e do texto!
ResponderExcluirmtt tensooooooooooooooooooooo
ResponderExcluirMuito bem Nildo, seu artigo ajuda a "desmedicalizar" o debate sobre essa praga; abraço, GilsonD
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