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sábado, 29 de janeiro de 2011

Octávio Ianni: Crise dos Paradigmas e Crise do Marxismo


OCTÁVIO IANNI:
CRISE DOS PARADIGMAS E CRISE DO MARXISMO *


NILDO VIANA

Octávio Ianni é um dos cientistas sociais que mais tem colaborado com o estudo do que vem sendo chamado de “crise dos paradigmas das ciências” e da “crise do marxismo”. Este é, sem dúvida, dois dos maiores debates das ciências sociais na atualidade. Por isso, eles devem ser objeto de uma ampla reflexão teórica e a contribuição de Ianni deve ser analisada à luz de outras concepções teóricas.

As teses de Ianni apontam para a seguinte causa da crise dos paradigmas: as mudanças históricas ocorridas não se apresentam tais como os seguidores do pensamento clássico - o marxismo, em especial - esperavam. Estes não analisaram de forma “inteligente” os desenvolvimentos do mundo contemporâneo e continuaram utilizando conceitos e interpretações criadas para analisar certo período histórico que já se transformou e por isso precisa de novas categorias e teorias para explicá-lo. Portanto, as ciências sociais se encontram diante de novas realidades, de novos objetos. Conceitos como Estado-Nação, Imperialismo, Dependência, Bloco de Poder, são, entre outros, questionados.

As mudanças históricas e, conseqüentemente, a necessidade de elaboração de novos conceitos são por demais evidentes para que possamos questioná-las. Entretanto, consideramos esta análise incompleta e a solução encontrada insatisfatória. As ciências sociais devem então analisar esta nova realidade social e explicá-la. Porém, considerar de que trata apenas de uma “nova realidade” e não observar as mudanças que isto provoca naqueles que buscam explicá-la é uma análise “objetivista”. Não podemos tratar as críticas efetuadas por Marx, Lukács, Korsch, entre outros, à separação metafísica entre “sujeito” e “objeto”. Aliás, até estes conceitos são questionáveis, mas não trataremos disto aqui. Qual é o objeto de estudo dos cientistas sociais? É a realidade social. Esta, entretanto, envolve o sujeito que busca conhecê-la, inclusive os cientistas sociais. A realidade social não é homogênea e os diversos componentes da sociedade a observam de acordo com o seu ponto de vista. Portanto, se o “objeto do conhecimento” é um só, os sujeitos são múltiplos. Se a sociedade se transforma, aqueles que buscam conhecê-la também se transformam. É por isso que numa mesma época surgem diferentes interpretações da sociedade. Na mesma época em que surgia a sociologia de Weber aparecia a psicanálise de Freud. Porém, a teoria da religião de Weber é completamente diferente da de Freud.

Em uma sociedade dividida em classes sociais antagônicas, a sua autoconsciência se manifesta de forma diferente dependendo de ponto de vista que se utiliza para analisá-la.

Portanto, o conhecimento da sociedade é muito mais dependente do ponto de vista da classe que se utiliza dele do que de uma “metodologia científica”. A classe social que tem interesse em revelar as contradições da sociedade capitalista é o proletariado e por isso qualquer análise que separe “sujeito” e “objeto” é ideológica.

Se a sociedade capitalista está se transformando, aqueles que buscam interpretá-la também estão mudando. As classes sociais estão se transformando (o campesinato, por exemplo, está se extinguindo na Europa Ocidental, como demonstrou Hobsbawm) e aqueles que representam seus pontos de vista também. Deparamos-nos com novos problemas e precisamos de novos conceitos e teorias para explicá-los. Nós, os cientistas sociais, estamos envolvidos nestas mudanças históricas, mas a abordagem de Octávio Ianni coloca apenas a mudança de “objetos”. Isto significa voltar ao velho e desgastado positivismo. Tornamo-nos, num passe de mágica, neutros e acima de contradições sociais? A própria ênfase colocada na mudança de objeto por Ianni já demonstra um ponto de vista e uma concepção teórica e política. Trata-se de uma reflexão acadêmica - que considera a academia como o observatório privilegiado para estudar a sociedade - que expressa o “ópio dos intelectuais”, lembrando ironicamente as palavras de Raymond Aron.

Além disso, as mudanças históricas não são tão grandes para colocar em questão conceitos como capitalismo, imperialismo, estado-nação, etc. Aliás, sem estes conceitos é impossível analisar a realidade contemporânea. Tais teses abrem caminha para a volta do irracionalismo. O imperialismo muda de forma, mas mantém o seu conteúdo. O estado-nação pode se transformar em “estado continental”, devido à formação dos blocos econômicos, mas continua sendo “estado”.

Deixemos de lado essas reflexões “metodológicas” e passemos para a análise histórico-concreta das causas da crise dos paradigmas nas ciências sociais. A nova configuração do capitalismo mundial representada pela rearticulação da divisão internacional do trabalho, formação de blocos econômicos, a crise do capitalismo de estado da URSS, Leste Europeu, avanço do neoliberalismo, etc., inaugura uma época de desvalorização progressiva das ciências sociais. A nova política do estado capitalista caracteriza-se pelo recuo na área da política social e do controle social, ou seja, no que poderíamos chamar de “ciências sociais aplicadas”. Essa desvalorização real e institucional é acompanhada por sua desvalorização ideológica, tal como demonstra as ideologias do “fim da história”, da “crise dos paradigmas”, da “pós-modernidade”, etc.

A partir dessas considerações, devemos colocar que o marxismo é o método que pode explicar o desenvolvimento histórico do capitalismo e suas perspectivas. Aqui cabe a pergunta: e a crise do marxismo? Na verdade, o “paradigma” que os ideólogos da crise visam é, essencialmente, o marxismo. Basta lermos Maffesoli, para entendermos isto. Octávio Ianni diz que não podemos confundir crise do marxismo e crise do leste europeu, pois o pensamento marxista continua fecundo, independentemente de sua aplicação por partidos políticos ou governos. Resta saber de qual “marxismo” se está falando. Tanto o “marxismo acadêmico - o marxismo mutilado e domesticado pela academia, portanto, despolitizado - quanto o “marxismo” ligado à formação e/ou consolidação do capitalismo de estado da URSS, China, Cuba, Albânia e Leste Europeu - o leninismo, stalinismo, maoísmo, etc., estão em crise.

As tentativas do “marxismo” em analisar as “novas realidades”, segundo Octávio Ianni, não tiveram a capacidade de absorvê-lo. O marxismo convive com um “impasse” gerado tanto pelo economicismo quanto pelo politicismo. Acontece que Ianni se esquece que, de um lado, caiu-se no politicismo e no economicismo, mas de outro lado, caiu-se no “culturalismo”, no “sociologismo”, ou em qualquer outro tipo de particularismo autônomo. Aliás, está e a impressão que temos ao ler o último livro de Ianni, A Sociedade Global, que cede aos encantos do “sociologismo” enquanto que a realidade econômica e política (as transformações do capitalismo mundial, as classes sociais na nova realidade mundial, etc.) são relegadas à vagas considerações secundárias. O marxismo como concepção política revolucionária sempre esteve marginalizado tanto nas acadêmicas quanto nos partidos políticos. Tanto em uns quanto em outros, o que existia era um marxismo adaptado e deformado por necessidades estranhas aos da classe social que ele busca representar: o proletariado. Daí conclui-se que o marxismo autêntico é o marxismo marginal, ou seja, aquele que esteve à margem das academias e dos partidos políticos. Logo, o que está em crise são as deformações do marxismo, pois o marxismo autêntico continua sobrevivendo nos subterrâneos da sociedade capitalista.

Disso tudo concluímos que a crise dos paradigmas é provocada não somente pela mudança de “objetos de estudos”, mas principalmente pelas mudanças históricas que criam “novos objetos” e novos interesses e necessidades no estudo da sociedade e, ainda, “novos sujeitos” - no caso, os cientistas sociais - para analisar estas novas realidades. Quanto à crise do marxismo, ela simplesmente não existe, pois o que está em crise são as deformações do marxismo. O marxismo autêntico continua não só vivo e atuante como também explicando as mudanças históricas e as ideologias contemporâneas, inclusive àquelas as quais Octávio Ianni sucumbiu.
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Artigo publicado originalmente como:
VIANA, Nildo. O Marxismo na Contra-Corrente da História. Jornal Diário da Manhã, Goiânia, p. 23 - 23, 13 dez. 1992.

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