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domingo, 3 de outubro de 2021

Marxismo e Psicanálise segundo Anton Pannekoek

 Marxismo e Psicanálise segundo Anton Pannekoek

Anton Pannekoek foi um dos mais importantes pensadores marxistas do século 20. A sua contribuição para a teoria dos conselhos operários é inquestionável (PANNEKOEK, 1977; PANNEKOEK, 2012). A retomada do caráter revolucionário do pensamento marxista foi um de seus méritos e dos demais integrantes da corrente denominada comunismo de conselhos. Podemos dizer que o pensamento de Pannekoek se organiza a partir de dois aspectos fundamentais: um é a preocupação com a organização e a outra é a preocupação com a consciência no movimento revolucionário do proletariado. Pannekoek enfatizou a necessidade de consciência e organização por parte do proletariado e dedicou muitas páginas para trabalhar com esses elementos. No entanto, a interpretação autonomista do seu pensamento acabou evitando uma parte fundamental de sua concepção, a respeito da importância da consciência, e focalizou apenas a sua discussão sobre a organização, os conselhos operários (e a crítica das organizações burocráticas, tal como a sua crítica aos partidos e sindicatos).

O texto “Marxismo e Psicologia”, um título problemático, já que o tema abordado por ele remete para uma discussão sobre a psicanálise e não psicologia, publicado em 1938, aponta para uma das reflexões de Pannekoek sobre a questão da consciência, embora não seja o seu foco e sim as posições de alguns “freudo-marxistas”. Esse texto é interessante por tocar numa questão fundamental, a relação entre marxismo e psicanálise. Por isso é importante a leitura e análise desse breve texto.

Não efetivaremos uma síntese do texto de Pannekoek, mas apenas apontaremos alguns pontos básicos para reflexões. O primeiro ponto é a motivação de Pannekoek para entrar na questão da relação entre marxismo e psicanálise. O segundo ponto é a interpretação que ele efetiva da psicanálise, o que está relacionado com o terceiro, que é sua posição diante do freudo-marxismo. O quarto e último ponto é a sua posição diante da relação entre marxismo e psicanálise.

A principal motivação de Pannekoek em escrever tal texto remete, provavelmente, à repercussão das tentativas de aproximação entre marxismo e psicanálise no contexto dos anos 1930. Pannekoek cita, fundamentalmente, Reich e Osborn. Sem dúvida, a importância dessa aproximação ocorria não só por sua repercussão ideológica, mas também pelas iniciativas práticas, tal como o movimento Sexpol (movimento de política sexual), do qual Wilhelm Reich participou e foi um dos principais animadores, que existiu, inicialmente vinculado ao Partido Comunista Alemão, nos anos 1930. As publicações de Reich tinham um certo impacto em alguns setores da sociedade, bem como a ideia de um freudo-marxismo se expandiu nesse período, especialmente em alguns países, tal como na Alemanha. Sem dúvida, o lançamento do livro de Osborn (1966), Marx e Freud (também publicado com o título “Marxismo e Psicanálise”) foi uma das razões do breve texto de Pannekoek.

A posição de Pannekoek diante da psicanálise se manifesta em sua reflexão sobre o freudo-marxismo. Como texto político, não há citações das obras, o que dificulta uma análise mais profunda sobre as fontes de Pannekoek. Não sabemos, por exemplo, se Pannekoek leu Freud ou se realizou sua interpretação a partir de obras de comentaristas. Ao que tudo indica, Pannekoek não leu Freud e sim se apoiou na apresentação do seu pensamento por Osborn (1966), tal como se vê na discussão sobre o superego. Se Pannekoek leu Freud, deve ter sido uma leitura circunstancial e sem maior aprofundamento, pois ele comete equívocos interpretativos (geralmente os mesmos de Osborn, o que reforça a hipótese de que ele se fundamenta nesse autor ao invés de uma leitura do fundador da psicanálise).

Não cabe aqui comentar detalhadamente os equívocos interpretativos de Pannekoek a respeito de Freud (e nem dos seus acertos). É mais interessante discutir as suas reflexões sobre as questões psicanalíticas. Pannekoek afirma que o instinto de sobrevivência[1] precisam de meios materiais de satisfação e que o instinto sexual, que ele denomina “necessidades que Freud chamou de libido”, pode ter suas exigências satisfeitas “através do mecanismo da sublimação, por meio da fantasia”. Ele não afirma que isso é uma concepção de Freud e tudo indica, apesar dele não deixar claro, é uma posição assumida por ele diante desse processo, que, como veremos a seguir, é um dos fundamentos de sua posição diante do freudo-marxismo. Porém, o equívoco está em pensar que as “necessidades sexuais” não satisfeitas possam ser, paradoxalmente, satisfeitas pela fantasia. A fantasia pode ser uma “satisfação substituta” e não uma satisfação do que fica insatisfeito, o que significa que o deslocamento não resolve o problema e por isso há o inconsciente e o “retorno do reprimido”. O que ocorre é a substituição da satisfação da necessidade sexual por uma outra satisfação, não-sexual, e por isso a insatisfação continua. Ela a substitui, mas não a satisfaz. Se houvesse a satisfação, os problemas enfrentados por Freud, tal como a neurose, não existiriam. Pannekoek não desenvolve e nem aprofunda essas reflexões, e se o fizesse teria que questionar a concepção freudiana (bem como as concepções psicanalíticas alternativas de Adler, Jung, Fromm e outros).

Não poderemos aqui questionar suas afirmações sobre “superego”, “fase de homossexualidade”, “tipos de personalidade”, a sua confusão em torno dos desejos e superego e “irracionalidade”, entre outras. Vamos apenas colocar mais uma questão, sua acusação de simplificação por parte da psicanálise. É provável que Pannekoek retira tal ideia da “síntese” (problemática) de Osborn a respeito da psicanálise. Sem dúvida, em certas questões e passagens, Freud efetiva algumas simplificações, bem como não ultrapassa a episteme burguesa e efetiva um reducionismo. Porém, é preciso entender que o foco de Freud é o indivíduo e que ele elabora toda uma concepção complexa a respeito do universo psíquico (que ele denomina “aparelho psíquico”) e ultrapassa o nível individual em algumas obras. Porém, há ziguezagues na obra de Freud (é possível identificar três momentos, com alterações importantes no seu pensamento), bem como correções e aprofundamentos. Por outro lado, Pannekoek desconsidera os psicanalistas dissidentes (como Adler, Jung e outros), que apontam outros caminhos e explicações.

Pannekoek também aborda o freudo-marxismo. No texto, ele cita três autores considerados freudo-marxistas: Fromm, Reich e Osborn. Porém, o seu foco é claramente Osborn. Pannekoek efetiva uma crítica especialmente aos dois últimos. Fromm só aparece para apontar um aspecto do pensamento de Freud. Reich aparece um pouco mais e Osborn é o grande nome. Sem dúvida, seria fundamental ter abordado, para discutir a questão mais ampla do que a relação entre marxismo e psicanálise, que é a relação entre universo psíquico e sociedade, mais amplamente a contribuição de Fromm e talvez outros freudo-marxistas e psicanalistas. Porém, a crítica de Pannekoek a Osborn é acertada. O acerto de Pannekoek reside tanto na crítica do vínculo de Osborn com a concepção leninista-stalinista quanto sua reflexão sobre a psicanálise e sua suposta utilidade para o marxismo.

Porém, Pannekoek não avançou mais nessa crítica, talvez por não ter maior aprofundamento nas concepções psicanalíticas. Se houvesse, talvez poderia ter criticado vários pontos da interpretação de Osborn do pensamento de Freud e sua simplificação do mesmo. Por outro lado, no entanto, Pannekoek acerta ao criticar a relação estabelecida entre marxismo e psicanálise tendo por pressuposto a “dialética da natureza”, o que recorda a obra positivista de Engels (1986) e sua adoção e simplificação pelo stalinismo, gerando o fantasmagórico diamat (“materialismo dialético”). Essa dialética positivista não contribui para a compreensão da sociedade, do universo psíquico dos indivíduos, para suas relações, e, portanto, é apenas mais um obstáculo para o desenvolvimento da consciência humana que deve ser removido. As demais críticas de Pannekoek a Osborn são corretas, desde que não se confunda o que diz esse autor com a psicanálise e o freudo-marxismo em geral.

Sem dúvida, Pannekoek poderia ter avançado para uma crítica do freudo-marxismo de Wilhelm Reich. Este autor era mais freudiano do que marxista, não apenas através da primazia da psicanálise freudiana sobre o marxismo, mas também por reproduzir o materialismo mecanicista, bem como suas confusões na análise da família, do fascismo, entre outras[2]. Essa outra manifestação do freudo-marxismo, no entanto, é mais profunda e útil do que a de Osborn. Por outro lado, Fromm e outros freudo-marxistas, que estabeleceram outras interpretações, bem como relações, entre marxismo e psicanálise, seriam importantes e permitiriam um maior avanço nessa discussão.

O último aspecto do texto de Pannekoek que queremos destacar é sua posição diante da relação entre marxismo e psicanálise, o que remete para a questão da relação entre o indivíduo e seu universo psíquico e a sociedade. A crítica de Pannekoek a Osborn tem muitos acertos, mas termina por ser problemático a sua limitação a esse que é, provavelmente, o pior dos freudo-marxistas. Pannekoek observa, acertadamente, que é necessário ao invés de usar a psicanálise para reproduzir a propaganda burguesa e usar suas estratégias, apontar para a autonomização do proletariado. A ideia de “politizar a vida privada” e as pseudossoluções das satisfações substitutas não possuem nada de revolucionário e o exemplo com o qual ele termina, Kraft durch Freude (Força pela Alegria, organização nazista voltada para o lazer) é revelador do caráter burguês e reacionário dos adeptos da “revoluções individuais” e “liberação de subjetividades” no interior do capitalismo.

Ao mesmo tempo Pannekoek coloca a questão da criança e do adulto, retirando a ênfase psicanalítica na infância. E sua ironia é digna de gargalhada: “a conclusão lógica seria que primeiro devemos reformar a família ou, em outras palavras, que devemos revolucionar o jardim de infância para realizar uma revolução social”. De certo modo, Pannekoek tem razão, mas a desconsideração pelos processos de socialização, a formação psíquica das crianças, é problemática[3]. Otto Rühle (2021) foi mais profundo nessa questão. A sua crítica na ênfase excessiva na sexualidade também é correta (e isso se aplica a Reich também). Porém, a sua fundamentação da crítica deixa a desejar. A sua contraposição entre instinto de sobrevivência e instinto sexual, sem usar essa terminologia, aponta para a percepção correta de que a sexualidade e as reivindicações em sua relação podem ser atendidas ou substituídas na sociedade capitalista. Ela não é geradora de revolução, como supôs Reich. Porém, ao colocar que o “impulso da fome” remete a uma maior influência no sentido de reforçar o processo revolucionário, acaba simplificando a questão. Assim se perde de vista a complexidade dos seres humanos, bem como deixar a revolução na dependência de uma tal carência, a fome, sob forma coletiva, significa colocar a probabilidade de sua ocorrência diminuir drasticamente. Além disso, a fome não é suficiente para desencadear uma revolução, apesar de que a posição de Pannekoek não se reduz a isso, mas a formulação acabou empobrecendo a discussão, mesmo nos limites que ele coloca – e certamente hipotético – que é tomando por base a concepção simplificadora dos impulsos e numa divisão formal da vida emocional do ser humano.

O que podemos perceber no texto do Pannekoek é uma limitação discursiva por se orientar pelo discurso psicanalítico (e, pior ainda, empobrecido por Osborn) e pelo seu objetivo de refutação das teses e conclusões de determinados autores. Ao enfatizar a refutação de Osborn e sua psicanálise simplificadora – o que torna os problemas realmente existentes na psicanálise freudiana ainda mais graves – acabou exagerando suas posições, que também acabaram se tornando simplificadoras. Obviamente que é equivocado pensar que “a verdadeira revolução das massas deve se preocupar principalmente com a superestrutura ideológica da sociedade”[4] e podemos concordar com a afirmação de que a concepção segundo a qual “o principal esforço deve ser colocado na agitação na esfera da superestrutura” significa “convidar a uma disputa com moinhos de vento”. Porém, ao contestar o “superestruturalismo”, corre-se o risco de cair no economicismo. Assim, é preciso recordar que a luta de classes está em todos os lugares (KORSCH, 1973), inclusive nas formas sociais (“superestrutura”), e que esta tem uma função fundamental na reprodução da sociedade capitalista e, por conseguinte, é um lugar de luta e atuação. A relação entre modo de produção e formas sociais também precisaria ser efetivada e como esses processos estão entrelaçados num processo revolucionário. Assim, Pannekoek, ao combater corretamente a ênfase unilateral na “superestrutura”, acabou caindo, pelo menos pela forma que aparece no texto, no erro oposto, que foi a ênfase unilateral na “relação econômica”.

Em síntese, a abordagem da psicanálise por Pannekoek padece de uma compreensão mais profunda da mesma e isso gera sua crítica mais geral e que se desdobra na crítica do freudo-marxismo, em sua versão mais problemática e simplificada, pois aliada ao leninismo. Da sua recusa da psicanálise e freudo-marxismo, também decorre uma concepção limitada da relação entre universo psíquico e sociedade. Nesse sentido, o texto de Pannekoek é uma boa contribuição para a crítica de um freudo-marxismo limitado e ideológico, bem como de sua versão empobrecida da psicanálise, mas é preciso que se veja também que ela tem limites, que se manifestam na confusão entre a versão e a verdade[5].

Ou, em outras palavras, a crítica de Pannekoek é interessante e em muitos aspectos acertadas, mas no que se refere a uma versão simplificada da psicanálise e freudo-marxismo e não no que se refere a estas concepções em sua complexidade. Isso gera um problema derivado que é a posição diante da realidade, mas que é compreensível no contexto da discussão, embora não seja aceitável e que é necessário senso crítico para perceber isso e avançar na reflexão sobre o processo da luta de classes e da luta pela transformação radical e total das relações sociais.

Referências

ENGELS, Friedrich. A Dialética da Natureza. 4a edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
KORSCH, Karl. El Joven Marx como Filósofo Activista. In: SUBIRATS, E. (org.). Karl Korsch o el Nacimiento de uma Nueva Época. Barcelona: Anagrama, 1973.
OSBORN, Reuben. Psicanálise e Marxismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.
PANNEKOEK, Anton. Los Consejos Obreros. Madrid: Zero, 1977.
PANNEKOEK, Anton. Partidos, Sindicatos e Conselhos Operários. Rio de Janeiro: Rizoma, 2012.
REICH, Wilhelm. A Revolução Sexual. 8ª edição, Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.
REICH, Wilhelm. O Que é a Consciência de Classe? Lisboa: Textos Exemplares, 1976.
REICH, Wilhelm. Psicanálise de Massas do Fascismo. 2ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 1988.
RÜHLE, Otto. A Mente da Criança Proletária. Goiânia: Edições Redelp, 2021.
SARTRE, Jean-Paul. Questão de Método. São Paulo: Difel, 1968.
VIANA, Nildo. Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas. Curitiba: CRV, 2019.
VIANA, Nildo. O Modo de Pensar Burguês. Episteme Burguesa e Episteme Marxista. Curitiba: CRV, 2018.
VIANA, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas. São Paulo: Escuta, 2008.


[1] Pannekoek coloca “impulso de autopreservação” e não entraremos aqui na polêmica da tradução mais fidedigna dos termos usados por Freud, entre os quais o debate se são “instintos” ou “pulsões” – ou, ainda, impulsos –, pois consideramos que instintos é mais adequado e nos posicionamos a favor dos que defendem tal concepção.

[2] As análises mecanicistas de Reich podem ser vistas em obras como Psicologia de Massas do Fascismo e O que é Consciência de Classe? (REICH, 1976; REICH, 1988). Isso não retira alguns méritos de algumas de suas reflexões, tal como a crítica da contrarrevolução na Rússia em sua obra A Revolução Sexual (REICH, 1988).

[3] E, nos casos individuais, não é possível desconsiderar a importância da infância, embora ela seja relativa dependendo dos indivíduos concretos. Não foi sem motivo que Sartre (1968) ironiza os marxistas que consideram que o indivíduo só passaria a existir quando recebia o seu primeiro salário. E tal importância pode ser coletiva, quando atinge determinada geração, possuindo efeitos posteriores, entre outros processos. Claro que isso é diferente da posição de Osborn e não é disso que Pannekoek está tratando mais exatamente, embora a sua posição necessitaria ampliar a reflexão, o que poderia mudar a consideração efetivada por ele.

[4] Pannekoek reproduz nesse texto algo bastante comum em suas obras, que é a imprecisão terminológica. E no próprio texto a palavra ideologia aparece com mais de um sentido, tendo inclusive uma breve referência à ideia de “falsa consciência”, ao mesmo tempo que usa o termo no sentido amplo (e próximo de cultura) ao falar de “superestrutura ideológica”.

[5] A questão do inconsciente coletivo, dos sentimentos, entre outros processos psíquicos, são fundamentais para entender a dinâmica da luta de classes na sociedade capitalista, inclusive como a classe dominante manipula e consegue canalizar a insatisfação para processos que permitem a sua reprodução, bem como é fundamental entender a força da mentalidade burguesa (VIANA, 2008) e da episteme burguesa (VIANA, 2018; 2019). A revolução proletária, ao contrário de todas as revoluções anteriores, pressupõe um processo de autoconsciência, cujo auge será no processo revolucionário, mas que precisa de elementos antecedentes para atingi-lo.

Nildo Viana, outubro de 2020.


O texto de Pannekoek pode ser acessado neste link:


Introdução ao texto de Pannekoek sobre Marxismo e Psicanálise (em Russo)

Нильдо Виана: комментарий к статье Антона Паннекука "Марксизм и психология"

 

Антон Паннекук был одним из самых важных марксистских мыслителей 19 века. Его вклад в теорию рабочих советов неоспорим. Возрождение революционного характера марксистской мысли было одной из его заслуг и заслуг других активистов течения, называемого Коммунизмом рабочих Советов.

Можно сказать, что мысль Паннекука состоит из двух фундаментальных аспектов: первый - забота об организации, второй - забота о сознании в революционном движении пролетариата. Паннекук подчеркивал необходимость развития сознания и организации пролетариата и посвятил много страниц работе с этими элементами. Однако автономистская (имеются в виду сторонники рабочей автономии - независимого от партий и профсоюзов движения работников, основанного на власти рабочих собраний и полностью подконтрольных собраниям Советов - прим.) интерпретация его мысли в итоге обошла стороной фундаментальную часть его концепции, касающуюся важности сознания, и сосредоточилась только на обсуждении организации, рабочих советов (и критике бюрократических организаций, например, критике партий и профсоюзов).

Текст "Марксизм и психология", проблематичное название, поскольку тема, которой он посвящен, относится к обсуждению психоанализа, а не психологии. Этот текст, опубликованный в 1938 году, указывает на одно из направлений размышлений Паннекука по вопросу сознания, хотя это не его фокус, а скорее позиции некоторых "фрейдо-марксистов". Этот текст интересен тем, что затрагивает фундаментальный вопрос - взаимоотношения между марксизмом и психоанализом. Именно поэтому важно прочитать и проанализировать этот короткий текст.

Мы не будем делать синтез текста Паннекука, а лишь укажем на некоторые основные моменты для размышления.

Первый момент - это мотивация Паннекука для того, чтобы войти в обсуждение вопроса о взаимоотношениях между марксизмом и психоанализом. Второй момент - это его интерпретация психоанализа, которая связана с третьим моментом - его позицией в отношении фрейдо-марксизма. Четвертый и последний пункт - это его позиция по вопросу отношений между марксизмом и психоанализом.

Основная мотивация Паннекука при написании такого текста, вероятно, связана с последствиями попыток сближения марксизма и психоанализа в контексте 1930-х годов. Паннекук цитирует, в основном, Райха и Осборна. Несомненно, важность этого сближения имела место не только из-за его идеологических последствий, но и из-за практических инициатив, таких как движение Sexpol (движение сексуальной политики), в котором Вильгельм Райх участвовал и где он был одним из главных инициаторов. Это движение было первоначально связано с Коммунистической партией Германии, в 1930-х годах.

Публикации Райха оказали определенное влияние на некоторые слои общества, и в этот период идея фрейдо-марксизма получила распространение, особенно в некоторых странах, например, в Германии. Безусловно, публикация книги Осборна "Маркс и Фрейд" (также изданной под названием "Марксизм и психоанализ") стала одной из причин появления краткого текста Паннекоека. Позиция Паннекука по отношению к психоанализу проявляется в его размышлениях о фрейдо-марксизме. Как и положено политическому тексту, в нем нет ссылок на работы, что затрудняет более глубокий анализ источников Паннекука. Мы не знаем, например, читал ли Паннекок Фрейда, или он проводил свою интерпретацию на основе работ комментаторов. Похоже, что Паннекок не читал Фрейда, а полагался на изложение его мысли Осборном, как это видно из обсуждения Супер-эго.

Если Паннекок и читал Фрейда, то это, вероятно, было косвенное чтение и без дальнейшего углубления, поскольку он допускает интерпретационные ошибки (обычно те же, что и у Осборна, что подкрепляет гипотезу о том, что он опирается на этого автора, а не на чтение самого основателя психоанализа, Фрейда).

Здесь не место подробно комментировать интерпретационные заблуждения Паннекука относительно Фрейда (равно как и его правоту). Интереснее обсудить его размышления по психоаналитическим вопросам. Паннекук утверждает, что инстинкт выживания нуждается в материальных средствах удовлетворения, а сексуальный инстинкт, который он называет "потребностями" (Фрейд называл его "либидо"), может удовлетворить свои потребности "через механизм сублимации, через фантазию". Паннекук не утверждает, что это концепция Фрейда, и все указывает на то, что это позиция, занятая им самим ранее, является одним из оснований его позиции до фрейдо-марксизма.

Однако ошибка (Паннекука - прим.) заключается в том, что по его мнению, неудовлетворенные "сексуальные потребности" могут быть, как это ни парадоксально, удовлетворены фантазией. В действительности, фантазия может быть лишь "замещающим удовлетворением", а не удовлетворением того, что остается неудовлетворенным. Сказанное означает, что вытеснение не решает проблему. Именно поэтому существует бессознательное и "возвращение подавленного". Происходит замена удовлетворения сексуальной потребности на другое удовлетворение, несексуальное, и таким образом неудовлетворенность продолжается. Замена заменяет, но не удовлетворяет желание. Если бы было удовлетворение, то проблемы, с которыми столкнулся Фрейд, такие как невроз, не существовали бы.

Паннекук не развивает и не углубляет эти размышления, а если бы он это сделал, ему пришлось бы поставить под сомнение фрейдистскую концепцию (а также альтернативные психоаналитические концепции Адлера, Юнга, Фромма и других). Мы не сможем ставить здесь под сомнение его высказывания о "Супер-эго", "фазе гомосексуальности", "типах личности", его путаницу вокруг желаний и Супер-эго, "иррациональности" и др. Зададимся одним вопросом - обвинением в упрощении психоанализа.

Вполне вероятно, что Паннекук черпает свои представления о нем из (проблематичного) "синтеза" Осборна относительно психоанализа. Несомненно, в некоторых вопросах и отрывках Фрейд действительно делает некоторые упрощения. Однако необходимо понимать, что в центре внимания Фрейда находится индивид и что он разрабатывает сложную концепцию о психическом универсуме (который он называет "психическим аппаратом") и в некоторых работах Фрейд выходит за пределы индивидуального уровня. В работе Фрейда есть зигзаги (можно выделить три момента с важными изменениями в его мышлении), а также исправления и углубления. С другой стороны, Паннекук игнорирует инакомыслящих психоаналитиков (таких как Адлер, Юнг и другие), которые указывают на другие пути и объяснения.

Паннекук также обсуждает фрейдо-марксизм. В тексте он цитирует трех авторов, которые считаются фрейдо-марксистами: Фромма, Райха и Осборна. Однако основное внимание он уделяет Осборну. Паннекук особенно критикует двух последних. Фромм, похоже, указывает только на один аспект мысли Фрейда. Райх фигурирует чуть больше, а Осборн - самое громкое имя. Несомненно, было бы важно рассмотреть более широкий вопрос, чем отношения между марксизмом и психоанализом, а именно отношения между психической вселенной и обществом, более подробно обсудить вклад Фромма и, возможно, других фрейдо-марксистов и психоаналитиков.

Тем не менее, критика Паннекука в адрес Осборна точна. Правота Паннекука заключается как в его критике привязанности Осборна к ленинско-сталинской концепции, так и в его размышлениях о психоанализе и его предполагаемой полезности для марксизма.

Однако Паннекок не продвинулся дальше в этой критике, возможно, потому, что у него не было более глубокого понимания психоаналитических концепций. Если бы оно было, то, возможно, Паннекук смог бы подвергнуть критике некоторые моменты интерпретации Осборном мысли Фрейда и ее упрощения.

С другой стороны, Паннекок прав, когда критикует связь, установленную между марксизмом и психоанализом, имея в качестве предпосылки "Диалектику природы", которая напоминает нам позитивистскую работу Энгельса и ее принятие и упрощение сталинизмом, породившее фантасмагорический диамат ("диалектический материализм"). Эта позитивистская диалектика не способствует пониманию общества, психического мира индивидов, их взаимоотношений, и поэтому является еще одним препятствием на пути развития человеческого сознания, препятствием, которое должно быть устранено.

Другие критические замечания Паннекука в адрес Осборна верны, если только не путать то, что говорит этот автор, с психоанализом и фрейдо-марксизмом в целом.

Несомненно, Паннекок мог бы перейти к критике фрейдистско-марксистской концепции Вильгельма Райха. Этот автор был больше фрейдистом, чем марксистом, не только благодаря примату фрейдистского психоанализа над марксизмом, но и потому, что воспроизводих механистический материализм, а также путаницу в анализе семьи, фашизма и др. Это - другое проявление фрейдо-марксизма, однако, оно является более глубоким и полезным, чем у Осборна.

С другой стороны, Фромм и другие фрейдо-марксисты, которые предлагали другие интерпретации, а также, другие отношения между марксизмом и психоанализом, были бы важны и позволили бы продвинуться дальше в этой дискуссии. Последний аспект текста Паннекука, который мы хотим подчеркнуть, это его позиция касательно отношений между марксизмом и психоанализом, которая связана с вопросом об отношениях между психической вселенной индивида и обществом.

Критика Паннекука в адрес Осборна наносит по оппоненту много ударов, но в конечном итоге она оказывается проблематичной в том, что ограничивается, вероятно, худшим из фрейдо-марксистов.

Паннекук справедливо отмечает, что вместо того, чтобы использовать психоанализ для воспроизведения буржуазной пропаганды и использования ее стратегий, необходимо стремиться к автономизации пролетариата. Идея "политизации частной жизни" и псевдорешений - замещающих удовлетворений - не имеют в себе ничего революционного, а пример, которым он заканчивает, Kraft durch Freude (Сила для радости, нацистская организация, ориентированная на досуг), показывает буржуазный и реакционный характер приверженцев "индивидуальных революций" и "освобождения субъективности" в рамках капитализма.

В то же время Паннекук поднимает вопрос о ребенке и взрослом, снимая психоаналитический акцент на детстве. И его ирония смехотворна: "Логическим выводом будет то, что мы должны сначала реформировать семью или, другими словами, что мы должны революционизировать детский сад, чтобы совершить социальную революцию". В каком-то смысле Паннекук прав, но игнорирование процессов социализации, формирования психики детей, проблематично. Отто Рюле углубился в этот вопрос. Его критика в отношении чрезмерного акцента на сексуальности также верна (и это относится и к Райху). Однако его аргументация критики оставляет желать лучшего.

Его (Паннекука - прим.) противопоставление инстинкта выживания и сексуального инстинкта (без использования этой терминологии) указывает на правильное восприятие того, что сексуальность и требования в ее отношении могут быть удовлетворены или замещены в капиталистическом обществе. Это удовлетворение (сексуального импульса - прим.) не является революционным, в отличие от того, что предполагал Райх.

Однако, утверждая, что "импульс голода" имеет большее влияние в смысле усиления революционного процесса, Паннекук в итоге упрощает вопрос. Здесь упускается из виду сложность человеческого существа, а также революция ставится в зависимость от такого явления, как коллективный голод. Это означало бы резкое снижение вероятности возникновения революции. Более того, голода недостаточно, чтобы вызвать революцию. Хотя позиция Паннекука не сводится к этому, но формулировка в итоге обедняет дискуссию, даже в тех пределах, которые он ставит. Его формулировка основана на упрощающей концепции импульсов и на формальном разделении эмоциональной жизни человеческих существ.

Что мы можем заметить в тексте Паннекоека, так это дискурсивное ограничение, связанное с тем, что он руководствуется психоаналитическим дискурсом (и, что еще хуже, обедненным Осборном) и его целью является опровержение тезисов и выводов определенных авторов. Делая акцент на опровержении Осборна и его упрощении психоанализа, Паннекук в итоге становятся на путь упрощения. Очевидно, что ошибочно думать, будто "настоящая революция масс должна быть в первую очередь связана с идеологической надстройкой общества", и мы можем согласиться с утверждением Паннекука, что концепция, согласно которой "основные усилия должны быть направлены на агитацию в сфере надстройки", означает "приглашение к борьбе с ветряными мельницами". Однако, оспаривая "надстройку", человек рискует впасть в экономизм. Таким образом, необходимо помнить, что классовая борьба идет везде (KORSCH, 1973), в том числе и в социальных формах ("надстройке"), и что последняя имеет фундаментальную функцию в воспроизводстве капиталистического общества и поэтому является местом борьбы и действия. Необходимо было бы также проследить взаимосвязь между способом производства и социальными формами, и тем, как эти вещи переплетаются в революционном процессе.

Таким образом, Паннекок, правильно противодействуя одностороннему акценту на "надстройке", в итоге впал, по крайней мере, в том виде, в котором его взгляды представлены в тексте, в противоположную ошибку - в односторонний акцент на "экономических отношениях". В целом, подход Паннекука к психоанализу лишен более глубокого понимания, и это порождает его более общую критику, которая разворачивается в атаке на фрейдо-марксизм, в его наиболее проблематичной и упрощенной версии, как на союзника ленинизма.

Из его неприятия психоанализа и фрейдо-марксизма также вытекает ограниченная концепция отношений между психической вселенной и обществом. В этом смысле текст Паннекука является хорошим вкладом в критику ограниченного и идеологического фрейдо-марксизма, а также его обедненной версии психоанализа, но нужно также видеть, что у Паннекука есть ограничения, которые проявляются в путанице между версией и истиной.

Или, другими словами, критика Паннекука интересна и во многом верна, но в отношении упрощенных версий психоанализа и фрейдо-марксизма, а не в отношении этих концепций во всей их сложности. Это порождает производную проблему, которая понятна в контексте дискуссии. Необходимо критическое чувство, чтобы осознать это и продвигаться дальше в размышлениях о процессе классовой борьбы и борьбы за радикальное и полное преобразование социальных отношений.

Нильдо Виана, октябрь 2020

 


sexta-feira, 17 de setembro de 2021

O Cego, curta-metragem

 



Título: "O Cego". 
Direção: Nildo Viana 
Produção: Gérmen Produções 
Duração: 15:41 
Gênero: Curta-Metragem. 
Ano: 2021 
Estreia: 19/09/2021

SINOPSE: 

Édipo era um jovem com problemas visuais e acaba ficando completamente cego. Ele tenta uma cura para sua cegueira que surgiu repentinamente e sem motivo aparente. Assim ele vai conhecer algumas pessoas que prometem curá-lo. Ele encontrará o misterioso Nero e sua história fica ainda mais trágica. E tudo isso vai passar na TV. A tragédia de Édipo se revela uma tragédia humana.

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Documentário sobre Marx será lançado dia 09 de setembro

 


Estreia dia 09 de setembro de 2021 o documentário "Marx: Pensador Insuperável de Nossa Época", dirigido por Jean Isídio dos Santos e Nildo Viana, uma produção da Edições Redelp. 

Assista:


Documentário "Marx: Pensador Insuperável de Nossa Época", de Jean Isídio dos Santos e Nildo Viana.

 

Ficha Técnica:

Título: Marx: Pensador Insuperável de Nossa Época

Direção: Jean Isídio dos Santos e Nildo Viana

Duração: 02:37:31

Ano produção: 2021

Estreia: 09 de Setembro de 2021

Produtora: Edições Redelp/Nildo Viana

Gênero: Documentário

País de Origem: Brasil

 

Sinopse:

Quem foi Karl Marx? Quais suas principais ideias? Qual sua real contribuição para entender a sociedade, as lutas políticas, o ser humano? Essas e outras questões são respondidas de forma sintética no presente documentário. Marx é apresentado como um pensador que inaugurou uma nova forma de pensar e realizou a crítica revolucionária do capitalismo e mostrou o caminho para a libertação humana através da revolução proletária. O método dialético, o materialismo histórico, a teoria do capitalismo, a teoria da revolução e do comunismo, são elementos fundamentais constitutivos do marxismo, tal como desenvolvido por Marx. Marx é um pensador odiado e atacado por muitos e, ao mesmo tempo, amado e defendido por muitos. Ele é um autor clássico de várias ciências humanas, mas também um pensador político que teve suas ideias deformadas e vinculadas a partidos, ideólogos pseudomarxistas, países de regimes ditatoriais. No fundo, Marx lutou pela liberdade humana, mas é conhecido como um inspirador de regimes ditatoriais. O documentário traz a essência do pensamento de Marx, rompendo com as deformações, más interpretações, entre outros problemas interpretativos numa síntese dos principais elementos do que ficou conhecido como marxismo, mostrando seu vínculo com o movimento operário, buscando ser sua expressão teórica e política. Concorde-se ou não com Marx, não é possível ignorá-lo ou considerá-lo um pensador “determinista”, “autoritário”, entre outras acusações falsas que são feitas a ele. Para os que sonham e lutam por um mundo radicalmente diferente, Marx é inevitável. Assim, Marx une num só indivíduo o grande pensador com inúmeras contribuições intelectuais com o militante revolucionário que estremece o mundo com sua indignação e crítica radical, e é justamente essa união que permite a emergência de um pensamento revolucionário que é, simultaneamente, uma revolução no pensamento.

 

Uma produção de Nildo Viana (http://nildoviana.com) e Edições Redelp (http://edicoesredelp.net).

 

Visite o canal da Edições Redelp:

https://www.youtube.com/channel/UCW4NQqy73G3-QfNwu4NwpMg


domingo, 5 de setembro de 2021

Determinismo Genético, ciência e política - Entrevista com Richard Lewontin

 


Entrevista com Richard Lewontin sobre “ciência e política”, tratando de questões como o determinismo genético e a relação entre ciência e sociedade. 

A entrevista foi concedida para a série de vídeos do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade de Berkeley/Califórnia, intitulada “Conversações sobre a História”, apresentada por Harry Kreysler, em 2004. 

Sobre Richard Lewontin: 

“Lewontin é biólogo, geneticista, matemático e professor de Zoologia na Universidade de Harvard. Richard Lewontin já teve algumas obras publicadas em português, como ‘A Tripla Hélice: Gene, Ambiente e Organismo’ e também ‘Biologia como Ideologia’” (VIANA, Nildo. Desvendando a Biologia por Dentro. In: Biology Under the Influence: Dialectical Essays on Ecology, Agriculture, and Health (apresentação da edição portuguesa no prelo, tradução de Nelson Marques/USP e Luiz Menna-Barreto/USP). 

Richard Lewontin faleceu, infelizmente, dia 04 de julho de 2021, aos 92 anos de idade. 

Veja também o documentário “Onde Darwin Errou?”: https://youtu.be/lJoc9BhmriQ 




quinta-feira, 12 de agosto de 2021

"Goiânia", música sobre a capital de Goiás



"Goiânia",

Edmilson Marques.

Composição: Edmilson Marques e Nildo Viana



"Goiânia"


Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

 

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

 

Rever a Praça do Bandeirante

O herói com espada e espingarda

Que lavou o ouro com o sangue

dos índios que exterminou com sua gangue

 

Passar na Praça Cívica do monumento

Três raças e apenas uma classe

de trabalhadores buscando alento

O suor que gera alimento para outro estamento

 

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

 

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

 

Quando estou em Luziânia

Quero voltar para Goiânia

Quando telefono para a Tânia

Sinto saudade de Goiânia.

 

Quanto estou com insônia

Fico pensando em Goiânia

Mas quando saio com a Sônia

Não converso sobre Goiânia

 

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

 

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

 

Ir até o zoológico e o Mutirama

Onde o trabalhador esquece o drama

Da exploração e da vida cotidiana

E da trama que produz tanta grana

 

Vamos nos perder nas avenidas

Por onde passaram tantas vidas

Anhanguera, Goiás e Araguaia

Lugar de comércio, carros e tocaia

 

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

 

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

 

O bom e o mau gosto e desgosto

de braços dados, eternos aliados

Vendo o mendigo exposto

e o rico escondendo o rosto

 

E ver gente bonita, arte e rock

No shopping o dinheiro dá o toque

Mas o mercado não mata a vida

Que insiste em ser vivida

 

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

 

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

 

No Serra Dourada ver Goiás e Vila

O tigre e o grito da cidade

Uma bela fuga da realidade

Ver a dor e alegria que lá desfila

 

Terra de batalhas e guerras

Onde o pensamento se rebela

Inspiração para uma nova era

Que o mundo tanto espera

 

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

 

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!

Vamos Vânia

Vamos para Goiânia!




quinta-feira, 8 de julho de 2021

III Seminário "Perspectiva Marxista"


 III Seminário Perspectiva Marxista. Setembro 2021.

NPM-UEG.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Maio de 1968: Rebelião Estudantil e Luta de Classes

 Maio de 1968: Rebelião Estudantil e Luta de Classes




sexta-feira, 21 de maio de 2021

As Razões do autoritarismo na América Latina - Palestra de Nildo Viana

 


CONFERÊNCIA DE ENCERRAMENTO:

AS RAZÕES DO AUTORITARISMO NA AMÉRICA LATINA

 

Nildo Viana - UFG/Universidade Federal de Goiás - Brasil

19 horas/horário de Brasília.



Sobre o evento: O Colóquio Internacional América Latina em Movimento (online) é uma realização do Grupo de Pesquisa Cultura, Política e Movimentos Sociais na América Latina/CPMSAL, que é vinculado ao Programa de Pós-graduação em Sociologia/PGSOCIO da Universidade Federal do Paraná/UFPR, Brasil, e tem como propósito fomentar o debate, a produção, a troca e a difusão de conhecimentos sobre as sociedades latino-americanas, a partir de uma perspectiva teórica crítica. Nesse sentido, promove conferências, palestras, mesas-redondas, cursos de formação, minicursos etc. sobre o modo de produção da vida e suas diversas formas de regularização (políticas, jurídicas, ideológicas, culturais, repressivas etc.) nas sociedades latino-americanas, bem como sobre as diversas formas de contestação social (movimentos sociais, movimentos de classes, coletivos políticos, lutas culturais etc.) que nelas emergem. Em sua primeira edição trará o Neoliberalismo e Autoritarismo como temática central.

 

No dia 19/05/2021, o professor da Universidade Nacional Autônoma/UNAM do México, Dr. Jaime Osorio, abrirá o evento com uma conferência intitulada Neoliberalismo e Subordinação.

 

No segundo dia do Colóquio (20/05/2021) teremos uma mesa-redonda sobre Lutas Culturais e Lutas Políticas Contemporâneas com a presença do professor Dr. Fernando Aiziczon, da Universidade Nacional de Córdoba/UNC, Argentina e do doutorando Gabriel Teles da Universidade de São Paulo/USP.

 

No dia 21/05/2021 o professor Dr. Nildo Viana, da Universidade Federal de Goiás/UFG, ministrará a conferência de encerramento com o tema As Razões do Autoritarismo na América Latina.


domingo, 16 de maio de 2021

JUNG E A INDIVIDUAÇÃO

 


JUNG E A INDIVIDUAÇÃO

 

Nildo Viana*

 

Resumo: O presente artigo apresenta uma análise da concepção junguiana sobre o desenvolvimento da personalidade e uma breve consideração sobre esse processo e a formação social do indivíduo tal como é entendido por outros autores. Assim, após uma síntese da concepção de Carl Gustav Jung, que remete ao problema da individuação, a comparamos com a concepção oriunda da sociologia e outras abordagens que tratam do fenômeno da socialização. Disso resulta uma perspectiva crítica da análise junguiana, sem descartar o conjunto de suas contribuições. O maior problema da análise de Jung é, simultaneamente, o seu grande mérito: a análise da mente como totalidade psíquica. Essa concepção tem como problema a autonomização da psique humana, o que a desliga do social, sendo este o determinante da mente humana. O mérito foi ter focalizado o universo psíquico do ser humano, desde que entendamos não como ele o fez, como autonomização, e sim como foco. Desta forma, compreendendo como foco e não autonomia, podemos usar a concepção junguiana para compreender o fenômeno psíquico.

 

Palavras-chave: Jung, Individuação, Socialização, Mente, Personalidade.

 

A obra de Carl Gustav Jung é uma das mais importantes no interior da psicanálise. A psicanálise, fundada por Freud, teve um desenvolvimento que promoveu algumas cisões internas, sendo que a cisão de Adler foi a primeira que gerou forte impacto e toda uma corrente psicanalítica distinta da freudiana e a de Jung, a segunda que gerou uma nova tendência no interior da psicanálise[1]. Após a colaboração com Freud e o rompimento, Jung desenvolve uma nova concepção psicanalítica que abrange um grande número de teses, termos, temas. No interior da vasta produção intelectual de Jung escolhemos o tema da individuação, não só por considerar que é um tema fundamental para a psicanálise, mas também por ser uma questão central no pensamento junguiano.

No curto espaço que temos para desenvolver a nossa análise da concepção junguiana, teremos que ser sintéticos e nos limitarmos aos aspectos essenciais. O presente artigo é composto por duas partes: uma que visa expor a concepção junguiana e outra que visa refletir sobre ela. Após uma breve síntese da análise junguiana da individuação, trabalhando com sua terminologia e explicação do desenvolvimento da personalidade, passaremos para uma análise crítica da mesma, explicitando elementos para uma psicanálise orientada criticamente e tendo a sociedade como pressuposto, ou seja, abordando o processo de individuação e desenvolvimento da personalidade no interior do conjunto das relações sociais. Esse último procedimento tem como principal aspecto o reencontro entre individuação e socialização, o indivíduo e a sociedade.

Jung e o desenvolvimento da personalidade

A obra de Jung e sua análise da individuação remetem para vários construtos, entre os quais inconsciente pessoal, inconsciente coletivo, persona, sombra, anima, animus, etc. e que formam uma concepção do desenvolvimento da personalidade. Segundo Jung:

Individuação significa tornar-se um ser único, na medida em que por ‘individualidade’ entenderemos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si-mesmo. Podemos, pois, traduzir ‘individuação’ como ‘tornar-se si mesmo’ (Verselbstung) ou ‘o realizar-se do si mesmo’ (Selbstwerwirklinchung) (JUNG, 1978, p. 49).

O processo de individuação não é algo simples. É um processo complexo e permeado por fases e dificuldades. Antes da individuação ocorre a alienação. As várias possibilidades de desenvolvimento do indivíduo podem ser denominadas “alienações do si-mesmo” (JUNG, 1978). Essas alienações são “modos de despojar o si-mesmo de sua realidade, em benefício de um papel exterior ou de um significado imaginário”, que, “em ambos os casos, verifica-se uma preponderância do coletivo” (JUNG, 1978, p. 49). No entanto, a individuação é um movimento para a realização, ou melhor, para a autorrealização. “Todo ser tende a realizar o que existe nele em germe, a crescer, a completar-se. Assim é para a semente do vegetal e para o embrião do animal. Assim é para o homem, quanto ao corpo e quanto à psique” (SILVEIRA, 1983).

Assim, podemos dizer que existem duas tendências no interior da psique humana: alienação e individuação. O processo de individuação é um processo conflituoso e por isso não é linear. O indivíduo para se tornar específico e inteiro, precisa passar pelo confronto entre inconsciente e consciência, através do conflito e da colaboração, que gera o amadurecimento através dos diversos componentes da personalidade (SILVEIRA, 1983). Ele significa a tendência instintiva no sentido de realizar sob forma plena as potencialidades humanas inatas[2]. A individuação possui algumas fases, sendo que a primeira é a retirada da máscara, ou do que Jung denomina persona.

A individuação obrigava a abandonar a confortável segurança da identificação do quem-eu-sou com o-que-eu-faço, nossos papeis familiares, pessoais e sociais, a que Jung chamava a persona ou máscara social. Por exemplo, a persona de Jung era ser um médico ou psiquiatra. A dissolução dessa persona era necessária para o desenvolvimento porque ela não passa de um segmento da psique coletiva. Tal máscara apenas estimula nossa individualidade, mas não a exprime. Descobrimos, na análise, que o que pensamos ser individual e exclusivo em nós é, na verdade, coletivo, um falso sistema do Self interiorizado (STAUDE, 1995, p. 106).

Ao superar o papel social que constitui a persona, que cumpre a função de um sistema de defesa, o indivíduo se defronta com o lado obscuro da psique humana: a sombra. Ela faz parte da personalidade total do indivíduo e é aquilo que não aceitamos em nós, o que consideramos repugnante, o que reprimimos e projetamos sobre os outros. Embora a sombra seja um conjunto de componentes diferenciados (fraquezas, imaturidade, complexos reprimidos, forças maléficas) considerados negativos, ela também possui “traços positivos” (JUNG, 1987): qualidades não desenvolvidas por razões externas ao indivíduo ou então falta de energia suficiente para superá-las (SILVEIRA, 1983).

Trazemos em nós o nosso passado, isto é, o homem primitivo e inferior com seus apetites e emoções, e só com um enorme esforço podemos libertar-nos desse peso. Nos casos de neurose, deparamos sempre com uma sombra consideravelmente densa. E para curar-se tal caso, devemos encontrar um caminho através do qual a personalidade consciente e a sombra possam conviver (JUNG, 1987, p. 81).

A sombra remete ao inconsciente pessoal[3] e este é uma camada que é de natureza pessoal, sendo “aquisições derivadas da vida individual e em parte por fatores psicológicos” (JUNG, 1978, p. 11). É parte integrante da personalidade e se diferencia do inconsciente coletivo, que possui elementos de ordem impessoal, coletiva, formado por “categorias herdadas” ou “arquétipos” (JUNG, 1978).

Um último elemento que Jung reconhece na formação da personalidade é, no sexo masculino, a confrontação com a anima, e, no sexo feminino, a confrontação com o animus. Em cada homem existe “uma minoria de gens femininos que foram sobrepujados pela maioria de gens masculinos” (SILVEIRA, 1983) e a anima é a representação psíquica dessa minoria de gens femininos, constituindo uma feminilidade inconsciente no homem. Ela também expressa a experiência milenar do homem com a mulher (formando a imagem da mãe, que é transposta para a namorada, esposa ou amante). Da mesma forma, em cada mulher existe “uma minoria de gens masculinos” também sobrepujados por uma maioria de gens femininos e o animus é sua representação no psiquismo feminino. O animus se manifesta como “intelectualidade mal diferenciada e simplista” (SILVEIRA, 1983). O animus também expressa a experiência milenar da mulher com o homem, formada, principalmente, na imagem do pai, transferida depois para o professor, o ator, o esportista ou o líder político. Após essa confrontação, quando há a superação das personificações da anima e do animus, o inconsciente se altera e emerge o self. Esse é o núcleo mais interior da psique e aparece nos sonhos masculinos como o sábio, mestre espiritual, filósofo e nos sonhos femininos como sacerdotisa, deusa mãe ou deusa do amor.

O self (si mesmo) não se revela apenas através de personificações humanas. Sendo uma grandeza que excede de muito a esfera do consciente, sua escala de expressões estende-se de uma parte ao infra-humano e de outra parte super-humano. Assim, seus símbolos podem apresentar-se sob aspectos minerais, vegetais, animais; como super-homens e deuses. Também sob formas abstratas. A denominação de self não cabe unicamente a esse centro profundo, mas também à totalidade da psique. O reconhecimento da própria sombra, a dissolução de complexos, liquidação de projeções, assimilação de aspectos parciais do psiquismo, a descida ao fundo dos abismos, em suma, o confronto entre consciente e inconsciente, produz um alargamento do mundo interior do qual resulta que o centro da nova personalidade, construída durante todo esse longo labor, não mais coincida com o ego. O centro da personalidade estabelece-se agora no self, e a força energética que este irradia englobará todo o sistema psíquico. A consequência será a totalização do ser, sua esferificação (abrundung). O indivíduo não estará mais fragmentado interiormente. Não se reduzirá a um pequeno ego crispado dentro de estreitos limites. Seu mundo agora abraça valores mais vastos, absorvidos do imenso patrimônio que a espécie penosamente acumulou nas suas estruturas fundamentais. Prazeres e sofrimentos serão vivenciados num nível mais alto de consciência. O homem torna-se ele mesmo, um ser completo, composto de consciente e inconsciente incluindo aspectos claros e escuros, masculinos e femininos, ordenado segundo o plano de base que lhe for peculiar (SILVEIRA, 1983, pp. 99-100).

É nesse momento que se conclui o processo de individuação. Caso não ocorra, o estágio anterior fixado gera neuroses e outros processos limitativos do desenvolvimento da personalidade. O encontro com o self, o núcleo da personalidade, possibilita a integração da totalidade da personalidade[4].

Jung, Personalidade e Sociedade

A breve descrição da concepção junguiana do desenvolvimento da personalidade é fundamental para realizarmos um confronto entre sua abordagem e a de outros psicanalistas, focalizando a questão da sociedade. O campo perceptivo de Jung é a mente humana enquanto que a sociologia tem a sociedade como domínio temático, assim como a antropologia se dedica à cultura e outras ciências humanas outros aspectos da sociedade (ciência política, historiografia, economia, etc.).

O que Jung denomina “individuação” é um processo psíquico no qual a sociedade pouco aparece. Erich Fromm também discute o processo de individuação, mas o faz mostrando não apenas o desenvolvimento do universo psíquico individual, pois apresenta também que se trata de um processo social (FROMM, 1981). É esse processo que possibilitou algumas críticas ao pensamento junguiano:

Jung considerava a ‘individuação’ e a ‘coletividade’ como um par de opostos. Críticos de Jung objetaram quanto ao fato de que ele não tinha um senso de sociedade, de que a individuação só é possível quando o indivíduo obtém sua individuação às custas de um trabalho equivalente em benefício do coletivo, da sociedade. Só os que pagaram seu preço à sociedade por iniciativa própria podem atingir os níveis mais elevados da individuação (STAUDE, 1995, p. 107).

Aqui temos a sociedade (ou “coletividade”) aparecendo e um questionamento realizado por alguns ao pensamento de Jung. A sociedade, segundo Staude, é um par oposto ao processo de individuação. Como observamos anteriormente, a individuação é conquistada superando a persona, ou seja, o que alguns sociólogos e psicólogos chamariam de “papeis sociais”. Essa oposição requer uma compreensão crítica da sociedade. Contudo, Jung não demonstra possuir uma análise mais profunda da sociedade[5] e nem do impacto dessa sobre os indivíduos. O impacto do social sobre o individual é um dos principais temas da sociologia e em alguns autores aparece com o nome de socialização. O processo de socialização, abordado por vários sociólogos, é inverso ao de individuação, no sentido junguiano.

No processo de socialização observamos como o indivíduo se torna um ser social. Esse fenômeno pode ser visto sob formas distintas. Ele pode ser percebido através de uma concepção dualista da natureza humana, que seria, por um lado, egoísta, e, por outro, social, e por isso a socialização visa tornar o indivíduo um ser social e adaptá-lo à sociedade (DURKHEIM, 1974). Também pode ser considerado um processo que tem a incumbência de formar o ser social, mas, simultaneamente, para determinado lugar na sociedade (dependendo da classe social, entre outras divisões sociais), para determinada forma histórica de sociedade (a sociedade escravista ou feudal geram indivíduos diferentes adaptados a elas). Assim, a incumbência universal da socialização é formar o ser social, é um processo de humanização. A incumbência histórico-particular é para ele se preparar para viver em determinada sociedade e determinada posição no seu interior (VIANA, 2011).

Aqui nos deparamos com a posição junguiana. A oposição entre indivíduo e sociedade é relativa, depende de cada sociedade histórica particular, e por isso a sua tese universalista é problemática, pois, retirando as diferenças que atribui ao oriente e ocidente, que fica no nível mental (JUNG, 1986), não apresenta uma percepção da evolução histórica da humanidade, as formas de sociedade, as características fundamentais da sociedade moderna. Estas ficam ausentes em sua análise (VIANA, 2002). O único processo social mais relevante que Jung reconhece na sociedade moderna é a especialização e profissionalização, que gera a persona, e a racionalização, que gera o sufocamento do inconsciente (JUNG, 1988)[6].

Assim, a crítica a Jung pelo fato dele desconsiderar a responsabilidade social do indivíduo, é equivocada e Staude está correto nesse aspecto. Contudo, a crítica mais profunda segundo a qual a sociedade e o processo de constituição social do indivíduo estão ausentes, bem como a concreticidade desse processo, não é respondida. Um exemplo pode esclarecer isso. A discussão sobre anima e animus, em Jung, é problemática por universalizar algo que, mesmo tendo um elemento universal, não é totalmente universal. A ideia de existência de gens femininos e que isso explicaria o pendor sentimental do homem e a existência de gens masculinos que explicaria o pendor racional das mulheres é algo que as informações produzidas por antropólogos e sociólogos demonstram ser equivocado. A antropóloga Margareth Mead, mostra, ao analisar três tribos indígenas, três formas de manifestação de temperamento de homens e mulheres, sendo que uma é igual à nossa sociedade (e, portanto, de acordo com o esquema junguiano), outra é o contrário (as características consideradas, em nossa sociedade, femininas são desenvolvidas pelos homens e as masculinas pelas mulheres), e uma terceira na qual ambos os sexos revelam um equilíbrio entre ambas (MEAD, 1988)[7].

Isso significa que existe uma socialização diferencial entre os sexos e dentre os aspectos diferenciais estão o “temperamento” ou os “ethos sexuais”. A constituição de ethos sexuais rígidos é um elemento que pode gerar desequilíbrios psíquicos e Jung está correto em colocar a necessidade de “confrontação” do homem com a anima e da mulher com o animus, pois são potencialidades humanas que a socialização diferencial tolhe em cada um deles, pois ambos possuem capacidades intelectuais e racionais, bem como sentimentais. Esse mesmo processo também existiu em outras sociedades, sob formas diferentes, devido ao processo histórico e se reproduz na sociedade moderna. Logo, nada tem a ver com “gens masculinos” ou “gens femininos”, não é uma questão genética ou orgânica e sim sociocultural, bem como não é algo universal.

O que a análise histórica e social deve levar em conta, e assim contribuir com essa discussão, é o grau em que cada um desses processos (racionalização, no sentido junguiano da palavra, e sentimentalizacão) são introjetados pelos indivíduos e são um obstáculo para o desenvolvimento de sua personalidade (no sentido junguiano, ou seja, sob forma integral). É, nesse sentido, Jung está novamente correto ao observar o excessivo racionalismo da sociedade que ele chama de “ocidental”. O sufocamento dos sentimentos é algo muito intenso na sociedade moderna e as explosões sentimentais são a resposta, muitas vezes violenta, e que explica aspectos da modernidade.

Sem dúvida, uma compreensão mais profunda da sociedade e uma percepção mais ampla da formação social do indivíduo seria fundamental para reconhecer que muitas características humanas consideradas “universais” são, na verdade, produtos sociais e históricos[8]. Elementos universais existem, mas mesmo estes podem ser reprimidos (o que é problemático e fonte de desequilíbrios psíquicos) e assumirem distintas formas dependendo da sociedade e da época. A sombra, que Jung considera parte da psique humana, pode ser concebida não como algo universal e natural, sendo mais histórico e tendo a ver com as relações sociais e a vida individual no interior dessas (VIANA, 2002), sem descartar a ação das “dicotomias existenciais” (FROMM, 1978).

Da mesma forma, os elementos biológicos existem e são atuantes sobre o universo psíquico individual, bem como os sociais, tal como apontados por Freud e Adler, respectivamente. O próprio Jung reconhece[9], embora não seja nosso objeto aqui. Essa ressalva é importante para que não se confunda nossa posição, pois o ser humano é um ser biossociopsíquico, o que constitui sua complexidade. Freud enfatizou alguns aspectos, Adler outros, bem como Rank, Fromm, Horney, entre outros, enfatizaram aspectos diferentes do ser humano, especialmente sua constituição social e cultural.

Nesse contexto, a psicanálise, no seu conjunto, permite a constituição de uma percepção integral do ser humano, a partir da assimilação crítica das principais contribuições psicanalíticas existentes. Uma concepção totalizante de ser humano é fundamental e a contribuição de Jung, que aponta para a percepção de fenômenos psíquicos relativamente autônomos[10], segundo ele, traz importantes reflexões que podem ajudar o projeto de uma reconstituição do ser humano como totalidade.

Considerações Finais

Tendo em vista o que foi colocado no decorrer do presente texto, a psicologia analítica de Jung aparece como um importante capítulo na história da psicanálise. Outras vertentes diferenciadas tentaram adaptar o legado de Freud ao desenvolvimento de novas tendências ideológicas, como o estruturalismo (LACAN, 1992) e o existencialismo (MAY, 1974), além das anteriormente citadas. Esse processo aponta para o reconhecimento de que, entre todas as abordagens psicanalíticas, a de Jung ocupa um lugar fundamental, ao lado de Freud, Adler, Fromm e outros.

Uma das principais contribuições de Jung é o processo de individuação, foco de nossa análise. O processo de individuação é explicitado na perspectiva do indivíduo em seu processo de formação, o que teria, como processo determinante, o processo de socialização, pensado na perspectiva social. Foi por esse motivo que apresentamos a concepção junguiana e depois a comparamos com outras concepções, oriundas da sociologia e outras áreas do saber, para recompor a totalidade que é o desenvolvimento da personalidade.

A nossa conclusão é a de que grande parte das análises de Jung é útil para um desenvolvimento da psicanálise, retirando o seu “invólucro místico”, tal como colocou Marx em relação a Hegel (MARX, 1988). Assim, a contribuição de Jung deve ser reconhecida, mas criticamente. Somente dessa forma é possível haver um discernimento sobre o que contribui com a compreensão do universo psíquico dos seres humanos e o que é descartável. A abordagem crítica é fundamental, mas também o cuidado para não jogar a criança fora da bacia junto com a água suja. O que fizemos aqui foi a retenção da criança e o descarte da água suja.

E uma das grandes contribuições de Jung, a nosso ver, é o seu foco analítico na psique humana e sua dinâmica própria. O problema ocorre em sua autonomização do psiquismo, o que pode ser corrigido com sua inserção numa totalidade mais ampla que é a sociedade. Alguns termos junguianos precisam se integrados ao processo analítico da mente humana, como persona, sombra, entre outros. Para isso se tornar mais sólido é fundamental a releitura de Jung e de seu significado no interior da história da psicanálise. Essa é a nossa conclusão e que promove um amplo programa de pesquisa a ser realizado no futuro.

 

Abstract: This article presents an analysis of the Jungian conception about the development of personality and a brief consideration about this process and the social formation of the individual as understood by other authors. Thus, after a synthesis of the conception of Carl Gustav Jung, which refers to the problem of individuation, we compare it with the conception coming from sociology and other approaches that deal with the phenomenon of socialization. This results in a critical perspective of the Jungian analysis, without discarding the set of its contributions. The major problem of Jung's analysis is, at the same time, his great merit: the analysis of the mind as a psychic totality. This conception has as its problem the autonomization of the human psyche, which disconnects it from the social, which is the determinant of the human mind. The merit was to have focused the psychic universe of the human being, provided we understand not how he did it, as autonomization, but as focus. In this way, understanding as focus and not autonomy, we can use the Jungian conception to understand the psychic phenomenon.

 

Keywords: Jung, Individuation, Socialization, Mind, Personality.



* Professor da Faculdade de Ciências Sociais e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela UnB (Universidade de Brasília) e pós-Doutor pela USP (Universidade de São Paulo).

[1] A psicanálise adleriana, bastante citada por Jung, pois seu rompimento e estruturação de uma interpretação psicanalítica distinta da de Freud, ganhou um espaço que acabou se perdendo com o passar dos anos. Apesar da psicanálise de Adler ter trazido conceitos fundamentais para a psicanálise, como a de “complexo de inferioridade”, a historiografia da psicanálise não lhe faz a devida justiça, pois apesar de aparecer em capítulos de livros sobre história da psicanálise, a profundidade e importância de sua contribuição não é levada em devida conta. Embora Adler e Jung tenham sido os primeiros e mais importantes dissidentes de Freud, esses “desviacionistas de 1912” (THOMPSON, 1976) logo foram seguidos por outros: “nos inícios de 1920, quatro outros discípulos de Freud ou se afastaram ou de qualquer modo discordaram em vários aspectos com o movimento principal, nomeadamente Otto Rank, Wilhelm Stekel, Sandor Ferenczi (que, no entanto, nunca rompeu completamente com Freud) e Wilhelm Reich” (BROWN, 1963, p. 49).

[2] A individuação não é “sinônimo de perfeição” e também não significa individualismo ou egoísmo, tendo mais o sentido de “completar-se”, aceitando o fardo de conviver com tendências opostas oriundas de sua natureza sob forma consciente (SILVEIRA, 1983). “a acusação de individualismo é um insulto banal, quando é dirigida ao desenvolvimento natural da personalidade” (JUNG, 1991, p. 179).

[3] “A sombra coincide com o inconsciente freudiano e com o inconsciente pessoal junguiano” (SILVEIRA, 1983, p. 92).

[4] Apesar de algumas interpretações diferentes, como a de Maroni (1998), é esse o processo que caracteriza o desenvolvimento da personalidade em sua forma ideal, na perspectiva junguiana. Assim, o self pode ser compreendido como núcleo e como totalidade da personalidade: “o self (Selbst) tem dupla definição: a) como totalidade da personalidade; b) como arquétipo do centro da personalidade, arquétipo da orientação e do sentido” (MARONI, 1998, p. 109).

[5] Isso é comum na psicanálise, que é absolutamente compreensível, pois não é o campo perceptivo de análise dos psicanalistas. Por outro lado, isso faz parte do próprio problema identificado por Jung, ou seja, a persona e o apego à profissão, que, enquanto forma de especialização (inclusive intelectual, o que é legitimado pela divisão de “objetos de estudo” das diversas ciências particulares), não só limita o indivíduo no desenvolvimento da sua personalidade, mas também no desenvolvimento de sua consciência. Assim, a psicanálise, por possuir uma compreensão limitada da sociedade, o que pode ser visto em Freud, Adler, Jung e até mesmo na chamada “escola culturalista” (Horney e outros) e “freudomarxista” (Reich, Fromm, etc.), que oferecem uma especial atenção aos problemas sociais e ao contexto social e cultural. Freud, o fundador da psicanálise, nunca desenvolveu estudos mais profundos sobre a sociedade, sendo que quando tratava dessa, suas referências eram psicólogos e não sociólogos e outros pesquisadores que tratam mais diretamente dessa questão, e isso pode ser visto em sua abordagem da origem de determinados fenômenos sociais na qual parte de mitos e lendas ao invés do processo histórico real, tal como sua análise da origem do incesto (FREUD, 1974).

[6] É justamente essa especificidade histórica que permite alguns autores julgar que a individuação (também traduzida como “individualização”) é produto da sociedade capitalista: “O processo de ‘individualização’ tem, pois, as suas raízes nas relações de produção do modo de produção capitalista” (CARDOSO e CUNHA, 1987). No entanto, consideramos que o mais correto é considerar que a individuação assume uma característica específica na sociedade capitalista, que é tanto real (autonomia relativa do indivíduo) quanto meramente discursiva (individualismo).

[7] Não nos referimos aqui à questão da sexualidade, muito mais complexa, e que remeteria a diversas pesquisas, com suas divergências analíticas, e sim ao modo de ser de homens e mulheres, ou “ethos sexuais”, que também é um fenômeno biossociopsíquico.

[8] No interior da psicanálise essa necessidade de abordar a socialização já foi sentida e uma primeira tentativa de abordá-la mais sistematicamente já foi realizada (LORENZER, 2001).

[9] Segundo Jung: “tenho plena consciência dos méritos de Freud, e não tenho intenção alguma de diminuí-los. Sei, inclusive, que o que ele diz se adapta a um grande número de pessoas, e é possível afirmar que tais pessoas têm exatamente o tipo de psicologia que ele descreve. Adler, cujo ponto de vista era completamente diverso, também tem um grande número de seguidores, e estou convencido de que muitos têm uma psicologia adleriana. Também tenho os meus – não são tão numerosos quanto os de Freud – pessoas que, presumivelmente, têm a minha psicologia. Chego a considerar minha contribuição como minha própria confissão subjetiva. É a minha psicologia que está nisso, meu preconceito que me leva a ver os fatos da minha própria maneira. Mas espero que Freud e Adler façam o mesmo, e confessem que suas ideias representam pontos de vista subjetivos. Desde que admitamos nosso preconceito estaremos realmente contribuindo para uma psicologia objetiva” (apud. MARONI, 1998, p. 18-19). No entanto, não é possível concordar com essa autora, pois a afirmação da existência de “psicologias múltiplas” em Jung e que isso estaria em acordo com uma posição nietzschiana de crítica de noção da verdade, entra em contradição com a realidade. As críticas de Jung, especialmente em relação a Freud, deixa isso relativamente claro: “não consigo ver onde Freud consegue ir além de sua própria psicologia e como poderá aliviar o doente de um sofrimento do qual o próprio médico padece” (JUNG, 1989, p. 325). Da mesma forma, a multiplicidade de “psicologias” (que, no caso, quer dizer “tipos psicológicos”) podem gerar diferentes pontos de vista subjetivos, mas somente reconhecendo isso, como a psicologia junguiana, é que se pode chegar a uma psicologia objetiva, como faz Jung. Por conseguinte, a abordagem junguiana está distante do relativismo. Esse é um procedimento psíquico comum nos seres humanos e, tal como Jung, Freud fez o mesmo: “da mesma forma que a investigação de Adler trouxe algo de novo à psicanálise – uma contribuição à psicologia do ego – e cobrou por esse presente um preço demasiado alto jogando fora todas as teorias fundamentais da análise, assim também Jung e seus seguidores prepararam o caminho para a sua luta contra a psicanálise, presenteando-a com uma nova aquisição” (FREUD, 1978, p. 80).

[10] A “autonomia do inconsciente”, ou da psique humana (JUNG, 1987), é uma das teses de Jung e que ele utiliza para entender o fenômeno religioso, sob forma distinta de Freud e daqueles que ele denomina “materialistas”.

 

Referências

 

BROWN, J. A. C., 1963. Freud e os seus Continuadores. Lisboa: Ulisseia.

CARDOSO e CUNHA, T., 1987. Do Mito Coletivo ao Mito Individual. In:: O Mito Individual do Neurótico. 2a ed. Lisboa: Assírio e Alvim.

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LACAN, J., 1992. Escritos. 2a ed. São Paulo: Perspectiva.

LORENZER, A., 2001. Bases para una Teoria de la Socialización. Buenos Aires: Amorrortu.

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MAY, R. (., 1974. Psicologia Existencial. Porto Alegre: Globo.

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VIANA, N., 2002. Inconsciente Coletivo e Materialismo Histórico. Goiânia: Edições Germinal.

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Artigo publicado em:

VIANA, Nildo. Jung e a Individuação. FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 4, p. 486-494, out./dez. 2017.

http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/fragmentos/article/view/5706/3408 

 

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