Maio de 1968: Rebelião Estudantil e Luta de Classes
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quarta-feira, 26 de maio de 2021
sexta-feira, 21 de maio de 2021
As Razões do autoritarismo na América Latina - Palestra de Nildo Viana
CONFERÊNCIA DE ENCERRAMENTO:
AS RAZÕES DO AUTORITARISMO NA
AMÉRICA LATINA
Nildo Viana - UFG/Universidade
Federal de Goiás - Brasil
19 horas/horário de Brasília.
Sobre o evento: O Colóquio
Internacional América Latina em Movimento (online) é uma realização do Grupo de
Pesquisa Cultura, Política e Movimentos Sociais na América Latina/CPMSAL, que é
vinculado ao Programa de Pós-graduação em Sociologia/PGSOCIO da Universidade
Federal do Paraná/UFPR, Brasil, e tem como propósito fomentar o debate, a
produção, a troca e a difusão de conhecimentos sobre as sociedades
latino-americanas, a partir de uma perspectiva teórica crítica. Nesse sentido,
promove conferências, palestras, mesas-redondas, cursos de formação, minicursos
etc. sobre o modo de produção da vida e suas diversas formas de regularização
(políticas, jurídicas, ideológicas, culturais, repressivas etc.) nas sociedades
latino-americanas, bem como sobre as diversas formas de contestação social
(movimentos sociais, movimentos de classes, coletivos políticos, lutas
culturais etc.) que nelas emergem. Em sua primeira edição trará o
Neoliberalismo e Autoritarismo como temática central.
No dia 19/05/2021, o professor da
Universidade Nacional Autônoma/UNAM do México, Dr. Jaime Osorio, abrirá o
evento com uma conferência intitulada Neoliberalismo e Subordinação.
No segundo dia do Colóquio
(20/05/2021) teremos uma mesa-redonda sobre Lutas Culturais e Lutas Políticas
Contemporâneas com a presença do professor Dr. Fernando Aiziczon, da
Universidade Nacional de Córdoba/UNC, Argentina e do doutorando Gabriel Teles
da Universidade de São Paulo/USP.
No dia 21/05/2021 o professor Dr.
Nildo Viana, da Universidade Federal de Goiás/UFG, ministrará a conferência de
encerramento com o tema As Razões do Autoritarismo na América Latina.
domingo, 16 de maio de 2021
JUNG E A INDIVIDUAÇÃO
Nildo Viana*
Resumo: O presente
artigo apresenta uma análise da concepção junguiana sobre o desenvolvimento da
personalidade e uma breve consideração sobre esse processo e a formação social
do indivíduo tal como é entendido por outros autores. Assim, após uma síntese
da concepção de Carl Gustav Jung, que remete ao problema da individuação, a
comparamos com a concepção oriunda da sociologia e outras abordagens que tratam
do fenômeno da socialização. Disso resulta uma perspectiva crítica da análise
junguiana, sem descartar o conjunto de suas contribuições. O maior problema da
análise de Jung é, simultaneamente, o seu grande mérito: a análise da mente
como totalidade psíquica. Essa concepção tem como problema a autonomização da
psique humana, o que a desliga do social, sendo este o determinante da mente
humana. O mérito foi ter focalizado o universo psíquico do ser humano, desde
que entendamos não como ele o fez, como autonomização, e sim como foco. Desta
forma, compreendendo como foco e não autonomia, podemos usar a concepção
junguiana para compreender o fenômeno psíquico.
Palavras-chave: Jung,
Individuação, Socialização, Mente, Personalidade.
A obra de Carl
Gustav Jung é uma das mais importantes no interior da psicanálise. A
psicanálise, fundada por Freud, teve um desenvolvimento que promoveu algumas
cisões internas, sendo que a cisão de Adler foi a primeira que gerou forte
impacto e toda uma corrente psicanalítica distinta da freudiana e a de Jung, a
segunda que gerou uma nova tendência no interior da psicanálise[1]. Após a colaboração com
Freud e o rompimento, Jung desenvolve uma nova concepção psicanalítica que
abrange um grande número de teses, termos, temas. No interior da vasta produção
intelectual de Jung escolhemos o tema da individuação, não só por considerar
que é um tema fundamental para a psicanálise, mas também por ser uma questão
central no pensamento junguiano.
No curto espaço
que temos para desenvolver a nossa análise da concepção junguiana, teremos que
ser sintéticos e nos limitarmos aos aspectos essenciais. O presente artigo é
composto por duas partes: uma que visa expor a concepção junguiana e outra que
visa refletir sobre ela. Após uma breve síntese da análise junguiana da
individuação, trabalhando com sua terminologia e explicação do desenvolvimento
da personalidade, passaremos para uma análise crítica da mesma, explicitando
elementos para uma psicanálise orientada criticamente e tendo a sociedade como
pressuposto, ou seja, abordando o processo de individuação e desenvolvimento da
personalidade no interior do conjunto das relações sociais. Esse último
procedimento tem como principal aspecto o reencontro entre individuação e
socialização, o indivíduo e a sociedade.
Jung e o desenvolvimento
da personalidade
A obra de Jung
e sua análise da individuação remetem para vários construtos, entre os quais
inconsciente pessoal, inconsciente coletivo, persona, sombra, anima, animus,
etc. e que formam uma concepção do desenvolvimento da personalidade. Segundo
Jung:
Individuação significa tornar-se um ser
único, na medida em que por ‘individualidade’ entenderemos nossa singularidade
mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o
nosso próprio si-mesmo. Podemos, pois, traduzir ‘individuação’ como ‘tornar-se
si mesmo’ (Verselbstung) ou ‘o realizar-se do si mesmo’ (Selbstwerwirklinchung)
O processo de
individuação não é algo simples. É um processo complexo e permeado por fases e
dificuldades. Antes da individuação ocorre a alienação. As várias
possibilidades de desenvolvimento do indivíduo podem ser denominadas
“alienações do si-mesmo” (JUNG, 1978). Essas alienações são “modos de despojar
o si-mesmo de sua realidade, em benefício de um papel exterior ou de um
significado imaginário”, que, “em ambos os casos, verifica-se uma
preponderância do coletivo” (JUNG, 1978, p. 49). No entanto, a individuação é
um movimento para a realização, ou melhor, para a autorrealização. “Todo ser
tende a realizar o que existe nele em germe, a crescer, a completar-se. Assim é
para a semente do vegetal e para o embrião do animal. Assim é para o homem,
quanto ao corpo e quanto à psique”
Assim, podemos
dizer que existem duas tendências no interior da psique humana: alienação e
individuação. O processo de individuação é um processo conflituoso e por isso
não é linear. O indivíduo para se tornar específico e inteiro, precisa passar
pelo confronto entre inconsciente e consciência, através do conflito e da
colaboração, que gera o amadurecimento através dos diversos componentes da
personalidade
A individuação obrigava a abandonar a
confortável segurança da identificação do quem-eu-sou com o-que-eu-faço, nossos
papeis familiares, pessoais e sociais, a que Jung chamava a persona ou máscara
social. Por exemplo, a persona de Jung era ser um médico ou psiquiatra. A
dissolução dessa persona era necessária para o desenvolvimento porque ela não
passa de um segmento da psique coletiva. Tal máscara apenas estimula nossa
individualidade, mas não a exprime. Descobrimos, na análise, que o que pensamos
ser individual e exclusivo em nós é, na verdade, coletivo, um falso sistema do
Self interiorizado
Ao superar o
papel social que constitui a persona, que cumpre a função de um sistema de
defesa, o indivíduo se defronta com o lado obscuro da psique humana: a sombra.
Ela faz parte da personalidade total do indivíduo e é aquilo que não aceitamos
em nós, o que consideramos repugnante, o que reprimimos e projetamos sobre os
outros. Embora a sombra seja um conjunto de componentes diferenciados
(fraquezas, imaturidade, complexos reprimidos, forças maléficas) considerados
negativos, ela também possui “traços positivos”
Trazemos em nós o nosso passado, isto é,
o homem primitivo e inferior com seus apetites e emoções, e só com um enorme
esforço podemos libertar-nos desse peso. Nos casos de neurose, deparamos sempre
com uma sombra consideravelmente densa. E para curar-se tal caso, devemos
encontrar um caminho através do qual a personalidade consciente e a sombra
possam conviver
A sombra remete
ao inconsciente pessoal[3] e este é uma camada que é
de natureza pessoal, sendo “aquisições derivadas da vida individual e em parte
por fatores psicológicos”
Um último
elemento que Jung reconhece na formação da personalidade é, no sexo masculino,
a confrontação com a anima, e, no sexo feminino, a confrontação com o animus.
Em cada homem existe “uma minoria de gens femininos que foram sobrepujados pela
maioria de gens masculinos”
O self
(si mesmo) não se revela apenas através de personificações humanas. Sendo uma
grandeza que excede de muito a esfera do consciente, sua escala de expressões
estende-se de uma parte ao infra-humano e de outra parte super-humano. Assim,
seus símbolos podem apresentar-se sob aspectos minerais, vegetais, animais;
como super-homens e deuses. Também sob formas abstratas. A denominação de self não cabe unicamente a esse centro
profundo, mas também à totalidade da psique. O reconhecimento da própria
sombra, a dissolução de complexos, liquidação de projeções, assimilação de
aspectos parciais do psiquismo, a descida ao fundo dos abismos, em suma, o
confronto entre consciente e inconsciente, produz um alargamento do mundo
interior do qual resulta que o centro da nova personalidade, construída durante
todo esse longo labor, não mais coincida com o ego. O centro da personalidade
estabelece-se agora no self, e a
força energética que este irradia englobará todo o sistema psíquico. A
consequência será a totalização do ser, sua esferificação (abrundung). O
indivíduo não estará mais fragmentado interiormente. Não se reduzirá a um
pequeno ego crispado dentro de estreitos limites. Seu mundo agora abraça
valores mais vastos, absorvidos do imenso patrimônio que a espécie penosamente
acumulou nas suas estruturas fundamentais. Prazeres e sofrimentos serão
vivenciados num nível mais alto de consciência. O homem torna-se ele mesmo, um
ser completo, composto de consciente e inconsciente incluindo aspectos claros e
escuros, masculinos e femininos, ordenado segundo o plano de base que lhe for
peculiar
É nesse momento
que se conclui o processo de individuação. Caso não ocorra, o estágio anterior
fixado gera neuroses e outros processos limitativos do desenvolvimento da
personalidade. O encontro com o self, o núcleo da personalidade, possibilita a
integração da totalidade da personalidade[4].
Jung, Personalidade e
Sociedade
A breve
descrição da concepção junguiana do desenvolvimento da personalidade é
fundamental para realizarmos um confronto entre sua abordagem e a de outros
psicanalistas, focalizando a questão da sociedade. O campo perceptivo de Jung é
a mente humana enquanto que a sociologia tem a sociedade como domínio temático,
assim como a antropologia se dedica à cultura e outras ciências humanas outros
aspectos da sociedade (ciência política, historiografia, economia, etc.).
O que Jung
denomina “individuação” é um processo psíquico no qual a sociedade pouco
aparece. Erich Fromm também discute o processo de individuação, mas o faz
mostrando não apenas o desenvolvimento do universo psíquico individual, pois
apresenta também que se trata de um processo social
Jung considerava a ‘individuação’ e a
‘coletividade’ como um par de opostos. Críticos de Jung objetaram quanto ao
fato de que ele não tinha um senso de sociedade, de que a individuação só é
possível quando o indivíduo obtém sua individuação às custas de um trabalho
equivalente em benefício do coletivo, da sociedade. Só os que pagaram seu preço
à sociedade por iniciativa própria podem atingir os níveis mais elevados da
individuação
Aqui temos a
sociedade (ou “coletividade”) aparecendo e um questionamento realizado por
alguns ao pensamento de Jung. A sociedade, segundo Staude, é um par oposto ao
processo de individuação. Como observamos anteriormente, a individuação é
conquistada superando a persona, ou seja, o que alguns sociólogos e psicólogos
chamariam de “papeis sociais”. Essa oposição requer uma compreensão crítica da
sociedade. Contudo, Jung não demonstra possuir uma análise mais profunda da
sociedade[5] e nem do impacto dessa
sobre os indivíduos. O impacto do social sobre o individual é um dos principais
temas da sociologia e em alguns autores aparece com o nome de socialização. O
processo de socialização, abordado por vários sociólogos, é inverso ao de
individuação, no sentido junguiano.
No processo de
socialização observamos como o indivíduo se torna um ser social. Esse fenômeno
pode ser visto sob formas distintas. Ele pode ser percebido através de uma
concepção dualista da natureza humana, que seria, por um lado, egoísta, e, por
outro, social, e por isso a socialização visa tornar o indivíduo um ser social
e adaptá-lo à sociedade
Aqui nos
deparamos com a posição junguiana. A oposição entre indivíduo e sociedade é
relativa, depende de cada sociedade histórica particular, e por isso a sua tese
universalista é problemática, pois, retirando as diferenças que atribui ao
oriente e ocidente, que fica no nível mental
Assim, a
crítica a Jung pelo fato dele desconsiderar a responsabilidade social do
indivíduo, é equivocada e Staude está correto nesse aspecto. Contudo, a crítica
mais profunda segundo a qual a sociedade e o processo de constituição social do
indivíduo estão ausentes, bem como a concreticidade desse processo, não é
respondida. Um exemplo pode esclarecer isso. A discussão sobre anima e animus,
em Jung, é problemática por universalizar algo que, mesmo tendo um elemento
universal, não é totalmente universal. A ideia de existência de gens femininos
e que isso explicaria o pendor sentimental do homem e a existência de gens
masculinos que explicaria o pendor racional das mulheres é algo que as
informações produzidas por antropólogos e sociólogos demonstram ser equivocado.
A antropóloga Margareth Mead, mostra, ao analisar três tribos indígenas, três
formas de manifestação de temperamento de homens e mulheres, sendo que uma é
igual à nossa sociedade (e, portanto, de acordo com o esquema junguiano), outra
é o contrário (as características consideradas, em nossa sociedade, femininas
são desenvolvidas pelos homens e as masculinas pelas mulheres), e uma terceira
na qual ambos os sexos revelam um equilíbrio entre ambas
Isso significa
que existe uma socialização diferencial entre os sexos e dentre os aspectos
diferenciais estão o “temperamento” ou os “ethos sexuais”. A constituição de
ethos sexuais rígidos é um elemento que pode gerar desequilíbrios psíquicos e
Jung está correto em colocar a necessidade de “confrontação” do homem com a
anima e da mulher com o animus, pois são potencialidades humanas que a
socialização diferencial tolhe em cada um deles, pois ambos possuem capacidades
intelectuais e racionais, bem como sentimentais. Esse mesmo processo também
existiu em outras sociedades, sob formas diferentes, devido ao processo
histórico e se reproduz na sociedade moderna. Logo, nada tem a ver com “gens
masculinos” ou “gens femininos”, não é uma questão genética ou orgânica e sim
sociocultural, bem como não é algo universal.
O que a análise
histórica e social deve levar em conta, e assim contribuir com essa discussão,
é o grau em que cada um desses processos (racionalização, no sentido junguiano
da palavra, e sentimentalizacão) são introjetados pelos indivíduos e são um
obstáculo para o desenvolvimento de sua personalidade (no sentido junguiano, ou
seja, sob forma integral). É, nesse sentido, Jung está novamente correto ao
observar o excessivo racionalismo da sociedade que ele chama de “ocidental”. O
sufocamento dos sentimentos é algo muito intenso na sociedade moderna e as
explosões sentimentais são a resposta, muitas vezes violenta, e que explica
aspectos da modernidade.
Sem dúvida, uma
compreensão mais profunda da sociedade e uma percepção mais ampla da formação
social do indivíduo seria fundamental para reconhecer que muitas
características humanas consideradas “universais” são, na verdade, produtos
sociais e históricos[8].
Elementos universais existem, mas mesmo estes podem ser reprimidos (o que é
problemático e fonte de desequilíbrios psíquicos) e assumirem distintas formas
dependendo da sociedade e da época. A sombra, que Jung considera parte da
psique humana, pode ser concebida não como algo universal e natural, sendo mais
histórico e tendo a ver com as relações sociais e a vida individual no interior
dessas
Da mesma forma,
os elementos biológicos existem e são atuantes sobre o universo psíquico
individual, bem como os sociais, tal como apontados por Freud e Adler,
respectivamente. O próprio Jung reconhece[9], embora não seja nosso
objeto aqui. Essa ressalva é importante para que não se confunda nossa posição,
pois o ser humano é um ser biossociopsíquico, o que constitui sua complexidade.
Freud enfatizou alguns aspectos, Adler outros, bem como Rank, Fromm, Horney,
entre outros, enfatizaram aspectos diferentes do ser humano, especialmente sua
constituição social e cultural.
Nesse contexto,
a psicanálise, no seu conjunto, permite a constituição de uma percepção
integral do ser humano, a partir da assimilação crítica das principais
contribuições psicanalíticas existentes. Uma concepção totalizante de ser
humano é fundamental e a contribuição de Jung, que aponta para a percepção de
fenômenos psíquicos relativamente autônomos[10], segundo ele, traz
importantes reflexões que podem ajudar o projeto de uma reconstituição do ser
humano como totalidade.
Considerações Finais
Tendo em vista
o que foi colocado no decorrer do presente texto, a psicologia analítica de
Jung aparece como um importante capítulo na história da psicanálise. Outras
vertentes diferenciadas tentaram adaptar o legado de Freud ao desenvolvimento
de novas tendências ideológicas, como o estruturalismo
Uma das
principais contribuições de Jung é o processo de individuação, foco de nossa
análise. O processo de individuação é explicitado na perspectiva do indivíduo
em seu processo de formação, o que teria, como processo determinante, o
processo de socialização, pensado na perspectiva social. Foi por esse motivo
que apresentamos a concepção junguiana e depois a comparamos com outras
concepções, oriundas da sociologia e outras áreas do saber, para recompor a
totalidade que é o desenvolvimento da personalidade.
A nossa
conclusão é a de que grande parte das análises de Jung é útil para um
desenvolvimento da psicanálise, retirando o seu “invólucro místico”, tal como colocou
Marx em relação a Hegel
E uma das
grandes contribuições de Jung, a nosso ver, é o seu foco analítico na psique
humana e sua dinâmica própria. O problema ocorre em sua autonomização do
psiquismo, o que pode ser corrigido com sua inserção numa totalidade mais ampla
que é a sociedade. Alguns termos junguianos precisam se integrados ao processo
analítico da mente humana, como persona, sombra, entre outros. Para isso se
tornar mais sólido é fundamental a releitura de Jung e de seu significado no
interior da história da psicanálise. Essa é a nossa conclusão e que promove um
amplo programa de pesquisa a ser realizado no futuro.
Abstract: This article
presents an analysis of the Jungian conception about the development of
personality and a brief consideration about this process and the social
formation of the individual as understood by other authors. Thus, after a
synthesis of the conception of Carl Gustav Jung, which refers to the problem of
individuation, we compare it with the conception coming from sociology and
other approaches that deal with the phenomenon of socialization. This results
in a critical perspective of the Jungian analysis, without discarding the set
of its contributions. The major problem of Jung's analysis is, at the same
time, his great merit: the analysis of the mind as a psychic totality. This
conception has as its problem the autonomization of the human psyche, which
disconnects it from the social, which is the determinant of the human mind. The
merit was to have focused the psychic universe of the human being, provided we
understand not how he did it, as autonomization, but as focus. In this way, understanding as focus and not autonomy, we can use the
Jungian conception to understand the psychic phenomenon.
Keywords:
Jung, Individuation, Socialization, Mind, Personality.
* Professor da Faculdade de Ciências
Sociais e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de
Goiás; Doutor em Sociologia pela UnB (Universidade de Brasília) e pós-Doutor
pela USP (Universidade de São Paulo).
[1] A psicanálise adleriana, bastante
citada por Jung, pois seu rompimento e estruturação de uma interpretação
psicanalítica distinta da de Freud, ganhou um espaço que acabou se perdendo com
o passar dos anos. Apesar da psicanálise de Adler ter trazido conceitos
fundamentais para a psicanálise, como a de “complexo de inferioridade”, a
historiografia da psicanálise não lhe faz a devida justiça, pois apesar de
aparecer em capítulos de livros sobre história da psicanálise, a profundidade e
importância de sua contribuição não é levada em devida conta. Embora Adler e
Jung tenham sido os primeiros e mais importantes dissidentes de Freud, esses
“desviacionistas de 1912”
[2] A individuação não é
“sinônimo de perfeição” e também não significa individualismo ou egoísmo, tendo
mais o sentido de “completar-se”, aceitando o fardo de conviver com tendências
opostas oriundas de sua natureza sob forma consciente
[3] “A sombra coincide com o
inconsciente freudiano e com o inconsciente pessoal junguiano”
[4] Apesar de algumas
interpretações diferentes, como a de Maroni (1998), é esse o processo que
caracteriza o desenvolvimento da personalidade em sua forma ideal, na
perspectiva junguiana. Assim, o self pode ser compreendido como núcleo e como
totalidade da personalidade: “o self (Selbst) tem dupla definição: a) como
totalidade da personalidade; b) como arquétipo do centro da personalidade,
arquétipo da orientação e do sentido”
[5] Isso é comum na
psicanálise, que é absolutamente compreensível, pois não é o campo perceptivo
de análise dos psicanalistas. Por outro lado, isso faz parte do próprio
problema identificado por Jung, ou seja, a persona e o apego à profissão, que,
enquanto forma de especialização (inclusive intelectual, o que é legitimado
pela divisão de “objetos de estudo” das diversas ciências particulares), não só
limita o indivíduo no desenvolvimento da sua personalidade, mas também no
desenvolvimento de sua consciência. Assim, a psicanálise, por possuir uma
compreensão limitada da sociedade, o que pode ser visto em Freud, Adler, Jung e
até mesmo na chamada “escola culturalista” (Horney e outros) e “freudomarxista”
(Reich, Fromm, etc.), que oferecem uma especial atenção aos problemas sociais e
ao contexto social e cultural. Freud, o fundador da psicanálise, nunca
desenvolveu estudos mais profundos sobre a sociedade, sendo que quando tratava
dessa, suas referências eram psicólogos e não sociólogos e outros pesquisadores
que tratam mais diretamente dessa questão, e isso pode ser visto em sua abordagem
da origem de determinados fenômenos sociais na qual parte de mitos e lendas ao
invés do processo histórico real, tal como sua análise da origem do incesto
[6] É justamente essa
especificidade histórica que permite alguns autores julgar que a individuação
(também traduzida como “individualização”) é produto da sociedade capitalista:
“O processo de ‘individualização’ tem, pois, as suas raízes nas relações de
produção do modo de produção capitalista”
[7] Não nos referimos aqui à
questão da sexualidade, muito mais complexa, e que remeteria a diversas
pesquisas, com suas divergências analíticas, e sim ao modo de ser de homens e
mulheres, ou “ethos sexuais”, que também é um fenômeno biossociopsíquico.
[8] No interior da psicanálise
essa necessidade de abordar a socialização já foi sentida e uma primeira
tentativa de abordá-la mais sistematicamente já foi realizada
[9] Segundo Jung: “tenho plena
consciência dos méritos de Freud, e não tenho intenção alguma de diminuí-los.
Sei, inclusive, que o que ele diz se adapta a um grande número de pessoas, e é
possível afirmar que tais pessoas têm exatamente o tipo de psicologia que ele
descreve. Adler, cujo ponto de vista era completamente diverso, também tem um
grande número de seguidores, e estou convencido de que muitos têm uma
psicologia adleriana. Também tenho os meus – não são tão numerosos quanto os de
Freud – pessoas que, presumivelmente, têm a minha psicologia. Chego a
considerar minha contribuição como minha própria confissão subjetiva. É a minha
psicologia que está nisso, meu preconceito que me leva a ver os fatos da minha
própria maneira. Mas espero que Freud e Adler façam o mesmo, e confessem que
suas ideias representam pontos de vista subjetivos. Desde que admitamos nosso
preconceito estaremos realmente contribuindo para uma psicologia objetiva” (apud. MARONI, 1998, p. 18-19). No entanto, não
é possível concordar com essa autora, pois a afirmação da existência de
“psicologias múltiplas” em Jung e que isso estaria em acordo com uma posição
nietzschiana de crítica de noção da verdade, entra em contradição com a
realidade. As críticas de Jung, especialmente em relação a Freud, deixa isso
relativamente claro: “não consigo ver onde Freud consegue ir além de sua
própria psicologia e como poderá aliviar o doente de um sofrimento do qual o
próprio médico padece”
[10] A “autonomia do
inconsciente”, ou da psique humana
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