Explosão em fábrica na China deixa mortos e dezenas de feridos
A inspeção do trabalho e a violência nas relações
de trabalho
NILDO VIANA
Pretendemos, no presente artigo, discutir a questão da
violência nas relações de trabalho e sua relação com a legislação e,
especialmente, com a inspeção do trabalho. O nosso objetivo fundamental é
analisar o processo de violência no trabalho e a luta dos trabalhadores por sua
abolição tanto na esfera da legislação, ou seja, na criação de leis específicas
visando a coibi-la, quanto na esfera da busca de sua aplicação efetiva, isto é,
da inspeção do trabalho, enfatizando os obstáculos para sua concretização.
O trabalho como forma de violência
O trabalho, segundo Marx, é a autoatividade humana pela qual o ser
humano humaniza o mundo e realiza suas potencialidades. Mas, ao mesmo tempo, o
trabalho é uma forma de negação do ser humano, de sua essência (Marx, 1983a).
Isto parece contraditório. No entanto não existe contradição, tendo em vista
que Marx distinguia o trabalho como objetivação do trabalho como alienação
(Marx, 1983a; Marcuse, 1968; Viana, 1995). O trabalho como objetivação é a autoatividade
humana que possibilita o desenvolvimento das potencialidades do ser humano,
enquanto o trabalho como alienação se caracteriza como uma relação social de
dominação e exploração.
A partir dessa breve consideração sobre o trabalho, devemos discutir a
relação entre trabalho e violência. Esta relação só é possível se levarmos em
consideração o trabalho alienado, que é o trabalho envolvido na relação social
entre dirigentes e dirigidos que emerge a partir da constituição das sociedades
de classes. Mas resta definir o que entendemos por violência. Podemos afirmar
que ela é “uma relação social caracterizada pela imposição realizada por um
indivíduo ou grupo social a outro indivíduo ou grupo social contra sua vontade
ou natureza” (Viana, 1999a, p. 224).
Para Marx, o trabalho alienado é uma atividade não livre,
está fundamentado na coerção e domínio de outro homem (Marx, 1983a, p. 98). O
trabalho sob esta forma se torna uma punição, uma desumanização. Segundo suas
próprias palavras:
O que constitui a alienação do trabalho? Primeiramente, ser o trabalho
externo ao trabalhador, não fazer parte da sua natureza, e, por conseguinte,
ele não se realizar em seu trabalho mas negar a si mesmo, ter um sentimento de
sofrimento em vez de bem-estar, não desenvolver livremente suas energias
mentais e físicas, mas ficar fisicamente exausto e mentalmente deprimido. O
trabalhador, portanto, só se sente à vontade em seu tempo de folga, enquanto no
trabalho se sente contrafeito. Seu trabalho não é voluntário, porém imposto, é
trabalho forçado. Ele não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio
para satisfazer outras necessidades. Seu caráter alienado é claramente atestado
pelo fato de, logo que não haja compulsão física ou outra qualquer, ser evitado
como uma praga. O trabalho exteriorizado, trabalho em que o homem aliena a si
mesmo, é um trabalho de sacrifício próprio, de mortificação. Por fim, o caráter
exteriorizado do trabalho para o trabalhador é demonstrado por não ser o
trabalho dele mesmo mas trabalho para outrem, por no trabalho ele não se
pertencer a si mesmo mas sim a outra pessoa. (Marx, 1983a, p. 93).
Desta forma podemos perceber que o trabalho alienado é, ele mesmo, uma
forma de violência. No entanto se isso era visível no caso do trabalho escravo,
o mesmo não ocorre com o trabalho assalariado, pois seu caráter violento é
ofuscado pelo seu invólucro jurídico de “trabalho livre”. Mas não foi apenas
Marx que reconheceu o desprazer que o trabalho alienado provoca, pois Freud
(1978), embora sem distinguir entre objetivação e alienação, também iria
considerar que ele seria fonte de insatisfação, o que terá implicações
importantes que serão desenvolvidas por outros psicanalistas sobre o mal-estar
no trabalho.
Assim podemos dizer que as relações de trabalho fundamentadas na
alienação constituem uma forma de violência quase imperceptível. Mas este é
apenas um aspecto da relação entre trabalho e violência. A violência
fundamental constituída pelo próprio processo de trabalho alienado irá gerar
diversas outras formas de violência, mais perceptíveis. É o que veremos a
seguir.
As
formas de violência no trabalho
O próprio trabalho alienado é uma forma de violência. No
entanto o processo de produção capitalista possui uma dinâmica que aponta para
a necessidade de aumento de extração de mais-valor, o que vai resultar em
conflitos, repressão e resistência, e, quando o capital consegue submeter o
trabalho, produz outras formas de violência, mais intensas e por isso mais
facilmente perceptíveis.
Quais são estas formas de violência? Elas constituem uma
diversidade enorme, podendo-se destacar como exemplos: a) doenças provocadas
pelo processo de trabalho; b) acidentes de trabalho; c) trabalho precoce; d)
desgaste físico por trabalho penoso; e) problemas psíquicos derivados das
relações de trabalho; f) morte provocada pelo processo de trabalho.
As doenças provocadas pelo processo de trabalho podem ser
divididas em dois tipos (Mendes, 1995): a) tecnopatias, também chamadas “doenças
ocupacionais” ou “profissionais”, que são as provocadas pelo exercício peculiar
de uma atividade laboral constante; b) mesopatias, que são as doenças
adquiridas através das condições de trabalho.
As tecnopatias são provocadas pela nocividade da matéria
manipulada (contato com substâncias químicas). São exemplos de tecnopatias:
silicose, benzolismo, saturnismo. As mesopatias, como já foi dito, são
provocadas pelas condições de trabalho. Como exemplos de mesopatias podem ser
citadas as lesões por esforços repetitivos (LER) e demais doenças geradas pelo
ambiente de trabalho (causadas por problemas de temperatura, umidade,
ventilação, por ruídos[1] etc.).
Os acidentes de trabalho são aqueles que ocorrem no
processo de trabalho (alguns autores acrescentam os ocorridos também no trajeto
da casa para o trabalho), e o exemplo mais típico é o que ocorre na construção
civil, tal como a queda de cima de um andaime. Tais acidentes são provocados
pela falta de segurança e prevenção no processo de trabalho.
O trabalho precoce é o trabalho realizado por menores de
dezoito anos e que, devido ao fato de ser realizado por pessoas desta faixa
etária (que possuem limitada autonomia social e, por conseguinte, menos
condições de resistência e em processo de constituição orgânica), não só as
torna vítimas de uma superexploração e exposição a todas as formas de violência
colocadas anteriormente, como também as expõe a atividades incompatíveis com
sua constituição orgânica, o que tem repercussões na saúde física e mental
desses trabalhadores (Viana, 1999b).
O desgaste físico por trabalho penoso ocorre em
determinadas atividades laborais, tais como levantamento e transporte de pesos
e movimentos difíceis. Tal desgaste é mais freqüente em determinadas ocupações
(manutenção de vagões ferroviários, trabalho em empresas navais, por exemplo),
mas continuam presentes nas fábricas modernas (Berlinguer, 1983).
Os problemas psíquicos gerados pelo processo de trabalho
são os mais variados - stress, doença coronariana, doenças
psicossomáticas - e foram objeto de análise por diversos pesquisadores
(Garfield, 1983; Dejours, 1988; Schneider, 1977). Tais problemas psíquicos são
oriundos das relações de trabalho marcadas pela ansiedade, pelo conflito, pela
grande intensidade de trabalho, pelo impedimento de manifestação de atividade
onírica etc., constituindo o que Dejours denominou “o sofrimento invisível”.
Por fim, temos a morte provocada pelas relações de
trabalho, a mais visível e nefasta forma de violência no trabalho. A morte no
trabalho tem como principal causa os acidentes de trabalho fatais. No Brasil,
segundo Mendes (1995, p. 203), “nos últimos dez anos morreram, vitimados por
acidentes de trabalho, cerca de 50 mil trabalhadores. A incidência anual é de
cerca de 20 mortes em cada 100 mil trabalhadores segurados pela Previdência”.
Mas há também certas doenças que provocam, a longo prazo, a morte de
trabalhadores, tal como câncer.[2]
Após essa descrição das formas de violência nas relações
de trabalho torna-se necessária sua explicação. Em primeiro lugar, é preciso
explicitar que esse conjunto de violências descrito corresponde ao conceito de
violência anteriormente apresentado. Em segundo lugar, é preciso descobrir as
razões que provocam essas formas de violência.
Contudo essas duas questões estão entrelaçadas e ao
respondermos uma estaremos respondendo a outra. Como as empresas capitalistas
possuem como objetivo fundamental o aumento da extração de mais-valor, então
nada é mais natural do que elas buscarem diminuir, de todas as formas, os custos
de produção, aumentar a intensidade do ritmo de trabalho, manter um controle
rígido do tempo de trabalho e das atividades laborais, dividir e com isso
rotinizar e monotonizar o processo de trabalho etc. A diminuição dos custos de
produção inclui evitar gastos com aparelhos e instrumentos de segurança,
utilizar de ambiente de trabalho precário, entre outras formas. Berlinguer
relaciona isso com os acidentes de trabalho:
Uma porcentagem muito alta deve-se a acidentes causados por quedas de
andaimes. Trabalha-se em condições de periculosidade excepcional, quase sem
equilíbrio, sem qualquer instrumento de proteção. Os operários junto aos fornos
muitas vezes têm as luvas estragadas, às vezes calçam os sapatos normais com a
inevitável conseqüência de ter os pés cheios de queimaduras. Outra causa de
acidentes é a falta de espaço que torna difícil o cumprimento da própria
tarefa, não dispondo da necessária liberdade de movimentos. Os ambientes são
aproveitados ao máximo e são inadequados: o maquinário é colocado a pouca
distância um do outro, muitas vezes em posição errada, não favorecendo a linha
de produção. Nessas condições a ventilação é insuficiente: os ambientes se
enchem de fumaça, gases, substâncias venenosas. Na maioria dos casos,
exatamente pela falta de espaço, os ambientes não são bem divididos entre si,
quer dizer, muitas vezes são reunidos por exigência do trabalho. [...]
Exatamente pela limitação dos ambientes verificam-se os acidentes mais banais,
que seriam facilmente evitados em condições normais: escorregamentos sobre
escórias de material, sobre óleo esparramado. Os acidentes mais graves ocorrem
nas prensas, nas cortadeiras, nos fornos, com amputações, queimaduras,
fraturas. (Berlinguer, 1983, p. 124)
Assim, podemos dizer que as formas de violência nas
relações de trabalho são o resultado do processo de produção capitalista.[3] A
percepção disso é mais fácil em alguns casos, tal como no caso dos acidentes de
trabalho, apesar das representações ilusórias que buscam responsabilizar os
trabalhadores pela sua ocorrência (Costa, 1981; Cohn et al., 1985).
Quando se coloca que o acidente de trabalho é causado pela
falta de equipamento de proteção, por condições próprias do ambiente de
trabalho, por defeito na maquinaria etc., apenas se revela a determinação
imediata do fenômeno, que realiza uma mediação entre o acidente de trabalho
(e não só este, pois abrange todas as formas de violência no trabalho) e o
processo de produção capitalista com sua necessidade insaciável de lucro, que é
sua determinação fundamental.[4]
O vínculo entre doenças provocadas pelo processo de
trabalho, acidentes de trabalho, desgaste físico pelo trabalho penoso e morte
no trabalho, por um lado, e acumulação de capital, por outro, é bastante
evidente. Os altos índices de ocorrência é que são espantosos, principalmente
no Brasil, que é o campeão mundial de acidentes de trabalho e possui altas
taxas de incapacitação para o trabalho e morte no trabalho derivadas deles.
A forma de violência mais terrível provocada pelo processo
de produção capitalista é a morte causada pelas relações de trabalho. Nesse
caso, o trabalhador perde a própria vida para possibilitar a reprodução do
capital. Mas não são apenas os acidentes de trabalho que provocam a morte do
trabalhador, pois esta é apenas sua face mais visível, por ser imediata. As
tecnopatias também podem provocar a morte, que, por não ser imediata, não é
ligada diretamente ao trabalho. A exposição excessiva ao asbesto, substância
química utilizada na fabricação de mais de 3.000 produtos (Possas, 1981, p.
93), provoca diversas doenças (câncer de pulmão, asbestose, mesotelioma de
pleura, entre outros tipos de câncer) que, por sua vez, levam à morte. Podemos
citar outro caso:
Um outro exemplo de doença profissional sub-registrada nas estatísticas
oficiais é a silicose, uma pneumoconiose freqüente nos trabalhadores de minas,
nas rochas de granito ou areia, pedreiras, cerâmica etc. As pneumoconioses são
lesões pulmonares decorrentes da inalação de partículas sólidas identificadas
por sinais radiológicos característicos, com ou sem sinais clínicos evidentes.
São lesões progressivas e irreversíveis que se instalam entre 5 e 7 anos de
exposição à poeira tóxica da sílica em suspensão, cuja sintomatologia evolui
lentamente, em 3 fases: a inicial, pré-clínica, que apresenta apenas sinais
radiológicos, é silenciosa e dura alguns anos; a segunda, intermediária, já
apresenta sinais clínicos como dispnéia de esforço e tosse seca; e, finalmente,
a fase avançada, com agravamento do quadro clínico: dispnéia intensa, sinais
esseto-acústicos de bronquite catarral (por vezes com expectoração escura),
dores toráxicas continuadas, anorexia, perda de peso e fadiga ao menor esforço.
A principal complicação que pode ocorrer é a tuberculose pulmonar, que agrava
consideravelmente o prognóstico. A morte, quando ocorre, é devida geralmente a
complicações cardiocirculatórias.
A mesma lógica da acumulação de capital provoca a
utilização do trabalho precoce, que realiza a transformação do sangue infantil
em capital (Marx, 1988). A classe capitalista se aproveita da fragilidade do
trabalho precoce para extrair um quantum maior de mais-valor (Viana,
1999b).
O desgaste físico provocado pelo trabalho penoso também é
decorrente desta lógica de acumulação, pois este poderia ser evitado com a
utilização de máquinas e tecnologias; mas não são usadas para não aumentar os
custos de produção. Isso ocorre inclusive nos países capitalistas mais
avançados tecnologicamente, onde faltam até equipamentos primários, como
carrinhos de mão, tal como é o caso da Itália (Berlinguer, 1983).[5]
O sofrimento invisível dos problemas psíquicos derivados
do processo de trabalho é resultado da organização capitalista e de suas
características, que visam, antes de mais nada, a aumentar a extração de
mais-valor, e para isso criam relações de trabalho que são como uma porta para
o inferno. Garfield, por exemplo, ressalta a relação entre stress, doença
coronariana e trabalho na sociedade capitalista.
Relações hierárquicas de trabalho, por exemplo, deslocam o controle da
produção dos trabalhadores para os gerentes, reduzindo a solidariedade do
trabalhador e com isso incentivam a acumulação e o lucro. Estes aspectos
inter-relacionados de alienação-falta de controle sobre o processo de trabalho
e perda do produto através da apropriação fornecem um esquema de referência
para relacionar stress ocupacional e risco coronariano à natureza do trabalho
na sociedade capitalista. Diversos estudos sugerem que a falta de poder do
trabalhador sobre o processo de trabalho pode ser um fator de risco
coronariano. A linha de montagem tornou-se um símbolo da alienação do
trabalhador, pois ela subjuga completamente as atividades do trabalhador às
exigências de uma maquinaria cuja marcha é regulada e controlada pela gerência.
Obrigado a repetir tarefas cronometradas em um ritmo imposto pela maquinaria, o
trabalhador na linha de montagem não tem virtualmente controle sobre o processo
imediato de trabalho. Em uma pesquisa relacionando trabalho no ritmo da máquina
à doença cardíaca, Kritsikis e colaboradores estudaram 150 homens com angina
pectoral em uma população de mais de 4.000 trabalhadores industriais em Berlim.
Perceberam que o trabalho na esteira rolante e a tensão psíquica relacionada a
tarefas prementes estavam associados com a doença. Frankenhauser e Gardell
demonstraram que o trabalho no ritmo da máquina está associado com altos níveis
de catecolamina e freqüentes sintomas psicossomáticos e de stress. Esses
pesquisadores compararam diversos índices de stress em dois grupos de
trabalhadores de serralheria. O grupo de alto-risco desempenhava trabalhos
monótonos, acelerados e de transporte. Em comparação, as tarefas do grupo de
controle eram mais variadas, não eram no ritmo da máquina e permitiam aos
trabalhadores maior controle sobre a velocidade e ritmo de seu trabalho. A
interpretação dos dados apontava que ‘a origem comum dos altos níveis de
colamina e da alta freqüência de sintomas psicossomáticos, assim como outros
sinais de stress e desajustamentos manifestados pelo grupo de
alto-risco, estava na natureza monótona, coercitiva, automatizante do seu
trabalho’ (Garfield, 1983, p. 163-134).
A partir destas colocações fica evidente a compatibilidade
entre o conceito de violência apresentado anteriormente e os fenômenos aqui
analisados, pois todos eles (desde o trabalho precoce à morte provocada pelo
trabalho) constituem o resultado de uma relação social, na qual um grupo social
- a classe capitalista - realiza a imposição a outro grupo social - os
trabalhadores - contra sua vontade e/ou natureza; resultado ainda de um
processo de trabalho fundamentado na dominação e exploração e que provoca
problemas psíquicos, doenças, acidentes, incapacitação, desgaste físico, morte
etc.
Um dito popular afirma: “Violência gera violência”. Isso em muitos casos
é verdade, mas não é menos verdade que violência também gera contraviolência. É
sobre isso, ou seja, sobre as formas de resistência dos trabalhadores que
iremos tratar agora.
A
luta dos trabalhadores contra a violência no trabalho
A violência imposta aos trabalhadores não é sofrida
passivamente. Várias formas de resistência, tanto individual quanto coletiva,
foram emergindo historicamente. A luta dos trabalhadores contra a violência nas
relações de trabalho se manifestava de forma mais concreta e eficaz através da
constituição de uma legislação trabalhista e da inspeção do trabalho.
Embora a legislação trabalhista regularize as relações de
trabalho típicas do capitalismo, ela pode interferir no grau de exploração
(extração de mais-valor) tendo em vista diminuir ou aumentar este grau, dependendo
da correlação de forças.[6] Vários
pesquisadores reconheceram a relação entre avanços na legislação trabalhista e
ascensão da luta dos trabalhadores (Barros, 1969; Viana, 1999b; Viana, 1999c;
Viana,1999d).
O surgimento da legislação trabalhista no Brasil ocorreu
com o processo de ascensão das lutas operárias, a partir da segunda metade do
século XIX. Haja vista, nesse período, tal como se vê com a expansão de
publicações e organizações políticas de caráter socialista e anarquista, o
surgimento de associações e sindicatos operários e o desencadeamento do
movimento grevista em diversos segmentos de várias regiões do país (Viana,
1999b). Assim surgirão algumas leis trabalhistas, tal como o Decreto n° 979 de
6/1/1903, que permitia a criação de sindicatos e associações cooperativas
(Castro Gomes, 1979). Também as primeiras leis coibindo o trabalho precoce são
instituídas entre 1891 e 1911. No entanto é com a ascensão do movimento
operário a partir do início do século XX que se realiza uma ampliação de leis
referentes às relações de trabalho. A greve de 1917 em São Paulo foi o ponto
mais alto desse movimento e conseguiu como resultado a promulgação do Decreto
n.° 1.596, que regulamentava o trabalho precoce e o trabalho feminino, coibindo
sua utilização em serviços noturnos. Outras greves em diversas regiões
ocorreram no mesmo período, e a radicalização do movimento operário
internacional (Revolução Russa em 1905/1917, Revolução Alemã, Conselhos
Operários na Itália etc.) teve repercussão no Brasil e fortaleceu a luta
operária local. Isto refletiu também na esfera da legislação trabalhista:
Em 1917 foi aprovada pelo Congresso Nacional a instauração da Comissão
de Legislação Social; em 1918 foi aprovada a lei sobre acidentes de trabalho;
em 1921 a lei de acidentes de trabalho foi decretada pelo Congresso Nacional;
em 1925. houve a regulamentação da lei de férias. (Viana, 1999b, p. 115)
Entretanto a existência das leis não significa que elas sejam aplicadas
efetivamente, tal como colocamos anteriormente. A luta operária pode conseguir
a elaboração de leis favoráveis aos trabalhadores, mas a sua aplicação efetiva
geralmente necessita de uma nova luta. Podemos tomar como exemplo a lei de
férias de 1926, que teve forte oposição da classe capitalista, o que gera a
pressão do proletariado para sua efetivação. Isto cria a necessidade da
Inspeção do Trabalho. O Conselho Nacional do Trabalho (CNT), criado em 1923 e
possuindo caráter meramente consultivo, estando ligado ao Ministério da Agricultura
(Dal Rosso, 1997; Blass, 1986), não tinha condições de efetivar a Inspeção do
Trabalho. Isto só ocorrerá alguns anos depois, tal como veremos a seguir.
Somente em 1921 é criada a Inspeção do Trabalho, mas restrita ao Distrito
Federal (na época, Rio de Janeiro). Ela esteve ligada ao Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio, vinculada ao Serviço de Povoamento dessa
Secretaria de Estado até 1930. Esta situação começaria a se alterar na década
de 1930, quando se consolidaria a Inspeção do Trabalho no contexto marcado pela
emergência do fenômeno populista. A política populista conseguiu integrar as
classes exploradas na democracia burguesa e expandir o desenvolvimento
capitalista subordinado no Brasil. Contudo isso ocorreu como um processo
contraditório, o que apresentou momentos de crise em alternância com momentos
de estabilidade. O Estado intervencionista produziu uma infra-estrutura que
possibilitava o desenvolvimento do modo de produção capitalista no Brasil. A
irrupção dos momentos de crise ocorre em períodos de autonomização das classes
exploradas. Essa autonomização acirra as contradições existentes no interior do
bloco dominante e isto força a parte mais conservadora deste bloco a se rebelar
e implantar o seu domínio exclusivo sobre o Estado. Segundo Dal Rosso (1997, p.
368),
No bojo da reforma feita pelo movimento revolucionário de 1930, o
governo de Getúlio Vargas cria o Ministério do Trabalho, da Indústria e do
Comércio, cuja estruturação é regulamentada no ano seguinte. Do novo ministério
fará parte o Departamento Nacional do Trabalho, organizado em 1931, e que tem ‘por
objetivo promover medidas de previdência social e melhorar as condições gerais
do trabalho, sendo[...] subdividido em seções[...] (de) organização, higiene,
segurança e Inspeção do Trabalho’ [Decreto n.° 19.671-A de 4/2/1931].
A partir de 1932, a Inspeção do Trabalho passa a ser
descentralizada com a criação das inspetorias regionais do Ministério do
Trabalho. Diversos decretos são promulgados nesse ano com a finalidade de apresentar
os objetivos da Inspeção do Trabalho, que se resumem, fundamentalmente, na
fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista, e não em assegurar o seu
cumprimento, tal como nas convenções da OIT. Isto significa a instituição
jurídica da Inspeção do Trabalho no Brasil. No entanto para sua efetivação é
necessária sua estruturação nos diversos Estados da Federação. A formação do
Ministério do Trabalho, a sistematização da legislação trabalhista e a
estruturação jurídica da Inspeção do Trabalho nessa época surgem dentro dos
objetivos da política populista de permitir uma participação controlada
(Vianna, 1978; Dal Rosso, 1997) e modernizar a intervenção estatal sobre a
sociedade e, em especial, sobre as relações de trabalho (Segatto, 1987).
Esse é um período de produção de leis e mudanças
jurídicas. Após 1930, além da instituição da Inspeção do Trabalho, diversas
leis trabalhistas são criadas.[7] Porém,
em virtude da ação contrária da classe capitalista, das próprias limitações das
leis, da cooptação de segmentos do proletariado e da inexistência de uma
inspeção do trabalho eficaz, não se concretiza, na maioria dos casos, a
aplicação efetiva dessas leis.
Depois de 1943 - após a criação da Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT), que sistematizou e aperfeiçoou esse conjunto de leis -, é
que se tornou mais efetiva a aplicação de alguns aspectos dessa legislação. Mas
persistia o caráter controlador da política estatal sobre o movimento operário,
e a estruturação da Inspeção do Trabalho só recebeu novo impulso a partir da
década de 1950. A única novidade nesse período foi a criação da carreira de
inspetor do trabalho em 1944, pelo Decreto-Lei n.° 6.479, de 9/5/1944.
O início da década de 1950 significou um momento de crise do
populismo - provocado pela autonomização da classe operária que culminou com o
golpe de 1954. Segundo Boito Júnior (1984), o movimento grevista de 1953 e a
greve dos 300 mil operários significaram a ascensão da luta operária, o que
provocou uma crise na política populista do governo Vargas. A crise do
populismo e a ascensão do movimento operário promovem um avanço modesto na estruturação
da Inspeção do Trabalho, tal como a ratificação da convenção 81 da OIT, em
1957.
O populismo ressurge sob a forma
desenvolvimentista-reformista na década de 1960, mas logo entraria em crise,
seguindo a mesma dinâmica do período anterior. A autonomização da classe
operária (o movimento grevista) e do campesinato (as ligas camponesas),
juntamente com a ascensão de alguns movimentos sociais, especialmente o movimento
estudantil, gerou novamente uma cisão no bloco dominante e o golpe militar.
Porém a derrota do populismo foi acompanhada pela desarticulação do movimento
operário, que não conseguiu a hegemonia na situação pós-populista. O populismo
foi substituído por um regime militar que promoveu um retrocesso para a
Inspeção do Trabalho no Brasil.
Gomes (1988, p. 14) afirma que nesse período se instituiu
a supremacia absoluta dos interesses do capital, e assim a ofensiva capitalista
proporcionou a
lei de greve (antigreve), o fim da estabilidade, o controle dos
sindicatos e arrocho salarial. As leis de interesse dos trabalhadores
(duração da jornada, férias, higiene e segurança) foram tornadas inoperantes,
na prática. Na época do ‘milagre’, então, tudo isso não passou de ficção
jurídica, para enorme número de pessoas.
Esta situação somente iria mudar a partir do final da década de 1970, com
a nova ascensão do movimento operário (Maroni, 1982; Aguiar, 1982; Löwy, 1980)
no Brasil e de outros movimentos sociais e com as mudanças na esfera política
institucional derivadas disto (a chamada Nova República). Nesse período a
Inspeção do Trabalho sofrerá algumas alterações, embora modestas. A Convenção
81 da OIT é retomada, e a Constituição de 1988 se refere à Inspeção do
Trabalho, delegando à União a competência de organizar, manter e executar a
Inspeção do Trabalho. Em seguida, houve a criação do Sistema Nacional de
Treinamento dos Agentes de Inspeção do Trabalho, o que significou uma medida
concreta com o objetivo de estruturar a Inspeção do Trabalho. Outras medidas
foram tomadas com esse objetivo no Brasil a partir de 1988; no entanto a
Inspeção do Trabalho em nosso país ainda não se compara com a existente nos
países europeus.
As mudanças que vêm ocorrendo a partir da hegemonia
mundial do neoliberalismo trazem novos problemas e dificuldades para a Inspeção
do Trabalho, no Brasil e no mundo inteiro, tal como se vê com a perda de
direitos trabalhistas, a desregulamentação das relações de trabalho etc. Isso
provoca uma corrosão da legislação trabalhista e, por conseguinte, das bases
da Inspeção do Trabalho. Na atualidade, a situação é desfavorável à Inspeção do
Trabalho e somente com uma nova correlação de forças, ou seja, com uma nova
ascensão do movimento operário, é que tal situação pode se alterar. Isso tudo
confirma nossa tese da relação entre luta dos trabalhadores e violência no
trabalho. A ascensão da luta dos trabalhadores provoca avanços na legislação
trabalhista e na estruturação da Inspeção do Trabalho.
Se seguirmos Barros (1969), que sugere compararmos a
emergência das principais leis trabalhistas com a ascensão do movimento dos
trabalhadores, reconheceremos facilmente que, nos momentos em que houve um
desencadeamento da luta operária, também houve avanços nas leis de proteção dos
trabalhadores e na estruturação da Inspeção do Trabalho. Isto ocorreu
principalmente no começo do século XX, início das décadas de 1930, 1940 e -
mais moderadamente - 1950, meio da década de 1960, final da década de 1970 e
início da década seguinte.
No interior destas leis se encontram medidas e leis contra
a violência nas relações de trabalho, descritas anteriormente. As leis que
protegem os trabalhadores no caso de acidentes de trabalho, doenças provocadas
pelo processo de trabalho, entre outras formas de violência no trabalho,
desenvolvem-se no bojo dessas lutas e conquistas dos trabalhadores. Tomando
como exemplo apenas as leis sobre acidentes de trabalho, vemos o seguinte
quadro: no início do século XX, foi regulada a Lei de Acidentes de Trabalho,
através do Decreto n.° 3.724, de 15 de janeiro de 1919; em 1934, surge a
segunda lei acidentária, através do Decreto n.° 24.637; a terceira lei
acidentária data de 1944. De acordo com Possas (1981, p. 98),
Esta legislação passou por uma indiscutível evolução desde a lei promulgada
em 1919 até o Decreto-Lei de 10/11/1944, pela progressiva ampliação dos
benefícios aos acidentados, doentes do trabalho e aos seus dependentes.
Posteriormente, em 1967, houve outras leis acidentárias,
uma primeira, que durou seis meses, e outra, substituta, que corrigia alguns
de seus pressupostos conservadores (como a culpabilidade do trabalhador pelo
acidente). Por outro lado, o refluxo do movimento operário provoca retrocessos
na esfera da legislação trabalhista, que culminam com a Lei n.° 6.367 de 1976.
Vale lembrar que nessa época vigorava o regime militar, e conseqüentemente
havia pouca mobilização operária, tal como coloca Possas (1981, p. 99). Segundo
a autora, nesse período
Os acidentes e doenças do
trabalho deixaram, na quase totalidade dos casos, de comportar a reparação
correspondente e os benefícios pagos sofreram diminuição apreciável. [...] As
ações propostas demoram anos a fio com evidentes prejuízos para o acidentado, o
que vem desestimulando a classe trabalhadora a recorrer ao judiciário.
Assim, seguindo as indicações sobre ascensão do movimento operário, vemos
que só faltou avanço na legislação sobre acidentes de trabalho na década de
1950, mas como tal ascensão nessa década foi muito breve, então isso se torna
justificado.
Dessa forma, a violência exercida pela classe capitalista nas relações de
trabalho convive com a resistência e luta dos trabalhadores contra ela.
Obstáculos
para a abolição da violência nas relações de trabalho
Apesar da luta secular dos trabalhadores contra as
diversas formas de manifestação da violência nas relações de trabalho, essas
não foram abolidas. Nesse sentido, é interessante questionar o que impede a
concretização desta abolição. A resposta parece ser evidente: a correlação de
forças entre capital e trabalho não aponta para a supremacia dos trabalhadores
e, por conseguinte, para uma legislação adequada e uma inspeção eficiente.
Tanto o desenvolvimento da legislação trabalhista, quanto a estruturação de uma
inspeção do trabalho eficaz dependem da luta dos trabalhadores.
Esta luta, que vem sendo desenvolvida há séculos, só
consegue conquistas nos momentos em que a classe trabalhadora se autonomiza e
radicaliza o seu movimento, o que faz com que a classe dominante ceda os anéis
para não perder os dedos. As lutas dos trabalhadores no Brasil (e não só aqui)
conseguiram dar alguns passos no sentido de diminuir a violência nas relações
de trabalho, mas de forma modesta, sempre acompanhada por avanços e recuos,
dependendo da correlação de forças entre capital e trabalho num determinado
momento histórico.
Para efetivar essa abolição é preciso efetivar uma
ampliação e melhoria na atual legislação trabalhista, garantindo a prevenção e
a punição para os casos concretizados de violência no trabalho. A legislação
trabalhista ainda é muito restrita e não consegue abordar todas as formas de
violência no trabalho. Isso significa que a atual legislação trabalhista, em
razão de sua moderação, é um obstáculo para a efetiva abolição da violência nas
relações de trabalho. Isso é mais grave ainda se considerarmos que ao não
abordar todas as formas de violência no trabalho, a legislação trabalhista só
atua e permite a atuação da Inspeção do Trabalho sobre as formas ilegais de
violência no trabalho.
O fato é que podemos distinguir entre formas legais e
ilegais de violência no trabalho. Algumas formas legais se encontram, por
exemplo, no caso de certas especificações de trabalho precoce aceitas pela
legislação em vigor.
Outro obstáculo se encontra na não-estruturação adequada
do serviço de inspeção do trabalho, que, embora tenha tido alguns avanços a
partir da Constituição Federal de 1988, ainda não conseguiu se estruturar de
forma adequada. A estruturação da Inspeção do Trabalho pressupõe os meios
materiais de realização da inspeção do trabalho. Esses meios materiais incluem
instalações, mobiliário, equipamento de escritório, meios de locomoção etc.
Além disso, os inspetores devem possuir recursos financeiros para cobrir suas
despesas na execução de suas atividades e uma boa remuneração para evitar
problema de corrupção - que é, segundo Tragtenberg (apud Costa, 1981, p. 11),
um dos fatores que permitem os altos índices de acidentes de trabalho. Outro
meio material é a existência de documentação técnica, jurídica e informativa,
tais como instruções ministeriais, informações técnicas relativas à higiene e
segurança, o jornal oficial, documentos de tipo econômico e social, dados
estatísticos, revistas especializadas etc.
Sem condições adequadas de trabalho, formação apropriada
do corpo dos agentes da inspeção, poderes delegados pelo Estado, instalações
adequadas, mobiliário etc., é extremamente difícil a Inspeção do Trabalho
assegurar a abolição das formas ilegais de violência no trabalho. Além disso, o
próprio corpo de inspetores do trabalho está envolvido nas lutas sociais, e
isso é perceptível no caso francês (Viana, 1999c; Dhoquois-Cohen, 1993) e no
caso brasileiro (Viana, 1999b), nos quais se percebem duas posições referentes
ao problema do papel da inspeção: uma enfatiza a fiscalização e o
aconselhamento, ou seja, o inspetor teria um papel apenas moderador na relação
capital-trabalho (o que contraria a própria Convenção 81 da OIT, que aponta a
necessidade de a inspeção assegurar o cumprimento da lei); a outra apresenta
uma visão da inspeção como tendo um caráter repressivo e possuindo o papel de
assegurar o cumprimento da lei, colocando, assim, a Inspeção do Trabalho do
lado dos trabalhadores. Sem dúvida, o posicionamento dos agentes é influenciado
pelas lutas sociais.
Na atualidade, vivemos um período marcado por uma ofensiva
capitalista visando a aumentar a taxa de exploração, e, ao lado disso, pela
perda de diversas conquistas dos trabalhadores. Instala-se ainda o
desenvolvimento de um processo que reforça a prática de violência nas relações
de trabalho (aumento do uso de trabalho precoce, de acidentes de trabalho, de
condições precárias de trabalho etc.). Tal como coloca Costa (1981, p. 31), “os
índices de acidentes do trabalho apresentam-se como um dos indicadores
possíveis do grau de exploração da força de trabalho”, ou seja, o fato de o
Brasil ser campeão em acidentes de trabalho apenas demonstra o elevado grau de
exploração dos trabalhadores brasileiros. Vale mencionar que a ofensiva
capitalista apresentada com o nome de neoliberalismo pretende tão-somente
expandir e intensificar esse processo de exploração, o que significa, por
conseguinte, a tendência ao aumento da violência nas relações de trabalho, sob
suas diversas formas.
Desta forma, observamos que o maior obstáculo para a abolição
das formas ilegais de violência no trabalho se encontra na ineficácia da
Inspeção do Trabalho em virtude de sua falta de estruturação. Mas o principal
obstáculo para sua abolição em geral (ou seja, incluindo suas formas “legais”)
se encontra na deficiente legislação trabalhista; isso tudo é derivado da
debilidade atual do movimento operário e dos demais movimentos sociais, que
não só não estão ampliando suas conquistas passadas, como estão permitindo à
classe capitalista realizar uma ofensiva que lhe retira tais conquistas, o que
significa um retrocesso histórico. Nesse sentido, é somente com a ascensão das
lutas dos trabalhadores e sua articulação com os movimentos sociais que se pode
buscar reverter essa situação, recuperando o que foi perdido e ampliando as
conquistas, melhorando também radicalmente a legislação trabalhista (o que
significa abolir as formas “legais” de violência no trabalho, entre outros
avanços) e estruturando um serviço de inspeção do trabalho eficaz. A redução da
violência nas relações de trabalho marca o ponto de partida para o posterior
questionamento do próprio trabalho como forma de violência, ou seja, do
processo de alienação do trabalho.
Notas
[1] “Nos estaleiros
há uma situação estranha: nas construções dos cascos, os soldadores trabalham
junto com os caldeireiros. Ambas as categorias de operários sofrem de
distúrbios gravíssimos de audição, tem-se encontrado até 80% de surdos; mas a
surdez é considerada doença profissional somente para os caldeireiros e não
para os soldadores” (Berlinguer, 1983, p. 124).
[2] “O exemplo mais frisante da relação entre a
exposição profissional e o câncer é representado pelo que acontece com os
trabalhadores que fabricam e montam um dos produtos industriais de maior
projeção deste século: o automóvel. A) os operários que fabricam o bloco do
motor são vítimas de silicose, doença pulmonar grave que freqüentemente se
acompanha de tuberculose (silicotuberculose). As manifestações da
moléstia aparecem nas radiografias quando 40% do pulmão já estão afetados. Além
disso, muitos operários escondem seus sintomas, porque afastados por doença só
receberiam parte do salário. Há pouco, em Jundiaí, 200 casos foram detectados
em operários que iriam ser despedidos e para não sê-lo denunciaram seus
sintomas. B) os operários que fabricam os pneus estão sujeitos a leucemia. C)
os operários que fabricam o platinado, intoxicados pelo cromo, estão sujeitos a
câncer nos seios nasais. O) os operários que fabricam as baterias estão
sujeitos à intoxicação pelo chumbo. E) os que fabricam os vidros estão sujeitos
a cataratas e doenças pulmonares. F) os que trabalham em refinarias estão
sujeitos à intoxicação pelo benzeno e, portanto, a câncer de pele e leucemia.
G) os que fabricam os assentos plásticos estão sujeitos à intoxicação por
vinilcloreto, causador de câncer do fígado. H) os que fabricam os freios e a
embreagem estão sujeitos à asbestose, intoxicação pelo amianto que provoca
câncer de pulmão, pleura e peritônio. I) os que trabalham na produção de álcool
estão sujeitos à bagaçose (doença do pulmão peculiar aos trabalhadores de cana)
e a câncer (por produtos de decomposição do álcool). J) os que trabalham nos
postos de gasolina estão sujeitos à intoxicação por benzeno e, portanto, à
leucemia” (Landmann, 1984, p. 80-81).
[3] “Os
acidentes de trabalho estão intimamente ligados às relações de produção. O
pressuposto básico destas é a extração da mais-valia, dentro do processo de produção.
Quanto mais intenso for o desgaste da força de trabalho dentro do processo
produtivo, maior tenderá a ser o depauperamento da mesma, ou melhor, o desgaste
físico e psíquico do operário. Penso que os acidentes de trabalho refletem um
dos ângulos da forma de exploração da força de trabalho. À medida que o
processo de produção se caracterize por altas taxas de exploração, péssimas
condições de trabalho, salário, etc., ele tende a desgastar a força de
trabalho de forma mais ou menos agressiva” (Costa, 1981, p. 31). Veja também:
Arouca (1984); Cohn et al. (1985).
[4]
A violência, como fenômeno concreto, é o
resultado de múltiplas determinações, que, no entanto, apresentam uma
determinação fundamental. A discussão sobre as múltiplas determinações e sobre
a determinação fundamental é uma das contribuições metodológicas mais
relevantes de Marx (cf. Marx, 1983b; Viana, 1999e).
[5]
“É o caso de um dos setores da Fiat. Acusa-se a falta de carrinhos elétricos e,
em alguns casos, também dos de mão, de direções móveis...” (Berlinguer, 1983, p.
106).
[6] A
legislação trabalhista é benéfica ao capital, mas também, dentro do contexto
capitalista, pode beneficiar os trabalhadores: “o modo capitalista de produção
se caracteriza pela formação/destruição da mão-de-obra que utiliza para sua
reprodução. Daí a necessidade da intervenção do Estado, em nome dos ‘interesses
gerais’ que codificam essa exploração através do mecanismo da Legislação do
Trabalho. Dessa forma, a mão-de-obra é salva da ‘deterioração’ a que o modo de
produção capitalista a condena. Não é preciso dizer que a Legislação
Trabalhista não se constitui somente num meio de controle do Estado sobre o
proletariado, mas, também é fruto da pressão da mão-de-obra no processo de
autodefesa ante o Capital” (Tragrenberg, apud Costa, 1981, p. 11).
[7] Estas leis regulamentavam a jornada de trabalho (8
horas), o trabalho precoce e o feminino, instituíam a carreira profissional de
trabalho, as férias anuais remuneradas de 30 dias, a convenção coletiva do
trabalho, a aposentadoria por tempo de serviço, o salário mínimo etc.
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Artigo publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Inspeção do Trabalho e Violência nas Relações de Trabalho. In: SILVA, José Fernando; LIMA, Ricardo Barbosa; DAL ROSSO, Sadi (Orgs.). Violência e Trabalho no Brasil. 1ed.Goiânia: Cegraf, 2001, p. 133-153.
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