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sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

VIOLÊNCIA E TRABALHO - A inspeção do trabalho e a violência nas relações de trabalho

 

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A inspeção do trabalho e a violência nas relações de trabalho

 

NILDO VIANA

 

 

Pretendemos, no presente artigo, discutir a questão da violência nas relações de trabalho e sua relação com a legislação e, especialmente, com a inspeção do trabalho. O nosso objetivo fundamental é analisar o processo de violência no trabalho e a luta dos trabalhadores por sua abolição tanto na esfera da legislação, ou seja, na criação de leis específicas visando a coibi-la, quanto na esfera da busca de sua aplicação efetiva, isto é, da inspeção do trabalho, enfatizando os obstáculos para sua concretização.

 

O trabalho como forma de violência

 

O trabalho, segundo Marx, é a autoatividade humana pela qual o ser humano humaniza o mundo e realiza suas potencialidades. Mas, ao mesmo tempo, o trabalho é uma forma de negação do ser humano, de sua essência (Marx, 1983a). Isto parece contraditório. No entanto não existe contradição, tendo em vista que Marx distinguia o trabalho como objetivação do trabalho como alienação (Marx, 1983a; Marcuse, 1968; Viana, 1995). O trabalho como objetivação é a auto­atividade humana que possibilita o desenvolvimento das potencialidades do ser humano, enquanto o trabalho como alienação se caracteriza como uma relação social de dominação e exploração.

A partir dessa breve consideração sobre o trabalho, devemos discutir a relação entre trabalho e violência. Esta relação só é possível se levarmos em consideração o trabalho alienado, que é o trabalho envolvido na relação social entre dirigentes e dirigidos que emerge a partir da constituição das sociedades de classes. Mas resta definir o que entendemos por violência. Podemos afirmar que ela é “uma relação social caracterizada pela imposição realizada por um indivíduo ou grupo social a outro indivíduo ou grupo social contra sua vontade ou natureza” (Viana, 1999a, p. 224).

Para Marx, o trabalho alienado é uma atividade não livre, está fundamentado na coerção e domínio de outro homem (Marx, 1983a, p. 98). O trabalho sob esta forma se torna uma punição, uma desumanização. Segundo suas próprias palavras:

 

O que constitui a alienação do trabalho? Primeiramente, ser o trabalho externo ao trabalhador, não fazer parte da sua natureza, e, por conseguinte, ele não se realizar em seu trabalho mas negar a si mesmo, ter um sentimento de sofrimento em vez de bem-estar, não desenvolver livremente suas energias mentais e físicas, mas ficar fisicamente exausto e mentalmente deprimido. O trabalhador, portanto, só se sente à vontade em seu tempo de folga, enquanto no trabalho se sente contrafeito. Seu trabalho não é voluntário, porém imposto, é trabalho forçado. Ele não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras necessidades. Seu caráter alienado é claramente atestado pelo fato de, logo que não haja compulsão física ou outra qualquer, ser evitado como uma praga. O trabalho exteriorizado, trabalho em que o homem aliena a si mesmo, é um trabalho de sacrifício próprio, de mortificação. Por fim, o caráter exteriorizado do trabalho para o trabalhador é demonstrado por não ser o trabalho dele mesmo mas trabalho para outrem, por no trabalho ele não se pertencer a si mesmo mas sim a outra pessoa. (Marx, 1983a, p. 93).

 

Desta forma podemos perceber que o trabalho alienado é, ele mesmo, uma forma de violência. No entanto se isso era visível no caso do trabalho escravo, o mesmo não ocorre com o trabalho assalariado, pois seu caráter violento é ofuscado pelo seu invólucro jurídico de “trabalho livre”. Mas não foi apenas Marx que reconheceu o desprazer que o trabalho alienado provoca, pois Freud (1978), embora sem distinguir entre objetivação e alienação, também iria considerar que ele seria fonte de insatisfação, o que terá implicações importantes que serão desenvolvidas por outros psicanalistas sobre o mal-estar no trabalho.

Assim podemos dizer que as relações de trabalho fundamentadas na alienação constituem uma forma de violência quase imperceptível. Mas este é apenas um aspecto da relação entre trabalho e violência. A violência fundamental constituída pelo próprio processo de trabalho alienado irá gerar diversas outras formas de violência, mais perceptíveis. É o que veremos a seguir.

 

As formas de violência no trabalho

 

O próprio trabalho alienado é uma forma de violência. No entanto o processo de produção capitalista possui uma dinâmica que aponta para a necessidade de aumento de extração de mais-valor, o que vai resultar em conflitos, repressão e resistência, e, quando o capital consegue submeter o trabalho, produz outras formas de violência, mais intensas e por isso mais facilmente perceptíveis.

Quais são estas formas de violência? Elas constituem uma diversidade enorme, podendo-se destacar como exemplos: a) doenças provocadas pelo processo de trabalho; b) acidentes de trabalho; c) trabalho precoce; d) desgaste físico por trabalho penoso; e) problemas psíquicos derivados das relações de trabalho; f) morte provocada pelo processo de trabalho.

As doenças provocadas pelo processo de trabalho podem ser divididas em dois tipos (Mendes, 1995): a) tecnopatias, também chamadas “doenças ocupacionais” ou “profissionais”, que são as provocadas pelo exercício peculiar de uma atividade laboral constante; b) mesopatias, que são as doenças adquiridas através das condições de trabalho.

As tecnopatias são provocadas pela nocividade da matéria manipulada (contato com substâncias químicas). São exemplos de tecnopatias: silicose, benzolismo, saturnismo. As mesopatias, como já foi dito, são provocadas pelas condições de trabalho. Como exemplos de mesopatias podem ser citadas as lesões por esforços repetitivos (LER) e demais doenças geradas pelo ambiente de trabalho (causadas por problemas de temperatura, umidade, ventilação, por ruídos[1] etc.).

Os acidentes de trabalho são aqueles que ocorrem no processo de trabalho (alguns autores acrescentam os ocorridos também no trajeto da casa para o trabalho), e o exemplo mais típico é o que ocorre na construção civil, tal como a queda de cima de um andaime. Tais acidentes são provocados pela falta de segurança e prevenção no processo de trabalho.

O trabalho precoce é o trabalho realizado por menores de dezoito anos e que, devido ao fato de ser realizado por pessoas desta faixa etária (que possuem limitada autonomia social e, por conseguinte, menos condições de resistência e em processo de constituição orgânica), não só as torna vítimas de uma superexploração e exposição a todas as formas de violência colocadas anteriormente, como também as expõe a atividades incompatíveis com sua constituição orgânica, o que tem repercussões na saúde física e mental desses trabalhadores (Viana, 1999b).

O desgaste físico por trabalho penoso ocorre em determinadas atividades laborais, tais como levantamento e transporte de pesos e movimentos difíceis. Tal desgaste é mais freqüente em determinadas ocupações (manutenção de vagões ferroviários, trabalho em empresas navais, por exemplo), mas continuam presentes nas fábricas modernas (Berlinguer, 1983).

Os problemas psíquicos gerados pelo processo de trabalho são os mais variados - stress, doença coronariana, doenças psicossomáticas - e foram objeto de análise por diversos pesquisadores (Garfield, 1983; Dejours, 1988; Schneider, 1977). Tais problemas psíquicos são oriundos das relações de trabalho marcadas pela ansiedade, pelo conflito, pela grande intensidade de trabalho, pelo impedimento de manifestação de atividade onírica etc., constituindo o que Dejours denominou “o sofrimento invisível”.

Por fim, temos a morte provocada pelas relações de trabalho, a mais visível e nefasta forma de violência no trabalho. A morte no trabalho tem como principal causa os acidentes de trabalho fatais. No Brasil, segundo Mendes (1995, p. 203), “nos últimos dez anos morreram, vitimados por acidentes de trabalho, cerca de 50 mil trabalhadores. A incidência anual é de cerca de 20 mortes em cada 100 mil trabalhadores segurados pela Previdência”. Mas há também certas doenças que provocam, a longo prazo, a morte de trabalhadores, tal como câncer.[2]

Após essa descrição das formas de violência nas relações de trabalho torna-se necessária sua explicação. Em primeiro lugar, é preciso explicitar que esse conjunto de violências descrito corresponde ao conceito de violência anteriormente apresentado. Em segundo lugar, é preciso descobrir as razões que provocam essas formas de violência.

Contudo essas duas questões estão entrelaçadas e ao responder­mos uma estaremos respondendo a outra. Como as empresas capitalistas possuem como objetivo fundamental o aumento da extração de mais-­valor, então nada é mais natural do que elas buscarem diminuir, de todas as formas, os custos de produção, aumentar a intensidade do ritmo de trabalho, manter um controle rígido do tempo de trabalho e das atividades laborais, dividir e com isso rotinizar e monotonizar o processo de trabalho etc. A diminuição dos custos de produção inclui evitar gastos com aparelhos e instrumentos de segurança, utilizar de ambiente de trabalho precário, entre outras formas. Berlinguer relaciona isso com os acidentes de trabalho:

 

Uma porcentagem muito alta deve-se a acidentes causados por quedas de andaimes. Trabalha-se em condições de periculosidade excepcional, quase sem equilíbrio, sem qualquer instrumento de proteção. Os operários junto aos fornos muitas vezes têm as luvas estragadas, às vezes calçam os sapatos normais com a inevitável conseqüência de ter os pés cheios de queimaduras. Outra causa de acidentes é a falta de espaço que torna difícil o cumprimento da própria tarefa, não dispondo da necessária liberdade de movimentos. Os ambientes são aproveitados ao máximo e são inadequados: o maquinário é colocado a pouca distância um do outro, muitas vezes em posição errada, não favorecendo a linha de produção. Nessas condições a ventilação é insuficiente: os ambientes se enchem de fumaça, gases, substâncias venenosas. Na maioria dos casos, exatamente pela falta de espaço, os ambientes não são bem divididos entre si, quer dizer, muitas vezes são reunidos por exigência do trabalho. [...] Exatamente pela limitação dos ambientes verificam-se os acidentes mais banais, que seriam facilmente evitados em condições normais: escorregamentos sobre escórias de material, sobre óleo esparramado. Os acidentes mais graves ocorrem nas prensas, nas cortadeiras, nos fornos, com amputações, queimaduras, fraturas. (Berlinguer, 1983, p. 124)

 

Assim, podemos dizer que as formas de violência nas relações de trabalho são o resultado do processo de produção capitalista.[3] A percepção disso é mais fácil em alguns casos, tal como no caso dos acidentes de trabalho, apesar das representações ilusórias que buscam responsabilizar os trabalhadores pela sua ocorrência (Costa, 1981; Cohn et al., 1985).

Quando se coloca que o acidente de trabalho é causado pela falta de equipamento de proteção, por condições próprias do ambiente de trabalho, por defeito na maquinaria etc., apenas se revela a determinação imediata do fenômeno, que realiza uma mediação entre o acidente de trabalho (e não só este, pois abrange todas as formas de violência no trabalho) e o processo de produção capitalista com sua necessidade insaciável de lucro, que é sua determinação fundamental.[4]

O vínculo entre doenças provocadas pelo processo de trabalho, acidentes de trabalho, desgaste físico pelo trabalho penoso e morte no trabalho, por um lado, e acumulação de capital, por outro, é bastante evidente. Os altos índices de ocorrência é que são espantosos, principalmente no Brasil, que é o campeão mundial de acidentes de trabalho e possui altas taxas de incapacitação para o trabalho e morte no trabalho derivadas deles.

A forma de violência mais terrível provocada pelo processo de produção capitalista é a morte causada pelas relações de trabalho. Nesse caso, o trabalhador perde a própria vida para possibilitar a reprodução do capital. Mas não são apenas os acidentes de trabalho que provocam a morte do trabalhador, pois esta é apenas sua face mais visível, por ser imediata. As tecnopatias também podem provocar a morte, que, por não ser imediata, não é ligada diretamente ao trabalho. A exposição excessiva ao asbesto, substância química utilizada na fabricação de mais de 3.000 produtos (Possas, 1981, p. 93), provoca diversas doenças (câncer de pulmão, asbestose, mesotelioma de pleura, entre outros tipos de câncer) que, por sua vez, levam à morte. Podemos citar outro caso:

 

Um outro exemplo de doença profissional sub-registrada nas estatísticas oficiais é a silicose, uma pneumoconiose freqüente nos trabalhadores de minas, nas rochas de granito ou areia, pedreiras, cerâmica etc. As pneumoconioses são lesões pulmonares decorrentes da inalação de partículas sólidas identificadas por sinais radiológicos característicos, com ou sem sinais clínicos evidentes. São lesões progressivas e irreversíveis que se instalam entre 5 e 7 anos de exposição à poeira tóxica da sílica em suspensão, cuja sintomatologia evolui lentamente, em 3 fases: a inicial, pré-clínica, que apresenta apenas sinais radiológicos, é silenciosa e dura alguns anos; a segunda, intermediária, já apresenta sinais clínicos como dispnéia de esforço e tosse seca; e, finalmente, a fase avançada, com agravamento do quadro clínico: dispnéia intensa, sinais esseto-acústicos de bronquite catarral (por vezes com expectoração escura), dores toráxicas continuadas, anorexia, perda de peso e fadiga ao menor esforço. A principal complicação que pode ocorrer é a tuberculose pulmonar, que agrava consideravelmente o prognóstico. A morte, quando ocorre, é devida geralmente a complicações cardiocirculatórias.

 

A mesma lógica da acumulação de capital provoca a utilização do trabalho precoce, que realiza a transformação do sangue infantil em capital (Marx, 1988). A classe capitalista se aproveita da fragilidade do trabalho precoce para extrair um quantum maior de mais-valor (Viana, 1999b).

O desgaste físico provocado pelo trabalho penoso também é decorrente desta lógica de acumulação, pois este poderia ser evitado com a utilização de máquinas e tecnologias; mas não são usadas para não aumentar os custos de produção. Isso ocorre inclusive nos países capitalistas mais avançados tecnologicamente, onde faltam até equipamentos primários, como carrinhos de mão, tal como é o caso da Itália (Berlinguer, 1983).[5]

O sofrimento invisível dos problemas psíquicos derivados do processo de trabalho é resultado da organização capitalista e de suas características, que visam, antes de mais nada, a aumentar a extração de mais-valor, e para isso criam relações de trabalho que são como uma porta para o inferno. Garfield, por exemplo, ressalta a relação entre stress, doença coronariana e trabalho na sociedade capitalista.

 

Relações hierárquicas de trabalho, por exemplo, deslocam o controle da produção dos trabalhadores para os gerentes, reduzindo a solidariedade do trabalhador e com isso incentivam a acumulação e o lucro. Estes aspectos inter-relacionados de alienação-falta de controle sobre o processo de trabalho e perda do produto através da apropriação fornecem um esquema de referência para relacionar stress ocupacional e risco coronariano à natureza do trabalho na sociedade capitalista. Diversos estudos sugerem que a falta de poder do trabalhador sobre o processo de trabalho pode ser um fator de risco coronariano. A linha de montagem tornou-se um símbolo da alienação do trabalhador, pois ela subjuga completamente as atividades do trabalhador às exigências de uma maquinaria cuja marcha é regulada e controlada pela gerência. Obrigado a repetir tarefas cronometradas em um ritmo imposto pela maquinaria, o trabalhador na linha de montagem não tem virtualmente controle sobre o processo imediato de trabalho. Em uma pesquisa relacionando trabalho no ritmo da máquina à doença cardíaca, Kritsikis e colaboradores estudaram 150 homens com angina pectoral em uma população de mais de 4.000 trabalhadores industriais em Berlim. Perceberam que o trabalho na esteira rolante e a tensão psíquica relacionada a tarefas prementes estavam associados com a doença. Frankenhauser e Gardell demonstraram que o trabalho no ritmo da máquina está associado com altos níveis de catecolamina e freqüentes sintomas psicossomáticos e de stress. Esses pesquisadores compararam diversos índices de stress em dois grupos de trabalhadores de serralheria. O grupo de alto-­risco desempenhava trabalhos monótonos, acelerados e de transporte. Em comparação, as tarefas do grupo de controle eram mais variadas, não eram no ritmo da máquina e permitiam aos trabalhadores maior controle sobre a velocidade e ritmo de seu trabalho. A interpretação dos dados apontava que ‘a origem comum dos altos níveis de colamina e da alta freqüência de sintomas psicossomáticos, assim como outros sinais de stress e desajustamen­tos manifestados pelo grupo de alto-risco, estava na natureza monótona, coercitiva, automatizante do seu trabalho’ (Garfield, 1983, p. 163-134).

 

A partir destas colocações fica evidente a compatibilidade entre o conceito de violência apresentado anteriormente e os fenômenos aqui analisados, pois todos eles (desde o trabalho precoce à morte provocada pelo trabalho) constituem o resultado de uma relação social, na qual um grupo social - a classe capitalista - realiza a imposição a outro grupo social - os trabalhadores - contra sua vontade e/ou natureza; resultado ainda de um processo de trabalho fundamentado na dominação e exploração e que provoca problemas psíquicos, doenças, acidentes, incapacitação, desgaste físico, morte etc.

Um dito popular afirma: “Violência gera violência”. Isso em muitos casos é verdade, mas não é menos verdade que violência também gera contraviolência. É sobre isso, ou seja, sobre as formas de resistência dos trabalhadores que iremos tratar agora.

 

A luta dos trabalhadores contra a violência no trabalho

 

A violência imposta aos trabalhadores não é sofrida passivamente. Várias formas de resistência, tanto individual quanto coletiva, foram emergindo historicamente. A luta dos trabalhadores contra a violência nas relações de trabalho se manifestava de forma mais concreta e eficaz através da constituição de uma legislação trabalhista e da inspeção do trabalho.

Embora a legislação trabalhista regularize as relações de trabalho típicas do capitalismo, ela pode interferir no grau de exploração (extração de mais-valor) tendo em vista diminuir ou aumentar este grau, dependendo da correlação de forças.[6] Vários pesquisadores reconheceram a relação entre avanços na legislação trabalhista e ascensão da luta dos trabalhadores (Barros, 1969; Viana, 1999b; Viana, 1999c; Viana,1999d).

O surgimento da legislação trabalhista no Brasil ocorreu com o processo de ascensão das lutas operárias, a partir da segunda metade do século XIX. Haja vista, nesse período, tal como se vê com a expansão de publicações e organizações políticas de caráter socialista e anarquista, o surgimento de associações e sindicatos operários e o desencadeamento do movimento grevista em diversos segmentos de várias regiões do país (Viana, 1999b). Assim surgirão algumas leis trabalhistas, tal como o Decreto n° 979 de 6/1/1903, que permitia a criação de sindicatos e associações cooperativas (Castro Gomes, 1979). Também as primeiras leis coibindo o trabalho precoce são instituídas entre 1891 e 1911. No entanto é com a ascensão do movimento operário a partir do início do século XX que se realiza uma ampliação de leis referentes às relações de trabalho. A greve de 1917 em São Paulo foi o ponto mais alto desse movimento e conseguiu como resultado a promulgação do Decreto n.° 1.596, que regulamentava o trabalho precoce e o trabalho feminino, coibindo sua utilização em serviços noturnos. Outras greves em diversas regiões ocorreram no mesmo período, e a radicalização do movimento operário internacional (Revolução Russa em 1905/1917, Revolução Alemã, Conselhos Operários na Itália etc.) teve repercussão no Brasil e fortaleceu a luta operária local. Isto refletiu também na esfera da legislação trabalhista:

 

Em 1917 foi aprovada pelo Congresso Nacional a instauração da Comissão de Legislação Social; em 1918 foi aprovada a lei sobre acidentes de trabalho; em 1921 a lei de acidentes de trabalho foi decretada pelo Congresso Nacional; em 1925. houve a regulamentação da lei de férias. (Viana, 1999b, p. 115)

 

Entretanto a existência das leis não significa que elas sejam aplicadas efetivamente, tal como colocamos anteriormente. A luta operária pode conseguir a elaboração de leis favoráveis aos trabalhadores, mas a sua aplicação efetiva geralmente necessita de uma nova luta. Podemos tomar como exemplo a lei de férias de 1926, que teve forte oposição da classe capitalista, o que gera a pressão do proletariado para sua efetivação. Isto cria a necessidade da Inspeção do Trabalho. O Conselho Nacional do Trabalho (CNT), criado em 1923 e possuindo caráter meramente consultivo, estando ligado ao Ministério da Agricultura (Dal Rosso, 1997; Blass, 1986), não tinha condições de efetivar a Inspeção do Trabalho. Isto só ocorrerá alguns anos depois, tal como veremos a seguir.

Somente em 1921 é criada a Inspeção do Trabalho, mas restrita ao Distrito Federal (na época, Rio de Janeiro). Ela esteve ligada ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, vinculada ao Serviço de Povoamento dessa Secretaria de Estado até 1930. Esta situação começaria a se alterar na década de 1930, quando se consolidaria a Inspeção do Trabalho no contexto marcado pela emergência do fenômeno populista. A política populista conseguiu integrar as classes exploradas na democracia burguesa e expandir o desenvolvimento capitalista subordinado no Brasil. Contudo isso ocorreu como um processo contraditório, o que apresentou momentos de crise em alternância com momentos de estabilidade. O Estado intervencionista produziu uma infra-estrutura que possibilitava o desenvolvimento do modo de produção capitalista no Brasil. A irrupção dos momentos de crise ocorre em períodos de autonomização das classes exploradas. Essa autonomização acirra as contradições existentes no interior do bloco dominante e isto força a parte mais conservadora deste bloco a se rebelar e implantar o seu domínio exclusivo sobre o Estado. Segundo Dal Rosso (1997, p. 368),

 

No bojo da reforma feita pelo movimento revolucionário de 1930, o governo de Getúlio Vargas cria o Ministério do Trabalho, da Indústria e do Comércio, cuja estruturação é regulamentada no ano seguinte. Do novo ministério fará parte o Departamento Nacional do Trabalho, organizado em 1931, e que tem ‘por objetivo promover medidas de previdência social e melhorar as condições gerais do trabalho, sendo[...] subdividido em seções[...] (de) organização, higiene, segurança e Inspeção do Trabalho’ [Decreto n.° 19.671-A de 4/2/1931].

 

A partir de 1932, a Inspeção do Trabalho passa a ser descentralizada com a criação das inspetorias regionais do Ministério do Trabalho. Diversos decretos são promulgados nesse ano com a finalidade de apresentar os objetivos da Inspeção do Trabalho, que se resumem, fundamentalmente, na fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista, e não em assegurar o seu cumprimento, tal como nas convenções da OIT. Isto significa a instituição jurídica da Inspeção do Trabalho no Brasil. No entanto para sua efetivação é necessária sua estruturação nos diversos Estados da Federação. A formação do Ministério do Trabalho, a sistematização da legislação trabalhista e a estruturação jurídica da Inspeção do Trabalho nessa época surgem dentro dos objetivos da política populista de permitir uma participação controlada (Vianna, 1978; Dal Rosso, 1997) e modernizar a intervenção estatal sobre a sociedade e, em especial, sobre as relações de trabalho (Segatto, 1987).

Esse é um período de produção de leis e mudanças jurídicas. Após 1930, além da instituição da Inspeção do Trabalho, diversas leis trabalhistas são criadas.[7] Porém, em virtude da ação contrária da classe capitalista, das próprias limitações das leis, da cooptação de segmentos do proletariado e da inexistência de uma inspeção do trabalho eficaz, não se concretiza, na maioria dos casos, a aplicação efetiva dessas leis.

Depois de 1943 - após a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que sistematizou e aperfeiçoou esse conjunto de leis -, é que se tornou mais efetiva a aplicação de alguns aspectos dessa legislação. Mas persistia o caráter controlador da política estatal sobre o movimento operário, e a estruturação da Inspeção do Trabalho só recebeu novo impulso a partir da década de 1950. A única novidade nesse período foi a criação da carreira de inspetor do trabalho em 1944, pelo Decreto-Lei n.° 6.479, de 9/5/1944.

O início da década de 1950 significou um momento de crise do populismo - provocado pela autonomização da classe operária ­que culminou com o golpe de 1954. Segundo Boito Júnior (1984), o movimento grevista de 1953 e a greve dos 300 mil operários significaram a ascensão da luta operária, o que provocou uma crise na política populista do governo Vargas. A crise do populismo e a ascensão do movimento operário promovem um avanço modesto na estruturação da Inspeção do Trabalho, tal como a ratificação da convenção 81 da OIT, em 1957.

O populismo ressurge sob a forma desenvolvimentista-reformista na década de 1960, mas logo entraria em crise, seguindo a mesma dinâmica do período anterior. A autonomização da classe operária (o movimento grevista) e do campesinato (as ligas camponesas), juntamente com a ascensão de alguns movimentos sociais, especialmente o movimento estudantil, gerou novamente uma cisão no bloco dominante e o golpe militar. Porém a derrota do populismo foi acompanhada pela desarticulação do movimento operário, que não conseguiu a hegemonia na situação pós-populista. O populismo foi substituído por um regime militar que promoveu um retrocesso para a Inspeção do Trabalho no Brasil.

Gomes (1988, p. 14) afirma que nesse período se instituiu a supremacia absoluta dos interesses do capital, e assim a ofensiva capitalista proporcionou a

lei de greve (antigreve), o fim da estabilidade, o controle dos sindicatos e arrocho salarial. As leis de interesse dos trabalhadores (duração da jornada, férias, higiene e segurança) foram tornadas inoperantes, na prática. Na época do ‘milagre’, então, tudo isso não passou de ficção jurídica, para enorme número de pessoas.

 

Esta situação somente iria mudar a partir do final da década de 1970, com a nova ascensão do movimento operário (Maroni, 1982; Aguiar, 1982; Löwy, 1980) no Brasil e de outros movimentos sociais e com as mudanças na esfera política institucional derivadas disto (a chamada Nova República). Nesse período a Inspeção do Trabalho sofrerá algumas alterações, embora modestas. A Convenção 81 da OIT é retomada, e a Constituição de 1988 se refere à Inspeção do Trabalho, delegando à União a competência de organizar, manter e executar a Inspeção do Trabalho. Em seguida, houve a criação do Sistema Nacional de Treinamento dos Agentes de Inspeção do Trabalho, o que significou uma medida concreta com o objetivo de estruturar a Inspeção do Trabalho. Outras medidas foram tomadas com esse objetivo no Brasil a partir de 1988; no entanto a Inspeção do Trabalho em nosso país ainda não se compara com a existente nos países europeus.

As mudanças que vêm ocorrendo a partir da hegemonia mundial do neoliberalismo trazem novos problemas e dificuldades para a Inspeção do Trabalho, no Brasil e no mundo inteiro, tal como se vê com a perda de direitos trabalhistas, a desregulamentação das relações de trabalho etc. Isso provoca uma corrosão da legislação trabalhista e, por conseguin­te, das bases da Inspeção do Trabalho. Na atualidade, a situação é desfavorável à Inspeção do Trabalho e somente com uma nova correlação de forças, ou seja, com uma nova ascensão do movimento operário, é que tal situação pode se alterar. Isso tudo confirma nossa tese da relação entre luta dos trabalhadores e violência no trabalho. A ascensão da luta dos trabalhadores provoca avanços na legislação trabalhista e na estruturação da Inspeção do Trabalho.

Se seguirmos Barros (1969), que sugere compararmos a emergência das principais leis trabalhistas com a ascensão do movimento dos trabalhadores, reconheceremos facilmente que, nos momentos em que houve um desencadeamento da luta operária, também houve avanços nas leis de proteção dos trabalhadores e na estruturação da Inspeção do Trabalho. Isto ocorreu principalmente no começo do século XX, início das décadas de 1930, 1940 e - mais moderadamente - 1950, meio da década de 1960, final da década de 1970 e início da década seguinte.

No interior destas leis se encontram medidas e leis contra a violência nas relações de trabalho, descritas anteriormente. As leis que protegem os trabalhadores no caso de acidentes de trabalho, doenças provocadas pelo processo de trabalho, entre outras formas de violência no trabalho, desenvolvem-se no bojo dessas lutas e conquistas dos trabalhadores. Tomando como exemplo apenas as leis sobre acidentes de trabalho, vemos o seguinte quadro: no início do século XX, foi regulada a Lei de Acidentes de Trabalho, através do Decreto n.° 3.724, de 15 de janeiro de 1919; em 1934, surge a segunda lei acidentária, através do Decreto n.° 24.637; a terceira lei acidentária data de 1944. De acordo com Possas (1981, p. 98),

 

Esta legislação passou por uma indiscutível evolução desde a lei pro­mulgada em 1919 até o Decreto-Lei de 10/11/1944, pela progres­siva ampliação dos benefícios aos acidentados, doentes do trabalho e aos seus dependentes.

 

Posteriormente, em 1967, houve outras leis acidentárias, uma primeira, que durou seis meses, e outra, substituta, que corrigia al­guns de seus pressupostos conservadores (como a culpabilidade do trabalhador pelo acidente). Por outro lado, o refluxo do movimento operário provoca retrocessos na esfera da legislação trabalhista, que culminam com a Lei n.° 6.367 de 1976. Vale lembrar que nessa época vigorava o regime militar, e conseqüentemente havia pouca mobilização operária, tal como coloca Possas (1981, p. 99). Segundo a autora, nesse período

 

Os acidentes e doenças do trabalho deixaram, na quase totalidade dos casos, de comportar a reparação correspondente e os benefícios pagos sofreram diminuição apreciável. [...] As ações propostas demoram anos a fio com evidentes prejuízos para o acidentado, o que vem desestimulando a classe trabalhadora a recorrer ao judiciário.

 

Assim, seguindo as indicações sobre ascensão do movimento operário, vemos que só faltou avanço na legislação sobre acidentes de trabalho na década de 1950, mas como tal ascensão nessa década foi muito breve, então isso se torna justificado.

Dessa forma, a violência exercida pela classe capitalista nas relações de trabalho convive com a resistência e luta dos trabalhado­res contra ela.

 

Obstáculos para a abolição da violência nas relações de trabalho

 

Apesar da luta secular dos trabalhadores contra as diversas formas de manifestação da violência nas relações de trabalho, essas não foram abolidas. Nesse sentido, é interessante questionar o que impede a concretização desta abolição. A resposta parece ser evidente: a correlação de forças entre capital e trabalho não aponta para a supremacia dos trabalhadores e, por conseguinte, para uma legislação adequada e uma inspeção eficiente. Tanto o desenvolvimento da legislação trabalhista, quanto a estruturação de uma inspeção do trabalho eficaz dependem da luta dos trabalhadores.

Esta luta, que vem sendo desenvolvida há séculos, só consegue conquistas nos momentos em que a classe trabalhadora se autonomiza e radicaliza o seu movimento, o que faz com que a classe dominante ceda os anéis para não perder os dedos. As lutas dos trabalhadores no Brasil (e não só aqui) conseguiram dar alguns passos no sentido de diminuir a violência nas relações de trabalho, mas de forma modesta, sempre acompanhada por avanços e recuos, dependendo da correlação de forças entre capital e trabalho num determinado momento histórico.

Para efetivar essa abolição é preciso efetivar uma ampliação e melhoria na atual legislação trabalhista, garantindo a prevenção e a punição para os casos concretizados de violência no trabalho. A legislação trabalhista ainda é muito restrita e não consegue abordar todas as formas de violência no trabalho. Isso significa que a atual legislação trabalhista, em razão de sua moderação, é um obstáculo para a efetiva abolição da violência nas relações de trabalho. Isso é mais grave ainda se considerar­mos que ao não abordar todas as formas de violência no trabalho, a legislação trabalhista só atua e permite a atuação da Inspeção do Trabalho sobre as formas ilegais de violência no trabalho.

O fato é que podemos distinguir entre formas legais e ilegais de violência no trabalho. Algumas formas legais se encontram, por exemplo, no caso de certas especificações de trabalho precoce aceitas pela legislação em vigor.

Outro obstáculo se encontra na não-estruturação adequada do serviço de inspeção do trabalho, que, embora tenha tido alguns avanços a partir da Constituição Federal de 1988, ainda não conseguiu se estruturar de forma adequada. A estruturação da Inspeção do Traba­lho pressupõe os meios materiais de realização da inspeção do traba­lho. Esses meios materiais incluem instalações, mobiliário, equipa­mento de escritório, meios de locomoção etc. Além disso, os inspetores devem possuir recursos financeiros para cobrir suas despesas na exe­cução de suas atividades e uma boa remuneração para evitar proble­ma de corrupção - que é, segundo Tragtenberg (apud Costa, 1981, p. 11), um dos fatores que permitem os altos índices de acidentes de trabalho. Outro meio material é a existência de documentação técni­ca, jurídica e informativa, tais como instruções ministeriais, informa­ções técnicas relativas à higiene e segurança, o jornal oficial, docu­mentos de tipo econômico e social, dados estatísticos, revistas especializadas etc.

Sem condições adequadas de trabalho, formação apropriada do corpo dos agentes da inspeção, poderes delegados pelo Estado, instalações adequadas, mobiliário etc., é extremamente difícil a Inspeção do Trabalho assegurar a abolição das formas ilegais de violência no trabalho. Além disso, o próprio corpo de inspetores do trabalho está envolvido nas lutas sociais, e isso é perceptível no caso francês (Viana, 1999c; Dhoquois-­Cohen, 1993) e no caso brasileiro (Viana, 1999b), nos quais se percebem duas posições referentes ao problema do papel da inspeção: uma enfatiza a fiscalização e o aconselhamento, ou seja, o inspetor teria um papel apenas moderador na relação capital-trabalho (o que contraria a própria Convenção 81 da OIT, que aponta a necessidade de a inspeção assegurar o cumprimento da lei); a outra apresenta uma visão da inspeção como tendo um caráter repressivo e possuindo o papel de assegurar o cumprimento da lei, colocando, assim, a Inspeção do Trabalho do lado dos trabalhadores. Sem dúvida, o posicionamento dos agentes é influenciado pelas lutas sociais.

Na atualidade, vivemos um período marcado por uma ofensiva capitalista visando a aumentar a taxa de exploração, e, ao lado disso, pela perda de diversas conquistas dos trabalhadores. Instala-se ainda o desenvolvimento de um processo que reforça a prática de violência nas relações de trabalho (aumento do uso de trabalho precoce, de acidentes de trabalho, de condições precárias de trabalho etc.). Tal como coloca Costa (1981, p. 31), “os índices de acidentes do trabalho apresentam-se como um dos indicadores possíveis do grau de exploração da força de trabalho”, ou seja, o fato de o Brasil ser campeão em acidentes de trabalho apenas demonstra o elevado grau de exploração dos traba­lhadores brasileiros. Vale mencionar que a ofensiva capitalista apre­sentada com o nome de neoliberalismo pretende tão-somente expan­dir e intensificar esse processo de exploração, o que significa, por conseguinte, a tendência ao aumento da violência nas relações de trabalho, sob suas diversas formas.

Desta forma, observamos que o maior obstáculo para a aboli­ção das formas ilegais de violência no trabalho se encontra na ineficá­cia da Inspeção do Trabalho em virtude de sua falta de estruturação. Mas o principal obstáculo para sua abolição em geral (ou seja, inclu­indo suas formas “legais”) se encontra na deficiente legislação traba­lhista; isso tudo é derivado da debilidade atual do movimento operá­rio e dos demais movimentos sociais, que não só não estão ampliando suas conquistas passadas, como estão permitindo à classe capitalista realizar uma ofensiva que lhe retira tais conquistas, o que significa um retrocesso histórico. Nesse sentido, é somente com a ascensão das lutas dos trabalhadores e sua articulação com os movimentos sociais que se pode buscar reverter essa situação, recuperando o que foi perdido e ampliando as conquistas, melhorando também radical­mente a legislação trabalhista (o que significa abolir as formas “le­gais” de violência no trabalho, entre outros avanços) e estruturando um serviço de inspeção do trabalho eficaz. A redução da violência nas relações de trabalho marca o ponto de partida para o posterior questionamento do próprio trabalho como forma de violência, ou seja, do processo de alienação do trabalho.

 

Notas

 



[1] “Nos estaleiros há uma situação estranha: nas construções dos cascos, os soldado­res trabalham junto com os caldeireiros. Ambas as categorias de operários sofrem de distúrbios gravíssimos de audição, tem-se encontrado até 80% de surdos; mas a surdez é considerada doença profissional somente para os caldeireiros e não para os soldadores” (Berlinguer, 1983, p. 124).

[2] “O exemplo mais frisante da relação entre a exposição profissional e o câncer é representado pelo que acontece com os trabalhadores que fabricam e montam um dos produtos industriais de maior projeção deste século: o automóvel. A) os operários que fabricam o bloco do motor são vítimas de silicose, doença pulmonar grave que freqüentemente se acompanha de tuberculose (silicotuberculose). As manifestações da moléstia aparecem nas radiografias quando 40% do pulmão já estão afetados. Além disso, muitos operários escondem seus sintomas, porque afastados por doença só receberiam parte do salário. Há pouco, em Jundiaí, 200 casos foram detectados em operários que iriam ser despedidos e para não sê-lo denunciaram seus sintomas. B) os operários que fabricam os pneus estão sujeitos a leucemia. C) os operários que fabricam o platinado, intoxicados pelo cromo, estão sujeitos a câncer nos seios nasais. O) os operários que fabricam as baterias estão sujeitos à intoxicação pelo chumbo. E) os que fabricam os vidros estão sujeitos a cataratas e doenças pulmonares. F) os que trabalham em refinarias estão sujeitos à intoxicação pelo benzeno e, portanto, a câncer de pele e leucemia. G) os que fabricam os assentos plásticos estão sujeitos à intoxicação por vinilcloreto, causador de câncer do fígado. H) os que fabricam os freios e a embreagem estão sujeitos à asbestose, intoxicação pelo amianto que provoca câncer de pulmão, pleura e peritônio. I) os que trabalham na produção de álcool estão sujeitos à bagaçose (doença do pulmão peculiar aos trabalhadores de cana) e a câncer (por produtos de decomposição do álcool). J) os que trabalham nos postos de gasolina estão sujeitos à intoxicação por benzeno e, portanto, à leucemia” (Landmann, 1984, p. 80-81).

[3] “Os acidentes de trabalho estão intimamente ligados às relações de produção. O pressuposto básico destas é a extração da mais-valia, dentro do processo de pro­dução. Quanto mais intenso for o desgaste da força de trabalho dentro do pro­cesso produtivo, maior tenderá a ser o depauperamento da mesma, ou melhor, o desgaste físico e psíquico do operário. Penso que os acidentes de trabalho refletem um dos ângulos da forma de exploração da força de trabalho. À medida que o processo de produção se caracterize por altas taxas de exploração, péssimas condi­ções de trabalho, salário, etc., ele tende a desgastar a força de trabalho de forma mais ou menos agressiva” (Costa, 1981, p. 31). Veja também: Arouca (1984); Cohn et al. (1985).

[4] A violência, como fenômeno concreto, é o resultado de múltiplas determinações, que, no entanto, apresentam uma determinação fundamental. A discussão sobre as múltiplas determinações e sobre a determinação fundamental é uma das con­tribuições metodológicas mais relevantes de Marx (cf. Marx, 1983b; Viana, 1999e).

[5] “É o caso de um dos setores da Fiat. Acusa-se a falta de carrinhos elétricos e, em alguns casos, também dos de mão, de direções móveis...” (Berlinguer, 1983, p. 106).

[6] A legislação trabalhista é benéfica ao capital, mas também, dentro do contexto capitalista, pode beneficiar os trabalhadores: “o modo capitalista de produção se caracteriza pela formação/destruição da mão-de-obra que utiliza para sua reprodução. Daí a necessidade da intervenção do Estado, em nome dos ‘interes­ses gerais’ que codificam essa exploração através do mecanismo da Legislação do Trabalho. Dessa forma, a mão-de-obra é salva da ‘deterioração’ a que o modo de produção capitalista a condena. Não é preciso dizer que a Legislação Trabalhista não se constitui somente num meio de controle do Estado sobre o proletariado, mas, também é fruto da pressão da mão-de-obra no processo de autodefesa ante o Capital” (Tragrenberg, apud Costa, 1981, p. 11).

[7] Estas leis regulamentavam a jornada de trabalho (8 horas), o trabalho precoce e o feminino, instituíam a carreira profissional de trabalho, as férias anuais remune­radas de 30 dias, a convenção coletiva do trabalho, a aposentadoria por tempo de serviço, o salário mínimo etc.

 

Referências

 

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Artigo publicado originalmente em:

VIANA, Nildo. Inspeção do Trabalho e Violência nas Relações de Trabalho. In: SILVA, José Fernando; LIMA, Ricardo Barbosa; DAL ROSSO, Sadi (Orgs.). Violência e Trabalho no Brasil. 1ed.Goiânia: Cegraf, 2001, p. 133-153.

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