QUANTO
VALE A SUA VIDA?
Nildo Viana
Se alguém perguntar aos
leitores deste artigo, “quanto quer (em dinheiro) por sua vida” ou “quanto vale
a sua vida”, a maioria deles ficaria surpresa, sem entender ou indignada. A
vida é considerada por muitos como um valor fundamental e o direito à vida, bem
como o respeito, é algo quase consensual em nossa sociedade. Assim, perguntar
sobre o valor monetário da vida é uma ofensa, um disparate ou então uma
brincadeira de mau gosto.
No entanto, tudo o que
precisamos para viver precisa ser comprado com dinheiro. O ser humano, para
sobreviver, precisa de habitação, alimentação e inúmeros outros bens materiais
e todos eles, na nossa sociedade, são mercadorias, ou seja, bens materiais
portadores de valores de uso e valores de troca, produzidas em determinadas
empresas por trabalhadores assalariados e vendidas no mercado. A natureza foi
mercantilizada. Então, para satisfazer as necessidades básicas, precisamos
adquirir mercadorias. Mas o ser humano não possui apenas as necessidades que
compartilha com os animais, pois ele tem necessidades especificamente humanas,
como a práxis (trabalho teleológico consciente através do qual desenvolvemos
nossas potencialidades, tal como a criatividade) e a socialidade (relações
sociais harmônicas com os demais seres humanos). E para concretizar isso, mesmo
que parcialmente, na sociedade moderna, precisamos de consumir mercancias[1], ou seja, bens coletivos,
culturais ou até mesmo materiais, que possuem valor de uso e valor de troca,
mas não são mercadorias, pois são produzidas fora do âmbito das empresas e
relações de produção capitalistas.
Disto isto tudo, então a
conclusão óbvia é a de que para viver, na sociedade capitalista, precisamos de
dinheiro. O quanto de dinheiro precisamos para viver nesta sociedade? Para
saber isso, teríamos que fazer o cálculo mercantil de quanto gastaríamos
durante toda a nossa existência e assim teremos o montante necessário
(abstraindo a inflação e outros processos que complexificam o cálculo). Se a
pergunta fosse nesse sentido, não seria tão absurda.
Porém, a pergunta não é
essa. O que se quer saber é quanto, em dinheiro, vale a sua vida. Ora, quem
estipularia um valor monetário para algo que possui um valor cultural tão alto?
Se tudo é mercantilizado na sociedade capitalista, adquirindo valor de troca,
então por qual motivo a vida ficaria de fora? Justamente por entrar em conflito
com os valores culturais, com as necessidades humanas (a socialidade), a moral,
os sentimentos simpáticos dos seres humanos. Então observamos o choque de duas
forças: a da mercantilização, que se expande para cada vez mais coisas, e a da
humanização, que limita e busca abolir a transformação dos seres humanos em
valores de troca.
A força da
mercantilização já prevaleceu como no caso da escravidão negra, pois os
escravos (sua vida) eram vendidos em troca de dinheiro. O processo
civilizatório parcialmente coibiu esse processo tornando-o ilegal e imoral, mas
ainda permanece o trabalho forçado em lugares que a fiscalização não atua e de
forma parcial na prostituição, na venda de órgãos humanos e no tráfico
internacional de seres humanos.
Porém, a moral e a lei
sempre se relativizam quando a necessidade dos poderosos e a reprodução da
sociedade exigem. Hoje se faz muitos sacrifícios em um país pelo “crescimento
econômico”, assim como muitos indivíduos se sacrificam para aumentar seu poder
aquisitivo e seu consumo. A sociedade moderna existe sob o signo da
mercantilização e esta é uma necessidade imperiosa que tende a arrastar e
colocar um preço em tudo. É por isso que
podemos dizer que o futuro da humanidade será decidido no confronto entre
mercantilização e humanização, e quanto mais um avança, mais o outro recua.
A mercantilização das
relações sociais invade e mercantiliza tudo. Mas as necessidades
especificamente humanas continuam existindo e resistindo, mesmo que
marginalmente. A insatisfação aumenta mesmo quando a posse de riquezas permite
consumir o que se desejar, pois o consumo é distinto da autorrealização e de
relações sociais autênticas e harmônicas. Por fim, podemos dizer que a humanidade
se encontra diante da decisão entre continuar o processo de mercantilização e
desumanização, que aponta para sua autodestruição, ou realizar uma
transformação radical e total, que é possível e depende apenas dos seres
humanos resolveram tomar o seu destino em suas mãos. A vida da competição,
exploração, solidão, sofrimento psíquico, violência, destruição ambiental, ao
lado da miséria dos bilhões com pouco ou nenhum dinheiro, deve ser superada e
para isso é preciso começar a pensar e agir no sentido dessa transformação. A
consciência desse processo é o primeiro passo para tomar a decisão acertada e
salvar a humanidade dela mesma.
[1] O
conjunto de conceitos aqui utilizados foram desenvolvidos ou explicitados no
livro A Mercantilização das Relações Sociais (Curitiba: Appris, 2018).
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