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sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Diálogo de Surdos



DIÁLOGO DE SURDOS

Nildo Viana


Certa vez, Olavo ia andando pela rua com sua bengala branca e, de repente, parou ao sentir o choque dela com algo de material semelhante, possivelmente produzida com o mesmo material de sua bengala. Do outro lado estava Seu Carvalho, com sua bengala marron, que também sentiu o choque e a semelhança do material usado em choque com sua bengala. Ambos eram cegos e não podiam enxergar, apenas deduzir a partir do tato e outros sentidos qual seria o obstáculo. Olavo resolveu parar um pouco, para ver se era algo passageiro. Seu Carvalho também ficou parado, pensando ser algo móvel no caminho e que logo se afastaria. Depois de um pouco de espera, ambos resolvem voltar ao caminho e novamente se chocam. Aí eles começam um diálogo:

 Olavo – Engraçado, estou sentindo algo na minha frente, mas sempre passo por esta rua e não existe nada no caminho.

Seu Carvalho – Curioso! Eu também tentei passar e não consegui, e sempre venho por este caminho!

Olavo – Talvez seja algo caído na rua...

Seu Carvalho – Pode ser, mas já estou aqui alguns minutos e ninguém retirou e não ouvi nenhum barulho.

Olavo – Bom, eu também não ouvi nada.

Seu Carvalho – Eu acho que nós temos que tomar uma providência, pois alguém pode se acidentar aqui devido a este obstáculo.

Olavo – Espere aí, antes de tomar a providência, precisamos saber da natureza deste objeto, bem como de sua função social.

Seu Carvalho: Ora, vamos esperar alguém se machucar para tomar providência? Por qual motivo você não olha para o obstáculo e me diz o que é?

Olavo: Não devemos ser precipitados e se agirmos desta forma, poderemos criar mais problemas ao invés de resolvê-los. E por qual motivo você não me diz o que é que está em nossa frente?

Seu Carvalho: Sei, você quer é não fazer nada. E sobre sua falta de respeito ao solicitar que eu diga o que deve estar na sua frente, não vou nem comentar, pois você manifesta preconceito e falta de respeito.

Olavo: Ora, se você é um intempestivo, tome suas providências! Agora, sua insinuação de eu sou preconceituoso e tenho falta de respeito com sua pessoa é algo inaceitável, pois você está é tirando sarro com a minha cara!

Seu Carvalho: Oras, você é um maluco que fica se aproveitando das dificuldades alheias!

Olavo – Isso é um absurdo!! Falar em “dificuldade alheia”!

Neste momento, Josefina e Eugênio iam passando e iniciaram o seguinte diálogo a partir daquela cena:

Josefina – O que há com eles?

Eugênio – É um diálogo de surdos...

Josefina – Bem que eu vi que eles não ouviam direito...

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Publicado originalmente em: VIANA, Nildo. O Doutor e outros contos incorretos. São Paulo: Booklink, 2007.


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