Vantagens Competitivas, Microrreformismo e Imaginário Conveniente
A integração dos movimentos sociais no capitalismo contemporâneo
Nildo Viana*
O presente artigo visa discutir a questão da integração dos movimentos
sociais no capitalismo contemporâneo[1].
Sem dúvida, os movimentos sociais sempre estiveram integrados no capitalismo e
isso não é novidade e nem um fenômeno contemporâneo. No entanto, em certas
épocas, a integração pode ser maior ou menor, mais intensa ou menos intensa,
bem como podem existir dissidências mais fortes ou mais fracas. Além disso,
existem formas distintas de integração. Uma das formas de integração foi a que
existiu durante o capitalismo oligopolista transnacional, no qual o estado
integracionista gerou uma modalidade de política estatal correspondente ao
regime de acumulação vigente. A modalidade de política estatal integracionista
é substituída pela modalidade neoliberal. Essa nova modalidade de política
estatal vai gerar uma nova forma de integração dos movimentos sociais na sociedade
capitalista e os conceitos de vantagens competitivas, microrreformismo e
imaginário conveniente assumem grande importância para explicar tal dinâmica
integrativa.
Os movimentos sociais se destacaram no final dos anos 1960 pelo seu
fortalecimento, pela radicalização de alguns dos seus setores e por isso se
tornaram alvos da nova política integradora do Estado capitalista. Mas esse
processo só se torna compreensível analisando as mutações do capitalismo a
partir desse momento. O capitalismo possui mutações que denominamos regimes de
acumulação. Não vamos discutir aqui a sucessão de regimes de acumulação e sim
explicar que a cada regime de acumulação ocorre um conjunto de mudanças sociais
derivadas[2].
O nosso foco aqui é o regime de acumulação integral e a nova forma de
integração dos movimentos sociais e por isso nos limitaremos a tratar desse
momento histórico e de forma sintética para não desviar do objetivo central.
O regime de acumulação integral promoveu uma mutação no processo de
valorização, que se manifesta concreta na organização do trabalho, substituindo
o fordismo pelo toyotismo, uma mutação na política institucional, provocando
uma mutação no aparato estatal, que passa de integracionista para neoliberal, e
uma mutação na exploração internacional, passando do imperialismo oligopolista
transnacional para um hiperimperialismo (VIANA, 2009; VIANA, 2015a; BRAGA, 2013).
Essas mutações vão atingir os movimentos sociais sobre várias formas.
Vamos destacar aqui, no entanto, apenas as mutações que atingiram mais
diretamente os movimentos sociais. Vamos destacar, portanto, a intensificação
da sociabilidade capitalista (especialmente a competição), a nova forma estatal
(neoliberalismo) e o novo paradigma hegemônico (subjetivismo). A intensificação
da sociabilidade capitalista é algo cumulativo no capitalismo. A cada época do
capitalismo, ou seja, a cada regime de acumulação, há uma nova onda de
mercantilização, burocratização e competição social. As ondas sociais são
processos cumulativos que intensificam e ampliam determinadas relações sociais.
Como a mercantilização, a burocratização e a competição são elementos
essenciais da sociabilidade capitalista, então, a cada regime de acumulação, se
tornam mais extensas e intensas. A intensificação e ampliação da mercantilização
gera uma intensificação e ampliação da burocratização e competição.
Nesse contexto, a hipermercantilização das relações sociais no regime de
acumulação integral vai gerar uma intensificação e ampliação da burocratização
e da competição social. O processo de intensificação da mercantilização é
perceptível na transformação de tudo em mercadoria e mercancia (VIANA, 2016a),
incluindo, com mais força, nesse momento histórico, a cultura, a tecnologia, a
educação, etc. Junto com esse processo, há um reforço da burocratização e
competição.
Um caso concreto pode ilustrar isso. A educação é cada vez mais
mercantilizada em todos os níveis. As políticas estatais cada vez mais
quantificam os processos educacionais e os subordina ao processo de
mercantilização, priorizando os resultados que beneficiam os interesses do
capital (diminuição de gastos estatais, índices de aproveitamento, formação da
força de trabalho, parcerias com empresas privadas, aumento da produtividade
intelectual, poupança de recursos, etc.). Esse processo só pode ocorrer com um
maior e mais efetivo controle, o que significa intensificação da
burocratização.
O processo de burocratização, por sua vez, visa gerenciar os resultados,
quantificação, etc., e para isso se cria um mecanismos de averiguação que são
mecanismos de controle e que se manifestam através de elementos reforçadores da
competição, mesmo porque os recursos são escassos e há um processo de “seleção
dos mais aptos” (de acordo com os interesses do capital e definidos pelo aparato
estatal) que intensifica a competição social. Assim, cria-se rankings (palavra
de origem inglesa e relativa a classificação, posição mais alta, etc., cujo uso
predominante e original ocorre nas competições esportivas) em diversas
instâncias educacionais, de estudantes, instituições, profissionais. A criação,
no Brasil, do currículo lattes, Qualis
(de revistas e agora de livros), são elementos desse processo, ao lado de
inúmeros outros.
Assim, a intensificação da mercantilização e da burocratização gera uma
intensificação da competição social. E a competição social é voltada,
fundamentalmente, para a riqueza e o dinheiro (vínculo direto com a
mercantilização) e poder e cargos (vínculo direto com a burocratização), bem
como como elementos secundários (e relacionados) da competição social: fama,
sucesso, etc. Esses elementos são introjetados na mente dos indivíduos, gerando
uma mentalidade burguesa, ou seja, mercantil, burocrática e competitiva (VIANA,
2008). Contudo, isso sempre ocorreu no capitalismo. O problema é que a
intensificação desses elementos componentes da sociabilidade capitalista gera
uma intensificação da valoração e envolvimento intelectual, sentimental e
valorativo dos indivíduos e a derrota na competição social se torna cada vez
mais insuportável para os derrotados e a posição intermediária cada vez menos
satisfatória e aceitável para os de “relativo sucesso”. Esse processo tem
efeitos psíquicos, tais como a ambição desmedida de alguns, os desequilíbrios
psíquicos de milhares, e os distúrbios como depressão, ansiedade exacerbada,
psicose, neurose, se ampliam enormemente na sociedade contemporânea.
Essa intensificação da mercantilização, burocratização e competição é um
produto do regime de acumulação integral, pois o processo de valorização e a
acumulação de capital exige isso e o Estado Neoliberal é o seu agente fora da
instância da produção capitalista propriamente dita. A ampliação da produção
capitalista de bens tecnológicos e culturais como mercadorias, tem como reforço
a ampliação estatal da consumação de mercancias, bem como do capital
improdutivo[3]. O
Estado neoliberal visa reproduzir, regularizar e reforçar esse processo, de
acordo com os interesses do capital. É por isso que o caso concreto das políticas
educacionais mostram que a modalidade neoliberal de política estatal reforça o
processo de mercantilização, burocratização e competição[4].
O neoliberalismo implementa a modalidade neoliberal de política estatal,
que tem um conjunto de características, sendo que colocamos algumas
anteriormente e não poderemos desenvolver aqui e já foi abordado em outros
lugares (VIANA, 2009; VIANA, 2015a). Vamos destacar aqui apenas o elemento da
modalidade neoliberal de política estatal que atinge mais diretamente os
movimentos sociais, ou seja, as políticas segmentares. As políticas segmentares
substituem as políticas universais do Estado integracionista, voltando para
segmentos sociais específicos (juventude, negros, mulheres, homossexuais,
etc.). É a modalidade neoliberal de políticas estatais que gera secretarias
para grupos específicos (secretarias da juventude, das mulheres, da “igualdade”
racial, etc.) e se implanta as chamadas “ações afirmativas”, “política de
cotas”, etc. (VIANA, 2017a). Esse processo ocorre aliado aos interesses do
capital e constituição de novos nichos de mercado (o que significa expansão do
mercado consumidor de determinadas mercadorias), bem como interesses de
partidos e a criação de novos nichos eleitorais, embora nesse caso os resultados
sejam muito limitados.
Um outro elemento que complementa o quadro e ajuda a explicar a forma de
integração dos movimentos sociais no capitalismo contemporâneo é o paradigma
subjetivista. Após a radicalização dos movimentos sociais (especialmente, mas não
unicamente, o estudantil) e do movimento operário no final da década de 1960 e
que se mantém até os anos 1970, se produz uma contrarrevolução cultural
preventiva (VIANA, 2009; VIANA, 2017b) que gera diversas ideologias, doutrinas
e concepções que expressam a busca do capital e do aparato estatal em manter a
hegemonia burguesa e renová-la para evitar repetição de novas lutas autônomas e
autogestionárias. É a partir de 1969 que começa a emergir as novas ideologias
e, principalmente, o novo paradigma que se tornará hegemônico: o subjetivismo.
O subjetivismo busca superar tanto o paradigma anterior (reprodutivista)
quanto o marxismo, mas o seu foco é este último e seu significado
revolucionário[5]. O
paradigma subjetivista reúne vários aspectos da episteme burguesa enfatizando
aquilo que lhe é oposto ao marxismo (e, em menor grau, ao paradigma
reprodutivista), cuja ênfase passa a ser no sujeito e na subjetividade, gerando
voluntarismo, neoindividualismo, hedonismo, narcisismo, etc. O “sujeito” que
cada ideologia específica filiada ao novo paradigma elege pode ser diferente (o
indivíduo, os grupos sociais, um grupo social específico, etc.). Assim, as
ideologias que emergem desde o início dos anos 1970, como as de Foucault (1989)
e Guattari (1981), que apresentam a recusa da teoria e da totalidade, são as
primeiras manifestações dessa mutação cultural. Posteriormente, outras
ideologias emergem reproduzindo a recusa da totalidade e da teoria, sob
diversas formas.
O novo paradigma e as novas ideologias reforçam determinados valores,
crenças, etc., e ao mesmo tempo, se enquadram perfeitamente na nova modalidade
de políticas estatais e no processo de intensificação da mercantilização,
burocratização e competição social. Essas mudanças formam uma unidade coerente
produzida pelo regime de acumulação integral. E elas produzem impactos nos
movimentos sociais e a partir de agora vamos apresentar os vínculos entre estes
elementos e a atual forma predominante de integração destes na sociedade capitalista.
Intensificação da Competição e Vantagens
Competitivas
A intensificação da mercantilização e burocratização reforça a
intensificação da competição social. Esse processo atinge os movimentos sociais
sob várias formas. Uma delas é que os indivíduos são envolvidos, cada vez mais,
quer queiram ou não, pela competição e pelos demais processos (mercantilização
e burocratização). Trata-se dos indivíduos de todos os grupos sociais. Esse
envolvimento ocorre pelas relações sociais concretas, mas também pela força do
paradigma hegemônico, ideologias e valores que se generalizam na sociedade. A
mercantilização (e o cálculo mercantil que lhe acompanha) vai transformando os
indivíduos em seres humanos cada vez mais frios e calculistas e reproduzindo
elementos típicos das empresas capitalistas. A renovação linguística que
acompanha a emergência da renovação hegemônica reforça esse processo e pode ser
visto em termos que são oriundos de relações empresariais e passam a ser usado
nas relações pessoais e setores de movimentos sociais, tais como “capital
social”, “empreendedorismo”, “empoderamento”[6],
etc.
A sociabilidade capitalista gera uma mentalidade burguesa que se torna
dominante na sociedade capitalista e a partir do novo regime de acumulação e
suas características, já apresentadas, isso se torna ainda mais generalizado e
intenso. A mentalidade competitiva se exacerba na contemporaneidade. Isso vai
ser apresentado sob forma explícita por alguns, que não temem em revelar sua
preocupação central com a competitividade, empreendedorismo, ganhar a
competição, sucesso, riqueza, fama, poder, etc. Isso se revela em discursos
explícitos e até em lugares que antes não se via (vide a “teologia da
prosperidade”). A mentalidade competitiva, em grande parte dos casos, pode se
camuflar, seja sob forma consciente seja sob a forma da razoabilização. Quando
a camuflagem é consciente, trata-se de indivíduos oportunistas que querem
esconder suas reais motivações. Quando a camuflagem é através da razoabilização[7],
o indivíduo está convencido de que o que faz é por algo mais “nobre” do que a
mera competição social. Voltaremos a isso quando formos tratar do imaginário
conveniente.
Assim, os indivíduos da sociedade capitalista são competitivos, com raras
exceções, e geralmente variando no grau e na intensidade em que a mentalidade
competitiva se manifesta. Ora, os indivíduos que atuam nos movimentos sociais,
bem como nos partidos, igrejas, sindicatos, universidades, escolas, etc., são,
por conseguinte, competitivos. A mentalidade competitiva tende a ser minimizada
em certos casos e contextos, seja por causa de outras crenças ou doutrinas
(religiosas, políticas, etc.) ou valores contraditórios, ou, ainda, grau de
consciência, sendo que todos estes elementos podem estar presentes em casos
individuais concretos. Minimizar não quer dizer abolir, pois ela, mesmo em grau
mínimo, atinge todos os indivíduos da sociedade moderna. Nos casos explícitos
não há grandes dilemas para os indivíduos competitivos, mas nos casos
camuflados pode haver (pois a camuflagem pode ser por contradições valorativas,
etc., mas também pode ser para conseguir vencer a competição, tal como um
político profissional que não pode revelar que seu objetivo é poder e dinheiro
e por isso deve inventar que o que ele quer é o “bem da população”) e nos casos
de razoabilização a contradição é mais forte.
Esses indivíduos fazem parte dos grupos sociais de base dos movimentos
sociais e são os seus agentes. Muitos minimizam isso, mas muitos são
oportunistas e usam o movimento social para benefício próprio, bem como outros
são contraditórios, mas sua motivação é muito mais o interesse pessoal do que o
coletivo. Além desses, existem aqueles na qual a mentalidade competitiva é
reduzida e controlada por outros valores, sentimentos e concepções, sendo os
militantes mais honestos e radicais dos movimentos sociais. Os indivíduos que
atuam nos movimentos sociais podem buscar vantagens competitivas através de seu
ativismo social, o que é o caso da maioria. Muitos tornam o seu ativismo social
uma profissão, criam ou aderem à organizações que lhes trarão benefícios e
buscam aumentar os cargos (o que significa ampliar a burocratização), dinheiro
(um reforço para a mercantilização) e competitividade (o que significa retorno
pessoal através de vantagens competitivas individuais). Alguns fazem isso
intencionalmente, outros sem maior intencionalidade ou mesmo consciência desse
processo.
Assim, as vantagens competitivas individuais são cada vez mais exploradas
pelos indivíduos, sob as várias formas já assinaladas. Isso é mais forte e
comum nos casos dos indivíduos ligados a organizações burocráticas,
especialmente partidos políticos, no qual os interesses e oportunismo possuem
terreno fértil para se desenvolver. A busca por vantagens competitivas
individuais é gerada pela mentalidade competitiva e interesses pessoais e
voltada para vencer a competição social e conquistar poder, dinheiro, etc. No
capitalismo contemporâneo, esse processo é intensificado e se torna hegemônico
nos movimentos sociais. Esses interesses pessoais e imediatistas promovem não a
recusa, crítica ou superação do capitalismo, mas a busca por vantagens
competitivas no mercado e na sociedade capitalista.
A mercantilização dos movimentos sociais cria, por sua vez, um conjunto
de novos interesses, não apenas daqueles que são autóctones, mas também
daqueles que são alóctones. Os indivíduos autóctones são aqueles que fazem parte
do grupo social de base de um movimento social e os indivíduos alóctones não
são integrantes deste grupo, sendo seus “simpatizantes”, “apoiadores”,
“financiadores”, etc. Os indivíduos do sexo feminino, por exemplo, são
autóctones quando participam do movimento das mulheres e os indivíduos do sexo
masculino, que são simpatizantes ou apoiam a causa feminina, são alóctones
(VIANA, 2016b). A mercantilização dos movimentos sociais ocorre com a formação
de organizações mobilizadoras e outros processos que tornam os recursos
financeiros e outros elementos comuns nas mobilizações efetivadas por eles.
Isso pode atingir e gerar interesses de indivíduos alóctones. Por exemplo, o
movimento homossexual pode produzir uma parada em uma grande cidade e para isso
mobilizar diversos recursos (estatais, privados, etc.) para tal e isso gera uma
oportunidade de comércio durante tal evento e assim acaba tornando seu
interesse o financiamento estatal do mesmo, pois assim pode lucrar com ele.
É por isso que há um certo investimento alóctone em certos eventos e
setores dos movimentos sociais, pois eles são lucrativos. A criação de “identidades”,
“estilos de vida”, institucionalização de relações e eventos, etc. são
importantes para certos setores da sociedade por criar novos nichos de mercado
consumidor (os exemplos podem se multiplicar: vegetarianos, homossexuais, defensores
dos animais, etc.). O dias das mulheres, que nasce ligado às lutas das mulheres
trabalhadoras, é cada vez mais descaracterizado e transformado em evento
mercantil. As lutas espetaculares (DEBORD, 1997) se tornam também “lutas
mercantilizadas”. O aparato estatal e as empresas capitalistas, bem como
adjacências, passam a investir cada vez mais nas ações de certos setores dos
movimentos sociais em proveito próprio, apesar do discurso, obviamente, ser
outro.
Assim, o processo competitivo se torna cada vez mais intenso nos
movimentos sociais (o que ocorre na sociedade como um todo, mas nesse caso é
emblemático, já que originalmente seriam setores contestadores das relações
sociais existentes). Os indivíduos competitivos, as relações competitivas,
etc., se expandem e dificultam a unificação do próprio movimento social. Há setores
competitivos, compostos por diversas organizações e interesses, gerando
distintos discursos e a dicotomia entre objetivo declarado e objetivo real[8].
Essa competição interna entre os movimentos sociais ou dentro de um movimento
social específico acaba sendo reforçado pela luta política com os setores
não-competitivos (as tendências revolucionárias no interior dos movimentos
sociais), bem como pela competição “espontânea” de indivíduos, derivada de seus
interesses pessoais.
A busca por vantagens competitivas, por sua vez, trazem a necessidade de
discursos, ideologias, doutrinas, propostas políticas, etc., que possam
justificá-la e legitimá-la. Isso acaba gerando tanto o microrreformismo quanto
o imaginário conveniente, aspectos que vamos abordar a partir de agora.
Políticas Segmentares e Microrreformismo
O microrreformismo emerge a partir da constituição de determinadas
ideologias filiadas ao paradigma subjetivista e ao lado da implantação de
políticas segmentares do estado neoliberal. Ele vem para substituir o
reformismo socialdemocrata e a modalidade integracionista de políticas
estatais. Assim, o microrreformismo tem duas fontes enquanto proposta política:
a fonte estatal, com suas políticas segmentares e aparatos culturais, e a fonte
civil, composta tanto por setores de movimentos sociais, Organizações
Não-Governamentais (ONGs), intelectuais financiados pelo aparato estatal e
fundações privadas, etc. A busca por vantagens competitivas se encaixa como uma
luva ao microrreformismo e é um dos seus incentivadores.
A base ideológica do microrreformismo é o paradigma subjetivista e
ideologias diversas, como o pós-estruturalismo, a ideologia da identidade, a
ideologia do gênero, etc. As reivindicações concentram-se em questões que
atendem apenas a determinados grupos, visando uma integração vantajosa na
sociedade burguesa. A sua influência nos movimentos sociais e grupos da
sociedade civil revela um posicionamento que pode ser qualificado de
“neoliberal progressista”, que é a forma contemporânea do
liberalismo-democrático, já que é um complemento das políticas neoliberais. As
políticas de ação afirmativa, de cotas, de mudanças legislativas, é o escopo de
atuação dos adeptos do microrreformismo.
Outro ponto forte de atuação dos adeptos do microrreformismo é a busca
por recursos financeiros para a defesa de tais propostas, criando grupos
acadêmicos, ONGs e outros que atuam no sentido de atender seus próprios
interesses e falando em nome de determinado grupo social. Assim, o microrreformismo
se manifesta através de grupos acadêmicos e ONGs, que criam seus próprios
interesses e reproduzem a política governamental, inclusive cooptando diversos
indivíduos oriundos de grupos oprimidos ou conquistando adesão destes para sua
causa microrreformista e que atende o interesse de uma minoria e não propõe a
transformação social ou mesmo uma transformação situacional do grupo como um
todo.
Aqui há um complemento das políticas estatais segmentares e interesses de
setores vinculados aos movimentos sociais e falam em nome dos grupos sociais de
base para manter seus próprios interesses. Isso vale inclusive para intelectuais
nas universidades que fazem discurso sobre “negritude”, “identidade”, “gênero”,
para satisfazer seus interesses pessoais de financiamento de pesquisas e
reconhecimento acadêmico. Aqui, as políticas estatais de cooptação fornecem um
complemento. A partir da ideologia neoliberal, as políticas segmentares são
paliativos que atendem interesses segmentares e não universais e são menos
onerosas. É uma política de cooptação via Estado, empresas, academia. A
ideologia do gênero, as ações afirmativas, políticas de cotas, etc. são
promovidas pelo próprio aparato estatal, que através do aparato educacional e
comunicacional, disseminam ideologias, doutrinas, propostas políticas, de
caráter microrreformista, ao mesmo tempo em que financia grupos acadêmicos e
produções intelectuais para legitimar, justificar, reforçar o microrreformismo.
Esse processo ocorre com o apoio de fundações internacionais, tal como
pode ser visto em seus editais e financiamentos das mesmas. Bourdieu expressa
isso com clareza:
A Fundação
Rockfeller financia um programa sobre ‘Raça e etnicidade” na Universidade
Federal do Rio de Janeiro, bem como o Centro de Estudos Afro-Asiáticos (e sua
revista Estudos Afro-Asiáticos) da Universidade Cândido Mendes, de maneira a
favorecer o intercâmbio de pesquisadores e estudantes. Para a obtenção de seu
patrocínio, a Fundação impõe como condição que as equipes de pesquisa obedeçam
aos critérios de affirmative action à
maneira americana, o que levanta problemas espinhosos já que, como se viu, a dicotomia
branco/negro é de aplicação, no mínimo, arriscada na sociedade brasileira”
(BOURDIEU, 2001, p. 25).
Esse é apenas um exemplo, pois esse caso poderia ser multiplicado (a
Fundação Ford é mais presente do que a Rockfeller nesse tipo de “empreendimento”).
A grande questão é que os grupos acadêmicos, os setores financiados e
cooptados, ONGs, etc., exercem uma influência sobre o conjunto do movimento
social e cria uma hegemonia no seu interior. Essa hegemonia do microrreformismo
no interior de um movimento social reforça sua adesão não somente a
determinados governos[9],
mas também ao aparato estatal e ao capitalismo. Esse processo tem um efeito que
é a constituição do imaginário conveniente, outro elemento fundamental para
explicar a atual forma de integração dos movimentos sociais no capitalismo
neoliberal.
O Subjetivismo e o Imaginário Conveniente
O imaginário conveniente não é um fenômeno novo. No entanto, ele ganha
uma nova forma na contemporaneidade, especialmente quando está vinculado com os
movimentos sociais. Antes de explicitar sua novidade e realizar sua análise, é
necessário definir esse conceito. O termo “imaginário” possui vários
significados, mas aqui tem um significado preciso: representações cotidianas
ilusórias (VIANA, 2015b; VIANA, 2013)[10].
No entanto, existem outras formas de ilusão, como a ideologia. Por isso é
preciso entender que o imaginário é uma forma das representações cotidianas (o
que já foi chamado de “senso comum”, “representações sociais”, “saber popular”,
“conhecimento cotidiano”, etc.) e, por conseguinte, não é um pensamento
sistemático como é a ideologia (científica, filosófica, etc.), bem como que é
possível existirem representações cotidianas verdadeiras, embora, na sociedade
moderna, sejam raras e marginalizadas.
No que se refere ao imaginário conveniente e sua relação com os
movimentos sociais (e também com as vantagens competitivas e microrreformismo)
é preciso destacar que existe uma especificidade nessa forma assumida pelas
representações cotidianas ilusórias. O termo “conveniente” explicita essa
especificidade. Em qualquer dicionário é possível ver a definição da palavra:
conveniente é o que convém e alguns acrescentam “por ser apropriado, favorável
ou interessante”. No fundo, é uma definição simples e insuficiente para
compreender o que estamos buscando analisar. O imaginário conveniente é
composto por representações cotidianas ilusórias que são úteis ou serve aos
interesses de quem o manifesta. No caso dos movimentos sociais, o imaginário
conveniente manifesta interesses pessoais o interesses imediatistas de
determinados grupos sociais.
A forma mais fácil de entender este conceito é sua comparação com a
concepção nietzschiana de “verdade”: ficções úteis[11].
Assim, o imaginário conveniente é uma forma de manifestação de representações
ilusórias, falsas, ou seja, são “ficções úteis” produzidas por possuírem
utilidade ou expressar interesses e por isso são sustentadas como se fossem
verdadeiras ou tidas como verdadeiras por seus defensores. O imaginário
conveniente é, em muitos casos, verdade para os seus criadores ou reprodutores
ou então, quando estes estão conscientes de sua falsidade, são apresentadas
como se fossem verdadeiras. No primeiro caso, os indivíduos acreditam sinceramente
no que estão dizendo. No segundo caso, eles são conscientes da falsidade do que
dizem. No entanto, é difícil saber quem realmente acredita ou não, já que eles
afirmam a mesma coisa e que acreditam nisso.
A produção do imaginário conveniente remete ao processo social, ou seja,
à sociabilidade capitalista e seu caráter competitivo, que cria o interesse, a
pressão social, etc., para buscar vantagens competitivas. Ele também remete ao
mundo das ideias que reproduzem e reforçam as concepções, valores,
representações, etc., que o legitimam e justificam. Assim, temos desde a
produção ideológica (gestada nas universidades, centros de pesquisa,
organizações burocráticas, etc.) realizada por intelectuais criativos e
reprodutivos[12],
passando pela produção doutrinal (que fica entre academia e grupo social, sendo
expressa mais por intelectuais reprodutivos) e por último, o imaginário,
representações cotidianas ilusórias produzidas e reproduzidas pelos autóctones
do grupo social e por alguns alóctones.
O paradigma subjetivista ao colocar o “sujeito” e a “subjetividade” como
elemento central, reforça a produção e reprodução de imaginário conveniente,
inclusive até produções autóctones. Esse processo pode ser percebido em através
de alguns termos-chave que reproduzem concepções subjetivistas e se
popularizaram em alguns setores de movimentos sociais, tal como “vivência” e
“lugar de fala”. As ideologias reforçam essa tendência e isso acaba se tornando
um dos elementos fortes presentes nos movimentos sociais, gerando o reforço de
ideologias e doutrinas hegemônicas em certos setores dos movimentos sociais.
Outro processo que reforça isso são as correntes de opinião geradas ou
divulgadas por meios oligopolistas de comunicação, grupos acadêmicos, ativistas
de movimentos sociais, redes sociais da internet, etc.
Um dos procedimentos mais comuns desse imaginário conveniente é defender
interesses pessoais como se fossem interesses grupais. Assim, se uma mulher é
reprovada num concurso público e um homem é aprovado para a vaga, ela pode
acusar a banca ou o processo de “machista”, apesar de não existir nenhum
indício nesse sentido. O processo pode ter sido injusto e marcado por
irregularidade, mas pelos motivos acadêmicos mais comuns nesse caso, ou seja,
por haver uma preferência gerada não pelo sexo do indivíduo e sim por vínculos
e/ou interesses acadêmicos. Isso assume uma forma coletiva quando se trata de
“ações afirmativas” e “políticas de cotas”, que não beneficiam e nem resolve os
problemas que atingem os grupos sociais e sim indivíduos do mesmo, que,
inclusive, estão no cume da pirâmide social de tal grupo[13].
Uma vez que determinadas ideologias e doutrinas se espalham pela sociedade, um
grupo cada vez maior de indivíduos vão lançar mão do imaginário conveniente
para satisfazer seus interesses.
Assim, alguns vão apelar para o imaginário conveniente para obter
vantagens competitivas e benefícios pessoais, tendo ou não consciência da
falsidade do discurso que utiliza. O primeiro caso é o dos indivíduos
oportunistas e o segundo é daqueles que usam a razoabilização. Os indivíduos
oportunistas são aqueles que querem conscientemente vantagens competitivas e
sabem disso e são geralmente os que se vinculam a grupos, partidos, etc. Os
indivíduos sinceros, porém enganados, reproduzem o processo mental da
razoabilização, que significa tornar “razoável” o seu discurso e abolir a
consciência dos seus interesses por detrás dele.
Um elemento complementar que é fundamental destacar no caso do imaginário
conveniente é o seu caráter mobilizador, tal como é o caso de todas as formas
de consciência e manifestações culturais (VIANA, 2015b). O imaginário
conveniente nasce da sociabilidade capitalista e da hegemonia burguesa, entre
outras determinações, mas, uma vez existindo, se torna mobilizador, faz as
pessoas agirem, tanto no nível de reprodução de discurso e correntes de
opinião, quando no da prática política e mobilização. É por isso que ele é um
complemento dos outros elementos e expressa algo problemático para os
movimentos sociais, que cada vez mais se afastam dos reais interesses dos seus
grupos sociais de base.
Considerações Finais
A compreensão do processo de integração dos movimentos sociais no
capitalismo contemporâneo remete à análise do regime de acumulação integral.
Sem dúvida, não se trata da integração dos movimentos sociais como um todo, ou
seja, do movimento social em sua totalidade e sim de setores do mesmo, certas
ramificações como organizações, indivíduos, etc. No entanto, esse processo se
torna hegemônico no interior dos movimentos sociais, embora o impacto disso
diferencie em cada movimento social específico. A cooptação estatal, a nível
mundial, se voltou mais para o movimento das mulheres e movimento homossexual,
enquanto que, em certos países, a tentativa de cooptação de movimentos juvenis,
movimento negro, entre outros, também ocorreu. A cooptação funciona,
obviamente, com setores desses movimentos. No plano cultural, tais setores
cooptados tendem a se tornar hegemônicos.
A cada regime de acumulação há uma modalidade de política estatal e, por
conseguinte, uma forma principal de cooptação. A explicação da forma de
integração dos movimentos sociais no capitalismo contemporâneo remete,
portanto, para a compreensão do regime de acumulação integral e de algumas de suas
características que possuem impacto mais direto sobre eles.
O regime de acumulação integral traz em si o neoliberalismo e gera a intensificação
da competição e o paradigma subjetivista. Esses aspectos atingem os movimentos
sociais gerando busca por vantagens competitivas, microrreformismo e imaginário
conveniente. Esse processo social não é perceptível imediatamente e no mundo do
imaginário e de certas ideologias, ele aparece como algo originário da própria
população. Existem processos de mediação e nesse sentido a política cultural do
Estado capitalista, empresas capitalistas, fundações, instituições
educacionais, meios oligopolistas de comunicação, é fundamental para garantir a
hegemonia do paradigma subjetivista, força das ideologias filiadas hegemônicas
e formação de correntes de opinião e popularização de um imaginário
correspondente a ele. Por outro lado, também reforça a crença no
microrreformismo e este e o imaginário conveniente se reforçam reciprocamente.
A intensificação da competição não só constrange os indivíduos a um
comportamento mais competitivo, como também torna ainda mais poderosa a
mentalidade competitiva. E isso também possui processos de mediação, tais como
o capital comunicacional, a difusão de determinados valores, etc., bem como é
reforçado por outros elementos da sociabilidade capitalista que se intensifica,
tal como a intensificação da burocratização e mercantilização das relações
sociais, e por determinadas ideologias, doutrinas, valores, etc., como o
hedonismo, neoindividualismo, narcisismo, etc. Assim, alguns indivíduos lançam
mão de tudo e qualquer coisa para ganhar a competição social e isso tem um
impacto nos movimentos sociais, pois aumenta o número de pessoas e ações
oportunistas, ambição, etc., e, por conseguinte, indivíduos querendo fazer uso
oportunista de tais movimentos. Da mesma forma, há um redirecionamento geral
das ações individuais e coletivas para a conquista de cargos, espaços, retorno
financeiro, ou seja, benefícios no interior da sociedade capitalista, reforçando
os discursos e imaginário conveniente a este respeito.
As políticas segmentares do estado neoliberal, ao lado do incentivo do
mesmo no sentido da formação de grupos acadêmicos reforçadores das bases
ideológicas e doutrinárias de tais políticas, geram a primazia do
microrreformismo no interior dos movimentos sociais. As mediações ocorrem via
academia, produções intelectuais, ideologias, cooptação individual, etc. E
esses três elementos (busca por vantagens competitivas, microrreformismo e
imaginário conveniente) se reforçam reciprocamente.
Em síntese, o Estado neoliberal gera uma nova forma de integração de
setores dos movimentos sociais na sociedade capitalista e isso se torna
hegemônico em tais movimentos. O resultado disso é que os burocratas vinculados
a tais setores recebem cargos, recursos, etc., e, assim, vencem a competição
social e aparentemente beneficiam os grupos sociais de base dos movimentos
sociais, mas, no fundo, mantém a maioria dos indivíduos autóctones longe de
qualquer benefício e, ainda, contribui para reproduzir as condições sociais que
geram a insatisfação (discriminação, opressão, falta de acesso aos bens
coletivos, etc.) de tais grupos sociais. Em outras palavras, uma minoria de
tais grupos sociais são integrados no aparato estatal e em outras instituições
(organizações burocráticas) reprodutoras do capitalismo e ganham com isso,
enquanto que os grupos sociais de base dos movimentos sociais continuam
sofrendo das mazelas produzidas pelo capitalismo e muitos aceitam por confiar nos
discursos dos demais integrantes do seu grupo, que servem para o processo de
reprodução e reforço da sociedade capitalista e dos problemas que ela gera.
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* Professor
da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia
da Universidade Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela UnB e Pós-Doutor
pela USP.
[1] É
preciso alertar que nunca o movimento social como um todo é integrado ou
cooptado. São setores dos movimentos sociais que são integrados e cooptados,
embora sejam geralmente hegemônicos e majoritários quantitativamente. Assim,
quando colocarmos “integração” dos movimentos sociais no capitalismo,
entenda-se que tratamos de setores hegemônicos no interior dos mesmos, embora
em algumas passagens, para manter maior exatidão, deixaremos claro que são
setores e não a totalidade do movimento.
[2]
Sobre regimes de acumulação em geral existe uma produção bibliográfica
específica (VIANA, 2015a; VIANA, 2009; ÓRIO, 2014) e sobre regime de acumulação
integral também (VIANA, 2015a; VIANA, 2009; BRAGA, 2013). Existem outras
concepções de regimes de acumulação e do atual regime de acumulação (HARVEY,
1992; LIPIETZ, 1991; CHESNAIS, 2002), mas consideramos que a concepção aqui
apresentada é mais adequada e explicar melhor a realidade contemporânea.
[3] O
capital improdutivo é o setor do capital que não extrai mais-valor e sim
mais-dinheiro, através da transferência de mais-valor ou renda do capital
produtivo ou outros setores da sociedade, incluindo o próprio aparato estatal
(VIANA, 2016a).
[4] E
não deixa de ser cômico observar que os próprios professores universitários,
inclusive os críticos do neoliberalismo, são prolixos em propor mais
burocracia, mais controle, mais competição, mesmo sem usar tais palavras e
perceber sua aplicabilidade nas suas propostas.
[5]
Isso é perceptível na denominação de algumas ideologias, como o
pós-estruturalismo, que, aparentemente, é uma recusa do estruturalismo, sendo
que, na verdade, o seu ataque mais frontal e fundamental é ao marxismo (VIANA,
2009; VIANA, 2017b).
[6] O
termo “capital social” foi elaborado pioneiramente por Bourdieu, com sua
costumeira transposição indevida de termos da ciência econômica para as
relações sociais, mas foi desenvolvido e ganhou outros significados com outros
autores, como Loury, Coleman, Baker (PORTES, 2000) e aponta para uma percepção
utilitarista das redes de amizades e contatos institucionais. A ideia de
empreendedorismo emerge na ciência econômica e depois chega à psicologia e
sociologia, ganhando espaço a partir do regime de acumulação integral, tal como
se pode notar em certos textos sobre o assunto (BAGGIO e BAGGIO, 2014). O termo
“empoderamento” emerge em 1950, mas passa a ser empregue mais frequentemente a
partir de 1990 (VASCONCELOS, 2003), ligado ao subjetivismo e ao neoliberalismo,
inclusive por parte da esquerda. O termo é compreendido sob formas distintas
(de forma mais individualista ou mais coletiva, mais relacionado a ideia de
autoajuda, mercado ou com suposta “emancipação”, dependendo do caso), mas sua
raiz etimológica revela seus limites e vínculos mais profundos, pois se trata
de uma questão de “poder”, algo em si problemático. Nancy Fraser (2017) mostra
como tal termo está relacionado com o “neoliberalismo progressista” e vinculado
com outros construtos correlatos.
[7] A
razoabilização é um termo que substitui o termo psicanalítico denominado
“racionalização” (RUCK, 2016) e significa tentar tornar “razoável”, ou seja,
aceitável, racional, etc., comportamentos condenáveis e vistos negativamente,
pelo próprio indivíduo que gera a razoabilização.
[8] A
competição ocorre entre setores dos movimentos sociais entre si seja por
espaços ou por recursos e quanto maior é a organização mobilizadora, maior é
sua competitividade e caráter competitivo. Isso já foi trabalhado por McCarthy
e Zald (2017). Isso gera a discrepância entre o objetivo real e o objetivo
declarado da organização, o que já foi abordado por vários autores (VIANA,
201..) a partir da análise organizacional de Etzioni (1976).
[9] As
divisões sociais no interior de um movimento social, bem como as existentes no
grupo social de base do mesmo, geram lutas, competição, etc., internamente,
gerando distintas tendências, organizações, etc. O microrreformismo sendo
hegemônico, marginaliza as tendências revolucionárias e outras que podem se
opor a ele, mas também é atingido pelas divisões internas. E por isso é
possível identificar um microrreformismo aliado ao antigo reformismo
socialdemocrata (especialmente alguns setores ligados a partidos políticos), um
microrreformismo “espontâneo”, que emerge a partir da hegemonia existente e sem
ligações com o aparato estatal e instituições. Somente uma pesquisa aprofundada
poderia identificar o conjunto de manifestações derivadas do microrreformismo e
suas especificidades. O nosso foco aqui é o microrreformismo hegemônico nos
movimentos sociais e por isso não abordaremos essas formas derivadas. É nesse
contexto que emerge a hegemonia do especifismo no interior dos movimentos
sociais (TARDIEU, 2014).
[10] A
fonte dessa concepção está em Marx, que distinguiu entre representações
verdadeiras e ilusórias (MARX e ENGELS, 1982). No desdobramento da teoria das
representações cotidianas, o termo imaginário acaba sendo uma forma mais
resumida de explicitar as representações cotidianas ilusórias.
[11]
Isso não significa concordar com a concepção nietzschiana (NIETZSCHE, 2004),
que compreende a verdade, em si, como “ficção útil”, mas sim, que, em certos
casos, no que se refere a algumas representações cotidianas ilusórias, elas
assumem esse caráter. A concepção nietzschiana é ideológica e já contestamos
ela em outro lugar (VIANA, 2010).
[12]
Marx distingue entre ideólogos ativos (produtores de ideologia) e passivos
(reprodutores das ideologias produzidas pelos anteriores) e é nesse sentido que
distinguimos entre intelectuais produtivos e reprodutivos (MARX e ENGELS,
1982).
[13] A
política de cotas raciais nas universidades, por exemplo, não atingem os
indivíduos negros analfabetos, semianalfabetos, que não terminaram o ensino
médio, etc. e que são a maioria esmagadora da população negra. Atingem aqueles
que já estão no cume da pirâmide social da população negra e isso pode
beneficiar indivíduos, mas não muda a situação grupal e nem abole as injustiças
contra tal população, além de ainda conquistar adesão e cooptar indivíduos do
grupo para apoiar a sociedade que gera essa situação e governos que a reproduz.
Uma vez que certos indivíduos do grupo defendem e isso aparenta ser benéfico
para o grupo como um todo, outros, mesmo que não tenham a menor condição de
usufruir de tal “privilégio”, podem apoiar incondicionalmente tal política e,
por conseguinte, governos, grupos, partidos, etc. sem perceber que isso não
resolve a questão e fortalece aqueles que são os garantidores das condições da
não resolução do problema.
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Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Vantagens Competitivas, Microrreformismo e Imaginário Conveniente - A integração dos movimentos sociais no capitalismo contemporâneo. Revista Espaço Livre. v. 12, n. 24, jul./dez. de 2017.
Disponível em:
http://redelp.net/revistas/index.php/rel/article/view/749/655
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Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Vantagens Competitivas, Microrreformismo e Imaginário Conveniente - A integração dos movimentos sociais no capitalismo contemporâneo. Revista Espaço Livre. v. 12, n. 24, jul./dez. de 2017.
Disponível em:
http://redelp.net/revistas/index.php/rel/article/view/749/655
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