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sábado, 14 de abril de 2018

A Dupla Prisão de Lula




A Dupla Prisão de Lula

Nildo Viana

Lula, ex-presidente do Brasil, foi preso no dia 07 de abril de 2018. Esta, no entanto, foi a sua segunda prisão no século 21. Vamos tratar destas duas prisões de Lula e explicar como a primeira gerou a segunda.
A primeira prisão de Lula começou quando ele deixou de ser um operário para adentrar na disputa sindical. Ele começou sua carreira política nas disputas burocráticas e chegou a se tornar um burocrata sindical e teve uma ascensão na carreira através da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e PT (Partido dos Trabalhadores), passando da burocracia sindical para a burocracia partidária. O primeiro presidente do PT foi deputado federal e concorreu várias vezes à presidência da república, perdendo por três vezes consecutivas. Conseguiu sua vitória nas eleições de 2002 e foi reeleito nas eleições seguintes. Em 2010, Dilma Roussef foi eleita presidente e reeleita em 2014, o que significou a manutenção do PT no governo.
A primeira prisão de Lula foi a burocracia. Lula deixou de ser um operário para se tornar um prisioneiro da burocracia. Apesar dos operários estarem presos no processo de exploração a que estão submetidos, essa é uma prisão involuntária e da qual o indivíduo não é responsável. Aqui nos interessa apenas a prisão quando o indivíduo é responsável por ela, seja de forma voluntária ou involuntária. Lula se tornou burocrata voluntariamente e foi responsável pela sua primeira prisão. Afinal, “a burocracia é um círculo ao qual nada pode escapar” (MARX, 1976, p. 72-73). Um burocrata é um indivíduo que visa efetivar o controle e reproduzir as relações sociais existentes nas instituições (Estado, universidades, partido, sindicato, igreja, escolas, hospitais) e se manter no poder. Não é demais lembrar que “burocracia é poder” (MOTTA, 1985).
Nesse sentido, o mais correto seria dizer que os burocratas prendem os demais ao invés de serem prisioneiros. Sem dúvida, isso é verdade. No entanto, os burocratas são prisioneiros da burocracia como forma organizacional e mentalmente. A burocracia como forma organizacional é hierárquica, marcada não apenas pelo conflitos com aqueles submetidos ao seu controle e direção, mas também por disputas interburocráticas: os burocratas inferiores querem se tornar superiores, o que se manifesta na disputa por cargos, os burocratas superiores disputam a diretoria, a presidência, etc., ou seja, cargos melhores e que oferecem mais poder.
Um burocrata tem uma determinada mentalidade. Surge, assim, uma mentalidade burocrática. Como todos nascemos e vivemos em organizações burocráticas (escola, igreja, partidos, sindicatos) ou nos relacionamos e dependemos de tais organizações (estado e seus aparatos, por exemplo), é comum o desenvolvimento de uma certa mentalidade burocrática em todos os indivíduos, o que se manifesta através da naturalização da existência de “chefes”, “líderes”, “dirigentes”. Porém, os burocratas geram uma forma de mentalidade burocrática mais intensa e específica, gerando o que se chamou “personalidade burocrática” (MERTON, 1970). O indivíduo se torna, nesses casos, mentalmente prisioneiro de sua mentalidade burocrática. A ânsia pelo poder se torna o leitmotiv (motivo condutor) de sua existência e ação. O burocrata vive para a burocracia e sua mente está presa nas malhas burocráticas.
Lula, em que pese sua pouca bagagem cultural, se tornou um grande burocrata. Ele não frequentou instituições de ensino superior, mas passou pela dura escola das disputas sindicais desde o final dos anos 1960, da atividade de burocrata sindical, das disputas partidárias (internas e externas), até chegar às disputas burocráticas mais amplas do aparato estatal, ao se tornar presidente. E as artimanhas burocráticas são infinitas e cada vez mais complexas. E para conquistar e manter o poder, vale tudo. As mentiras são uma das armas usadas nesse vale tudo de disputa pelo poder[1].
“O poder corrompe”, diz acertadamente o ditado popular. O que não diz o ditado popular é que o poder é viciante e gera cegueira. O caráter viciante do poder foi expresso por Lula. Os intelectuais do partido, com sua formação livresca e gramsciana, queriam primeiro conquistar a hegemonia na sociedade civil para depois chegar ao poder estatal. Lula era um pragmático e ansioso pelo poder. Isso demoraria “vinte ou trinta anos” e Lula queria o poder imediatamente: “mas eu não vou viver mais trinta anos e eu quero chegar ao poder logo”[2].
Quando foi presidente, ficou viciado totalmente e não queria largar o vício e foi reeleito e depois, quando não podia realizar tal proeza novamente, colocou alguém no seu lugar. Esse alguém foi Dilma Roussef, uma péssima escolha, mas que tinha lógica para quem queria se manter no poder. Colocar alguém mais competente ou mais esperto era um risco de perder o poder no interior do partido e também perder espaço político. Dilma não era ameaça, pois mesmo com o poder nas mãos, não saberia mantê-lo a não ser quando as coisas estivessem fáceis e tendo apoio. O problema é que as coisas ficaram difíceis e os apoios diminuíram drasticamente. O refrão de uma música revela o que se passava na cabeça de Lula: “poder, poder, poder, poder até não mais poder”[3].
O problema é que o poder pode gerar cegueira também. As artimanhas burocráticas de Lula mostraram isso, a começar pela escolha de Dilma Roussef. Por outro lado, ele soube se juntar com a burguesia e a alta burocracia e fazer seu jogo. O mensalão é prova disso. Ele se sentiu em casa. No entanto, ficou cego, pensando que reinaria eternamente. Os burocratas petistas também. E precisavam manter o governo, pois isso significava milhares de cargos no governo e financiamento de outras burocracias fora do governo (ONGs, sindicatos, etc.) e diminuição drástica de recursos[4]. A burguesia suportou Lula enquanto ele foi útil e ela até ria com as gafes do petista, apesar delas mostrarem uma determinada imagem do país, inclusive no exterior, que não era de seu agrado. Mas um bom serviçal é suportado em sua simploriedade desde que continue servindo bem.
A cegueira de Lula também se manifestou ao pensar que teria entrado definitivamente para o seleto grupo da alta burocracia e isso lhe dava passe livre com a burguesia, da qual realmente se aproximou. O problema é que ele estava cego para coisas mais amplas do que as disputas interburocráticas e que interferem na governabilidade: a acumulação de capital. Esta estava num ritmo crescente, que se iniciou antes de seu governo e continuou até mais ou menos 2012, e depois começou a diminuir. Nesse contexto, a presidente, do mesmo partido, era um problema e os interesses do PT (e sua pressão sobre ela) era outro. As medidas impopulares que precisavam ser tomadas para diminuir o impacto da desaceleração do ritmo de acumulação de capital não foram tomadas e outras ações não ocorreram, o que fez piorar a situação. Isso ocorreu a expulsão do PT do banquete da burguesia. O impeachment se concretizou. A cegueira de Lula e dos petistas em relação ao poder não os deixaram ver que acima do poder está o capital, ou seja, o poder financeiro.
Essa primeira prisão de Lula não se rompeu com o impeachment. A cegueira continuou e a ânsia de voltar ao poder através das eleições presidenciais de 2018. O PT e Lula esqueceram das lições do passado, das derrotas eleitorais anteriores, e pensaram que voltariam com facilidade para o lugar que agora consideram sua “propriedade”. No entanto, o contexto é outro. A burguesia não pretende se iludir novamente com o PT e sua derrota eleitoral seria previsível, caso conseguisse ser candidato, o que é cada vez mais difícil. O mais curioso é que a cegueira petista parece ser contagiosa, pois o bloco progressista, em sua quase totalidade, está seguindo o PT cegamente. O discurso da “ameaça fascista”, entre outros elementos, parecem ser convincentes para os progressistas de quase todos os partidos. Ao invés de enxergarem que o barco está furado e que vai afundar e lançarem uma alternativa eleitoral, preferem afundar junto e reconhecer o estado moribundo do bloco progressista. O estado lastimável do bloco progressista é perceptível ao ver sua ação de mitificação e transformação de um burocrata oportunista em mártir e herói[5]. A queda moral do PT levou junto com ele quase todos do bloco progressista, com raras e heroicas exceções. E assim eles fortalecem o bloco dominante conservador e o conservadorismo em geral.
Essa primeira prisão acabou gerando a segunda prisão, a do dia 07 de abril de 2018. Os petistas e maioria dos progressistas ainda esperam uma possibilidade de candidatura, uma vitória eleitoral e um presente do Papai Noel. A esperança é a última que morre, mas nesse caso, inevitavelmente deverá morrer em 2018. A morte da velha esperança ilusória, por sua vez, pode abrir caminho para uma nova esperança, que apontaria para uma total e radical transformação social.

Referências
MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Lisboa: Presença, 1978.

MERTON, Robert. Sociologia: Teoria e Estrutura. São Paulo, Mestre Jou, 1970.

MOTTA, Fernando Prestes. O Que é Burocracia. São Paulo, Brasiliense, 1985.




[4] Para os ingênuos que acreditam nos discursos ao invés de analisarem as relações sociais concretas, basta ver uma notícia de 2016 para ver o efeito financeiro no próprio PT das mutações políticas para entender o que está em jogo: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/23/politica/1456182587_487647.html
[5] Sobre o caráter e oportunismo de Lula, o sociólogo Francisco de Oliveira (que foi do PT e PSOL), nesse aspecto mais lúcido que os demais progressistas, já avisava aos desavisados há muito tempo atrás. Veja: https://www.youtube.com/watch?v=AP3lk_coK7A&feature=youtu.be





15 comentários:

  1. SIM, LULA NUNCA FOI ANTI-CAPITAL, PERTENCE À ESQUERDA CAPITALISTA, ESQUERDA PARLAMENTAR OU ESQUERDA ELEITORAL.

    LULA É UM BUROCRATA ( AUXILIAR DA BURGUESIA ) , INIMIGO DOS TRABALHADORES ( AMIGO DOS SINDICALISTAS !) .

    QUEM MAIS PRECISA DE LULA É A BURGUESIA NACIONAL.

    NB. NO GOVERNO LULA, OS BANQUEIROS ENCHERAM OS COFRES.....

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  2. LULA DEVE SER JULGADO PELOS TRABALHADORES :
    SE LULA - BUROCRATA (AUXILIAR DA BURGUESIA ) - FOSSE JULGADO PELOS TRABALHADORES, TERIA SEU NOME APAGADO DA HISTÓRIA DAS LUTAS DE CLASSES ! UM VERDADEIRO ALIADO DO CAPITAL, ALIADO DOS SINDICALISTAS, ALIADO DOS POLÍTICOS. SEU MAIOR PESADELO NÃO É A PRISÃO FÍSICA , E SIM SUA PRISÃO MENTAL, MENTAL DE MENTIRAS DITAS À CLASSE TRABALHADORA.

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