SISTEMA CAPITALISTA E
SUBJETIVIDADE:
O MARXISMO ASSIMILADO
PELOS PARADIGMAS HEGEMÔNICOS
Nildo Viana
O marxismo constitui um saber
complexo, sendo uma expressão teórica de uma mentalidade revolucionária,
constituindo uma totalidade de pensamento que é antagônica ao pensamento
burguês. O marxismo constitui um modo de pensar (episteme) antagônico ao modo
de pensar burguês. Nesse processo, ele constitui, consequentemente, um campo
linguístico antagônico ao campo linguístico burguês. É por isso que o marxismo
é deformado e assimilado cotidianamente e sistematicamente pelo modo de pensar
burguês, submetendo-o à sua linguagem.
Assim, quando muitos que se
dizem marxistas ou analistas do pensamento marxista e usam termos fora do seu
campo linguístico para interpretá-lo ou expressar suas concepções, estão
deformando o marxismo. Isso traz a necessidade de resgatar o campo linguístico
marxista e, ao mesmo tempo, realizar a crítica do campo linguístico burguês e
de sua exportação para o marxismo. O objetivo do presente texto não é realizar
tal discussão e sim focalizar a concretização desse processo através da análise
do uso de dois termos mais especificamente: “sistema capitalista” e
“subjetividade”, bem como termos complementares a estes[1].
EXISTE UM “SISTEMA
CAPITALISTA”?
É muito comum a referência de
diversos pesquisadores e autores (marxistas, pseudomarxistas, não-marxistas) ao
“sistema capitalista”. O fato de que Marx nunca tenha utilizado tal expressão em
seu significado atual ou de acordo com as ideologias reprodutivistas parece não
ter a menor importância[2],
apesar dele ser a referência teórica e autor citado como a fonte dessa
concepção. Por isso, a questão da existência de um “sistema capitalista” remete
ao problema da relação entre marxismo e linguagem, ou, mais precisamente, a
assimilação da teoria marxista do capitalismo pela linguagem dominante, ligada
a paradigmas e ideologias hegemônicas em determinado momento histórico.
O que muitos querem dizer com
“sistema capitalista” (ou, às vezes, de forma ainda mais abstratificada, apenas
“sistema”)? Em termos marxistas, seria mais ou menos o que Marx denominou
sociedade capitalista (embora alguns confundam com modo de produção
capitalista, que é uma parte dessa sociedade e não sua totalidade)[3] e
alguns sociólogos denominaram “sociedade moderna”, “sociedade industrial”, etc.
Como aqueles que fazem tal referência se dizem marxistas (tanto alguns marxistas
autênticos quanto alguns pseudomarxistas) ou que estão expressando a concepção
marxista (não-marxistas que comentam o pensamento de Marx ou o marxismo), então
teria o sentido de “sociedade capitalista”. E não seria mera questão de
palavras?
O problema é considerar as
questões conceituais e teóricas como “mera questão de palavras”. As palavras
carregam significados, produzem mal entendidos, promovem deformação do
pensamento, etc. e isso tem um significado político e social, e em muitos casos
acaba servindo para propósitos e ações que contradizem a concepção marxista e a
luta pela emancipação humana. Logo, é parte da luta cultural na qual se
confrontam a perspectiva burguesa e a perspectiva do proletariado[4]. Isso
é ainda mais grave no que se refere ao caso de um saber complexo determinado,
pois o campo linguístico deste constitui uma totalidade significativa, cuja
importação de termos antagônicos gera a deformação. A inserção de um construto
de alguma ideologia burguesa no universo conceitual marxista, se não for
ressignificado ou esclarecido seu significado e uso no interior do mesmo, é uma
das formas de deformação do marxismo. Por isso, quando alguém que supostamente
defende ou expressa um determinado saber complexo e importa termos
contraditórios em relação a ele, demonstra ou uma incompreensão do mesmo, ou
então sua deformação[5].
A palavra sistema emerge como
construto a partir da constituição do regime de acumulação conjugado e da
emergência do paradigma reprodutivista que o acompanha[6]. Nesse
período, as tarefas da burguesia para realizar a reprodução do capitalismo
apontavam para um estado integracionista (“estado de bem estar social”) e
gerando uma política de integração do proletariado e outras classes via
políticas de assistência social, expansão do consumo (foi a época da emergência
da ideologia da “sociedade de consumo”), ampliação e intensificação da
burocratização das relações sociais, etc. Nesse contexto, o paradigma
hegemônico foi o reprodutivista, de caráter holista e que pode ser exemplificado
no funcionalismo, estruturalismo, “teoria” dos sistemas, entre diversas outras.
Até mesmo as concepções contestadoras e críticas não escaparam desse paradigma
hegemônico, como se pode ver na produção da Escola de Frankfurt, no
pseudomarxismo em geral, entre outros. É nesse momento que surgiram as
ideologias que afirmaram ter havido uma integração da classe operária no
capitalismo.
No entanto, como não poderia
deixar de ser, esse mundo ruiu. A mudança que no mundo ideológico se afirmava
que não ocorreria, ocorreu. A crise do regime de acumulação conjugado promove a
emergência do regime de acumulação integral e o novo paradigma que o acompanha.
Isso será abordado adiante. O importante aqui é destacar que a palavra
“sistema” emerge como construto e é reproduzido por diversas ideologias
(funcionalismo sistêmico exemplificado por Parsons e outros sociólogos e
cientistas políticos norte-americano, a “teoria” dos sistemas, o
pseudomarxismo, etc.). É nesse contexto que o uso do termo “sistema” se torna
generalizado e invade o pseudomarxismo e outros “críticos da sociedade”[7]. O
termo “sistema” fetichizado aparece com tendo vida própria, como algo
indestrutível, etc. Isso, por sua vez, é reproduzido pelas representações
cotidianas e por indivíduos com formação teórica deficiente, que tratam “o
sistema” como algo autônomo e independente dos seres humanos reais[8].
Essa importação terminológica do termo sistema para o marxismo significa
transformá-lo numa concepção fetichista, ou seja, sua deformação.
Parsons é um dos ideólogos que
desenvolveram essa concepção fetichista de sistema. Segundo ele, os sistemas
sociais se caracterizar por possuir um objetivo e por isso constitui padrões
que servem para a integração e a reprodução. Assim, “o sistema” passa a ser
visto sob forma fetichista, tendo um “objetivo”, que deixa de ser atributo dos
seres humanos e passam a ser atributo desse termo reificado.
O conceito de sociedade é muito
mais concreto e bem mais difícil de ser transformado em fetiche. No caso do
marxismo, é o termo utilizado por Marx e não existe nenhum motivo para trocá-lo
por “sistema”, um construto de outras ideologias. A importação terminológica,
sem ressignificação ou inserção isolada, quando é realizada sem nenhuma
necessidade, como é o caso do construto “sistema”, não tem nenhum sentido e é
um empobrecimento de uma teoria muito mais ampla e que expressa a realidade ao
invés de deformá-la com construtos fetichistas.
Por isso não deixa de ser
curioso que supostos “marxistas” usarem tais termos, gerando advindos de
inspiração funcionalista. Assim, é necessário resgatar o marxismo das
deformações dos pseudomarxistas e não-marxistas, e esse resgate pressupõe a
utilização do campo linguístico próprio do marxismo e crítica do campo
linguístico burguês.
EXISTE SUBJETIVIDADE?
A derrocada do regime de
acumulação conjugado significou também a derrocada do paradigma reprodutivista.
O holismo, o objetivismo, bem como os construtos de “estrutura”, “sistema”,
entre outros, entraram em desuso ou foram subordinados aos novos construtos do
novo paradigma hegemônico: o subjetivismo. O pós-estruturalismo trouxe vários
elementos que são típicos do novo paradigma. O novo paradigma, por sua vez,
traz novos construtos, entre os quais se destacam “sujeito”, “subjetividade”,
“subjetivação”.
No que se refere ao pensamento
de Marx e ao marxismo, emerge o mesmo problema que o existente em relação ao
termo “sistema”. O termo básico que muitos marxistas passaram a utilizar foi o
de “subjetividade”. Marx poucas vezes usou os termos “sujeito” e, menos ainda,
seus derivados. O termo “subjetividade”, no sentido atual, por sua vez, nunca foi usado por Marx.
Alguns pseudomarxistas usaram tal termo, mostrando a influência de determinadas
ideologias e incompreensão da teoria da consciência de Marx. Este foi bem claro
ao explicitar que a consciência só pode ser consciente, ou seja, o individuo
real, que é histórico e social. Sair disso, segundo ele próprio, é imaginar “um
espírito à parte” (MARX e ENGELS, 1982). Ora, a ideia de subjetividade é
justamente um “espírito à parte”, algo metafísico, fora das relações sociais e
da história.
No Brasil, o filósofo Paulo
Silveira (1978) publicou um livro interessante que realiza uma crítica a
Althusser, um reprodutor do paradigma reprodutivista. Alguns anos depois, ele
organizou uma coletânea intitulada “Elementos
para uma Teoria Marxista da Subjetividade” (1989). Isso é sintomático de
como a mudança de paradigma atinge os ditos “marxistas” e assim como o modismo
estruturalista atingiu Althusser, o modismo subjetivista atingiu Silveira. Em outras
palavras, fugiu do paradigma reprodutivista e caiu no paradigma subjetivista.
O subjetivismo joga para o
sujeito a responsabilidade da produção de ideias, de ação política, etc. O sujeito
pode ser tanto o indivíduo do liberalismo e neoliberalismo, quando os grupos
sociais que se tornam “múltiplos sujeitos”, que segundo muitos poderiam ser
“revolucionários”, mas segundo a maioria, devem falar por si mesmos, como já
diziam Foucault (1989) e Guattari (1981) e depois se espalhou por várias outras
ideologias e doutrinas, até atingir os movimentos sociais (CARVALHO, 2015).
Assim, as ideologias filiadas ao paradigma subjetivista, como o neoliberalismo,
pós-estruturalismo, multiculturalismo, bem como as diversas formas de
manifestação do culturalismo, apontam para a ideia de que são os sujeitos, seus
desejos, suas necessidades, sua ação, sua razão, seus sentimentos, sua
identidade, que constituem o elemento fundamental e que explicam os movimentos
sociais, os indivíduos, etc.
A origem desse paradigma e da
primazia do subjetivismo ocorre com a contrarrevolução cultural preventiva após
as lutas sociais do final dos anos 1960, especialmente o maio de 1968 em Paris
(VIANA, 2009)[9].
O paradigma reprodutivista entra em crise e a possibilidade do marxismo, que
ressurge no bojo dessas lutas, faz com que os ideólogos comecem a produzir
alternativas, recuperando temas das lutas sociais, mas deformando-os (a crítica
da razão instrumental se torna crítica da razão em geral, a crítica do
cotidiano capitalista se transforma em crítica da cotidianidade, etc.). Nesse
contexto, as instituições e organizações são questionadas e o sujeito – ora o indivíduo,
como nas formas do neoliberalismo e outras ideologias – ora o(s) grupo(s)
social(is).
Isso vem acompanhado com a
ideologia pós-estruturalista e o discurso da fragmentação, da identidade, etc.
A grande questão se tornam os sujeitos e sua subjetividade, geralmente
abstratificados, ou seja, fora das relações sociais e história (não sem contradições
e ambiguidades)[10].
Assim, surgem diversas ideologias que invertem a realidade e a transformam em “construção
cultural”, derivando daí o discurso ideológico da “desconstrução”, que é apenas
uma variante do paradigma subjetivista. E isso fica mais fácil com o discurso
irracionalista, anti-intelectualista, entre outros, que apontam para a recusa
da razão e da teoria, o que fortalece a ignorância, a presunção, o
sentimentalismo, e que são os indivíduos que sabem por si próprios, abstraindo
que sua formação mental é um produto social. Os indivíduos têm dificuldade em
entender que o discurso que eles acataram segundo o qual eles mesmos produzem
suas ideias, foi produzido em outro lugar, por outras pessoas, ou seja, pelo
aparato estatal, fundações internacionais, etc. (VIANA, 2015).
O curioso é que supostos
“marxistas” reproduzam tais teses ideológicas. O indivíduo, ao invés de ser um
ser social e histórico, aparece com um ente metafísico, bem como a consciência.
Ou então o grupo social. O termo “subjetividade” é metafísico e a dificuldade
em sua definição já mostra isso, a começar por diversos artigos em que tratam
desse suposto “fenômeno”, sem nunca defini-lo. Outros trocam, sem nenhum motivo
ou justificativa, os conceitos usados por Marx, como consciência e pensamento,
por “subjetividade”.
Essa importação de um construto
para a concepção marxista não realiza nenhum acréscimo e ainda traz confusão e
aproximação do marxismo com ideologias hegemônicas, gerando interpretações
equivocadas e mais uma deformação do pensamento de Marx. A ênfase na
subjetividade, o que gera a sua força como ideia-chave, é a nova moda
ideológica que emerge a partir dos anos 1970 e se consolida na década seguinte
e se torna hegemônica a partir dos anos 1990. O nome “subjetividade” nem sempre
aparece, mas passa a ser universalmente presente no seu significado. A
proliferação do uso do termo é cada vez mais intensa.
Assim, o uso do termo
subjetividade e sua atribuição à Marx é uma deformação do pensamento deste. Se
ele não usou tal termo, então não se deve interpretar o pensamento dele
utilizando linguagem que não é a dele. Quando se analisa um autor, se utiliza a
sua linguagem, ou seja, os signos e significados que ele utiliza. Usar outros
signos e significados, quando se trata de ideias do autor, é deformá-lo e criar
elementos para não compreendê-lo.
Sem dúvida, alguns marxistas
buscam ressignificar o termo subjetividade para adequá-lo ao marxismo. Isso é
realizado sob várias formas, mas todas elas repetem o que foi feito na época
que o “marxismo” foi subsumido ao estruturalismo, tal como fez Althusser, ou
seja, através de uma mescla do pseudomarxismo (geralmente o leninismo) e o novo
paradigma hegemônico. Assim, o “sujeito”, essa coisa metafísica e “a
subjetividade” aparecem, mesmo que mesclada com a intepretação pobre do
pensamento de Marx e sua deformação leninista.
Uma questão que deve ser
respondida é por qual motivo emerge tal termo no discurso dos supostos
“marxistas”. Em muitos casos, isso ocorre por reprodução espontânea e acrítica
do paradigma hegemônico. Em outros casos, por interesses acadêmicos que leva
alguns intelectuais a querer se adequar linguisticamente aos modismos ou
concepções hegemônicas. Há também os casos que as ambiguidades individuais ou
pouco aprofundamento no marxismo permitem esse tipo de processo de importação
terminológica. Por fim, há os casos de ideólogos que pretendem,
intencionalmente, mesclar o marxismo com ideologias hegemônicas, como, por
exemplo, a fenomenologia, o pós-estruturalismo, a psicanálise[11],
etc.
A importação linguística para o
interior do marxismo do construto “subjetividade” tem o mesmo significado que o
do construto “sistema”: a transformação do “marxismo” em ideologia e a perda do
seu significado revolucionário. A assimilação do marxismo pelas ideologias
burguesas, seja as holistas ou individualistas, objetivistas ou subjetivistas,
significam a sua destruição como expressão teórica do movimento revolucionário
do proletariado e a sua domesticação e abandono de sua radicalidade e
criticidade. E por isso essa importação linguística deve ser criticada e
superada, pois essa superação é parte da luta pela transformação radical e
total das relações sociais.
Referências
ALTHUSSER, Louis.
Freud e Lacan, Marx e Freud. 3ª
edição, Rio de Janeiro: Graal, 1991.
BAKHTIN, M. Marxismo
e Filosofia da Linguagem. 5ª edição, São Paulo: Hucitec, 1990.
CARVALHO, Daniel. Subjetivismo e
Movimentos Sociais ou Quando o feitiço vira contra o feiticeiro. Revista
Posição. Vol. 02, num. 05, 2015. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rpo/article/view/2carvalho5/194
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 8.ª ed. Rio de
Janeiro: Graal, 1989.
GUATTARI, Félix. Revolução
Molecular: Pulsações Políticas do Desejo. São Paulo, Brasiliense, 1981.
MARCUSE,
H. Ideologia da Sociedade Industrial.
Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
MARX, Karl e ENGELS, F. A
Ideologia Alemã (Feuerbach). 3ª Edição, São Paulo: Ciências Humanas,
1982.
MARX, Karl. A
Miséria da Filosofia. 2ª edição, São Paulo: Global, 1989.
PARSONS, Talcott. O Sistema das Sociedades Modernas. São
Paulo: Pioneira, 1974.
SILVEIRA, Paulo e DORAY, Bernard
(orgs.). Elementos para uma teoria
marxista da subjetividade. São Paulo: Vértice, 1989.
SANTOS, Theotônio dos. Forças Produtivas e Relações de Produção.
Petrópolis: Vozes, 1988.
SILVEIRA, Paulo. Do Lado da História. Uma Leitura Crítica
da Obra de Althusser. Petrópolis: Polis, 1978.
VIANA, Nildo.
Hegemonia e Luta Cultural. Sociologia em
Rede. Vol. 05, num. 05, 2015. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rsr/article/view/4viana5b/261
VIANA, Nildo. Naturalização e desnaturalização: o
dilema da negação prático-crítica. Revista
Espaço Livre. v. 8, n. 15, jan. jun./2013. Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/rel/article/view/51/46
VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral.
São Paulo: Ideias e Letras, 2009.
YOUNG, Jock. A
Sociedade Excludente. Exclusão Social, Criminalidade e Diferença na Modernidade
Recente. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
[1]
Uma análise mais aprofundada sobre esses aspectos, tanto no plano teórico
quanto histórico, pode ser vista no livro O
Modo de Pensar Burguês e na obra que desenvolve historicamente esse
processo, A Dinâmica das Renovações
Hegemônicas, ambos em preparação.
[2]
Marx utilizou a expressão “sistema” em dois contextos. O primeiro contexto é
quando ele se refere ao “sistema colonial” em O Capital (1988); o segundo é quando se refere ao mundo da
ideologia, aos sistemas de pensamento dos neo-hegelianos (MARX e ENGELS, 1982).
No primeiro caso, ele usa um termo já utilizado por outros e sem ter o caráter
de um conceito, é apenas uma expressão descritiva. No segundo caso, ele não
aprofunda o significado, mas concebe “sistema” como uma “totalidade de pensamento”
abstratificado e falso. A sua concepção de ideologia é justamente a de um
“sistema de pensamento ilusório”. Ele usou também, em O Capital, o termo “sistema” para se referir a alguns aspectos do
capitalismo, como o sistema de crédito. O termo “sistema capitalista” aparece em
algumas poucas passagens dos volumes que foram organizados e publicados por
Engels e o significado da palavra “sistema”, nesse contexto, é obviamente muito
diferente do que se usa atualmente e nas ideologias do paradigma reprodutivista
(teoria dos sistemas, funcionalismo, etc.), tendo um significado equivalente ao
de sociedade.
[3] O
conceito de sociedade em Marx remete ao que ele denominou “conjunto das
relações sociais” (1989), que seria composta pelo modo de produção dominante,
formas sociais e modos de produção subordinados. Assim, o conceito de
capitalismo pode se referir ao modo de produção capitalista ou à sociedade
capitalista.
[4]
Bakhtin (1990) foi um dos autores que enfatizou a “lutas de classes em torno do
signo” e é disso, precisamente, do que se trata.
[5]
A exceção é quando o termo é assimilado, ou seja, recebe uma ressignificação ou
adaptação que abole a contradição ou deformação da concepção assimiladora.
[6]
Uma análise dos paradigmas numa concepção marxista, e do paradigma reprodutivista,
pode ser visto nas duas obras já citadas.
[7]
Até Marcuse (1967) que denunciou os usos da linguagem para a reprodução do
poder não escapou da reprodução do campo linguístico hegemônico, tal como se vê
no seu uso do termo sistema e o uso abundantemente do termo “sociedade
industrial”, um produto da sociologia conservadora norte-americana que carrega
determinado significado ideológico e é, também, um eufemismo para sociedade
capitalista.
[8]
No plano da ideologia, é o que se vê nas concepções de alguns sociólogos,
economistas, etc., e por pseudomarxistas, tal como Santos (1988).
[10]
Inúmeras contradições são visíveis em diversas ideologias e concepções. Esse é
o caso, por exemplo, da ideologia da identidade. Esse combate o essencialismo
biológico, mas acaba gerando um essencialismo cultural, transformando a
identidade em essência (cf. YOUNG, 2002; VIANA, 2013).
[11]
O termo subjetividade emerge na psicanálise através de Lacan. No entanto,
trata-se de uma versão estruturalista e objetivista da subjetividade (que
remete para a linguagem e o simbólico no sentido metafísico da psicanálise
estruturalista) e retorna de acordo com o novo paradigma hegemônico, inclusive
promovendo leituras sobre “subjetividade” em Freud, sendo que este, tal como
Marx, nunca usou tal termo e não necessitasse dele para criar sua concepção de
“aparelho psíquico”. É o processo de assimilação de pensadores passados por
ideologias hegemônicas contemporâneas. O mesmo Lacan fez com Freud, visando
adaptá-lo ao estruturalismo (ALTHUSSER, 1991).
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