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sábado, 9 de dezembro de 2017

Breve História dos Super-Heróis

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Breve História dos Super-Heróis

Nildo Viana*

Os super-heróis são produtos históricos e sociais como qualquer outra produção cultural. Este caráter social e histórico dos super-heróis é pouco abordado nos estudos sobre quadrinhos e sobre estes personagens, mais especificamente. Nosso objetivo aqui é fazer um breve apanhado da evolução dos super-heróis, destacando sua relação com as mudanças culturais, o que, inevitavelmente, nos faz abordar as mudanças sociais em geral. Em síntese, apresentaremos uma breve história dos super-heróis, desde sua origem até aos dias atuais.
Para realizar este objetivo, iremos periodizar a história dos super-heróis visando compreender as principais mutações que ocorreram no gênero da superaventura[1]. Estas mutações são provocadas por transformações sociais e culturais, que, aliadas ao desenvolvimento endógeno da tradição fictícia, promovem alterações no mundo fictício dos super-heróis.
A periodização é um processo útil e necessário para compreender a evolução dos super-heróis. Através dela, podemos observar as grandes mudanças no universo ficcional dos super-heróis e, desta forma, entender o que provocou tais mudanças. Obviamente que a historicidade do gênero superaventura é uma historicidade dependente da historicidade da sociedade e, portanto, a periodização da história da superaventura está intimamente relacionada com a historicidade da sociedade moderna (VIANA, 2007a). Porém, como se trata de uma totalidade no interior de outra totalidade mais ampla, a história do gênero da superaventura possui períodos que estão ligados a aspectos mais específicos da sociedade moderna e, por isso, pode ter períodos que não são da mesma quantidade que os daquela.
Assim, a história da sociedade moderna pode ser periodizada a partir da sucessão de regimes de acumulação e estes foram o extensivo (a partir da revolução industrial até a segunda metade do século 19); o intensivo (que vai da segunda metade do século 19 até o final da Segunda Guerra Mundial); o intensivo-extensivo (que abarca o período do término da Segunda Guerra Mundial até a década de 1970), e o integral (que se inicia na década de 1980 e permanece até os dias atuais). Estes regimes de acumulação expressam determinada forma de organização da acumulação capitalista através de uma cristalização da luta de classes em determinada forma de organização do trabalho (processo de valorização), de formação estatal e relações internacionais, o que não poderemos desenvolver mais detalhadamente aqui[2].
O que é importante ressaltar aqui é que esses regimes de acumulação marcam a história da sociedade moderna e determinam as mudanças culturais, atingindo, também, o gênero da superaventura. Porém, a periodização da superaventura é um pouco diferenciada. Nós periodizamos a superaventura, com base na superaventura produzida nos EUA[3], da seguinte forma: a) época do nascimento, que vai da criação do Superman até o final da Segunda Guerra Mundial; b) a época da crise, que vai de 1945 até o final da década de 1950; c) a época da retomada e renovação, que ocorre a partir do final da década de 1950 até o final dos anos 1960; d) a época do “envelhecimento” dos super-heróis, que vai do final da década de 1960 até 1980; e) a época da reorganização e inovação, que vai de 1980 até os dias de hoje. Esta periodização, sem dúvida, entra em conflito com a periodização tradicional realizada pelos próprios agentes da produção dos quadrinhos, que distinguem em idade de ouro, prata, bronze, pois os critérios para tal são pouco convincentes e, muitas vezes, marcados por determinados valores e concepções que são prejudiciais a uma real percepção da história dos super-heróis[4].
Assim, há mudança na superaventura no final dos anos 1950, o que não ocorre no regime de acumulação. A explicação disto deve-se ao fato de que ocorrem mudanças nos regimes de acumulação (uma coisa é a mudança de regime de acumulação, ou seja, a passagem de um regime para outro; outra coisa é a mudança no interior de um regime de acumulação, ou seja, a mudança no seu interior) e de que, em países diferentes, estas evoluem sob formas diferentes, entre outras determinações que mostram que o concreto é o resultado de suas múltiplas determinações.
Antes de iniciarmos, porém, é necessário esclarecer que nosso ponto de partida é orientado pelo método dialético, que busca descobrir as determinações do fenômeno, e, em especial, sua determinação fundamental. Buscaremos reconstituir as múltiplas determinações do fenômeno da mudança no mundo dos quadrinhos e, assim, não apenas descrever, mas explicar, tais mudanças. Neste sentido, começaremos com a determinação fundamental e passaremos para a determinação formal e – sendo possível – abordaremos ainda outras determinações do fenômeno; sendo que a determinação fundamental tem sua base no processo social marcado pela luta de classes, cristalizada em um determinado regime de acumulação e que se manifesta além desta base estabilizada com as rupturas e os processos extraordinários que irrompem e desestabilizam a sociedade.
O Nascimento dos Super-Heróis
Alguns buscam encontrar a origem dos super-heróis na mitologia grega ou nórdica. Sem dúvida, os deuses da mitologia grega inspiraram a criação de alguns super-heróis. Shazam foi criado a partir dessa inspiração, o que se percebe a partir da origem dos seus superpoderes e do seu próprio nome, cujas iniciais reproduzem os nomes de figuras mitológicas, a saber: Salomão, Hércules, Atlas, Zeus, Apolo e Mercúrio. A Marvel Comics produziu super-heróis (e supervilões) inspirados na mitologia nórdica (Thor e Loki são os mais expressivos ao lado de toda a população de Asgard: Odin, Sif, Balder, etc.) e na mitologia grega (Hércules, Zeus, etc.). Porém, isso não serve para explicar a origem dos super-heróis, mesmo porque os primeiros super-heróis não foram inspirados na mitologia.
Vejamos o caso dos primeiros super-heróis. O Superman é um alienígena e, por isso, possui superpoderes. O caso do Capitão América já é um pouco diferente. Ele recebe um soro que lhe fornece sua força sobre-humana e um escudo que se torna uma das armas mais poderosas, aliadas a suas habilidades próprias, elas o tornam um super-herói, sem grandes poderes, sem dúvida, mas muito mais poderoso do que um ser humano comum. Namor é oriundo de outra civilização, Atlântida, e daí vêm seus poderes, pois é filho de uma humana e um atlante. O Tocha Original foi criação de um cientista, Phineas Horton, que buscava criar um ser humano sintético e conseguiu, embora com o problema de que ele se transformava numa imensa tocha, devido ao contato com o oxigênio. A origem dos super-heróis, por conseguinte, estava relacionada com experiências científicas ou alienígenas.
Sem dúvida, a existência dos heróis e, mais ainda, dos heróis dos quadrinhos, era uma das principais condições de possibilidade de surgimento dos super-heróis. Estes foram os verdadeiros precursores dos super-heróis. O individualismo da sociedade moderna abre espaço para a valoração do herói real e também do herói fictício. Os heróis dos quadrinhos realizavam ações fantásticas, tais como Tarzan, Flash Gordon, Buck Rogers, entre outros, e alguns já possuíam poderes incríveis. Este é o caso de Fantasma e Mandrake. Estes dois podem ser considerados os precursores mais diretos dos super-heróis, pois o realismo foi abandonado, principalmente no caso do último, com seus poderes mágicos.
No entanto, os heróis fornecem apenas alguns elementos para a criação dos super-heróis; seria necessário complementar com outros elementos, só possíveis com o desenvolvimento histórico. Os super-heróis, tal como os conhecemos e com suas características definidoras, são produtos da sociedade moderna. Os deuses antigos são superpoderosos, mas são vistos como verdadeiros por seus produtores e reprodutores até serem transportados para o mundo da ficção, enquanto que os super-heróis são reconhecidos como produtos fictícios tanto por seus produtores quanto por seus leitores. Os heróis – tanto os fictícios quantos os reais – são seres habilidosos, corajosos, excepcionais, mas sem superpoderes.
A formação dos super-heróis só foi possível através da conjugação de diversas determinações, entre as quais estão os avanços tecnológicos, o individualismo, a necessidade de homens fortes em períodos de crises, etc. Os precursores mais próximos dos super-heróis são os próprios heróis dos quadrinhos. Os heróis dos quadrinhos se diferem dos super-heróis porque estes últimos possuem superpoderes, e não apenas qualidades humanas excepcionais, e vivem num mundo povoado por seres superpoderosos (VIANA, 2005). A emergência de heróis como Tarzan, Flash Gordon, Jim das Selvas, Brick Bradford, Dick Tracy, entre outros, abre caminho para o herói fantástico, um avanço rumo ao super-herói, tal como no caso de Mandrake, com seus poderes mágicos, mas que não vive num mundo com outros seres superpoderosos. Eles são a condição de possibilidade para o surgimento dos super-heróis.
A emergência dos super-heróis está ligada ao processo de crise do regime de acumulação intensivo, que se prolonga desde a década de 1920 até o final da década de 1930. A guerra assumiu um papel fundamental nesse processo, pois, além da crise e da necessidade de heróis de carne e osso para o combate e para suportar as situações adversas de uma sociedade em crise, também se tornou necessário pensar em seres sobre-humanos e ter esperança na vitória e satisfação imaginária substituta. No reino da ficção, a vitória é garantida e reconfortante, os justos sempre vencem, pois todos os lados em uma guerra se consideram justos.
O Superman é produto de sua época. Era a resposta americana ao nazismo e sua ideologia da “raça superior”, e, ao mesmo tempo, um apelo ao homem comum para que seja forte e suporte todas as situações desfavoráveis (a crise da época), bem como um grito de liberdade inconsciente. A criação do Superman cumpria uma função parecida com a de um herói, forte e que suporta as dores e pressões de um mundo em guerra, já que, tal como o filósofo alemão Nietzsche (assimilado pelo nazismo) pregava, era o protótipo do homem-forte, que suportava as misérias do mundo. Aliás, o Superman foi um nome apontado por Nietzsche, mas noutro sentido, embora havendo semelhanças. Também era a resposta fictícia dos americanos ao nazismo: precisamos de soldados, heróis de carne e osso, e os heróis fictícios são exemplos a serem seguidos, são inspiradores e são amados pelo público. Mas tem também um lado não intencional, que revela, para utilizar linguagem psicanalítica, o desejo inconsciente de liberdade, de ultrapassar os limites de uma sociedade burocrática, mercantil, sem aventuras, uma cotidianidade vazia e sem sentido, manifestação do inconsciente coletivo (VIANA, 2005). O Superman, assim, pode ser considerado expressão do dilema do indivíduo norte-americano de sua época, mas que permanece existindo em muitos aspectos até os dias de hoje[5]. Isto é observável, por exemplo, em sua dupla identidade, a de homem comum, preso nas malhas burocráticas e oprimido, e o Superman, invencível e imbatível, que desafia as leis da natureza e supera todos os limites humanos. A recepção do Superman foi resultado das tendências da época e das necessidades inconscientes dos indivíduos presos no mundo burocrático e mercantil.
O Capitão América nasce um pouco depois, mas no mesmo contexto de crise e guerra. Porém, sua relação com a guerra é mais direta, bem como com as questões políticas, ideológicas envolvidas. O Super-Soldado criado ganhou um escudo poderoso e através de um soro, ganhou força e habilidade física descomunal, além de ser um ser humano com capacidade de liderança e grande inteligência, segundo o que é expresso em suas histórias. Ele devia combater em guerra, e junto com Namor e o Tocha Humana Original, os nazistas e seus supervilões, especialmente Barão Zemo e Caveira Vermelha. O Capitão América cumpre o mesmo papel que o Superman e outros super-heróis criados. Nos momentos de maior conflito entre as potências imperialistas, eles criam os seus representantes fictícios. Capitão América e seus companheiros representam os Estados Unidos; Caveira e os supervilões representam os nazistas e fascistas e o Guardião Vermelho representava a Rússia, e, por isso, era um aliado visto com desconfiança. A aparência horrível do Caveira Vermelha (um rosto de caveira na cor vermelha) e do Barão Nemo (uma máscara que tampa todo o resto devido à fealdade do mesmo) é apenas uma forma de representar o inimigo como sendo representante do mal e, tal como é comum na cultura ocidental, unir fealdade e maldade. O Guardião Vermelho foi suportado por haver um inimigo mais importante a ser combatido. O conflito EUA-URSS e a guerra fria ocorrerão no período posterior, e a grande ameaça para o primeiro era a expansão do Eixo nazi-fascista, que já havia dominado grande parte da Europa e tinha o Japão no oriente buscando avançar no espaço imperialista nesta região.
Desta forma, o nascimento dos super-heróis foi produto da crise e da guerra, criando uma situação de desemprego, angústia, necessidade de soldados, homens fortes. Isto ligado ao desenvolvimento tecnológico e individualismo da sociedade moderna, além da existência de heróis dos quadrinhos e alguns excepcionais como Fantasma e Mandrake, bem como a expansão da ficção científica na literatura, no cinema e nos quadrinhos, especialmente Flash Gordon, temos os ingredientes necessários para a produção dos super-heróis. A determinação fundamental foi, sem dúvida, a crise do capitalismo e os conflitos derivados, e as demais determinações (heróis de quadrinhos, individualismo, desenvolvimento tecnológico, ficção científica, entre outras) ajudam a compor este novo tipo de ficção, mais fantástico e complexo do que as histórias do gênero aventura. Os super-heróis são filhos de sua época e, por isso, tal como o Capitão América, são manifestações da axiologia, dos valores dominantes, vinculados às necessidades da classe dominante na época (VIANA, 2005).
A Crise dos Super-Heróis
A crise e a guerra fizeram emergir os super-heróis e, uma vez superada esta situação, os super-heróis perdem espaço[6]. Se a crise gera os super-heróis, o fim da crise gera o fim dos super-heróis. A partir de 1945, há um visível retrocesso no consumo e na produção de histórias em quadrinhos e, mais ainda, de super-heróis. O gênero da superaventura sofrerá os golpes mais fortes desta crise. A razão principal disso já foi exposta, pois os seres superpoderosos que surgem para fazer os homens comuns suportarem a crise e a guerra, os soldados lutarem e o heroísmo ser um ponto de apoio para a investida bélica, se tornam supérfluos em um período de paz entre as nações imperialistas e reconstrução européia. Os Super-Heróis são de origem norte-americana e isto também fez com que não fossem requisitados em outras partes do mundo.
Após a Segunda Guerra Mundial, um novo regime de acumulação é instaurado, paulatinamente, marcado pelo Estado Integracionista (“de Bem Estar Social”), pelo fordismo e pela expansão do capital transnacional. A mensagem guerreira teria de ser substituída por algo mais ameno. O Capitão América era muito bélico para ser mensageiro do domínio do capital transnacional, bem como o Super-Homem seria muito pretensioso para representar a nova forma de exploração internacional. Ambos tornariam visível o que deveria ser ocultado. A estratégia não era mais a do herói colonizador como Tarzan, Fantasma; e nem de super-heróis militares, a serviço de estados beligerantes.
Ao lado disso, novos personagens de quadrinhos foram criados e/ou passaram a ganhar cada vez mais espaço, tal como a família Disney, com o Pato Donald, o Tio Patinhas e outros, bem como o rato que anda com os patos, Mickey Mouse. Também no período que vai de 1945 a 1965, temos o que Renard (1981) chamou de “idade de ouro” dos quadrinhos franco-belgas, marcada por uma produção quantitativa de personagens bastante elevada e com alguns grandes sucessos internacionais, tal como Tintin e os engraçadíssimos Lucky Lucke e Asterix. O protecionismo francês, a partir de 1947, também faz parte deste contexto (BARON-CARVAIS, 1989). Os quadrinhos ingleses, assim como os de outros países, também produziram novos e interessantes personagens, que conseguiram um relativo sucesso além das fronteiras da ilha em que foram produzidos, tal como os personagens Bristow, considerado por alguns como um “antiburocrata”, e Andy Capp (Zé do Boné, no Brasil), ambos tematizando o cotidiano e a monotonia que lhe acompanha, estando, portanto, muito longe do mundo extraordinário dos super-heróis.
O intervencionismo estatal foi outra determinação na crise da superaventura. O protecionismo francês apenas revela os interesses comerciais de um país, que afetou os super-heróis norte-americanos, mas a censura política cumpriu um papel igualmente poderoso para o recuo da superaventura. O fim da Segunda Guerra Mundial transformou os Estados Unidos na grande potência mundial, bem mais forte do já era antes disso. Porém, outra grande potência emergiu, a URSS, e esta passou a ser o inimigo a ser combatido, pois já dominava as suas repúblicas e ainda passou a dominar o Leste Europeu e a exercer grande influência em diversos países pelo mundo, através dos partidos comunistas satelizados por Moscou. A Guerra Fria entre o capitalismo privado comandado pelos EUA e o capitalismo estatal capitaneado pela URSS passa a atingir a produção cultural nos Estados Unidos e a influenciar outros países, de uma forma ou de outra. O intervencionismo estatal vai se manifestar na esfera da produção cinematográfica com o marchartismo e na esfera dos quadrinhos com o lançamento do livro A Sedução dos Inocentes (1954), de Frederic Wertham. Foi realizada toda uma campanha contra os quadrinhos. Wertham conseguiu apoio e influenciar parte da população. Isto provocou “uma onda de protestos” dos representantes dos pais, professores, família, etc. (MOYA, 1972) e contou com o apoio de “certos meios pedagógicos” (GUBEM, 1979). No caso específico dos super-heróis, Wertham denunciou uma suposta homossexualidade de Batman e Robin (MOYA, 1972), cuja comprovação não era mais do que os delírios de Wertham. O resultado disso tudo foi a criação de um código de autorização para os quadrinhos:
A parte industrial, financeira e editorial dos comics fraquejou diante de tamanha campanha e chegaram as partes a um meio-termo: um código. Tal como aquele que fora feito havia muito tempo em Hollywood e debilitara o cinema americano diante da agressividade realista do cinema europeu. Com a concorrência da TV americana e do cinema da Europa, já caía o código Hayes no cinema. Mas com os comics, sem concorrência, sucedeu uma queda diante da TV e da onda moralista (MOYA, 1972: 72).
Os alvos principais deste ataque eram os quadrinhos de horror e de heróis (GUBEM, 1979), mas os super-heróis, mesmo enfraquecidos, não foram poupados, tal como colocamos anteriormente no caso de Batman. Este foi um período de recuo para o mundo dos super-heróis, tanto no que se refere à produção quanto no que se refere ao consumo. A produção diminuiu quantitativamente, encontrava concorrentes nos quadrinhos de humor, na família Disney, em Pogo, Peanuts e outros, e também não conseguiu apresentar uma renovação criativa, sendo que a maior reação do período foi o fato de Batman e Superman lutarem juntos. No caso da Marvel, houve apenas o triste episódio do Capitão América lutando contra os agentes “comunistas” da União Soviética, expressando uma manifestação ideologêmica na superaventura no contexto da Guerra Fria. Os super-heróis, e seus criadores, estavam preparados apenas para a guerra. Isto, obviamente, atingiu o consumo, que já havia diminuído seu interesse pela superaventura por causa da concorrência de outros gêneros, personagens, etc., o que era ainda mais forte na Europa, devido ao que colocamos anteriormente. A superaventura só poderia recuperar seu espaço através de algumas mudanças que só ocorrerão a partir do final dos anos 1950.
A Retomada e a Renovação dos Super-Heróis
O capitalismo oligopolista transnacional que emerge a partir da supremacia do regime de acumulação intensivo-extensivo não é estático. A guerra mundial produziu uma ampla destruição das forças produtivas, principalmente na Europa, e a reconstrução européia mobilizou e possibilitou uma retomada da acumulação capitalista em grande escala. A partir de 1945, a reconstrução da Europa marca um processo ascendente e que foi acompanhado por um processo de maior intervenção estatal em todas as instâncias da vida social, bem como pela expansão do capital transnacional e do fordismo e tudo que lhe acompanha (uso da tecnologia para aumento da produtividade, ou seja, extração de mais-valor relativo, produção em série, sistema de crédito, etc.). Este processo vai gerar, nos países imperialistas, especialmente EUA e Europa, um aumento considerável do poder aquisitivo e do mercado consumidor, bem como o crescimento de determinados setores de consumo.
Há, neste contexto, uma retomada da produção de quadrinhos no gênero superaventura. Por um lado, temos uma retomada por parte da DC Comics.
A DC Comics lançou o movimento a partir de 1957, primeiramente de maneira tímida com a série de Jack Kirby Challengers of the Unknown, pondo em cena uma equipe de heróis atléticos, sem superpoderes, mas que enfrentam feiticeiros, e depois de maneira mais clara com a retomada de Flash, por Carmine Infantino, em 1959. Em 1960, era criada uma ‘Justice League of America’ para agrupar diversos super-heróis, tal como acontecera com a antiga ‘Justice Society of América’, nos anos 40. Foram assim ressuscitados Green Lantern (1960), por Gil Kane, Sid Green e depois Neal Adams; The Atom por Gil Kane sobre textos de Gardner Fox; Hawkman (1964), pelo desenhador Murphy Anderson sobre argumento de Gardner Fox; Batman (1966) por Bob Kane, Dick Giordano, Neal Adams e outros; finalmente, The Spectre (1967), por Murphy Anderson e depois Neal Adams. Os anos 1966-67 conheceram uma corrente de ‘Batmania’ que deu origem à produção intensa de distintivos deste super-herói, de batmobiles em brinquedos miniatura, etc. (RENARD, 1981: 98)
     Mas além de ressuscitar super-heróis, a DC também produziu novos super-heróis: Adam Strange (1960), Deadman (1967), Captain Action (1968). A Charlton Comics entrou em cena e produziu através de Steve Ditko uma safra de super-heróis composta por Captain Atom (1965) e The Question (1968), além de retomar Blue Beetle (1967), tal como coloca Renard (1981). Porém, a fábrica de super-heróis de maior produção e destaque foi a Marvel Comics:
Sob o impulso do argumentista Stan Lee, que é um dos mais fecundos e imaginativos criadores de super-heróis, foram criados numerosos personagens, não apenas retomados ou modernizados. As criaturas de Stan Lee diferem bastante dos super-heróis tradicionais. É certo que também possuem um vestuário ou um aspecto original, um corpo de atleta, uma identidade dupla, assim como poderes maravilhosos; mas estes são simultaneamente mais extraordinários e especializados; Superman e Batman são de certo modo polivalentes, enquanto que The Human-Torch já é um especialista em incêndios, a Invisible Girl só pode contar com a sua invisibilidade, e Medusa apenas pode recorrer ao seu cabelo para agarrar pessoas ou objetos. Por outro lado, os super-heróis de Stan Lee, contrariamente aos anteriores à guerra, possuem uma personalidade quase neurótica, mesmo quando se apresentam como super-heróis; têm os defeitos e complexos dos homens normais, conhecem o ódio, o amor, o egoísmo. Alguns deles são mesmo antigos ‘super-maus’, como Sub-Mariner ou Silver Surfer. Finalmente, e muito mais do que os primeiros super-heróis, os dos anos 60 têm muito a ver com a Energia ou as energias: fogo, água, terra e ar, e ainda a eletricidade, o átomo, o raio laser, a antimatéria, e energia Psi, etc. (RENARD, 1981: 98-99)
Stan Lee, ao lado de grandes desenhistas e colaboradores como Jack Kirby, Steve Ditko e vários outros, fez reaparecer Namor e Capitão América, e criou toda uma nova safra de super-heróis: Quarteto Fantástico, Homem-Aranha, Hulk, X-Men. Estes novos super-heróis conquistaram um grande espaço no interior do capital comunicacional e passaram a expressar uma nova fase do mundo dos super-heróis, agora marcada pela retomada e renovação, com a concomitante ampliação da produção, da qualidade, da diversidade e do consumo.
Como explicar este processo? Sem dúvida, a iniciativa de retomar os super-heróis por parte da DC Comics e Charlton Comics foi importante, e, principalmente, a produção da Marvel Comics. A hegemonia da DC Comics no primeiro período dos super-heróis, graças ao Superman e ao Batman, foi suplantada pela hegemonia da Marvel Comics com uma grande diversidade de super-heróis, com destaque para o Homem-Aranha, mas também com Hulk, Quarteto Fantástico, Demolidor, Namor, Capitão América, Thor, Homem de Ferro, entre inúmeros outros. Porém, estes novos produtos culturais não surgem do nada. Eles nascem do processo social e, por isso, é preciso compreender as mudanças sociais e culturais do período para entender este novo fôlego da superaventura.
A determinação fundamental desse processo é a estabilização do capitalismo oligopolista transnacional na Europa e nos EUA. O aumento do poder aquisitivo da população, a política de integração da população realizada pelo Estado Integracionista, o sistema de crédito, possibilitou o aumento do consumo e uma ampliação do consumo cultural. Porém, nesta nova fase, temos a emergência do que alguns sociólogos chamaram “Sociedade do Consumo”, e Henri Lefebvre qualificou com mais precisão de “sociedade burocrática de consumo dirigido” (LEFEBVRE, 1991). Outro elemento que acompanha este processo é a consolidação da juventude como grupo social (VIANA, 2004) e seu crescimento quantitativo na Europa com o rejuvenescimento da população a partir do final dos anos 1950, bem como o seu potencial de consumo.
Nos países que tomaram parte da Segunda Guerra Mundial, foram sacrificadas principalmente as gerações jovens. A Europa ficou convertida num continente de homens e mulheres velhos e de crianças. A ‘guerra fria’  foi acima de tudo assuntos destes ‘velhos’, conforme se pode verificar averiguando a idade dos políticos da época. Na verdade, as crianças daqueles anos se transformaram em adultos por volta do fim dos anos 50, década que, por outro lado, assistia ao desaparecimento dos anciãos, que até então dirigiam as nações. Isto fez com que, de súbito, se registrasse o crescimento da problemática juvenil como um fenômeno característico. Porém, esta juventude não tinha muito a ver com o passado bélico que havia oposto e destruído os seus ascendentes. Portanto, o salto que surgiu entre a sensibilidade do passado e a do presente não podia ser maior, na falta de uma geração intermediária que agisse como ponte. A população que saudou a chegada dos anos de 1960 era fundamentalmente jovem. A diminuição da mortalidade infantil, cada vez mais notória nos países desenvolvidos, contribuiu notavelmente para este rejuvenescimento tão visível. (CARANDELLI, 1979: 35-37)
Assim, a partir dos anos 1960, a população juvenil, principalmente na Europa (mas também, em menor grau, em diversos outros países) teve um crescimento proporcional muito grande. Ao lado disso, o poder aquisitivo maior da população e o consumismo que acompanha o capitalismo oligopolista transnacional (VIANA, 2009) foram acompanhados por uma crescente mutação valorativa, na qual a poupança perde espaço e prestígio e, em seu lugar, devido às estratégias das grandes empresas oligopolistas como a publicidade e a fabricação de necessidades artificiais, o consumo passou a ser valorado e prestigiado. A população juvenil também passou a ter um crescimento de seu poder aquisitivo, tornando-se um nicho de mercado visado pelo capital comunicacional (“indústria cultural”) explorado pela produção cinematográfica, musical, etc. e outras frações do capital que podiam usufruir desta nova faixa do mercado consumidor.
A nova safra de super-heróis da Marvel Comics é produto destas mudanças históricas e outras relacionadas. Uma delas é a da força do arsenal nuclear que veio à luz com a Segunda Guerra Mundial, e Hiroshima foi o grande exemplo. A corrida armamentista da Guerra Fria e a corrida espacial que lhe acompanhou promoveram uma nova onda de interesse por ficção científica, bem como o “equilíbrio do terror” entre as duas superpotências proporcionaram uma percepção da ciência e da tecnologia marcada pelo temor. O efeito do temor social dos produtos científico-tecnológicos estará presente na literatura de ficção científica, no cinema e nos quadrinhos. Porém, o temor social irá, num primeiro momento, provocar um recuo da ficção científica e, num segundo momento, promover o interesse baseado no “retorno do reprimido”. É por isso que a ficção científica no cinema será bastante reduzida até 1949 e somente após 1955 irá ampliar sua produção. “Verifica-se de 1945 a 1949, uma afrouxamento da produção de filmes de ficção científica na América” (SICLIER e LABARTHE, [s.d.]: 70). A partir de 1950, há uma retomada da ficção científica, que vai se consolidar no final dessa década e nos anos 1960.
Isto não será diferente com o mundo dos super-heróis. A superaventura passa a ter no efeito do temor social dos produtos científico-tecnológicos um dos seus principais leitmotiv. Se a retomada da superaventura por parte da DC e da Charlton Comics não forneceu tanta ênfase a este efeito de temor social, a renovação da Marvel Comics, graças principalmente a Stan Lee, teve nele sua grande inspiração. O Homem-Aranha é um jovem comum que ganha seus poderes devido à picada de uma aranha contaminada por radioatividade; o Quarteto Fantástico tem sua origem através do contato com raios cósmicos, o que foi provocado por viagem espacial[7]; o Hulk surge graças à exposição do cientista Bruce Banner aos raios gama; grande parte dos super-heróis e dos supervilões são alienígenas que aterrisam no planeta terra: Galactus, Surfista Prateado, etc.
Stan Lee cumpre um papel fundamental nesse processo, pois ele buscava reunir a ficção e o extraordinário com a racionalidade. Isto pode ser exemplificado numa entrevista na qual comparou os super-heróis da Marvel com os da DC Comics, e afirmou não compreender como o Superman podia voar. Namor, dizia ele, possuía pequenas asas nos pés; Thor era guiado por seu martelo de Uru (posteriormente batizado no Brasil de Mjolnir); o Homem de Ferro tinha os jatos de sua armadura e assim por diante. Claro que as asas dos pés de Namor são desproporcionais em relação ao corpo do super-herói e jamais conseguiriam fazer alguém voar, mas isto não vem ao caso. A explicação é problemática, mas existe. Assim, Stan Lee vai ter um papel importante na renovação e no papel concedido para a ficção científica nesse processo. Obviamente que tal contribuição está ligada ao contexto e renascimento da ficção científica em geral, bem como ao público juvenil que se formava nessa época.
É neste contexto que podemos entender o surgimento da nova safra de super-heróis e as suas características. Alguns exemplos poderão esclarecer isto. O surgimento do Homem-Aranha está intimamente ligado a este processo de mudanças sociais. Em primeiro lugar, a origem dos superpoderes deste personagem está em uma aranha contaminada por radioatividade, o que permitiu a transmissão de algumas de suas características para Peter Parker. A ficção científica se mostra presente na explicação da origem dos seus superpoderes, bem como no uso do fluído que ele produz para produzir suas teias e o mecanismo para lançá-las. O personagem Peter Parker era um jovem colegial, o que torna mais fácil a identificação com ele por parte do público juvenil. Na capa do número 01 da revista do Homem-Aranha, ele aparece carregando uma pessoa pelo ar segurando sua teia e afirmando: “embora o mundo possa zombar de Peter Parker, o jovem tímido, logo se maravilhará diante do poder do Homem-Aranha”. Desta forma, o Homem-Aranha é a realização imaginária de um desejo inconsciente da juventude, o jovem real e o jovem ideal, Peter Parker e o Homem-Aranha. O texto da capa mostra justamente isso, o que o jovem é e o que ele quer ser.
Os super-heróis como Capitão América, Batman e Superman eram relativamente sem personalidade, um tanto quanto vazios além do sentido de dever, do bom-mocismo e do moralismo. A juventude emergente exige uma maior complexidade dos personagens e a irreverência, a ironia, a ambigüidade, marcada pela situação da juventude na sociedade moderna (VIANA, 2004) provocam uma composição mais complexa dos personagens. É por isso que Renard (1981) irá afirmar que os super-heróis da Marvel são mais humanos, possuem defeitos e sentimentos.
O jovem Peter Parker não queria ser um super-herói. Ele vestiu a fantasia de Homem-Aranha para lutar no ringue e ganhar dinheiro. A sua opção por ser um super-herói foi provocada pela morte do seu tio e pelo sentimento de culpa, pois antes ele havia se encontrado com o assaltante e não impediu sua fuga por não considerar problema dele. Neste contexto, o Homem-Aranha era o “tipo ideal”, pois ele mesmo era jovem e assumia a identidade juvenil com suas irreverências e ironias, abrindo caminho para a popularidade na faixa da população que mais consumia quadrinhos na época. A juventude não é algo dado pela idade ou pela biologia; ela é sim um produto social (VIANA, 2004), no qual a escolarização assume papel fundamental e a condição ambígua do jovem, integrado parcialmente na sociedade e trazendo em si a recusa do futuro papel de adulto simultaneamente com o desejo das vantagens deste papel, é similar ao dilema do Homem-Aranha, entre ser herói ou ser uma pessoa descomprometida com tal dever. Parker precisa ganhar dinheiro para sustentar sua tia viúva que o criou e cuja viuvez era responsabilidade que ele atribuía a si mesmo.
Ele era um colegial, tal como milhares de leitores do Homem-Aranha, em constantes atribulações com as garotas e com as amizades. Além disso, o Homem-Aranha satisfazia as novas demandas imaginárias da época e da juventude: era um individuo comum, pacato, com os problemas de qualquer outro jovem; mas, vestindo uma fantasia, se tornava um super-herói, aquele que não precisa ter dúvidas quanto ao que deve fazer, que pode ironizar, lutar pela liberdade e exercê-la parcialmente. Os diálogos do Homem-Aranha nos combates com seus inimigos são recheados de ironia, humor e irreverência, mostrando uma transgressão imaginária, desejo de liberdade que acompanha o inconsciente coletivo e especialmente a juventude (VIANA, 2005). Ele é uma reprodução dos dilemas juvenis, e os conflitos interiores do personagem refletem isso, tornando-o um personagem que agrada a juventude. Assim, o público jovem precisa do herói ou super-herói para realizar na fantasia o que não pode ser feito na realidade, devido ao processo de opressão e ressocialização a que está submetido. É esta situação do jovem que o predispõe para se inspirar e cultuar os heróis e super-heróis. É por isso que alguns, tal como Sidney Hook (1962), naturalizam “o culto juvenil do herói”, não percebendo que se trata de um fenômeno social.
Outro personagem juvenil da época é o Tocha Humana. A origem do Tocha Humana, tal como de todo o Quarteto Fantástico, são os raios cósmicos. O Tocha Humana também é jovem, suas aparições são bem humoradas, tal como em suas contendas com O Coisa, bem como mostra outros interesses juvenis, tal como o namoro, inclusive sua aproximação com Cristal (posteriormente batizada de Cristalis)[8], integrante do grupo Os Inumanos, raça de superseres comandados por Raio Negro e de origem alienígena (esse grupo foi criado em 1964 e sempre aparecia nas histórias do Quarteto Fantástico).
O período histórico de 1949 a 1955 não foi uma época de muitos monstros. Após o crescimento espetacular dos monstros no cinema nos anos 1930 através da Universal Pictures (Drácula, Frankenstein, Homem-Insivível, Múmia, Lobisomem), houve uma diminuição na produção cinematográfica e um novo crescimento começa paulatino a partir de 1955. Os super-heróis anteriores nunca foram apresentados como monstros, pois esse papel cabia aos supervilões. Porém, o Incrível Hulk e o Coisa são super-heróis. Esses dois super-heróis não são da linha do sobrenatural, tal como Drácula, Lobisomem e outros, ou como supervilões deformados como alguns inimigos de Batman, Pingüim, por exemplo, ou inimigos do Capitão América, tal como o Caveira Vermelha. Eles estão mais próximos da criação humana, tal como Frankenstein e Mister Hide (Dr.. Jekill). Eles compõem a “via B” de construção de monstros, segundo terminologia de Lenne (1974), que não se fundamenta no sobrenatural, que seria a “via A”, e sim no próprio ser humano. Frankenstein é produto de um cientista, e Dr. Jekill é um médico que se transforma em monstro. A inspiração para a criação do Hulk, segundo Stan Lee, foi justamente O Médico e o Monstro, ou seja, a história de Dr. Jekill e Mr. Hide, que, além do livro, já possuía, nessa época, duas versões cinematográficas (1939 e 1943). Assim, Hulk não apenas recorda Dr. Jekill, como coloca Renard (1981), mas é inspirado diretamente nele.
O cientista Bruce Banner foi exposto aos raios gama e se transforma numa figura gigantesca, poderosa e horrível. Para aqueles que já viram os desenhos das primeiras histórias de Hulk e os filmes citados, poderão observar a semelhança na aparência dos dois monstros. Da mesma forma que Mister Hide, Hulk não se controla e, quanto mais perde o controle, mais forte fica. A origem do Hulk e sua aparência demonstram a mesma crítica dos produtos científico-tecnológicos que já se encontra em O Médico e o Monstro. Este é o caso também do Coisa, também de aparência horrível, o seu principal dilema. A viagem espacial e o contato com raios cósmicos – só possível com uso de naves e aparelhos tecnológicos – o transformam em um mostro, de forma involuntária e apenas na aparência, pois ele controla suas ações. Sua origem, portanto, está intimamente ligada aos produtos científico-tecnológicos, que possibilitam sua mutação/deformação, o que se revela em sua aparência física.
Outros super-heróis da Marvel Comics estão intimamente ligados com o desenvolvimento tecnológico e científico, tal como os X-Men, Inumanos, Homem de Ferro, etc. Porém, existiam exceções. Os seres superpoderosos ganham seus poderes ou nascem com eles. Geralmente, são os alienígenas e deuses que nascem com superpoderes. No caso da Marvel, a mitologia nórdica forneceu a base para o surgimento de Thor, O Deus do Trovão e todos os deuses de Asgard (Odin, Balder, Sif, Karnak, Voolstag, Heidall, etc.), inclusive os maus, tal como Loki, meio-irmão de Thor e seu grande inimigo, além de inúmeros seres (os Krolls, por exemplo) e monstros poderosos, como Ragnarok. Zeus e Hércules são outros deuses, inspirados na mitologia grega, que convivem, neste mundo fantástico, no mesmo universo fictício que a população de Asgard.
Estas exceções não anulam o processo fundamental da influência do desenvolvimento científico-tecnológico e da ficção científica na produção dos super-heróis da Marvel Comics. Os Deuses e seres mágicos (tal como Doutor Estranho) não possuem seus poderes por serem alienígenas (Superman), por usarem aparato tecnológico (Batman, Homem de Ferro), por terem sido afetados por radioatividade ou qualquer outra experiência científica (Quarteto Fantástico, Hulk, Tubarão, Demolidor, X-Men) ou por pertencerem a outra raça (Namor e os atlantes, os Inumanos). A fonte dos seus superpoderes é misteriosa e esta é a diferença. Quando a supervilã Feiticeira lança um feitiço sobre uma moça louca e a transforma em Valquíria (integrante do grupo Os Defensores, junto com Doutor Estranho, Hulk, Namor, Gavião, Surfista Prateado, entre outros) se descobre como esta última se tornou uma super-heroína, ao se libertar do domínio da outra, mas o superpoder da outra, origem do dela, permanece um mistério. Não existe nenhum apelo místico ou religioso em tais super-heróis e supervilões. Eles são como qualquer outro super-herói, tendo virtudes e defeitos, bondade e maldade. E vivem num mundo fictício lógico e organizado racionalmente. Thor é um Deus que luta com seres humanos superpoderosos (Os Vingadores), ou contra eles (supervilões, Os Defensores). Isto mostra o quanto os deuses do mundo Marvel foram secularizados, e o seu único diferencial é a origem misteriosa dos seus superpoderes, o que, no entanto, é semelhante à origem dos superpoderes dos alienígenas e raças diferentes, já que nascem com tais superpoderes.
O Envelhecimento dos Super-Heróis
O mundo dos super-heróis foi abalado pelas mudanças sociais ocorridas a partir da segunda metade dos anos 1965, principalmente a partir de 1968. O mundo inteiro foi abalado e a ficção também. Já a partir dos anos 1965, há uma mudança provocada pelas transformações sociais, tais como a contracultura, a ascensão de alguns movimentos sociais (direitos civis, negro, feminista e estudantil), as lutas sociais que começam a retomar uma certa radicalidade, entre outros fenômenos. É neste contexto que o mundo dos quadrinhos passa a ter uma forte expansão dos quadrinhos eróticos (Barbarella, Saga de Xam, etc.) e de horror (Kriminal, Diabolik, Satanik). Isto continua até os anos 1970. As histórias em quadrinhos mudam neste contexto, pois o processo de ascensão das lutas sociais promove o recuo da intervenção estatal e da classe dominante em determinadas esferas. Isto se manifesta especialmente no plano cultural, se desenvolveu uma contra-revolução preventiva (VIANA, 2009), que Marcuse (1971) vai perceber no plano político. Sendo assim, a partir de 1970, ocorrem mudanças sociais e, nos quadrinhos, elas atingem diretamente o mundo dos super-heróis. Além do que já foi colocado anteriormente, é neste período que ocorre a liberalização do código e afrouxamento da censura sobre os quadrinhos, como parte do processo de contra-revolução preventiva: “Em janeiro de 1971 os quadrinhos podem por fim abordar determinados temas tabus como a sedução e a droga, e também mostrar certa simpatia pelos criminosos e até duvidar das autoridades oficiais” (BARON-CARVAIS, 1989: 30). Embora ainda com restrições, no caso dos EUA, a censura é abrandada.
O público juvenil dos períodos anteriores se torna adulto e parte continua lendo super-heróis, o que também reforça a tendência de reformulação do mundo dos super-heróis. Isto é reforçado por uma maior politização da juventude neste período. Os personagens devem se tornar mais complexos, os temas mais sérios, e assim por diante. O Batman com sua bat-família (Batwoman, Batgirl, Batmirim, Batcão...) no início dos anos 1960, que fornecia um ar conservador e familiar para resistir a críticas como a de Wertham, significou a infantilização deste super-herói em grande escala, o que foi reforçado pela série da TV nos anos 1960, tal como Superman também tinha sua família, e a partir do final dos anos 1960, com Neal Adams, passa a ser um super-herói mais complexo.
O envelhecimento do público também provoca o envelhecimento dos super-heróis da Marvel Comics. Esse processo gerou no mundo dos quadrinhos novos temas, personagens, acontecimentos. No caso do Homem-Aranha, ocorreu a morte de Gwen Stacy, sua namorada, e foi resultado do dilema entre matar a personagem ou promover o seu casamento com Peter Parker. A opção foi a primeira, mas a sua existência já revelava que Peter Parker estava entrando no mundo adulto e a solução foi apenas um adiamento em um dos aspectos da vida adulta, tal como muitos indivíduos fazem. A decisão foi prorrogar a transição deste personagem para a vida adulta e que só será concluída em 1987, quando ocorrerá seu casamento, com outra personagem. Assim, o Homem-Aranha dos anos 1970 é um meio-adulto, que passa a viver questões mais complexas e profundas que no período anterior. Harry Osborn se mostra novamente envolvido com LSD, o que é sugestivo e expressão da época.
A Marvel Comics lança novos personagens, entre eles Luke Cage e Falcão, ambos personagens negros. A criação de personagens negros, que já existiam na Marvel, tal como Pantera Negra (1966) e Falcão (1969), que passa de criminoso para ajudante do Capitão América. A origem, na ficção, de Luke Cage e Falcão é o Harlem, bairro negro norte-americano e ambos são, inicialmente, criminosos. Já o Pantera Negra, é um príncipe de um fictício país africano. Porém, é a partir de 1970 que Luke Cage (1972) aparece e o Pantera Negra passa a ter aventuras próprias. Em 1975, surge Tempestade, integrante dos X-Men, e Golias Negro (1976). A DC Comics também cria diversos super-heróis negros: Vikin, O Negro (1971); Núbia, a irmã negra da Mulher-Maravilha (1973), o Lanterna Verde reserva que era negro, John Steward, Black Ligthtning – Raio Negro (não confundir com o outro Raio Negro da Marvel Comics, líder dos Inumanos, e, muito menos, com o super-herói brasileiro homônimo), entre outros. A emergência de super-heróis negros está ligada ao processo de fortalecimento do movimento negro nos anos 1960, ao uso desta temática como novo filão de mercado e como parte da contra-revolução preventiva. Os negros passam a ocupar um lugar no mundo do capital comunicacional e nos meios tecnológicos de comunicação como resultado das lutas sociais e seus efeitos posteriores e isto irá atingir o capital editorial.
Mas o capital editorial não se limitará a abordar a questão das drogas, criar personagens negros, pois irá também expandir o número de personagens femininas que expressa a ascensão do feminismo no final da década de 1960, tal como Ms. Marvel, criada em 1968 e que ganhou revista própria nos anos 1970; Mulher-Aranha (1977); A Gata (1972), entre outras. Apesar da falta de criatividade na criação de personagens femininos, o que continua até hoje, a começar porque são geralmente versões femininas de super-heróis masculinos, tal como Mulher-Aranha, Mulher-Hulk, Shanna (era versão feminina de Tarzan para a Marvel e depois se tornou esposa de Ka-Zar, outra cópia do mesmo personagem, só que inserido no mundo Marvel), Ms. Marvel, etc., que até os uniformes são semelhantes aos de seus predecessores masculinos (Homem-Aranha, Hulk, Tarzan, Capitão Marvel, respectivamente). Raras foram as exceções, como Tempestade, do grupo X-Men. Também os sucessos da cultura mercantil e cinematográfica terão grande impacto na Marvel, e isso justifica a criação de A Tumba de Drácula e Blade, o Caçador de Vampiros, e os diversos personagens ligados ao Kung-Fu, na era de Bruce Lee e dos filmes do gênero: Shang-Chi, o Mestre do Kung-Fu foi o principal, ao lado de Punhos de Aço (ou Punhos de Ferro, dependendo da versão) e diversos outros (GUEDES, 2008). A mudança formal também ocorre, com os desenhos ganhando maior qualidade e precisão e substituindo os traços menos realistas ou mais caricatos que ainda existiam. Os traços se tornam mais precisos e isto não é gratuito, ou seja, reflete o processo axiológico por detrás dos super-heróis (REBLIN, 2008)[9].
Na DC Comics, os super-heróis também começam a ganhar mais complexidade. As histórias simples e ingênuas de Batman e Superman já não agradavam a totalidade do público. E, por isso, a DC teve que, através dos responsáveis pela sua produção, complexificar os personagens. Neal Adams e Dennis O'Neil foram os responsáveis pela remodelação do Arqueiro Verde. O Arqueiro Verde, ao lado do Lanterna Verde, envolvia-se em debates mais sérios e politizados com este, se opondo ao seu conservadorismo. Além disso, ele perdeu sua fortuna e passou a se preocupar com questões sociais e a se aproximar das classes exploradas. Ele também ganhou uma “personalidade própria”, se tornando mais temperamental. Em uma das histórias, aparece o tema do vício em heroína de seu ajudante Ricardito, exemplo de sua aproximação com a realidade social.
Batman ficou mais complexo também, remontando suas origens. Robin passou a ser um estudante universitário, e as histórias do Homem-Morcego deixaram de ser em dupla e passaram a ser ambientadas no período noturno. O Superman também ficou mais complexo e o tema da morte também aparece, tal como quando foi infectado por um vírus alienígena consciente e quase morre. A criação, em 1960, da idéia de uma “Terra 2”, um planeta terra paralelo no qual os super-heróis das origens de 1940 ainda existiam e envelheciam, só foi amplamente utilizada a partir dos anos 1970. Em 1966, surge o Superman da Terra 2. Mas é a partir de 1971 que se busca reformular o Superman e, por isso, Dennis O’Neil é chamado para realizar a transformação deste personagem tal como havia feito com Batman.
Assim, as histórias do Superman mudam através do Superman da Terra 2, que envelhece, abandona o jornal Planeta Diário e passa a ser apresentador de telejornalismo na rede WGBS, que adquiriu o referido jornal. Ele perde parte de seus superpoderes para uma duplicata através de uma experiência de laboratório, que também destrói toda kryptonita existente no planeta Terra. A mudança mais significativa e que demonstra sua entrada definitiva na vida adulta é seu casamento com Lois Lane. Porém, o Superman era diferente do Homem-Aranha. Se, em 1954, foi criada uma versão jovem do Superman, o Superboy, isto se devia ao fato de que a DC Comics não produziu novos super-heróis adequados à época como fez a Marvel Comics, apenas buscou adaptá-los, sem o mesmo êxito e qualidade.
A DC Comics também buscou criar novos personagens adequados à época, mas sem o mesmo brilho que a Marvel. Assim, a Mulher-Maravilha ganhou mais destaque por ser uma personagem feminina, e outras super-heroínas foram criadas, como Orquídea Negra. Também o Kung-Fu ganhou espaço, com Karatê Kid e Dragão do Kung Fu, publicado na revista Kung Fu Fighter, não por coincidência nome semelhante ao do grande sucesso musical da época: Kung Fu Fighting.
Este processo todo teve como determinação fundamental as transformações sociais ocorridas a partir da segunda metade da década de 1960, o que fez surgir novas temáticas e super-heróis, bem como foi reforçado pelo público adulto leitor de quadrinhos e uma maior politização da juventude, criando um mercado consumidor que reforçava esta renovação temática. A crise do regime de acumulação intensivo-extensivo a partir do final dos anos 1960 e o processo de lutas sociais forçam a concessões, novas temáticas, novos personagens, que estão ligados ao processo de contra-revolução preventiva que permeará a cultura dos anos 1970. Porém, se os anos 1970 foram marcados por uma contra-revolução cultural preventiva e pela tentativa de resolver a crise do regime de acumulação intensivo-extensivo sem alterá-lo, a partir de 1980, temos a emergência de um novo regime de acumulação, o que provocará vários efeitos sobre os quadrinhos e o mundo dos super-heróis.
A Reorganização e a Inovação no Mundo dos Super-Heróis
A emergência do capitalismo neoliberal, marcado pelo regime de acumulação integral, provoca várias mudanças no mundo dos super-heróis. O novo regime de acumulação foi se formando paulatinamente a partir da reestruturação produtiva, do neoliberalismo e do neoimperialismo, sendo que avança mais rápido em alguns países, apesar de suas especificidades. Os anos 1980 são marcados pela emergência desse novo regime de acumulação, sendo que, no final da década de 1980, já é hegemônico e se consolida nos anos 1990[10]. O que ocorre é que as histórias em quadrinhos passam a reproduzir, intencionalmente ou inintencionalmente, características deste período. Como resultado do novo regime de acumulação, temos o aumento da exploração dos trabalhadores, aumento do desemprego, intensificação da criminalidade, violência e pobreza, em todo o mundo. Já a partir do final dos anos 1990, há uma ascensão das lutas sociais, o que abre espaço para novas mudanças no mundo dos quadrinhos, tal como mostraremos adiante.
Esse processo de mudanças começa a atingir o mundo dos super-heróis. A principal mudança formal se manifesta nos desenhos de grande parte do mundo dos super-heróis: super-heroínas formosas e traços realistas e coloridos, alguns com maestria, tal como nos super-heróis da Image Comics. A Mulher-Maravilha, por exemplo, passa a ter uma representação do seu corpo semelhante às super-heroínas da Image Comics, ganhando em sensualidade. O desenvolvimento tecnológico e a nova era dos super-heróis promovem um aprimoramento formal. Porém, as grandes mudanças ocorrem na instância do conteúdo das histórias.
A partir de 1986, John Byrne começa a modificar o Superman. Isto ocorre após a série “Crise nas Infinitas Terras”, no qual se busca solucionar o confuso processo de existência de diversas “Terras”, o que permitiu solucionar algumas contradições do Superman, mas criando outra enorme confusão, principalmente na cabeça dos leitores. Ao contrário da Marvel Comics, na qual a coerência era mantida, a DC tinha histórias de Superboy e histórias em que Superman só existe a partir da idade adulta, o que as diversas “Terras” solucionava, colocando um em uma Terra e outro em outra. Superman se torna menos poderoso e seu alter-ego, Clark Kent, deixa de ser uma figura exageradamente simplória. Também deixa de ser o herói sem dilemas e passa a até ter o papel de joguete nas mãos de um governo que, nos bastidores, é controlado por Lex Luthor, tal como em O Cavaleiro das Trevas II, história de Batman, sem falar em crises de consciência e de identidade. A morte da Supermoça é outro elemento das mudanças da superaventura, no qual a morte é tematizada e concretizada no mundo dos super-heróis. O próprio Superman morre em 1993, para depois ressurgir das cinzas, o que promoveu uma grande vendagem de sua revista que não andava muito lucrativa.
Batman, por sua vez, se torna mais sombrio, voltando as origens e indo além dela, pois ganha em violência e dilemas existenciais. A partir dos anos 1980, Batman passa a ser um herói que reflete a realidade de crescente violência e desesperança. Em O Cavaleiro das Trevas (1986), está num futuro sombrio com mais de 50 anos, vivendo uma crise de identidade e mostrando-se violento. Em Piada Mortal (1988) há a repetição do problema existencial, Batman procura o Coringa para evitar que um mate o outro, além da violência também presente, que atinge um grau elevado quando o Coringa tortura o comissário Gordon ou então quando deixa Bárbara Gordon, a Batgirl, aleijada. Em Cavaleiro das Trevas II, isto acaba se repetindo, pois num futuro sombrio e fascista comandado por Lex Luthor, Batman também se revela sombrio e enfrenta Superman, fiel serviçal do poder.
O mundo Marvel também sofrerá mudanças. A partir da década de 1980, os personagens passam a ter novidades. O Homem-Aranha finalmente chega à idade adulta, com seu casamento com Mary Jane em 1987, assim como outros super-heróis passam a ter modificações. A partir da série “Guerras Secretas” (1984), há uma alteração importante no mundo Marvel. Este processo vai sendo ampliado e um super-herói acaba se destacando no mundo Marvel, como símbolo da época: Wolverine. Um super-herói mais violento e agressivo, mas também mais decidido. Este integrante do grupo X-Men terá uma ascensão e se tornará no capitalismo neoliberal, um dos principais super-heróis Marvel.
Outra modificação no mundo dos super-heróis deste período reside na adequação ao admirável mundo neoliberal em seu processo de hipermercantilização gerada pela necessidade de reprodução ampliada do consumo num mundo já consumista e de nível elevado de consumo (por determinados setores da população e com maior índice em determinados países, que fique claro). As modas e os produtos culturais passam a ser cada vez mais efêmeros e a renovação deve ocorrer mais rápido. Isto significa, para o capital editorial dos quadrinhos, a necessidade de ampliar o mercado consumidor, criar novos nichos de mercado, renovar mais rapidamente a produção, entre outras estratégias. Neste contexto, também há um acirramento da competição entre os oligopólios do capital editorial dos quadrinhos (especialmente DC Comics e Marvel Comics)[11] e entre os demais concorrentes menores[12].
A busca de mercado consumidor fez ressuscitar os chamados crossovers, embates entre super-heróis que teve grande sucesso quando foi lançado em 1976 a luta entre Superman e Homem-Aranha, e os leitores puderam ver Batman versus Hulk, bem como X-Men versus Novos Titãs (grupo da DC Comics que tiveram vários personagens acusados de serem plágios dos mutantes da Marvel: Ravena de Tempestade; Ciborg de Colossus, etc.), entre outros. Porém, a grande estratégia foi o lançamento das séries e minisséries. Foi devido a isto que surgiram as séries Crise nas Infinitas Terras e Cavaleiro das Trevas (I e II), entre outros, na DC Comics e Guerras Secretas (1984), Guerras Secretas II (1986), até chegar às mais recentes, tal como Guerra Civil (2006-2007), pela Marvel Comics.
Outra estratégia foi o lançamento das Graphic Novels[13] que, no mundo dos quadrinhos dos anos 1980 até hoje, são a forma para se referir à publicações encadernadas, com preço mais elevado e histórias mais longas, geralmente para o público adulto. Entre as principais Graphic Novels lançadas temos Cavaleiro das Trevas (a minissérie encadernada) e A Morte do Capitão Marvel. Foi a partir dos anos 1980 que a Marvel lançaria a Marvel Graphic Novels, publicando mais de 35 obras. A intenção das Graphic Novels é atrair os setores mais intelectualizados e daí a maior complexidade das histórias, acompanhadas por questões éticas, existenciais, políticas, entre outras. Se, na década anterior, buscou-se atrair o público adulto, na nova década, o público que se busca agregar (além de nichos de mercado específicos, como mostraremos adiante) é principalmente o público formado pelos setores intelectualizados, ou seja, adultos mais exigentes e com maior poder aquisitivo. Segundo Quella-Guyot:
O álbum se impõe, enquanto as revistas se resumem às pré-publicações publicitárias, o que faz delas apenas catálogos de editores, sem alma e, em conseqüência, sem público. Por outro lado, os álbuns aparecem antes do fim da pré-publicação, o que em nada estimula os leitores a continuar a sê-lo. Em 1989, 288 das 540 publicações novas foram álbuns ‘diretos’ (ou seja, 53,3%), quer dizer, obras nunca pré-publicadas, o que reduz muito a remuneração dos autores, que antes se beneficiavam de direitos de cada aparecimento (QUELLA-GUYOT, 1994: 97).
Com exceção do preço, o álbum (tanto o que é chamado Graphic Novels, os quadrinhos épicos, quanto as séries e minisséries que são posteriormente encadernadas) traz, para o leitor, várias vantagens:
O gosto pela obra completa, acessível a uma única leitura e que se pode organizar por autores à feição de outros livros, está na origem da alarmante rejeição das revistas, produto de aparência menos sólida e mais perecível. De apresentação cada vez mais resistente (capa dura e edições de luxo), os álbuns são o sinal evidente do sucesso do autor e marca de propriedade do leitor, que pode a todo momento reler ‘seu’ livro. Esse público ‘ado-adulto’ gosta de encontrar uma narrativa completa, se bem que agora assistamos à publicação de quatro ou cinco títulos que dão uma volta ao mundo. A revista apresentava o inconveniente essencial de apresentar tiras pouco apreciadas pelo leitor, que tinha que admitir em ‘sua’ revista autores de que não gostava. A compra de álbuns só oferece, dessa perspectiva, vantagens (afora o custo) (QUELLA-GUYOT, 1994: 97)[14]
A busca do mercado consumidor também ganha espaço no apelo para emoções mais fortes e mudanças mais bruscas. A Morte da Supermoça é apenas um dos elementos deste processo. Em Crise nas Infinitas Terras, vários super-heróis da DC Comics morrem, embora a maioria sem grande importância. O lançamento de A Morte de Superman provocou uma grande vendagem. Logo seria lançado O Retorno de Superman. Muitos outros morreram e ressuscitaram a partir de 1980, embora alguns não tenham tido esta sorte. Os grandes confrontos apocalípticos também atraíram o público, tal como Guerras Secretas e Guerra Civil, da Marvel, além das Crises da DC (Crise nas Infinitas Terras, Crise de Identidade, Crise Infinita e Crise Final). Além disso, a crise de identidade e os processos psíquicos ganham relevância, o herói já não é mais tão herói assim, bem como suas certezas se transformam em incertezas. É isso que irá provocar o descontentamento dos leitores mais antigos, acostumados a um mundo onde a linha entre o bem e o mal é claramente delimitada.
Afinal, depois do bronze veio a ferrugem. Ferrugem nos sorrisos, corações e mentes. E os nossos heróis, que sobreviveram bravamente a guerras secretas, invasões alienígenas e desafios infinitos, pereceram tristemente na pior das armadilhas: o pântano dos burocratas que nunca, sequer, leram um gibi na vida (BARALDI, 2008: 7).
A época anterior é apresentada como sendo de emoção e inteligência, onde “artistas talentosos trabalhavam em uníssono em animadas redações e estúdios, afinados e orquestrados por um maestro genial que tinha moléculas de HQ em cada célula do sangue”. Período em que a produção era diferente “do processo de criação isolado, frio e impessoal de hoje”.
Uma época onde o Bem era realmente o Bem e o Mal realmente o Mal. Muito diferente das crises nas infinitas cabeças vazias que assolaram o mercado de hoje, embaralhando valores e varrendo noções de moral e ética para alguma dimensão tão distante que nem o passivo e afetado personagem conhecido como O Vigia tem acesso... (BARALDI, 2008: 7)
Esse posicionamento nostálgico parte de uma concepção que é a que predominou no mundo dos super-heróis na maior parte da sua história, o moralismo e a defesa da ordem. Também não percebe que a burocracia está mais presente nas redações e estúdios com um “maestro” (burocrata) comandando a “orquestra”. O que houve foi apenas uma mudança na organização burocrática devido à necessidade mercantil do capital editorial. Quando se coloca em questão isso, quando o super-herói não é mais tão puro e honesto quanto se pensava, então aquilo que ele simboliza também cai por terra. O Batman de Piada Mortal acaba rindo com o Coringa, e a história mostrou a pobreza, o desemprego, o envolvimento com a criminalidade, a perda do filho e da esposa e a perseguição por Batman que o faz cair em um container de produto químico e se tornar um supervilão, ou seja, mostra a produção social do criminoso. Claro que o substituto do super-herói conservador não foi um super-herói melhor e sim ambíguo, refletindo o relativismo reinante no mundo contemporâneo. Mas não é a volta ao mundo idílico dos antigos super-heróis que é o desejável.
A era das incertezas é a era do capitalismo neoliberal, marcado pela ascensão da ideologia pós-estruturalista e pós-vanguardista, pela violência, pelo relativismo, pela falta de utopia. Neste contexto, as histórias de Superman e Batman, por exemplo, não expressam nenhuma crise como o chamando “fandom”[15] e alguns especialistas afirmam. Na verdade, o que ocorreu foi um processo no qual os antigos e desatualizados super-heróis já não se adequavam mais ao mundo contemporâneo, no caso do público adulto e intelectualizado, bem como para o público juvenil mais politizado e/ou intelectualizado. Sem dúvida, a estratégia comercial foi problemática, pois desprivilegiou uma parte do público (crianças e pessoas menos intelectualizadas), o que poderia ter sido resolvido com a manutenção dos super-heróis tal como existiam e a criação de novos, adequados às novas exigências.
De qualquer forma, houve uma mudança no mundo dos super-heróis da DC e da Marvel, expressão da ascensão do regime de acumulação integral e, conseqüentemente, das mudanças sociais e culturais que ocorrem em decorrência dele. No entanto, o mercado editorial viu o nascimento de novas safras de super-heróis e não seria possível esquecê-las em nome da hegemonia e do tradicionalismo da Marvel e da DC Comics. Os super-heróis produzidos pela Image Comics e o exótico The Authority merecem um espaço em qualquer análise do mundo dos super-heróis.
A Image Comics surgiu a partir da saída de desenhistas e roteiristas da Marvel Comics em 1992, por motivos relacionados à questão financeira e aos direitos autorais. Entre os super-heróis criados pela Image, o maior sucesso foi Spawn, O Soldado do Inferno, mas Dragon, Angela, Witchblade, e os grupos WildC.a.t.s. e Gen, entre outros, também tiveram algum sucesso. A Image Comics produziu um conjunto de super-heróis conservadores e violentos. O conservadorismo se revela no fato de que grande parte deles trabalham para o sistema policial ou serviço secreto norte-americano, além de rótulos constantemente utilizados como “comunas” (num período em que a Guerra Fria já havia acabado). Usando linguagem torpe e desenhos belos, incluindo as super-heroínas em trajes e formas atraentes, além da novidade e outros atrativos, a Image Comics conseguiu ultrapassar a DC Comics ficando em segundo lugar durante parte dos anos 1990 e teve um novo impulso com o lançamento do filme Spawn e seu sucesso, bem como, em menor grau, com o seriado de TV Witchblade. O forte da Image Comics foi justamente a “imagem”, isto é, os desenhos, pois as histórias não tinham nem a riqueza nem a complexidade da Marvel Comics e mesmo da DC Comics em seus melhores momentos. A crise do capital editorial dos anos 1990 atingiu a Image, uma das responsáveis pela mesma e ligada à especulação dos quadrinhos neste período, no qual se investia em revistas esperando que, posteriormente, estas poderiam ser vendidas a preço de ouro, o que acabou se revelando uma fantasia.
Outro grupo de super-heróis criado foi o The Authority, que surge em 1999 após a crise do mercado editorial cujos criadores saem da Image Comics e acaba sendo publicado pela DC Comics (sem participar do mundo de super-heróis da DC Comics). The Authority é um grupo de super-heróis que combatem não apenas supervilões e seres alienígenas poderosos, mas ditadores, governos e até Deus, que eles destruíram em um combate. Os super-heróis do The Authority são mais politizados e querem “um mundo melhor” e, por isso, interferem na invasão russa na Chechênia, criticam os grandes capitalistas e o governo dos Estados Unidos e possuem personagens homossexuais, que são os super-heróis Apolo e Meia-Noite, além de bissexuais. O casamento de Apolo e Meia-Noite, que segundo alguns seriam inspirados em Superman e Batman, é o coroamento dessa aparição de relações homossexuais no mundo dos super-heróis.
Porém, as histórias do The Authority são um tanto quanto limitadas em matéria de complexidade e profundidade. É uma equipe de super-heróis que mora em uma balsa que viaja por espaços interdimensionais e que possui outros super-heróis de outros lugares, mas que são coadjuvantes. Os supervilões aparecem e são derrotados, não possuindo nenhuma trama mais duradoura ou complexidade no decorrer da narrativa. A linguagem torpe parece ter sido copiada dos super-heróis da Image Comics, bem como o desenho das personagens femininas, embora sem o mesmo resultado neste caso. O maior saldo seria o aspecto político, mas, no entanto, se o grupo condena governos, ditadores, empresas (“você suporta Choco-Cola?” aparece em um anúncio, bem como quando o grupo é derrotado e substituído por fantoches a mando do governo norte-americano, estes preparam um novo Deus pop para ser adorado, Religimon... referências à Coca-Cola e Digimon), não apresenta nenhuma alternativa além de detoná-los ou fazer menções irônicas ou cômicas. Assim, a politização acaba transformando o The Authority em um grupo que defende a democracia e não a transformação social, tal como os policiais norte-americanos muitas vezes passam por cima da lei e dos superiores para fazer justiça com as próprias mãos, o que não altera nada nas relações sociais.
Desta forma, o surgimento dos super-heróis conservadores da Image Comics ocorre justamente na época em que o neoliberalismo se torna o “pensamento único” e é instaurado em países que ainda resistiam em aderir ao novo mundo político institucional. Já o The Authority, é produto da ascensão das lutas sociais do final da década de 1990, incluindo o chamado “movimento antiglobalização” (com suas diversas tendências, ambigüidades e sua influência do pós-estruturalismo, anarquismo e marxismo), revelando as mesmas indefinições deste movimento e as demandas de grupos ascendentes (ideologia do gênero, por isso há uma personagem feminista; homossexuais, que não só conseguem uma grande mobilização como se tornam um novo nicho de mercado consumidor). A semelhança com o referido movimento também é visível nas críticas e referências ao G7 e outras passagens. Assim, The Authority pode ser considerado contestador, mas não revolucionário.
O seu relativo sucesso desde o seu surgimento em 1999 vai até 2001, quando a censura e o atentado ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001 acabam corroendo suas bases e a DC Comics acaba cancelando sua publicação. Ela retorna nos EUA e, segundo alguns de seus leitores, em versões mais moderadas e comuns. Na série Revolution, o grupo assume o Governo dos EUA (o que não é nada “anarquista”, tal como alguns julgavam este grupo) e acaba se desiludindo e se separando, para depois se reunir novamente em outras sequências do grupo. Em Transferência de Poder, um quadro que tinha Georg Bush observando a situação dramática de um personagem do grupo foi censurado e substituído por outro personagem.


Considerações Finais
O nosso objetivo aqui foi demonstrar que os super-heróis são produtos históricos e sociais e reconstituir brevemente sua história a partir desta percepção, mostrando que a criação e a renovação dos super-heróis, bem como as temáticas, valores, concepções, repassadas nas suas histórias. Na verdade, esta tarefa requer um processo de aprofundamento e ampliação e aqui apenas esboçamos um caminho a ser trilhado em outra obra mais densa e detalhada, realizando análises mais amplas e profundas. De qualquer forma, o caráter histórico e social do mundo dos super-heróis e sua evolução foi apresentada e demonstra o ponto de partida para qualquer história não descritiva do mundo dos super-heróis.
Referências
BARALDI, Márcio. Um Bronze que Vale Ouro. In: GUEDES, Roberto. A Era de Bronze dos Super-Heróis. São Paulo: HQ Maniacs, 2008.
BARON-CARVAIS, Annie. La Historieta. México: Fondo de Cultura Económica, 1989.
BIBE-LUYTEN, Sônia. O Que é História em Quadrinhos. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
CARANDELL, José. A Contestação Juvenil. Rio de Janeiro: Salvat, 1979.
GUBERN, Román. Literatura da Imagem. Rio de Janeiro: Salvat, 1979.
GUEDES, Roberto. A Era de Bronze dos Super-Heróis. São Paulo: HQ Maniacs, 2008.
HOOK, Sidney. O Herói na História. Rio de Janeiro: Zahar, 1962.
LEFEBVRE, Henri. A Vida Cotidiana no Mundo Moderno. São Paulo: Ática, 1991.
LENNE, Gérard. El Cine “Fantastico” y sus Mitologias. Barcelona: Anagrama, 1974.
MARCUSE, Herbert. Contra-Revolução e Revolta. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.
MOYA, Álvaro (org.). Shazam! São Paulo: Perspectiva, 1972.
QUELLA-GUYOT, Didier. A História em Quadrinhos. São Paulo: Unimarco, 1994.
REBLIN, Iuri Andréas. Para o Alto e Avante. Uma Análise do Universo Criativo dos Super-Heróis. Porto Alegre: Asterisco, 2008.
RENARD, Jean-Bruno. A Banda Desenhada. Lisboa: Presença, 1981.
SICLIER, J. e LABHARTE, A. S. Cinema e Ficção Científica. Lisboa: Áster, [s.d.].
VIANA, Nildo. A Consciência da História – Ensaios Sobre o Materialismo Histórico-Dialético. 2. ed. Rio de Janeiro: Achiamé, 2007a.
VIANA, Nildo. A Dinâmica da Violência Juvenil. Rio de Janeiro: Booklink, 2004.
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VIANA, Nildo. Heróis e Super-Heróis no Mundo dos Quadrinhos. Rio de Janeiro: Achiamé, 2005.
VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo: Idéias e Letras, 2009.
VIANA, Nildo. Os Valores na Sociedade Moderna. Brasília: Thesaurus, 2007b.
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Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Breve História dos Super-Heróis. In: REBLIN, Iuri e VIANA, Nildo (orgs.). Super-Heróis, Cultura e Sociedade. São Paulo: Ideias e Letras, 2011.




*     Nildo Viana é sociólogo, filósofo e Professor da UFG – Universidade Federal de Goiás. Autor de vários livros, entre os quais “Heróis e Super-Heróis no Mundo dos Quadrinhos”; “A Esfera Artística”; “Os Valores na Sociedade Moderna”; entre outros. E-mail: nildosviana@gmail.com
[1]     O gênero da superaventura é aquele marcado pela existência de um universo ficcional povoado por seres superpoderosos, os super-heróis e os supervilões, sendo que o super-herói é aquele que possui qualidades sobre-humanas (Cf. VIANA, 2005).
[2]     Para uma discussão sobre os regimes de acumulação e seu detalhamento, cf. VIANA, 2003; 2009.
[3]     Por questão de espaço e tempo, não abordaremos aqui os super-heróis surgidos em outros países, a não ser em raras exceções e relacionados com os norte-americanos, tal como os brasileiros e japoneses.
[4]     O caráter valorativo (e axiológico) dos termos ouro, prata e bronze é, por si só, evidente.
[5]     Superman é o modelo exemplar de super-herói, papel que ganhou por ter sido o primeiro da longa linhagem de super-heróis que existem e nascem até hoje. Também é o modelo físico do super-herói, que expressa o indivíduo norte-americano do sexo masculino (REBLIN, 2008).
[6]     Alguns autores (BIBE-LUYTEN, 1987; GUBEM, 1979) afirmam que a crise dos quadrinhos ocorre a partir de 1939. Segundo esta periodização, a “idade de ouro” dos quadrinhos seria o período que o gênero aventura foi hegemônico, isto é, do final da década de 1920 até o final da década seguinte. O período de emergência dos super-heróis seria a época da crise dos quadrinhos. Porém, este procedimento analítico é bastante questionável. O fato de haver uma crise do papel e isto ter atingido a reprodução de revistas em quadrinhos não constitui uma crise em si. Também o fato de que, nesse período, os heróis tenham “entrado na guerra” e os super-heróis tenham sido criados para guerrear não significa uma crise, a não ser partindo de uma perspectiva apologética e conservadora dos quadrinhos. Para esta perspectiva, a entrada na guerra de heróis e super-heróis consiste numa crise por ter significado o fim de uma suposta e inexistente neutralidade e inocência dos quadrinhos, enquanto que, na verdade, apenas revela o que estava oculto, tornando visível o que antes estava invisível, ou seja, o caráter social, histórico, político, axiológico das histórias em quadrinhos (VIANA, 2005), pois a guerra apenas mostra a visibilidade do significado social dos heróis e super-heróis, como dos quadrinhos em geral. Na verdade, o apogeu dos super-heróis foi justamente neste período e, após a Segunda Guerra Mundial, ocorre seu recuo, sendo, pois uma crise do gênero superaventura, que só se recuperará nos anos 1960.
[7] O objetivo da viagem espacial seria “científico”, mas, no entanto, fazia parte da competição com a URSS, que havia lançado Yuri Gagarin ao espaço. A nave foi lançada prematuramente devido ao cancelamento do financiamento pelo Governo. Há, na, uma frase reveladora da Mulher-Invisível (Sue Storm) para convencer Ben Grimm (O Coisa) a pilotar a nave: “Ben, nós temos que tentar! A não ser que você queira que os comunistas cheguem na frente” e é por isso que os números seguintes da revista serão marcados por inimigos “comunistas”. O Quarteto Fantástico surge, assim, no contexto da Guerra Fria e fazendo parte dela.
[8]     Os nomes dos super-heróis sofreram alterações dependendo da época e editora responsável no Brasil, e não apenas seus nomes, mas outros elementos, tal como o Martelo de Thor, que de Uru passou a ser de Mjolnir.
[9]     “No corpo dos super-heróis, encontram-se os modelos e padrões da cultura dominante. Por um lado, é um corpo axiológico, mas também contextual, pois ele mantém as características de uma época específica, que mudam com o tempo, como pode ser verificado numa comparação entre os corpos do Super-Homem e do Homem-Aranha, bem como do próprio Homem-Aranha em seu ano de concepção e o período atual” (REBLIN, 2008: 61). A axiologia se manifesta diferentemente em épocas diferentes, já que ela é “uma determinada configuração do padrão dominante de valores” (VIANA, 2007b) e por isso o super-herói vai possuir aparência física distinta em épocas distintas, sendo, portanto, manifestações axiológicas de cada época histórica. Mas existem outras determinações na produção da aparência física do super-herói e, por isso, o seu caráter axiológico depende de um estudo concreto (determinado super-herói em determinada época, por exemplo).
[10]  É comum chamar o período de 1970 a 1986 de “era de bronze dos super-heróis” (veja, por exemplo, GUEDES, 2008). Porém, consideramos a terminologia “era de bronze” abstrata e pouco esclarecedora e a nova fase surge um pouco antes, no final da década de 1960, sendo que alguns elementos vão se desenvolvendo e se completando com o passar dos anos e o ano 1986 para término do período já possui mais elementos a seu favor, tal como o lançamento de Crise nas Infinitas Terras e Cavaleiro das Trevas, mas deixa de lado o lançamento de Guerras Secretas que lhe é anterior, 1984, e outras pequenas mudanças que vão culminar com tais séries e outros desdobramentos posteriores.
[11]   “A história em quadrinhos com certeza não é a galinha dos ovos de ouro que foi na década de 70. A concorrência é brutal” (QUELLA-GUYOT, 1994: 98).
[12]   Existiram outras grandes produtoras de super-heróis, tal como Charlton Comics, Atlas Comics, First Comics, etc. Focalizamos aqui a Marvel Comics e a DC Comics por serem as duas maiores e mais significativas fábricas de super-heróis. São as que produziram a maior quantidade e qualidade de super-heróis (embora houvesse produções de qualidade semelhante ou, em certos aspectos, até superior a da DC Comics, mas sem conseguir vencer a competição capitalista no mercado editorial) e também o maior sucesso de público e comercial. A DC Comics só conseguiu isso por que Superman e Batman se tornaram grandes sucessos, devido a uma série de fatores, o que foi suficiente para esta empresa conseguir se manter e buscar se renovar e outras estratégias que permitiram um lugar ao sol.
[13]   “Romances Gráficos”, em tradução portuguesa aproximada, cuja definição é polêmica, e remete a uma certa confusão entre a idéia de usar os quadrinhos para trabalhar narrativas longas e elaboradas, como Maus (Arnoul Spielgeman) e Contrato com Deus (escrito por Will Eisner, criador de Spirit), com os usos das grandes produtoras de histórias em quadrinhos de aventura e super-heróis, tal como Sandman, Watchmen, entre outros. Uma terminologia mais adequada seria tratar os primeiros como “romance em quadrinhos” e os últimos como “Quadrinhos épicos”. Desenvolveremos isto em outra obra.
[14]   Sem dúvida, não é possível concordar com a totalidade das afirmações de Quella-Guyot, mas, no geral, expõe algumas tendências e dados estatísticos sobre o mercado dos quadrinhos. Para muitos, os nostálgicos e leitores antigos, bem como para os de baixo poder aquisitivo, as revistas ainda são as grandes opções, convivendo ou não com a tolerância ou consumo dos álbuns. Outro inconveniente das revistas é a necessidade de estar sempre indo às bancas de revistas para comprar, o que faz se perder números de séries. De qualquer forma, houve um crescimento da produção e consumo de álbuns e isto acabou influenciando a produção fictícia dos quadrinhos.
[15]   Fandom é o conjunto de fãs de um determinado produto artístico ou cultural ou de seus realizadores, tal como quadrinhos (ou algum gênero no seu interior, ou, ainda, personagem, etc.), programa da televisão, artista, etc.
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