Páginas Especiais

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

ANTIPETISMO E ANTICOMUNISMO: A GÊNESE DO DISCURSO REACIONÁRIO


ANTIPETISMO E ANTICOMUNISMO
A GÊNESE DO DISCURSO REACIONÁRIO

Nildo Viana

O discurso reacionário não é uma invenção contemporânea. Ele sempre existiu e assumiu várias formas. No entanto, ele geralmente possui pouca ressonância social em períodos de estabilidade financeira e política. Ele continua existindo nesses momentos, mesmo como algo marginal. Em certos períodos, ele ganha força e adeptos, acaba se tornando uma força política significativa. Isso depende de um conjunto de determinações, sendo que a tendência é sua ascensão (bem como do seu oposto) em épocas de desestabilização, embora possa ocorrer, de forma mais excepcional, fora desse contexto. No caso brasileiro, o discurso reacionário se fortaleceu e emergiu a partir do antipetismo e anticomunismo. É fundamental entender esse processo para quem luta por transformação social e quem busca compreender a realidade nacional e mundial.

Antes de começar a abordar a gênese do discurso reacionário é necessário deixar claro o que entendemos por tal termo. O discurso reacionário é a forma manifesta de determinadas ideologias, doutrinas, concepções, representações cotidianas de um setor da sociedade que, por sua vez, manifesta determinadas forças políticas e interesses de classe. Logo, esse discurso é apenas a forma de manifestação de algo mais amplo e sob formas distintas (desde as formas mais sistemáticas e coerentes, como o saber complexo, até as formas mais simples, como as representações cotidianas) que, por sua vez, manifesta interesses de grupos específicos. Esses grupos específicos manifestam os interesses de uma determinada classe social sob uma forma também específica, articulando suas concepções e interesses, com os da classe que representam (e, não é demais destacar, não são os únicos que representam essa classe, pois outros o fazem sob outras formas e através de outras concepções). O discurso reacionário é apenas uma forma de manifestação do discurso conservador, expressão da classe dominante. Essa forma é mais extremista[1] e que tem mais ressonância em certos setores da classe dominante e suas classes auxiliares e em certos momentos e situações consegue se aproximar até mesmo de indivíduos e setores das classes desprivilegiadas.

O discurso reacionário atual, no Brasil, é aquele que realiza uma crítica ao PT (Partido dos Trabalhadores) e ao que é confusamente chamado de “esquerda” ou, ainda, “comunismo” (às vezes, “socialismo”). A ideia é confundir as coisas da seguinte forma: PT = esquerda e esquerda = comunismo. Logo, o PT é comunista e quem é anticomunista deve ser antipetista e vice-versa. O comunismo, por sua vez, é apresentado de forma caricatural. Esse discurso reacionário, produzido por alguns e reproduzido por muitos, é apenas uma forma do discurso da classe dominante e não o caracteriza, já que existe um conservadorismo mais moderado e que é dominante, pelo menos nos momentos de estabilidade social. A partir desse esclarecimento é possível encaminhar a análise da gênese do discurso reacionário no Brasil contemporâneo.

Acumulação Integral e Mutação Ideológica

O discurso reacionário tem como uma de suas fontes a mutação ideológica contemporânea. Desde os anos 1970, ocorre um processo de mutação ideológica e cultural, gerado a partir da derrota da rebelião estudantil de maio de 1968 e outras lutas sociais da época, caracterizando uma contrarrevolução cultural. É nesse momento que surge um novo paradigma de pensamento e novas ideologias, tal como o pós-estruturalismo e seus derivados (ideologia do gênero, multiculturalismo, etc.). O novo paradigma é o subjetivismo, gerando várias formas de ideologias e concepções, e com a vulgarização destas, correntes de opinião e representações cotidianas que reproduzem lugares-comuns e supostas “verdades” (inclusive as contradições são bastante visíveis na maioria das produções intelectuais inseridas nesse paradigma). A luta do final dos anos 1960 apontava para uma crítica do cotidiano, da razão (instrumental), do capitalismo e, em suas manifestações mais radicais, apontava para uma transformação radical da sociedade, via autogestão social.

A derrota desse movimento ocorreu juntamente com a retomada de suas temáticas numa perspectiva conservadora, realizando sua despolitização através de sua destotalização (VIANA, 2009). É nesse contexto que novas ideologias, valores, concepções, vão emergir, no qual o pós-estruturalismo acaba sendo a principal ideologia, e a ênfase em grupos e indivíduos ao invés de classes sociais, a recusa da totalidade, da historicidade, etc., coisas já comuns no pensamento burguês, reaparecem com ar de “novidade” ao abordar novos temas e questões, reais ou imaginárias. Os artífices dessas novas ideologias, doutrinas e concepções que unem o velho pensamento burguês com novas temáticas e abordagens, supostamente “libertárias”, são ideólogos e outros representantes do pensamento conservador ou progressista (e a esquerda é uma das que buscam se renovar e recuperar as lutas passadas deformando-as de acordo com seus interesses – eleitorais ou vanguardistas).

No entanto, os anos 1970 eram ainda anos de crise e transição. A crise do regime de acumulação conjugado no final dos anos 1960 não gerou a transformação social e a derrota das ações mais radicais (França, Itália e Alemanha) não significou o fim de qualquer luta. Na França, a luta operária continuou com alguns momentos de radicalidade, bem como na Itália. A derrota posterior gerou o apelo das guerrilhas urbanas, tentativa desesperada de manter uma luta sem entender o processo e possuir estratégia, o que redundou no grande fracasso de Baader Meinhof (Alemanha) e Brigadas Vermelhas (Itália) e ao lado disso a manutenção de uma luta operária e de outros setores, sem a força do final da década anterior. A Revolução Portuguesa (1974) e a Revolução Polonesa (1980) foram os últimos suspiros dessa resistência heroica desse período.

Nesse contexto, a contrarrevolução cultural permanente não conseguiu se tornar hegemônica e somente com a instauração do novo regime de acumulação, o integral, a partir dos anos 1980, é que essa situação mudou e o novo paradigma e as novas ideologias ganharam espaço e se tornaram hegemônicas paulatinamente a nível mundial. O neoliberalismo, que enquanto ideologia surgiu na década de 1940, é retomado e novas versões do mesmo surgem e se encaixam perfeitamente na nova hegemonia, marcada pelo subjetivismo e seus derivados (individualismo, hedonismo, etc.). O discurso conservador mantém seu conservadorismo político, mas realiza um processo de liberação individual como válvula de escape do capitalismo, efetivando um desvio das energias para a vida pessoal e interesses grupais como alternativa às propostas de mutação radical da sociedade. Essa liberação individual ocorreria, segundo as novas ideologias, ao lado das velhas formas individualistas de ascensão social e consumo (que permanece e são ainda mais incentivadas), através da sexualidade, uso de drogas, corpolatria, fetichismos diversos, luta por “direitos”, etc.

Precisamos abrir um parêntesis para explicar o significado do termo conservadorismo e nossa divisão entre conservadorismo e conservantismo. O conservadorismo é o conjunto do pensamento político burguês que se opõe ao progressismo/reformismo (defendido geralmente pela classe burocrática e pela classe intelectual) e ao marxismo (expressão do proletariado). Ou seja, o conservadorismo é o pensamento político do bloco dominante, que se opõe ao bloco progressista e ao bloco revolucionário. O que muitos chamam de “conservadorismo” é apenas uma das formas assumidas pelo conservadorismo, tal como definido aqui. Essa forma é o que denominamos conservantismo e que se caracteriza por defesa da tradição, propriedade, etc., muitas vezes manifestando concepções religiosas.

Em outras palavras, o conservadorismo é um amplo leque de concepções políticas no interior do bloco dominante e que tem diversas subdivisões, sendo que o reacionarismo é uma dessas divisões (e este, por sua vez, também tem subdivisões, tal como o conservantismo, nazismo, fascismo, etc.). Trata-se de um nível de maior concreção na análise, mas no plano mais geral, há uma unidade: a defesa do capitalismo e recusa tanto de reformas superficiais ou profundas (econômicas, políticas ou morais) – defendidas pelo bloco progressista – quanto, obviamente, de revolução anticapitalista – defendida pelo bloco revolucionário. Os setores mais democráticos do conservadorismo se aproximam muito dos setores mais moderados do progressismo (por exemplo, os liberais-democratas e republicanos são próximos dos social-democratas mais moderados e microrreformistas). Isso era expresso, há algum tempo atrás, com a ideia de que entre a direita (e a extrema-direita) e a esquerda (e a extrema-esquerda), havia um centro, sendo que este poderia pender mais para a direita (liberais-democratas, republicanos), ou mais para a esquerda (social-democratas).

Retomemos a discussão anterior sobre subjetivismo e conservadorismo. Nesse contexto, as ideologias atacam o marxismo, as utopias e realizam a recusa da razão (que antes era apenas da razão instrumental e agora passou a ser, em grande parte dos casos, da razão em geral) e da categoria da totalidade (elemento fundamental da dialética marxista e necessária para a compreensão da realidade), reduzindo as lutas a questões pontuais e particulares desvinculadas do todo e da luta geral, inclusive da base que gera os problemas combatidos. A contestação da razão e o advento da internet, especialmente as redes sociais com sua superficialidade (perceptível a começar pela censura às pessoas que escrevem textos grandes), realizam um processo de socialização via correntes de opinião e reprodução das ideologias e concepções dominantes, na qual o conteúdo e a formação intelectual são reduzidos a pó e limitados a poucas exceções, inclusive nos meios intelectualizados, que geralmente não ultrapassam o nível da reprodução das correntes de opinião[2]. Os Estados capitalistas, o capital comunicacional, instituições internacionais e nacionais (como as fundações internacionais e institutos nacionais), as universidades, intelectuais, etc., reproduzem uma determinada política cultural que é geradora da nova hegemonia subjetivista (VIANA, 2017).

No entanto, esse neoconservadorismo ao mudar um aspecto do pensamento conservador, que é o abandono da moral conservadora[3], acaba posando de “progressista” e, assim, se aproxima, nesse aspecto, da esquerda, que, por sua vez, na maior parte dos casos, reproduz o mesmo discurso. Ao lado disso, emerge o vazio e a superficialidade[4], onde a preocupação fundamental passa a ser o corpo em detrimento da mente. A transformação do ser humano em animal por iniciativa dos próprios seres humanos, o que não deixa de ter certo sentido numa sociedade em que eles “só se sentem à vontade em suas funções animais” (MARX, 1983), especialmente quando ela começa a esgotar suas possibilidades de sobrevivência.

Isso, no entanto, gera novas contradições. Além disso, em lugares e situações específicas, assumem características próprias e geram reações diversas. O moralismo progressista atinge especialmente a juventude e, mais profundamente, a das classes privilegiadas (burguesia, burocracia, intelectualidade) e produz sua despolitização e desmobilização, bem como distanciamento da grande maioria da população. As universidades se tornaram redomas intelectuais distantes das necessidades e questões mais urgentes da população. O moralismo progressista assume duas formas básicas: a forma objetivista e a forma subjetivista. A forma objetivista é a defendida por parte da esquerda, tal como o bolchevismo e seus derivados, e parte da direita, tal como os republicanistas. A forma subjetivista é defendida por setores da esquerda, tal como parte da social-democracia envolvida pelo discurso neoliberal e/ou neopopulista e setores da direita (liberais-democratas e outros). A moral progressista hegemônica é a subjetivista[5], que é voltada para a liberação individual e expressando um neoindividualismo – acaba se tornando hegemônico nos meios intelectualizados, nas classes privilegiadas, mas conta com setores resistentes (conservadores e revolucionários, por razões muito diferentes), e é suportado pelas classes desprivilegiadas, tendo setores que reproduzem, outros que contestam, etc.

A grande questão é que a luta política acabou, em grande medida, se reduzindo a uma disputa moralista (entre o moralismo conservador e moralismo progressista, duas formas de manifestação da moral burguesa) e aí temos um elemento fundamental para explicar o que alguns, reproduzindo uma das correntes de opinião vigentes, denominam “onda conservadora”. Esse lugar comum nada explica e apenas rotula algo ao invés de explicá-lo. Explicar isso é entender a gênese do discurso reacionário.

A Gênese do Discurso Reacionário

A luta política institucional se reduziu a uma disputa entre neoliberais ortodoxos e neoliberais neopopulistas (de “esquerda”). A social-democracia se transformou numa versão neopopulista do neoliberalismo (especialmente no caso brasileiro) ou foi marginalizada politicamente (para aqueles que buscam manter o discurso estatizante e reformista). O bolchevismo foi historicamente perdendo espaço, tanto por causa que de indivíduos e grupos revolucionários que perceberam seu caráter burocrático e contrarrevolucionário, especialmente a partir da derrocada a antiga URSS (União das Repúblicas “Socialistas” “Soviéticas”) quanto por causa do seu abandono por parte de ideólogos e representantes da classe capitalista. Hoje ele sobrevive marginalmente na sociedade contemporânea. Ao lado da derrocada da social-democracia e do bolchevismo, e às vezes confundido com essas ideologias, o marxismo também é atacado e se declara o “fim das utopias”. Assim, a questão deixa de ser a transformação social e passa a ser um mera questão quantitativa, ou seja, de “mais ou menos” privatização, estatização, mercado, “liberdade”, “privilégios”, etc.

Um outro elemento, secundário, entrou nas disputas políticas e nos processos eleitorais, mas que se tornou fundamental no âmbito das decisões políticas e eleitorais da população: a questão moral. A moralização da política anda junto com sua desmoralização e esse último aspecto faz com que as pessoas se voltem para a vida privada. As novas ideologias avançam no sentido do hedonismo, neoindividualismo, etc. A moral conservadora acabou sendo alvo de ataques e uma moral progressista, que já existia em certos setores da sociedade e de forma pouco desenvolvida, se ampliou e conquistou novos espaços, especialmente em sua versão individualista. A moral progressista tem como um de seus motes a “politização da vida privada”, mas que, na verdade, realiza é uma despolitização da política e da vida privada. A vida privada supostamente “politizada” é deslocada da totalidade que é a sociedade e assim é despolitizada e, ainda, gera maniqueísmos e outros processos conflituosos que nada explicam e nada resolvem. Um mar de contradições (moralistas) cerca uma pequena ilha de pensamento critico que questiona tanto a moral conservadora quanto a progressista ao recolocar a moral no contexto da sociedade capitalista, pois só nas fantasmagorias intelectuais é que se poderia pensar em moral separada da sociedade.

Assim, no interior do bloco dominante, o setor hegemônico adota a moral progressista e outro mantém a moral conservadora. O bloco progressista, em crise e perdendo espaço (não esquecendo variações e diferenças nacionais) adota a moral progressista e nesse quesito se une com o bloco dominante. O setor do bloco dominante ligado à moral conservadora fica cada vez mais descontente com a hegemonia da moral progressista. Além disso, determinados partidos e certos políticos astutos perceberam a existência de uma forte oposição à moral progressista na maioria da população[6].

A questão moral se tornou importante nas disputas eleitorais e político-institucionais. Quanto mais a moral progressista avança ou quanto mais radicaliza, mais o seu oposto se fortalece e radicaliza. Essa disputa moral ocorre no plano da moral burguesa em duas formas de manifestação da mesma. Assim, vários setores da sociedade, incluindo as classes desprivilegiadas, tendem a votar ou apoiar as forças mais conservadoras, tal como o neoliberalismo ortodoxo ou mesmo forças reacionárias, mesmo que não concorde com elas no plano político-institucional (intensificação da mercantilização, repressão policial, reformas retrógradas, etc.). Isso fortalece eleitoralmente os setores mais conservadores do bloco dominante e é reforçado por suas expressões religiosas e outras.

É nesse contexto que o discurso reacionário emerge e se fortalece. Um setor do bloco dominante, adepto do neoliberalismo e do moralismo progressista (neoindividualismo) é financiado por fundações norte-americanas (com destaque para a Fundação Ford e a Fundação Rockfeller), entre outras. Outro setor é composto por diversos “institutos liberais”, tal como é o caso do Instituto Von Mises, Instituto Millenium, Instituto Rothbard. No Instituto Millenium se aglutinam simultaneamente conservantistas e liberais progressistas e liberal-conservantistas[7]. Entre seus integrantes, apoiadores e simpatizantes se encontram João Roberto Marinho (vice-presidente das Organizações Globo), Ricardo Diniz (vice-presidente do Bank of America Merrill Lynch Brasil), Ali Kamel, Arnaldo Niskier, Armínio Fraga, Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino, André Franco Montoro Filho, entre diversos outros. Os recursos financeiros do Instituto Millenium advêm de setores do capital comunicacional e outras empresas capitalistas[8].

Essas são instituições estratégicas da burguesia e que buscam a hegemonia na sociedade civil de acordo com as necessidades do regime de acumulação integral e são conhecidas como Think Tanks (VIANA, 2017). Elas se expandem no regime de acumulação conjugado (o período do capitalismo oligopolista transnacional que vai de 1945 a 1980) e principalmente a partir de 1980. Ao lado disso, se inicia um processo de financiamento de organizações “ativistas” (como o MBL – Movimento Brasil Livre)[9].

Assim, o bloco dominante (expressão mais fiel dos interesses da classe capitalista), através de governos, instituições, ideólogos, etc., produzem e divulgam a moral progressista e um setor dele acaba mantendo a moral conservadora. O bloco progressista (a dita “esquerda”) vai atrás e incorpora, em sua grande maioria, a nova moral progressista. Isso gera um setor reacionário dentro do bloco dominante. Esse setor reage contra o bloco progressista e sua moral (produzida pelo bloco dominante/conservador...)[10]. Esse setor elabora um discurso reacionário e usa a estratégia de unir a crítica da moral progressista e busca amalgamá-la com as propostas da chamada “esquerda”, ou seja, do bloco progressista. Assim, realiza a junção [ideológica] entre moral progressista e esquerda, mesmo que em seu lado estejam adeptos da moral progressista. Por tabela, acaba incluindo o bloco revolucionário, ou seja, aqueles que são anticapitalistas.

Essa não é a única tendência do reacionarismo. Ao lado dele há o setor estatista, cujo exemplo de manifestação mais conhecido na história da humanidade foi o nazismo e o fascismo, mas também com suas versões mais moderadas (durkheimianismo, keynesianismo, etc.). Hoje, no Brasil, contemporaneamente, isso o discurso reacionário de caráter estatista aparece através do neonazismo[11].

Esse setor reacionário tende a crescer em épocas de desestabilização e crise na sociedade capitalista e pode se manifestar através do fascismo, nazismo, entre outras formas. O que uma determinada corrente de opinião denomina “onda conservadora” é apenas o fortalecimento desse setor reacionário. No entanto, o bloco progressista também apresenta sua versão sobre isso e denomina “onda conservadora” a derrota das forças progressistas no plano eleitoral ou moral. É necessário entender, no entanto, por qual motivo em alguns países esse setor reacionário se fortalece mais, bem como a forma como se manifesta, mais agressiva e violenta em certos casos. Não podemos realizar tal análise, pois pressupõe ter informações mais profundas sobre os países em questão e não é nosso objetivo aqui. Nosso objetivo se limita ao caso brasileiro, que é o que abordaremos a partir de agora.

Antipetismo e Anticomunismo

A força do setor reacionário do bloco dominante e o extremismo de alguns de seus integrantes só podem ser compreendidos em sua relação com o seu antipetismo. É no antipetismo que entendemos a chave para compreender a força e emergência do discurso reacionário. O PT – Partido dos “Trabalhadores” – emergiu na cena política brasileira a partir das lutas sociais e vai se tornando cada vez mais moderado e eleitoreiro[12]. Em 2003, a vitória eleitoral era a prioridade e para conseguir isso valia tudo, tal como apoiar empréstimo para a Rede Globo, atrair como vice-presidente um integrante do Partido Liberal (José Alencar, e não mais um vice do PC do B), moderar o discurso, etc. Uma vez no aparato estatal, o governo Lula sabia que não poderia cumprir suas promessas e que para se manter no poder era necessário ter uma base eleitoral. Ao invés de políticas para trabalhadores, a estratégia petista foi atrair grupos sociais para lhe apoiar e assim passou a compartilhar as teses vinda dos Estados Unidos sobre ações afirmativas, direitos humanos, minorias, etc.[13]

A política de cooptação foi uma das estratégias utilizadas. A juventude foi um dos primeiros alvos, mas sua heterogeneidade e divisões (de classe, concepção política, etc.) gerava uma dificuldade e assim se buscou, sucessivamente, cooptar os negros, as mulheres, os homossexuais. As políticas segmentares avançaram, sendo que no último caso menos, por causa da maior resistência na sociedade civil. A outra face da política de cooptação foi junto aos setores mais empobrecidos da população, se inspirando no Banco Mundial e governo FHC, a bolsa família e outras iniciativas visava garantir o apoio do lumpemproletariado. O financiamento estatal de ONGs e outras iniciativas garantiam um apoio de diversos grupos sociais graças à moral progressista e à política de cooptação.

A classe dominante aceitou e apoiou os governos petistas por um bom tempo, tanto devido à política petista de boa vizinhança e servindo aos interesses do capital, como também pela popularidade dos mesmos. No entanto, um setor reacionário começou a se fortalecer e sair dos pequenos guetos e começou a se afirmar na sociedade civil. Numa sociedade em que a bagagem cultural dos indivíduos é limitada, onde a educação é de baixa qualidade, o hábito de leitura é coisa de uma minoria, então o discurso reacionário pode ser convincente para certa camada da população. Alguns intelectuais venais começaram a criar o Frankenstein do antipetismo e anticomunismo. Com o passar do tempo, intelectuais risíveis começaram a ser levados a sério. Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino, entre outros (e com o passar do tempo novas estrelas decadentes apareceram no céu reacionário) intelectuais venais[14] e risíveis, passaram a ocupar espaços (e o capital comunicacional contribuiu com esse processo, pois notou que havia “público” para as peripécias discursivas destes indivíduos). A ortodoxia religiosa emerge com força e ganha espaços institucionais, comunicacionais, etc., e ataca, especialmente, a moral progressista.

O discurso reacionário é o discurso petista ao contrário. O discurso petista usa a estratégia de juntar diversos opositores num único e mesmo adjetivo pejorativo: fascismo. Na época do impeachment essa estratégia fui utilizada à exaustão[15]. O discurso reacionário tem como alvo principal o PT, por este estar no governo e realizar políticas que desagradavam o setor reacionário e reforçar a moral progressista. No entanto, todos que eram adeptos de moral progressista ou de políticas estatizantes ou pró-PT eram inimigos a serem igualmente combatidos. Assim, a frente reacionária e a frente religiosa ortodoxa passaram a denunciar os “esquerdopatas”, os “gayzistas”, os “comunistas”, os “petralhas”, no seu nível mais baixo de reprodução como corrente de opinião. Uma corrente de opinião reacionária se formou e ganhou espaço. Esse processo cresceu a partir de 2013, quando a classe dominante percebeu, devido às manifestações populares desse ano, que a popularidade e apoio ao governo petista não era tão fortes assim. O setor reacionário se fortaleceu e os conservadores moderados pensaram que havia chegado o momento de retomar o aparato estatal.

O PT, expressão da classe burocrática, por sua vez, não queria largar o osso e os cargos que os burocratas tanto gostam e precisam para existir. As burocracias partidárias (PT, PCdoB), a burocracia sindical e a da sociedade civil, etc., era o núcleo do governo e não podiam deixar a burocracia governamental, pois seriam milhares de cargos perdidos e a burocracia não vive sem eles (e essa é uma diferença entre os partidos conservadores e os partidos progressistas, pois os primeiros não vivem da burocracia, que é força secundária, devido ao predomínio da burguesia no seu interior). A maior parte da classe intelectual apoiava o PT e a política educacional do Governo Dilma tentou consolidar uma base intelectual nos meios intelectuais, com financiamento governamental e outras estratégias. A expansão dos IFs (Institutos Federais) foi peça chave desse processo.

A partir de 2013 e durante os anos 2014-2015 uma crescente polarização começou a ser trabalhada pelos setores conservadores. O processo eleitoral acabou produzindo uma primeira polarização, que se reproduziu nos anos seguintes com destaque para a questão do impeachment, mas também emergiu uma nova estratégia das forças conservadoras e reacionárias a partir de 2015: a luta cultural pela hegemonia e a disputa da “sociedade civil”. Essa posição de disputa contínua e não apenas nos processos eleitorais foi declarada em entrevista pelo candidato derrotado à Presidência da República, Aécio Neves[16].

As forças reacionárias, com os eventos de 2013 (manifestações populares de junho) e 2014 (quase empate entre Dilma Roussef e Aécio Neves) e com as políticas segmentares (para segmentos sociais, como mulheres, homossexuais, etc.) e cooptação de setores de movimentos sociais (feminino, homossexual, etc.) acaba também intensificando sua ação na internet e outros espaços no sentido de disputar a hegemonia na sociedade civil, aproveitando-se da recusa da maioria da população em relação à moral progressista. A partir de intelectuais medíocres, mas ativistas, começa-se a fazer toda a propaganda de fundir num mesmo saco – como se fossem homogêneos – coisas distintas como marxismo e ideologia do gênero[17], bem como outros termos usados equivocadamente: comunismo, petismo, gayzismo, socialismo, esquerda, etc.

Essas forças reacionárias começaram a declarar a existência de um “marxismo cultural”[18]. Essa invenção sem sentido, que busca através desse termo unir “marxismo” e coisas como “politicamente correto”, “multiculturalismo”, “ideologia do gênero”, etc. surge nos Estados Unidos como oposição ao moralismo progressista da esquerda (que aqui e na Europa seria os liberais democráticos e progressistas) através de supostos “intelectuais”, do mesmo nível de Olavo de Carvalho e similares, mas com menos linguagem vulgar. No Brasil, esse termo pode ser visto na internet a partir do ano 2000 e aumenta expressivamente a partir de 2001, geralmente em sites católicos e conservadores. Em 2002, Olavo de Carvalho escreve um primeiro texto brasileiro, pelo que conseguimos apurar, tratando desse termo de forma que tenta ser explicativo[19]. No entanto, essa invenção e esse processo, de origem norteamericana, vai ser marginal na sociedade brasileira, atingindo apenas alguns círculos da sociedade brasileira. Isso vai se alterar com o passar do tempo e com a crise do PT e do Governo Dilma, gerando um fortalecimento desse setor do conservadorismo.

No entanto, não é apenas esse setor que se fortaleceu. Outros setores conservadores ampliaram suas bases e força política, tal como os neoliberais e liberais[20]. Os institutos mencionados anteriormente, bem como setores “militantes” financiados por organismos internacionais e nacionais, também, tal como o MBL (Movimento Brasil Livre), conseguiram um crescimento quantitativo e de influência. Os liberais muitas vezes entram em conflito com os reacionários, o que é uma forma de chamar a atenção e retirar o bloco progressista da discussão[21].

A grande questão é que houve uma importação das disputas políticas e morais norte-americanas para o Brasil. A diferença é que nos Estados Unidos, a sua dita “esquerda” (republicanos[22], liberais-democratas, etc.) é que avançou na produção de um discurso favorável a uma nova versão da moral progressista, neoindividualista e, alguns outros setores, especialmente da academia, gerou concepções como o chamado “politicamente correto”, multiculturalismo, gênero, etc. Aqui no Brasil foram os governos petistas e setores do PT e de outros partidos (especialmente PSOL), setores cooptados dos movimentos sociais, etc. que encamparam o moralismo progressista subjetivista. Esse moralismo progressista, por mais que desagradasse a maioria da população, não gerou nenhum grande problema para o PT. Isso só ocorreu quando começou a diminuir o ritmo de acumulação de capital (“crescimento econômico”). O discurso reacionário conseguiu se ampliar e ganhar mais adeptos e os escândalos de corrupção envolvendo os petistas, ajudou nesse processo.

Os arquitetos do discurso reacionário usam a estratégia de criar um inimigo imaginário. Esse inimigo imaginário é o PT e seus aliados, reunindo com todos os defensores do moralismo progressista. A ideia é juntar todos os inimigos num só rótulo (aliás, como Hitler colocou em sua obra, Minha Luta)[23]. Assim, o antipetismo aparece como anticomunismo e se junta petistas, “comunistas” (bolchevistas), social-democratas em geral, feministas, homossexuais, imoralistas, marxistas, partidos progressistas, etc., tudo em um único rótulo: esquerda (ou comunismo, etc.). Ao juntar os petistas com outros setores com grande rejeição pela população, reduz sua força eleitoral drasticamente.

Assim, as forças reacionárias partem para a ofensiva e realiza propostas como a  da “Escola sem Partido” e ganha força e adeptos. Da mesma forma, elas se fortalecem com a crescente falta de racionalidade e processos sociais e psíquicos que geram um clima de agressividade e autocratismo (reforçado, no Brasil, pelos petistas e progressistas ao reproduzirem o paradigma subjetivista). O inimigo principal apontado pelos defensores do projeto “Escola sem Partido”[24] é a esquerda ou o “marxismo”.

Qual é o objetivo disso e por qual motivo setores liberais e outros que não são exatamente reacionários estão apoiando ou sendo condescendentes com esses processos? A razão é bem simples: todos os conservadores (a dita “direita” assumida), apesar de suas divisões, querem derrotar definitivamente o PT. Apesar do fracasso eleitoral desse partido em 2016, ele ainda é visto como ameaça, principalmente quando as pesquisas eleitorais apontam Lula como forte candidato à presidência. A tendência é um novo fracasso eleitoral do PT e junto com isso um enfraquecimento do discurso reacionário, que ficará reduzido, novamente, a um gueto dentro da sociedade brasileira, o que só não ocorrerá se a situação do país continuar piorando ao lado de outras determinações. Se o antipetismo for vitorioso, ele perde sua razão de existência. Ou, em outras palavras, se o antipetismo mata o petismo, ele se mata ao mesmo tempo. O discurso reacionário tende a continuar existindo, mas dificilmente continuará a ter apoio de muitos que o fazem por serem antipetistas e contra a moral progressista.

O que ocorreu foi um processo no qual a diminuição do ritmo de acumulação de capital, ou seja, a desestabilização do regime de acumulação integral no Brasil, ocorreu durante um governo petista. Assim, a resistência ao governo petista da ala oposicionista do bloco dominante, do qual fazia parte os reacionários, os liberais, os republicanos, etc.[25] foi reforçada por uma crescente insatisfação de vários setores da população, além do bloco revolucionário e parte do bloco progressista. Esse processo mais profundo e subterrâneo gerou um forte impacto no Governo Dilma. Isso pelo motivo de que a oposição existente foi enfraquecida pelo período marcado por um ritmo acelerado de acumulação de capital e se reduzia a um bloco revolucionário enfraquecido, setores débeis do bloco progressista e a ala oposicionista do bloco dominante, com setores moderados ao lado dos reacionários. O reacionarismo foi crescendo, tanto pela conjuntura mundial quanto pelo fato do governo neoliberal neopopulista ser representante da moral progressista, importada dos Estados Unidos, intimamente com a política de cooptação de certos setores dos movimentos sociais, fundado na chamada “política de identidade”. O aparelhamento do aparato estatal pelo PT, percebido pelos conservadores e reacionários[26], provocou sua reação, bem como a estratégia petista de conquistar o poder estatal para depois conquistar a hegemonia (um gramscianismo inverso). A invenção do “marxismo cultural” foi útil e os reacionários aprenderam com os petistas e gramscianistas a buscar conquistar a hegemonia na sociedade civil.

O processo político dos anos 2013 (manifestações populares e enfraquecimento do Governo Dilma), 2014 (resistência e repressão no caso do bloco revolucionário, reforço das políticas de identidade por parte do governo e eleição polarizada e cujo resultado foi um quase empate), 2015 (cisão dentro do bloco dominante, os oposicionistas radicalizaram suas posições e os setores mais extremistas começaram a ganhar mais espaço por serem mais decididos), 2016 (derrota do PT que foi excluído do bloco dominante e retornou ao bloco progressista e fortalecimento do conservadorismo em detrimento do progressismo, o que teve como sintoma o resultado eleitoral deste ano, com a derrota humilhante das esquerdas), 2017 (governo Temer e neoliberalismo discricionário e reformas retrógradas, e buscando realizar ações com o objetivo de corroer as bases do petismo), são fundamentais para explicar a gênese do discurso reacionário no Brasil.

Isso ocorre num contexto em que a internet gera maior espaço para posicionamentos políticos (via redes sociais, youtube, blogs, sites, etc.) e emerge um conjunto de intelectuais tecnocomunicacionais[27] que conseguem, com um discurso simplificador, traduzir determinadas concepções e influenciar parte da população. É nesse contexto que figuras como Olavo de Carvalho, Rodrigo Constantino, Reinaldo Azevedo, Luiz Felipe Pondé, Demétrio Magnoli, Marco Antonio Villa, Leandro Karnal, Mario Sérgio Cortella, entre outros, ganham espaço. Eles ou revezam presença na TV com internet, ou se refugiam apenas na última, dependendo de quem se trata.

Mas junto com eles temos um outro tipo de intelectual reacionário em evidencia: o religioso. Assim como os católicos conservadores que desde o início dos anos 2000 começaram a ocupar espaço na internet, além de seus espaços eclesiásticos, os evangélicos também avançaram. Assim, novas figuras aparecem nos meios oligopolistas de comunicação, mesmo porque algumas igrejas compraram redes de televisão, sem falar no uso do rádio, internet, etc. E isso mostra novos nomes reacionários aparecendo e conseguindo espaço (político, religioso, tecnocomunicacional): Edir Macedo, Marco Feliciano, Silas Malafaia, etc. Os setores religiosos reacionários passaram a se reforçar com meios oligopolistas de comunicação e espaços na política institucional e uma das formas de conseguir apoio popular é o ataque ao moralismo progressista. Sem dúvida, o oportunismo está presente em todos esses casos e por isso a Rede Globo pode ser favorável à moral progressista – devido sua competição com as redes de TV de determinadas “religiões” e moral conservadora e assim ter que explorar outro nicho de mercado, os tolerantes, progressistas, etc. – e a IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) pode apoiar a eleição de Dilma[28]. O bloco dominante é cheio de contradições, pois além de suas divisões próprias, ele é perpassado pelo oportunismo e competição.

Assim, os ingredientes reunidos foram um processo de declínio do ritmo de acumulação de capital durante governo neopopulista que não resolvia esta questão e isso fortaleceu o descontentamento e a ala oposicionista do bloco dominante. A moral progressista, por sua vez, foi o foco dos reacionários que fizeram do PT (que supostamente seria “comunista”) o inimigo imaginário. A incompetência e inoperância do governo Dilma acabou gerando um deslocamento de certas forças políticas para a ala oposicionista e aumentando o descontentamento popular. O isolamento do PT promoveu sua expulsão do bloco dominante, o que culminou com o impeachment de Dilma Roussef. Assim se formou uma “santa aliança” para excomungar o PT e seus aliados, o que promoveu e beneficiou o ataque à moral progressista e sua fusão com tudo que é “esquerda”, sob o rótulo de “comunista”.

Esses acontecimentos históricos ajudam a explicar a força do discurso reacionário. O que unificava o bloco dominante, ou seja, todos os conservadores, era a oposição ao PT. O resto não promovia unificação. A Rede Globo, por exemplo, apoiou o impeachment, mas defendia uma moral progressista. Setores do bloco dominante também se filiava a tal moral, bem como alguns não assumiam discurso liberal (ou neoliberal), mas se oponham ao PT, entre diversas outras divergências em diversas questões políticas, institucionais, etc. O único consenso era ser contra o governo Dilma, ou seja, contra o PT. Porém, os setores mais democráticos, mais intelectualizados, etc. não tinham a capacidade de derrubar o PT, pois o discurso da corrupção, embora influente, não era suficiente e era contraditório (já que todos da política institucional estão envolvidos em corrupção). Por isso os reacionários cumpriram com o papel de ser a “tropa de choque” de todos os conservadores e continuam sendo depois do impeachment, pois a ideia é aniquilar com a força eleitoral do PT. Os reacionários conseguiram misturar o PT com vários outros elementos rejeitados pela sociedade e isso foi útil (e continua sendo) e por isso ganharam maior espaço nos meios oligopolistas de comunicação. Em síntese, o discurso reacionário foi útil e importante para a luta política travada nos últimos anos e para a derrota do PT.

Considerações Finais

De tudo que foi dito, é necessário entender que o chamado “avanço do conservadorismo” é supervalorado, mas é real, pelo menos num certo sentido. Os reacionários conseguiram um maior espaço na sociedade brasileira e o conservadorismo em geral conseguiu mais espaço no mundo inteiro. No caso brasileiro, a análise serviu para mostrar que o avanço do reacionarismo já vinha ocorrendo, mas ele teve um fortalecimento grande com o desenvolvimento da conjuntura, marcada também por um avanço da moral progressista. Nos últimos anos, o reacionarismo, em particular, e o conservadorismo, em geral, se fortaleceram bastante e isso devido ao avanço da moral progressista e a polarização criada nesse processo[29].

A conjuntura mundial tem uma dinâmica semelhante, sem alguns exageros que ocorrem na sociedade brasileira, tal como o excesso de agressividade e impedimento da liberdade de expressão alheia. A tendência, se não houver nenhuma ascensão das lutas operárias ou sociais, é a de que esse processo continue, mas devendo ser amenizado a partir de 2018, quando o mais provável será outra derrota dos partidos de esquerda e exorcização definitiva do PT. A partir de 2019, ocorrendo isto, é possível um fortalecimento do bloco revolucionário, especialmente se as políticas estatais continuarem sendo determinadas pelo neoliberalismo discricionário, tal como iniciado pelo governo Temer. Essas possibilidades, no entanto, podem não se realizar, pois depende de diversas determinações, inclusive a situação mundial e luta de classes nos demais países. Especialmente se algo extraordinário ocorrer, como, por exemplo, a ascensão de lutas radicalizadas, que sempre inspiram e fortalecem o bloco revolucionário nos demais países.

Em síntese, o discurso reacionário tende a continuar existindo enquanto continuar existindo as bases sociais que o geraram e enquanto não aparece no horizonte a tendência de transformação radical e total das relações sociais. O que pode acontecer é haver o fortalecimento ou enfraquecimento relativo, tal como no caso do conservadorismo em geral.

Referências

IGLESIAS, Esteban. Da Colonização da Sociedade Civil às Tensões entre Partidos no Governo e Movimentos Sociais. Revista Sociologia em Rede. Ano 5, num. 05, jan./jun. de 2015.

MARÍAS, Julian. Tratado Sobre a Convivência. Concórdia sem Acordo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. In: FROMM, Erich. O Conceito Marxista do Homem. 3ª edição, Rio de Janeiro: Zahar, 1983.

MASCHINO, Maurice. Intelectuais da Mídia, Os Novos Reacionários. Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/acervo.php?id=646 Acessado em: 10/10/2013. Novo link: http://informecritica.blogspot.com.br/p/intelectuaismidiaticos-os-novos.html

ROJAS, Enrique. O Homem Moderno. A Luta Contra o Vazio. São Paulo: Mandarim, 1996.

VIANA, Nildo. A Filosofia e sua Sombra. Goiânia: Edições Germinal, 2000. Disponível em: http://informecritica.blogspot.com.br/2015/12/reflexoes-sobre-etica.html

VIANA, Nildo. A Invenção do Inimigo Imaginário. Antítese. Ano 02, num. 04, Outubro de 2007. Disponível em: http://informecritica.blogspot.com.br/2011/04/invencao-do-inimigo-imaginario.html 

VIANA, Nildo. Política Cultural e Hegemonia Burguesa. 2017. No prelo.

YOUNG, Jock. A Sociedade Excludente. Exclusão Social, Criminalidade e Diferença na Modernidade Recente. Rio de Janeiro: Revan, 2002.





[1] E com divisões internas, sendo que assume uma forma totalitária no caso do nazismo e fascismo e outras formas mais amenas, como no caso do estatismo, conservantismo, liberal-conservantismo. O discurso reacionário predominante no Brasil é o conservantismo e nos Estados Unidos é o liberal-conservantismo.
[2] Basta ver o exemplo do rebaixamento dos intelectuais que reproduzem nas redes sociais o discurso petista sobre o suposto golpe que teria sido o impeachment de Dilma Roussef, por um lado, e dos que ficam reproduzindo afirmações esdrúxulas sobre “ameaça comunista” no Brasil, para ver que se aqueles que vivem e ganham para produzir intelectualmente e deveriam ser os mais racionais e avançados em termos de consciência, estão nesse nível, então o futuro geral da sociedade aponta para o barbarismo crescente, restando apenas os trabalhadores e as classes desprivilegiadas para resgatar alguma possibilidade de evitá-lo.
[3] Algumas reflexões a esse respeito, apesar de alguns limites analíticos, podem ser vistos em Young (2002).
[4] Essa questão do vazio já foi objeto de reflexões psicanalíticas (ROJAS, 1996) e a questão da superficialidade já foi tematizada por vários autores, tanto o gerado pelas redes sociais e internet (http://informecritica.blogspot.com.br/p/o-castelo-sforzesco-em-milao-preserva.html) quanto os “ventos de falsidade” da sociedade contemporânea (MARÍAS, 2003).
[5] Inclusive sendo reproduzido por adeptos da moral progressista objetivista, como setores do bolchevismo, seja por incompreensão e falta de formação política, seja por oportunismo ou reboquismo em relação aos modismos, hegemonia e/ou a ilusão provocada pelo sentimento de comunhão com o bloco progressista. Um certo setor do moralismo progressista faz uma mistura eclética e trocam classe social por grupos sociais e pode unir isso com individualismo ou não, sendo que a união aponta para a liberdade individual dos indivíduos do seu grupo social como fundamento de suas reivindicações. Setores do liberalismo também realizam processo semelhante, mas sob forma mais individualista, tal como se vê no chavão: “meu corpo, minhas regras”. Da perspectiva revolucionária, ambas as formas da moral progressista, bem como a moral conservadora, são produtos históricos e sociais particularistas e equivocados, expressando interesses de classe da burguesia e/ou de suas classes auxiliares. Não se trata, portanto, de tomar partido por nenhuma das duas, pois a moral deve ser, ela mesma, criticada e abolida. Ao invés de moral (conservadora ou progressista), o que defendemos é uma ética revolucionária. Sobre a diferença entre ética e moral, cf. Viana, 2000.
[6] Isso é mais forte em certas questões morais do que em outras. Dois pontos fortes nisso é relativo à sexualidade (especialmente homossexualidade) e relações entre homens e mulheres, nos quais as ideologias da identidade, gênero, etc., ganharam espaço e a emergência de setores de movimentos sociais atrelados a esses discursos e realizando reivindicações que entram em confronto com a concepção da maioria da população. Se, por exemplo, a luta pela moradia não faz ninguém ser contra ela em si, pois o que se contesta do lado conservador é a invasão da propriedade privada, por exemplo, ou seja, sua legitimidade não é questionada (todo mundo tem direito à moradia, “só não pode invadir a propriedade dos outros”), o mesmo não ocorre com reivindicações como legalização do aborto, casamento gay, etc., pois isso não tem legitimidade para grande parte da população. Nesse caso, a reivindicação, em si, é questionada e apontada como ilegítima.
[7] O liberalismo assumiu, historicamente, várias formas, e continua fazendo surgir novas manifestações. O liberal-conservantismo é a mistura entre liberalismo político e econômico e moralismo conservador. O liberalismo progressista é, por sua vez, uma mistura eclética entre liberalismo e progressismo (e isso vale também para um setor do neoliberalismo). Ambos são liberais, só que um, nas questões morais, se aproxima do liberalismo progressista (basta ver representantes da Rede Globo para se ver isso), e o outro é antinômico ao moralismo progressista.
[8]Entre seus mantenedores, parceiros e patrocinadores, estão as grandes empresas de mídia, como o Grupo Abril (revistas Veja e Exame), Grupo OESP (O Estado de S. Paulo) e Grupo RBS (afiliado à Rede Globo no Sul do Brasil) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Também estão entre os mantenedores a segunda maior universidade privada do Brasil (Estácio de Sá), conglomerados industriais (Grupo Gerdau e Suzano), seguradoras (Pottencial e Porto Seguro) e instituições financeiras, como o Bank of America Merrill Lynch. O instituto também aceita doações feitas por pessoas físicas” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Millenium).
[10] O que pode parecer irônico, mas não é tanto assim. A moral progressista é gerada por setores do conservadorismo mais “liberais” e por republicanos. A esquerda atual é uma criação da direita e é o seu setor mais “esclarecido” e cujo papel é influenciar as classes desprivilegiadas para não ir além do reformismo.
[12] Veja: Ascensão e Queda do Partido dos Trabalhadores (http://informecritica.blogspot.com.br/2016/03/ascensao-e-queda-do-pt.html).
[13] Esses são alguns dos temas mais financiados pela Fundação Ford (ROCHA, ).
[17] A ideologia DO gênero emerge nos anos 1970, tendo por base a ideologia pós-estruturalista. Ela foi equivocadamente denominada como “ideologia DE gênero”, o que é sem sentido, pois isso significaria que é uma ideologia de um dos gêneros, o que demonstra a pequena bagagem cultural de ditos intelectuais.
[18] http://www.olavodecarvalho.org/do-marxismo-cultural/ Uma breve leitura observa diversas afirmações sem fontes e fundamentação. Uma rápida pesquisa na internet mostrará que as afirmações contidas nesses textos são repetidas à exaustão em sites e blogs variados. Não deixa de ser curioso que a wikipedia, sabendo da falsidade das teses sobre o suposto “marxismo cultural” redireciona o verbete para “Escola de Frankfurt” (ao invés de esclarecer quem criou e o que significa este termo fantasioso). O texto de Olavo de Carvalho é baseado no texto de um dos representantes do conservantismo americano, Willian Lind (o texto dele foi traduzido e está disponívei em diversos blogs: http://omarxismocultural.blogspot.com.br/2015/09/desenterrando-as-raizes-marxistas-do.html). O texto de Lind descontextualiza afirmações (de Lukács, Gramsci, etc.) e apresenta afirmações falsas (tais como sobre Lukács e implantação de “educação sexual” durante a Revolução Húngara de 1918).
[19] O texto é simplesmente ridículo e demonstra um alto grau de ignorância e não saber nada de marxismo, nem se considerando esse termo no seu sentido mais amplo, englobando todo mundo que assim se autodenomina. Esse é um elemento útil para entender o discurso reacionário: o seu poder de convencimento não está na racionalidade e sim na retórica, falsificação, emotividade e moralismo.
[20] Na verdade, não há muita diferença entre liberais e neoliberais, apenas uma questão terminológica, pois politicamente o que existe hoje são versões neoliberais das diversas tendências liberais.
[21] Gary North, que foi membro adjunto do Mises Institute, critica a ideia de existência de um “marxismo cultural”. Isso mostra que os liberais tendem a ter um pouco mais de leitura e racionalidade do que os reacionários. O foco de North se revela no final do seu artigo, quando ele diz que o marxismo e suposto “marxismo cultural” morreram. O inimigo agora é o “keynesianismo social-democrata”. Ou seja, a sua preocupação principal é distinta da dos reacionários, pois é a questão política e pecuniária (“econômica”) e não a moral (veja: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1896). No Brasil, basta ver o risível debate entre Olavo de Carvalho e Rodrigo Constantino (https://www.youtube.com/watch?v=fgasM4boDEY&t=617s e https://www.youtube.com/watch?v=i8_U5GGekYo&t=1408s), entre outros, para se ver não somente o baixo nível intelectual e linguagem vulgar como também as divergências entre as duas concepções. Ou ver as posições distintas de outros (possuidores de um preparo intelectual um pouquinho superior ao deles), sobre eles. Esse é o caso das considerações de Marco Antonio Villa e Luiz Felipe Pondé a respeito de Olavo de Carvalho (https://www.youtube.com/watch?v=8krPOn0NgBY).
[22] Entenda-se aqui por republicano um setor do estatismo de caráter democrático e não tal como se usa nos Estados Unidos e é expresso no nome do Partido Republicano. O republicanismo é uma forma de democratismo que tem como um dos seus ideólogos pioneiros Jean-Jacques Rousseau.
[23] “Em geral, a arte de todos os verdadeiros chefes do povo de todos os tempos consiste em concentrar a atenção do povo em um único adversário, em não deixar dispersar-se... A arte de sugerir ao povo que os inimigos mais diferentes pertençam à mesma categoria é de um grande chefe... É preciso sempre colocar na mesma pilha uma pluralidade de adversários os mais variados” (apud. VIANA, 2007).
[25] O bloco dominante – que é convencionalmente chamado de “direita” – é composto por diversas forças conservadoras e ainda não existe uma análise profunda das mesmas. O liberalismo vem, contemporaneamente, se destacando, mas não é homogêneo, pois existem várias concepções liberais (o liberalismo nacional, o liberalismo democrático, o liberal-conservantismo, etc.), mas a existência de republicanos (que seria o setor mais democrático do bloco dominante), estatistas, etc., mostram que o bloco dominante não é homogêneo, embora tenham algo em comum: o conservadorismo. Isso varia em cada país. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Partido Republicano é hegemonicamente constituído por correntes liberais (com predomínio do liberal-conservantismo, adepto de um moralismo conservador misturado com ideias liberais no plano político e pecuniário/econômico) e o Partido Democrata é hegemonicamente constituído por republicanistas e liberais-democratas e progressistas. Esse último é chamado de “esquerda” nos EUA. Há um setor minúsculo compostos por social-democratas e bolchevistas, sem força política efetiva (ao contrário do caso europeu e latino-americano). Sobre o caso americano há uma dificuldade adicional que é a linguagem utilizada na política local, tanto pela diferença na oposição tradicional entre direita e esquerda no resto do mundo, que não tem uma “esquerda” equivalente na política institucional americana, quanto pelo nome autodeclarado dos partidos e indivíduos, pois os republicanos não são republicanos e sim liberais e os democratas são os republicanos. Alguns textos disponibilizados na internet ajuda a entender esse exotismo terminológico da política americana: https://diplomatique.org.br/a-esquerda-existe-nos-eua/; http://mercadopopular.org/2014/10/desmistificando-esquerda-partidaria-americana/. Esse problema terminológico, no entanto, ainda necessita ser resolvido e isso pressupõe pesquisas e processos analíticos que ainda não foram realizados numa perspectiva marxista e foi feito de forma débil e rara por abordagens distintas.
[26] Alguns querem negar esse fato evidente e o pretexto para isso é que os conservadores (e no seu interior os reacionários) afirmaram isso. O não compromisso com a verdade e a pobreza intelectual dos setores reacionários e na maioria dos conservadores em geral não significa que nada que dizem seja verdadeiro. As políticas de cooptação de setores dos movimentos sociais e outros setores da sociedade pelo Governo Lula e Dilma são por demais evidentes e até pesquisadores estrangeiros mostraram isso (IGLESIAS, 2015), bem como a expansão dos Institutos Federais, a constituição de ministérios, os financiamentos de entidades da sociedade civil, etc., mostram claramente o aparelhamento do aparato estatal pelo PT. O PT representa setores da burocracia partidária, sindical, etc., e precisava, enquanto membros da classe burocrática, se preservar no maior aparato burocrático da sociedade burguesa, o Estado. Daí fazer de tudo para permanecer no poder. A cegueira diante desse processo só se explica por interesses, razoabilização, etc., no caso de alguns, ou falta de informação ou falta de criticidade derivada de um sentimento de comunhão com o bloco progressista (“esquerda”) que revela apenas ilusões quando quem faz isso se pretende revolucionário.
[27] Geralmente chamados de “midiáticos”, termo derivado de mídia, aportuguesamento da palavra inglesa “media” e que esconde mais do que revela. A discussão sobre intelectuais tecnocomunicacionais vem sendo realizada há um bom tempo, tal como no caso de Bourdieu. O caráter conservador dos intelectuais tecnocomunicacionais é abordado por Maschino (2013), que os qualifica de “novos reacionários”. No entanto, diríamos que nenhum deles, obviamente, são revolucionários ou defendem os interesses da maioria da população, mas se dividem em conservadores (Pondé, Olavo de Carvalho, etc.) e progressistas (Karnal, Cortella, etc.) e podem se subdividir. Num plano mais amplo, todos são “farinha do mesmo saco” e a abordagem de Maschino se aplica a todos eles.
[29] http://informecritica.blogspot.com.br/2015/12/a-luta-de-classes-no-brasil-2013-2015.html Isso, obviamente, foi reforçado pelas debilidades do bloco progressista e dificuldades do bloco revolucionário.
--------------------------------
Leia mais:

Uma Imagem Vale mais que Mil Palavras - Intelectualidade e Interesses de Classe - Rubens Vinicius da Silva

A Conspiração dos Imbecis - Umberto Eco

Intelectuais Midiáticos, os Novos Reacionários - Maurice Maschino

Nenhum comentário:

Postar um comentário