A GÊNESE DO DISCURSO REACIONÁRIO
Nildo Viana
O discurso reacionário não é uma invenção contemporânea. Ele
sempre existiu e assumiu várias formas. No entanto, ele geralmente possui pouca
ressonância social em períodos de estabilidade financeira e política. Ele
continua existindo nesses momentos, mesmo como algo marginal. Em certos
períodos, ele ganha força e adeptos, acaba se tornando uma força política
significativa. Isso depende de um conjunto de determinações, sendo que a tendência
é sua ascensão (bem como do seu oposto) em épocas de desestabilização, embora
possa ocorrer, de forma mais excepcional, fora desse contexto. No caso
brasileiro, o discurso reacionário se fortaleceu e emergiu a partir do
antipetismo e anticomunismo. É fundamental entender esse processo para quem
luta por transformação social e quem busca compreender a realidade nacional e
mundial.
Antes de começar a abordar a gênese do discurso reacionário
é necessário deixar claro o que entendemos por tal termo. O discurso
reacionário é a forma manifesta de determinadas ideologias, doutrinas,
concepções, representações cotidianas de um setor da sociedade que, por sua
vez, manifesta determinadas forças políticas e interesses de classe. Logo, esse
discurso é apenas a forma de manifestação de algo mais amplo e sob formas
distintas (desde as formas mais sistemáticas e coerentes, como o saber
complexo, até as formas mais simples, como as representações cotidianas) que,
por sua vez, manifesta interesses de grupos específicos. Esses grupos
específicos manifestam os interesses de uma determinada classe social sob uma
forma também específica, articulando suas concepções e interesses, com os da
classe que representam (e, não é demais destacar, não são os únicos que
representam essa classe, pois outros o fazem sob outras formas e através de
outras concepções). O discurso reacionário é apenas uma forma de manifestação
do discurso conservador, expressão da classe dominante. Essa forma é mais
extremista[1] e que
tem mais ressonância em certos setores da classe dominante e suas classes
auxiliares e em certos momentos e situações consegue se aproximar até mesmo de
indivíduos e setores das classes desprivilegiadas.
O discurso reacionário atual, no Brasil, é aquele que
realiza uma crítica ao PT (Partido dos Trabalhadores) e ao que é confusamente
chamado de “esquerda” ou, ainda, “comunismo” (às vezes, “socialismo”). A ideia
é confundir as coisas da seguinte forma: PT = esquerda e esquerda = comunismo.
Logo, o PT é comunista e quem é anticomunista deve ser antipetista e
vice-versa. O comunismo, por sua vez, é apresentado de forma caricatural. Esse
discurso reacionário, produzido por alguns e reproduzido por muitos, é apenas
uma forma do discurso da classe dominante e não o caracteriza, já que existe um
conservadorismo mais moderado e que é dominante, pelo menos nos momentos de
estabilidade social. A partir desse esclarecimento é possível encaminhar a
análise da gênese do discurso reacionário no Brasil contemporâneo.
Acumulação Integral e Mutação Ideológica
O discurso reacionário tem como uma de suas fontes a mutação
ideológica contemporânea. Desde os anos 1970, ocorre um processo de mutação
ideológica e cultural, gerado a partir da derrota da rebelião estudantil de
maio de 1968 e outras lutas sociais da época, caracterizando uma
contrarrevolução cultural. É nesse momento que surge um novo paradigma de
pensamento e novas ideologias, tal como o pós-estruturalismo e seus derivados
(ideologia do gênero, multiculturalismo, etc.). O novo paradigma é o subjetivismo,
gerando várias formas de ideologias e concepções, e com a vulgarização destas,
correntes de opinião e representações cotidianas que reproduzem lugares-comuns
e supostas “verdades” (inclusive as contradições são bastante visíveis na
maioria das produções intelectuais inseridas nesse paradigma). A luta do final
dos anos 1960 apontava para uma crítica do cotidiano, da razão (instrumental),
do capitalismo e, em suas manifestações mais radicais, apontava para uma
transformação radical da sociedade, via autogestão social.
A derrota desse movimento ocorreu juntamente com a retomada
de suas temáticas numa perspectiva conservadora, realizando sua despolitização
através de sua destotalização (VIANA, 2009). É nesse contexto que novas
ideologias, valores, concepções, vão emergir, no qual o pós-estruturalismo
acaba sendo a principal ideologia, e a ênfase em grupos e indivíduos ao invés
de classes sociais, a recusa da totalidade, da historicidade, etc., coisas já
comuns no pensamento burguês, reaparecem com ar de “novidade” ao abordar novos
temas e questões, reais ou imaginárias. Os artífices dessas novas ideologias,
doutrinas e concepções que unem o velho pensamento burguês com novas temáticas
e abordagens, supostamente “libertárias”, são ideólogos e outros representantes
do pensamento conservador ou progressista (e a esquerda é uma das que buscam se
renovar e recuperar as lutas passadas deformando-as de acordo com seus
interesses – eleitorais ou vanguardistas).
No entanto, os anos 1970 eram ainda anos de crise e
transição. A crise do regime de acumulação conjugado no final dos anos 1960 não
gerou a transformação social e a derrota das ações mais radicais (França,
Itália e Alemanha) não significou o fim de qualquer luta. Na França, a luta
operária continuou com alguns momentos de radicalidade, bem como na Itália. A derrota
posterior gerou o apelo das guerrilhas urbanas, tentativa desesperada de manter
uma luta sem entender o processo e possuir estratégia, o que redundou no grande
fracasso de Baader Meinhof (Alemanha)
e Brigadas Vermelhas (Itália) e ao
lado disso a manutenção de uma luta operária e de outros setores, sem a força
do final da década anterior. A Revolução Portuguesa (1974) e a Revolução
Polonesa (1980) foram os últimos suspiros dessa resistência heroica desse
período.
Nesse contexto, a contrarrevolução cultural permanente não
conseguiu se tornar hegemônica e somente com a instauração do novo regime de
acumulação, o integral, a partir dos anos 1980, é que essa situação mudou e o
novo paradigma e as novas ideologias ganharam espaço e se tornaram hegemônicas
paulatinamente a nível mundial. O neoliberalismo, que enquanto ideologia surgiu
na década de 1940, é retomado e novas versões do mesmo surgem e se encaixam
perfeitamente na nova hegemonia, marcada pelo subjetivismo e seus derivados (individualismo,
hedonismo, etc.). O discurso conservador mantém seu conservadorismo político,
mas realiza um processo de liberação individual como válvula de escape do
capitalismo, efetivando um desvio das energias para a vida pessoal e interesses
grupais como alternativa às propostas de mutação radical da sociedade. Essa
liberação individual ocorreria, segundo as novas ideologias, ao lado das velhas
formas individualistas de ascensão social e consumo (que permanece e são ainda
mais incentivadas), através da sexualidade, uso de drogas, corpolatria,
fetichismos diversos, luta por “direitos”, etc.
Precisamos abrir um parêntesis para explicar o significado
do termo conservadorismo e nossa divisão entre conservadorismo e conservantismo.
O conservadorismo é o conjunto do pensamento político burguês que se opõe ao
progressismo/reformismo (defendido geralmente pela classe burocrática e pela
classe intelectual) e ao marxismo (expressão do proletariado). Ou seja, o
conservadorismo é o pensamento político do bloco dominante, que se opõe ao
bloco progressista e ao bloco revolucionário. O que muitos chamam de
“conservadorismo” é apenas uma das formas assumidas pelo conservadorismo, tal
como definido aqui. Essa forma é o que denominamos conservantismo e que se
caracteriza por defesa da tradição, propriedade, etc., muitas vezes
manifestando concepções religiosas.
Em outras palavras, o conservadorismo é um amplo leque de
concepções políticas no interior do bloco dominante e que tem diversas subdivisões,
sendo que o reacionarismo é uma dessas divisões (e este, por sua vez, também
tem subdivisões, tal como o conservantismo, nazismo, fascismo, etc.). Trata-se
de um nível de maior concreção na análise, mas no plano mais geral, há uma
unidade: a defesa do capitalismo e recusa tanto de reformas superficiais ou profundas
(econômicas, políticas ou morais) – defendidas pelo bloco progressista –
quanto, obviamente, de revolução anticapitalista – defendida pelo bloco
revolucionário. Os setores mais democráticos do conservadorismo se aproximam
muito dos setores mais moderados do progressismo (por exemplo, os
liberais-democratas e republicanos são próximos dos social-democratas mais
moderados e microrreformistas). Isso era expresso, há algum tempo atrás, com a
ideia de que entre a direita (e a extrema-direita) e a esquerda (e a
extrema-esquerda), havia um centro, sendo que este poderia pender mais para a
direita (liberais-democratas, republicanos), ou mais para a esquerda
(social-democratas).
Retomemos a discussão anterior sobre subjetivismo e conservadorismo.
Nesse contexto, as ideologias atacam o marxismo, as utopias e realizam a recusa
da razão (que antes era apenas da razão instrumental e agora passou a ser, em
grande parte dos casos, da razão em geral) e da categoria da totalidade
(elemento fundamental da dialética marxista e necessária para a compreensão da
realidade), reduzindo as lutas a questões pontuais e particulares desvinculadas
do todo e da luta geral, inclusive da base que gera os problemas combatidos. A
contestação da razão e o advento da internet, especialmente as redes sociais
com sua superficialidade (perceptível a começar pela censura às pessoas que
escrevem textos grandes), realizam um processo de socialização via correntes de
opinião e reprodução das ideologias e concepções dominantes, na qual o conteúdo
e a formação intelectual são reduzidos a pó e limitados a poucas exceções,
inclusive nos meios intelectualizados, que geralmente não ultrapassam o nível
da reprodução das correntes de opinião[2].
Os Estados capitalistas, o capital comunicacional, instituições internacionais
e nacionais (como as fundações internacionais e institutos nacionais), as
universidades, intelectuais, etc., reproduzem uma determinada política cultural
que é geradora da nova hegemonia subjetivista (VIANA, 2017).
No entanto, esse neoconservadorismo ao mudar um aspecto do
pensamento conservador, que é o abandono da moral conservadora[3],
acaba posando de “progressista” e, assim, se aproxima, nesse aspecto, da
esquerda, que, por sua vez, na maior parte dos casos, reproduz o mesmo
discurso. Ao lado disso, emerge o vazio e a superficialidade[4],
onde a preocupação fundamental passa a ser o corpo em detrimento da mente. A
transformação do ser humano em animal por iniciativa dos próprios seres
humanos, o que não deixa de ter certo sentido numa sociedade em que eles “só se
sentem à vontade em suas funções animais” (MARX, 1983), especialmente quando
ela começa a esgotar suas possibilidades de sobrevivência.
Isso, no entanto, gera novas contradições. Além disso, em
lugares e situações específicas, assumem características próprias e geram reações
diversas. O moralismo progressista atinge especialmente a juventude e, mais
profundamente, a das classes privilegiadas (burguesia, burocracia,
intelectualidade) e produz sua despolitização e desmobilização, bem como distanciamento
da grande maioria da população. As universidades se tornaram redomas
intelectuais distantes das necessidades e questões mais urgentes da população.
O moralismo progressista assume duas formas básicas: a forma objetivista e a
forma subjetivista. A forma objetivista é a defendida por parte da esquerda,
tal como o bolchevismo e seus derivados, e parte da direita, tal como os
republicanistas. A forma subjetivista é defendida por setores da esquerda, tal
como parte da social-democracia envolvida pelo discurso neoliberal e/ou
neopopulista e setores da direita (liberais-democratas e outros). A moral
progressista hegemônica é a subjetivista[5],
que é voltada para a liberação individual e expressando um neoindividualismo –
acaba se tornando hegemônico nos meios intelectualizados, nas classes
privilegiadas, mas conta com setores resistentes (conservadores e
revolucionários, por razões muito diferentes), e é suportado pelas classes
desprivilegiadas, tendo setores que reproduzem, outros que contestam, etc.
A grande questão é que a luta política acabou, em grande
medida, se reduzindo a uma disputa moralista (entre o moralismo conservador e
moralismo progressista, duas formas de manifestação da moral burguesa) e aí
temos um elemento fundamental para explicar o que alguns, reproduzindo uma das
correntes de opinião vigentes, denominam “onda conservadora”. Esse lugar comum
nada explica e apenas rotula algo ao invés de explicá-lo. Explicar isso é
entender a gênese do discurso reacionário.
A Gênese do Discurso Reacionário
A luta política institucional se reduziu a uma disputa entre
neoliberais ortodoxos e neoliberais neopopulistas (de “esquerda”). A
social-democracia se transformou numa versão neopopulista do neoliberalismo
(especialmente no caso brasileiro) ou foi marginalizada politicamente (para
aqueles que buscam manter o discurso estatizante e reformista). O bolchevismo
foi historicamente perdendo espaço, tanto por causa que de indivíduos e grupos
revolucionários que perceberam seu caráter burocrático e contrarrevolucionário,
especialmente a partir da derrocada a antiga URSS (União das Repúblicas
“Socialistas” “Soviéticas”) quanto por causa do seu abandono por parte de
ideólogos e representantes da classe capitalista. Hoje ele sobrevive
marginalmente na sociedade contemporânea. Ao lado da derrocada da
social-democracia e do bolchevismo, e às vezes confundido com essas ideologias,
o marxismo também é atacado e se declara o “fim das utopias”. Assim, a questão
deixa de ser a transformação social e passa a ser um mera questão quantitativa,
ou seja, de “mais ou menos” privatização, estatização, mercado, “liberdade”,
“privilégios”, etc.
Um outro elemento, secundário, entrou nas disputas políticas
e nos processos eleitorais, mas que se tornou fundamental no âmbito das
decisões políticas e eleitorais da população: a questão moral. A moralização da
política anda junto com sua desmoralização e esse último aspecto faz com que as
pessoas se voltem para a vida privada. As novas ideologias avançam no sentido
do hedonismo, neoindividualismo, etc. A moral conservadora acabou sendo alvo de
ataques e uma moral progressista, que já existia em certos setores da sociedade
e de forma pouco desenvolvida, se ampliou e conquistou novos espaços,
especialmente em sua versão individualista. A moral progressista tem como um de
seus motes a “politização da vida privada”, mas que, na verdade, realiza é uma
despolitização da política e da vida privada. A vida privada supostamente
“politizada” é deslocada da totalidade que é a sociedade e assim é
despolitizada e, ainda, gera maniqueísmos e outros processos conflituosos que
nada explicam e nada resolvem. Um mar de contradições (moralistas) cerca uma
pequena ilha de pensamento critico que questiona tanto a moral conservadora
quanto a progressista ao recolocar a moral no contexto da sociedade
capitalista, pois só nas fantasmagorias intelectuais é que se poderia pensar em
moral separada da sociedade.
Assim, no interior do bloco dominante, o setor hegemônico
adota a moral progressista e outro mantém a moral conservadora. O bloco
progressista, em crise e perdendo espaço (não esquecendo variações e diferenças
nacionais) adota a moral progressista e nesse quesito se une com o bloco dominante.
O setor do bloco dominante ligado à moral conservadora fica cada vez mais
descontente com a hegemonia da moral progressista. Além disso, determinados
partidos e certos políticos astutos perceberam a existência de uma forte
oposição à moral progressista na maioria da população[6].
A questão moral se tornou importante nas disputas eleitorais
e político-institucionais. Quanto mais a moral progressista avança ou quanto
mais radicaliza, mais o seu oposto se fortalece e radicaliza. Essa disputa
moral ocorre no plano da moral burguesa em duas formas de manifestação da
mesma. Assim, vários setores da sociedade, incluindo as classes
desprivilegiadas, tendem a votar ou apoiar as forças mais conservadoras, tal
como o neoliberalismo ortodoxo ou mesmo forças reacionárias, mesmo que não
concorde com elas no plano político-institucional (intensificação da
mercantilização, repressão policial, reformas retrógradas, etc.). Isso
fortalece eleitoralmente os setores mais conservadores do bloco dominante e é
reforçado por suas expressões religiosas e outras.
É nesse contexto que o discurso reacionário emerge e se
fortalece. Um setor do bloco dominante, adepto do neoliberalismo e do moralismo
progressista (neoindividualismo) é financiado por fundações norte-americanas
(com destaque para a Fundação Ford e a Fundação Rockfeller), entre outras. Outro
setor é composto por diversos “institutos liberais”, tal como é o caso do
Instituto Von Mises, Instituto Millenium, Instituto Rothbard. No Instituto
Millenium se aglutinam simultaneamente conservantistas e liberais progressistas
e liberal-conservantistas[7]. Entre
seus integrantes, apoiadores e simpatizantes se encontram João Roberto Marinho
(vice-presidente das Organizações Globo),
Ricardo Diniz (vice-presidente do Bank of
America Merrill Lynch Brasil), Ali Kamel, Arnaldo Niskier, Armínio Fraga,
Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino, André Franco Montoro
Filho, entre diversos outros. Os recursos financeiros do Instituto Millenium
advêm de setores do capital comunicacional e outras empresas capitalistas[8].
Essas são instituições estratégicas da burguesia e que
buscam a hegemonia na sociedade civil de acordo com as necessidades do regime
de acumulação integral e são conhecidas como Think Tanks (VIANA, 2017). Elas se expandem no regime de acumulação
conjugado (o período do capitalismo oligopolista transnacional que vai de 1945
a 1980) e principalmente a partir de 1980. Ao lado disso, se inicia um processo
de financiamento de organizações “ativistas” (como o MBL – Movimento Brasil
Livre)[9].
Assim, o bloco dominante (expressão mais fiel dos interesses
da classe capitalista), através de governos, instituições, ideólogos, etc.,
produzem e divulgam a moral progressista e um setor dele acaba mantendo a moral
conservadora. O bloco progressista (a dita “esquerda”) vai atrás e incorpora,
em sua grande maioria, a nova moral progressista. Isso gera um setor
reacionário dentro do bloco dominante. Esse setor reage contra o bloco progressista
e sua moral (produzida pelo bloco dominante/conservador...)[10].
Esse setor elabora um discurso reacionário e usa a estratégia de unir a crítica
da moral progressista e busca amalgamá-la com as propostas da chamada
“esquerda”, ou seja, do bloco progressista. Assim, realiza a junção
[ideológica] entre moral progressista e esquerda, mesmo que em seu lado estejam
adeptos da moral progressista. Por tabela, acaba incluindo o bloco
revolucionário, ou seja, aqueles que são anticapitalistas.
Essa não é a única tendência do reacionarismo. Ao lado dele há
o setor estatista, cujo exemplo de manifestação mais conhecido na história da
humanidade foi o nazismo e o fascismo, mas também com suas versões mais
moderadas (durkheimianismo, keynesianismo, etc.). Hoje, no Brasil,
contemporaneamente, isso o discurso reacionário de caráter estatista aparece
através do neonazismo[11].
Esse setor reacionário tende a crescer em épocas de
desestabilização e crise na sociedade capitalista e pode se manifestar através
do fascismo, nazismo, entre outras formas. O que uma determinada corrente de
opinião denomina “onda conservadora” é apenas o fortalecimento desse setor
reacionário. No entanto, o bloco progressista também apresenta sua versão sobre
isso e denomina “onda conservadora” a derrota das forças progressistas no plano
eleitoral ou moral. É necessário entender, no entanto, por qual motivo em
alguns países esse setor reacionário se fortalece mais, bem como a forma como
se manifesta, mais agressiva e violenta em certos casos. Não podemos realizar
tal análise, pois pressupõe ter informações mais profundas sobre os países em
questão e não é nosso objetivo aqui. Nosso objetivo se limita ao caso
brasileiro, que é o que abordaremos a partir de agora.
Antipetismo e Anticomunismo
A força do setor reacionário do bloco dominante e o
extremismo de alguns de seus integrantes só podem ser compreendidos em sua
relação com o seu antipetismo. É no antipetismo que entendemos a chave para
compreender a força e emergência do discurso reacionário. O PT – Partido dos
“Trabalhadores” – emergiu na cena política brasileira a partir das lutas
sociais e vai se tornando cada vez mais moderado e eleitoreiro[12].
Em 2003, a vitória eleitoral era a prioridade e para conseguir isso valia tudo,
tal como apoiar empréstimo para a Rede Globo, atrair como vice-presidente um
integrante do Partido Liberal (José Alencar, e não mais um vice do PC do B),
moderar o discurso, etc. Uma vez no aparato estatal, o governo Lula sabia que
não poderia cumprir suas promessas e que para se manter no poder era necessário
ter uma base eleitoral. Ao invés de políticas para trabalhadores, a estratégia
petista foi atrair grupos sociais para lhe apoiar e assim passou a compartilhar
as teses vinda dos Estados Unidos sobre ações afirmativas, direitos humanos,
minorias, etc.[13]
A política de cooptação foi uma das estratégias utilizadas.
A juventude foi um dos primeiros alvos, mas sua heterogeneidade e divisões (de
classe, concepção política, etc.) gerava uma dificuldade e assim se buscou,
sucessivamente, cooptar os negros, as mulheres, os homossexuais. As políticas
segmentares avançaram, sendo que no último caso menos, por causa da maior resistência
na sociedade civil. A outra face da política de cooptação foi junto aos setores
mais empobrecidos da população, se inspirando no Banco Mundial e governo FHC, a
bolsa família e outras iniciativas visava garantir o apoio do
lumpemproletariado. O financiamento estatal de ONGs e outras iniciativas
garantiam um apoio de diversos grupos sociais graças à moral progressista e à
política de cooptação.
A classe dominante aceitou e apoiou os governos petistas por
um bom tempo, tanto devido à política petista de boa vizinhança e servindo aos
interesses do capital, como também pela popularidade dos mesmos. No entanto, um
setor reacionário começou a se fortalecer e sair dos pequenos guetos e começou
a se afirmar na sociedade civil. Numa sociedade em que a bagagem cultural dos
indivíduos é limitada, onde a educação é de baixa qualidade, o hábito de
leitura é coisa de uma minoria, então o discurso reacionário pode ser
convincente para certa camada da população. Alguns intelectuais venais
começaram a criar o Frankenstein do antipetismo e anticomunismo. Com o passar
do tempo, intelectuais risíveis começaram a ser levados a sério. Olavo de
Carvalho, Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino, entre outros (e com o passar
do tempo novas estrelas decadentes apareceram no céu reacionário) intelectuais
venais[14] e
risíveis, passaram a ocupar espaços (e o capital comunicacional contribuiu com
esse processo, pois notou que havia “público” para as peripécias discursivas
destes indivíduos). A ortodoxia religiosa emerge com força e ganha espaços
institucionais, comunicacionais, etc., e ataca, especialmente, a moral
progressista.
O discurso reacionário é o discurso petista ao contrário. O
discurso petista usa a estratégia de juntar diversos opositores num único e
mesmo adjetivo pejorativo: fascismo. Na época do impeachment essa estratégia fui utilizada à exaustão[15].
O discurso reacionário tem como alvo principal o PT, por este estar no governo
e realizar políticas que desagradavam o setor reacionário e reforçar a moral
progressista. No entanto, todos que eram adeptos de moral progressista ou de
políticas estatizantes ou pró-PT eram inimigos a serem igualmente combatidos. Assim,
a frente reacionária e a frente religiosa ortodoxa passaram a denunciar os
“esquerdopatas”, os “gayzistas”, os “comunistas”, os “petralhas”, no seu nível
mais baixo de reprodução como corrente de opinião. Uma corrente de opinião
reacionária se formou e ganhou espaço. Esse processo cresceu a partir de 2013,
quando a classe dominante percebeu, devido às manifestações populares desse
ano, que a popularidade e apoio ao governo petista não era tão fortes assim. O
setor reacionário se fortaleceu e os conservadores moderados pensaram que havia
chegado o momento de retomar o aparato estatal.
O PT, expressão da classe burocrática, por sua vez, não
queria largar o osso e os cargos que os burocratas tanto gostam e precisam para
existir. As burocracias partidárias (PT, PCdoB), a burocracia sindical e a da sociedade
civil, etc., era o núcleo do governo e não podiam deixar a burocracia
governamental, pois seriam milhares de cargos perdidos e a burocracia não vive
sem eles (e essa é uma diferença entre os partidos conservadores e os partidos
progressistas, pois os primeiros não vivem da burocracia, que é força
secundária, devido ao predomínio da burguesia no seu interior). A maior parte
da classe intelectual apoiava o PT e a política educacional do Governo Dilma
tentou consolidar uma base intelectual nos meios intelectuais, com
financiamento governamental e outras estratégias. A expansão dos IFs
(Institutos Federais) foi peça chave desse processo.
A partir de 2013 e durante os anos 2014-2015 uma crescente
polarização começou a ser trabalhada pelos setores conservadores. O processo
eleitoral acabou produzindo uma primeira polarização, que se reproduziu nos
anos seguintes com destaque para a questão do impeachment, mas também emergiu uma nova estratégia das forças
conservadoras e reacionárias a partir de 2015: a luta cultural pela hegemonia e
a disputa da “sociedade civil”. Essa posição de disputa contínua e não apenas
nos processos eleitorais foi declarada em entrevista pelo candidato derrotado à
Presidência da República, Aécio Neves[16].
As forças reacionárias, com os eventos de 2013
(manifestações populares de junho) e 2014 (quase empate entre Dilma Roussef e Aécio
Neves) e com as políticas segmentares (para segmentos sociais, como mulheres,
homossexuais, etc.) e cooptação de setores de movimentos sociais (feminino,
homossexual, etc.) acaba também intensificando sua ação na internet e outros
espaços no sentido de disputar a hegemonia na sociedade civil, aproveitando-se
da recusa da maioria da população em relação à moral progressista. A partir de
intelectuais medíocres, mas ativistas, começa-se a fazer toda a propaganda de
fundir num mesmo saco – como se fossem homogêneos – coisas distintas como
marxismo e ideologia do gênero[17],
bem como outros termos usados equivocadamente: comunismo, petismo, gayzismo,
socialismo, esquerda, etc.
Essas forças reacionárias começaram a declarar a existência
de um “marxismo cultural”[18].
Essa invenção sem sentido, que busca através desse termo unir “marxismo” e
coisas como “politicamente correto”, “multiculturalismo”, “ideologia do gênero”,
etc. surge nos Estados Unidos como oposição ao moralismo progressista da
esquerda (que aqui e na Europa seria os liberais democráticos e progressistas)
através de supostos “intelectuais”, do mesmo nível de Olavo de Carvalho e
similares, mas com menos linguagem vulgar. No Brasil, esse termo pode ser visto
na internet a partir do ano 2000 e aumenta expressivamente a partir de 2001,
geralmente em sites católicos e conservadores. Em 2002, Olavo de Carvalho
escreve um primeiro texto brasileiro, pelo que conseguimos apurar, tratando
desse termo de forma que tenta ser explicativo[19].
No entanto, essa invenção e esse processo, de origem norteamericana, vai ser
marginal na sociedade brasileira, atingindo apenas alguns círculos da sociedade
brasileira. Isso vai se alterar com o passar do tempo e com a crise do PT e do
Governo Dilma, gerando um fortalecimento desse setor do conservadorismo.
No entanto, não é apenas esse setor que se fortaleceu.
Outros setores conservadores ampliaram suas bases e força política, tal como os
neoliberais e liberais[20].
Os institutos mencionados anteriormente, bem como setores “militantes”
financiados por organismos internacionais e nacionais, também, tal como o MBL
(Movimento Brasil Livre), conseguiram um crescimento quantitativo e de influência.
Os liberais muitas vezes entram em conflito com os reacionários, o que é uma
forma de chamar a atenção e retirar o bloco progressista da discussão[21].
A grande questão é que houve uma importação das disputas
políticas e morais norte-americanas para o Brasil. A diferença é que nos
Estados Unidos, a sua dita “esquerda” (republicanos[22],
liberais-democratas, etc.) é que avançou na produção de um discurso favorável a
uma nova versão da moral progressista, neoindividualista e, alguns outros
setores, especialmente da academia, gerou concepções como o chamado
“politicamente correto”, multiculturalismo, gênero, etc. Aqui no Brasil foram
os governos petistas e setores do PT e de outros partidos (especialmente PSOL),
setores cooptados dos movimentos sociais, etc. que encamparam o moralismo
progressista subjetivista. Esse moralismo progressista, por mais que desagradasse
a maioria da população, não gerou nenhum grande problema para o PT. Isso só
ocorreu quando começou a diminuir o ritmo de acumulação de capital
(“crescimento econômico”). O discurso reacionário conseguiu se ampliar e ganhar
mais adeptos e os escândalos de corrupção envolvendo os petistas, ajudou nesse
processo.
Os arquitetos do discurso reacionário usam a estratégia de
criar um inimigo imaginário. Esse inimigo imaginário é o PT e seus aliados,
reunindo com todos os defensores do moralismo progressista. A ideia é juntar
todos os inimigos num só rótulo (aliás, como Hitler colocou em sua obra, Minha Luta)[23].
Assim, o antipetismo aparece como anticomunismo e se junta petistas,
“comunistas” (bolchevistas), social-democratas em geral, feministas,
homossexuais, imoralistas, marxistas, partidos progressistas, etc., tudo em um
único rótulo: esquerda (ou comunismo, etc.). Ao juntar os petistas com outros
setores com grande rejeição pela população, reduz sua força eleitoral
drasticamente.
Assim, as forças reacionárias partem para a ofensiva e
realiza propostas como a da “Escola sem
Partido” e ganha força e adeptos. Da mesma forma, elas se fortalecem com a
crescente falta de racionalidade e processos sociais e psíquicos que geram um
clima de agressividade e autocratismo (reforçado, no Brasil, pelos petistas e
progressistas ao reproduzirem o paradigma subjetivista). O inimigo principal apontado
pelos defensores do projeto “Escola sem Partido”[24] é
a esquerda ou o “marxismo”.
Qual é o objetivo disso e por qual motivo setores liberais e
outros que não são exatamente reacionários estão apoiando ou sendo
condescendentes com esses processos? A razão é bem simples: todos os
conservadores (a dita “direita” assumida), apesar de suas divisões, querem
derrotar definitivamente o PT. Apesar do fracasso eleitoral desse partido em
2016, ele ainda é visto como ameaça, principalmente quando as pesquisas
eleitorais apontam Lula como forte candidato à presidência. A tendência é um
novo fracasso eleitoral do PT e junto com isso um enfraquecimento do discurso
reacionário, que ficará reduzido, novamente, a um gueto dentro da sociedade
brasileira, o que só não ocorrerá se a situação do país continuar piorando ao
lado de outras determinações. Se o antipetismo for vitorioso, ele perde sua
razão de existência. Ou, em outras palavras, se o antipetismo mata o petismo,
ele se mata ao mesmo tempo. O discurso reacionário tende a continuar existindo,
mas dificilmente continuará a ter apoio de muitos que o fazem por serem
antipetistas e contra a moral progressista.
O que ocorreu foi um processo no qual a diminuição do ritmo
de acumulação de capital, ou seja, a desestabilização do regime de acumulação
integral no Brasil, ocorreu durante um governo petista. Assim, a resistência ao
governo petista da ala oposicionista do bloco dominante, do qual fazia parte os
reacionários, os liberais, os republicanos, etc.[25] foi
reforçada por uma crescente insatisfação de vários setores da população, além
do bloco revolucionário e parte do bloco progressista. Esse processo mais
profundo e subterrâneo gerou um forte impacto no Governo Dilma. Isso pelo
motivo de que a oposição existente foi enfraquecida pelo período marcado por um
ritmo acelerado de acumulação de capital e se reduzia a um bloco revolucionário
enfraquecido, setores débeis do bloco progressista e a ala oposicionista do
bloco dominante, com setores moderados ao lado dos reacionários. O
reacionarismo foi crescendo, tanto pela conjuntura mundial quanto pelo fato do governo
neoliberal neopopulista ser representante da moral progressista, importada dos
Estados Unidos, intimamente com a política de cooptação de certos setores dos
movimentos sociais, fundado na chamada “política de identidade”. O
aparelhamento do aparato estatal pelo PT, percebido pelos conservadores e
reacionários[26],
provocou sua reação, bem como a estratégia petista de conquistar o poder
estatal para depois conquistar a hegemonia (um gramscianismo inverso). A invenção do “marxismo cultural” foi útil e os reacionários
aprenderam com os petistas e gramscianistas a buscar conquistar a hegemonia na sociedade
civil.
O processo político dos anos 2013 (manifestações populares e
enfraquecimento do Governo Dilma), 2014 (resistência e repressão no caso do
bloco revolucionário, reforço das políticas de identidade por parte do governo
e eleição polarizada e cujo resultado foi um quase empate), 2015 (cisão dentro
do bloco dominante, os oposicionistas radicalizaram suas posições e os setores
mais extremistas começaram a ganhar mais espaço por serem mais decididos), 2016
(derrota do PT que foi excluído do bloco dominante e retornou ao bloco
progressista e fortalecimento do conservadorismo em detrimento do progressismo,
o que teve como sintoma o resultado eleitoral deste ano, com a derrota humilhante
das esquerdas), 2017 (governo Temer e neoliberalismo discricionário e reformas
retrógradas, e buscando realizar ações com o objetivo de corroer as bases do
petismo), são fundamentais para explicar a gênese do discurso reacionário no Brasil.
Isso ocorre num contexto em que a internet gera maior espaço
para posicionamentos políticos (via redes sociais, youtube, blogs, sites, etc.)
e emerge um conjunto de intelectuais tecnocomunicacionais[27]
que conseguem, com um discurso simplificador, traduzir determinadas concepções
e influenciar parte da população. É nesse contexto que figuras como Olavo de
Carvalho, Rodrigo Constantino, Reinaldo Azevedo, Luiz Felipe Pondé, Demétrio
Magnoli, Marco Antonio Villa, Leandro Karnal, Mario Sérgio Cortella, entre
outros, ganham espaço. Eles ou revezam presença na TV com internet, ou se
refugiam apenas na última, dependendo de quem se trata.
Mas junto com eles temos um outro tipo de intelectual reacionário
em evidencia: o religioso. Assim como os católicos conservadores que desde o
início dos anos 2000 começaram a ocupar espaço na internet, além de seus
espaços eclesiásticos, os evangélicos também avançaram. Assim, novas figuras
aparecem nos meios oligopolistas de comunicação, mesmo porque algumas igrejas compraram
redes de televisão, sem falar no uso do rádio, internet, etc. E isso mostra
novos nomes reacionários aparecendo e conseguindo espaço (político, religioso,
tecnocomunicacional): Edir Macedo, Marco Feliciano, Silas Malafaia, etc. Os
setores religiosos reacionários passaram a se reforçar com meios oligopolistas
de comunicação e espaços na política institucional e uma das formas de
conseguir apoio popular é o ataque ao moralismo progressista. Sem dúvida, o
oportunismo está presente em todos esses casos e por isso a Rede Globo pode ser
favorável à moral progressista – devido sua competição com as redes de TV de
determinadas “religiões” e moral conservadora e assim ter que explorar outro
nicho de mercado, os tolerantes, progressistas, etc. – e a IURD (Igreja
Universal do Reino de Deus) pode apoiar a eleição de Dilma[28].
O bloco dominante é cheio de contradições, pois além de suas divisões próprias,
ele é perpassado pelo oportunismo e competição.
Assim, os ingredientes reunidos foram um processo de
declínio do ritmo de acumulação de capital durante governo neopopulista que não
resolvia esta questão e isso fortaleceu o descontentamento e a ala oposicionista
do bloco dominante. A moral progressista, por sua vez, foi o foco dos
reacionários que fizeram do PT (que supostamente seria “comunista”) o inimigo
imaginário. A incompetência e inoperância do governo Dilma acabou gerando um
deslocamento de certas forças políticas para a ala oposicionista e aumentando o
descontentamento popular. O isolamento do PT promoveu sua expulsão do bloco
dominante, o que culminou com o impeachment
de Dilma Roussef. Assim se formou uma “santa aliança” para excomungar o PT e
seus aliados, o que promoveu e beneficiou o ataque à moral progressista e sua
fusão com tudo que é “esquerda”, sob o rótulo de “comunista”.
Esses acontecimentos históricos ajudam a explicar a força do
discurso reacionário. O que unificava o bloco dominante, ou seja, todos os
conservadores, era a oposição ao PT. O resto não promovia unificação. A Rede
Globo, por exemplo, apoiou o impeachment,
mas defendia uma moral progressista. Setores do bloco dominante também se
filiava a tal moral, bem como alguns não assumiam discurso liberal (ou
neoliberal), mas se oponham ao PT, entre diversas outras divergências em
diversas questões políticas, institucionais, etc. O único consenso era ser
contra o governo Dilma, ou seja, contra o PT. Porém, os setores mais
democráticos, mais intelectualizados, etc. não tinham a capacidade de derrubar
o PT, pois o discurso da corrupção, embora influente, não era suficiente e era
contraditório (já que todos da política institucional estão envolvidos em
corrupção). Por isso os reacionários cumpriram com o papel de ser a “tropa de
choque” de todos os conservadores e continuam sendo depois do impeachment, pois a ideia é aniquilar
com a força eleitoral do PT. Os reacionários conseguiram misturar o PT com
vários outros elementos rejeitados pela sociedade e isso foi útil (e continua
sendo) e por isso ganharam maior espaço nos meios oligopolistas de comunicação.
Em síntese, o discurso reacionário foi útil e importante para a luta política
travada nos últimos anos e para a derrota do PT.
Considerações Finais
De tudo que foi dito, é necessário entender que o chamado
“avanço do conservadorismo” é supervalorado, mas é real, pelo menos num certo
sentido. Os reacionários conseguiram um maior espaço na sociedade brasileira e
o conservadorismo em geral conseguiu mais espaço no mundo inteiro. No caso
brasileiro, a análise serviu para mostrar que o avanço do reacionarismo já
vinha ocorrendo, mas ele teve um fortalecimento grande com o desenvolvimento da
conjuntura, marcada também por um avanço da moral progressista. Nos últimos
anos, o reacionarismo, em particular, e o conservadorismo, em geral, se
fortaleceram bastante e isso devido ao avanço da moral progressista e a
polarização criada nesse processo[29].
A conjuntura mundial tem uma dinâmica semelhante, sem alguns
exageros que ocorrem na sociedade brasileira, tal como o excesso de
agressividade e impedimento da liberdade de expressão alheia. A tendência, se
não houver nenhuma ascensão das lutas operárias ou sociais, é a de que esse
processo continue, mas devendo ser amenizado a partir de 2018, quando o mais
provável será outra derrota dos partidos de esquerda e exorcização definitiva
do PT. A partir de 2019, ocorrendo isto, é possível um fortalecimento do bloco
revolucionário, especialmente se as políticas estatais continuarem sendo
determinadas pelo neoliberalismo discricionário, tal como iniciado pelo governo
Temer. Essas possibilidades, no entanto, podem não se realizar, pois depende de
diversas determinações, inclusive a situação mundial e luta de classes nos
demais países. Especialmente se algo extraordinário ocorrer, como, por exemplo,
a ascensão de lutas radicalizadas, que sempre inspiram e fortalecem o bloco
revolucionário nos demais países.
Em síntese, o discurso reacionário tende a continuar
existindo enquanto continuar existindo as bases sociais que o geraram e
enquanto não aparece no horizonte a tendência de transformação radical e total
das relações sociais. O que pode acontecer é haver o fortalecimento ou
enfraquecimento relativo, tal como no caso do conservadorismo em geral.
Referências
IGLESIAS,
Esteban. Da Colonização da Sociedade Civil às Tensões entre Partidos no Governo
e Movimentos Sociais. Revista Sociologia
em Rede. Ano 5, num. 05, jan./jun. de 2015.
MARÍAS, Julian. Tratado Sobre a Convivência. Concórdia
sem Acordo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MARX, Karl.
Manuscritos Econômico-Filosóficos. In: FROMM, Erich. O Conceito Marxista do Homem. 3ª edição, Rio de Janeiro: Zahar,
1983.
MASCHINO,
Maurice. Intelectuais da Mídia, Os Novos Reacionários. Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/acervo.php?id=646
Acessado em: 10/10/2013. Novo link: http://informecritica.blogspot.com.br/p/intelectuaismidiaticos-os-novos.html
ROJAS, Enrique. O Homem Moderno. A Luta Contra o Vazio.
São Paulo: Mandarim, 1996.
VIANA, Nildo. A Filosofia e sua Sombra. Goiânia:
Edições Germinal, 2000. Disponível em: http://informecritica.blogspot.com.br/2015/12/reflexoes-sobre-etica.html
VIANA, Nildo. A
Invenção do Inimigo Imaginário. Antítese.
Ano 02, num. 04, Outubro de 2007. Disponível em: http://informecritica.blogspot.com.br/2011/04/invencao-do-inimigo-imaginario.html
VIANA, Nildo. Política Cultural e Hegemonia
Burguesa. 2017. No prelo.
YOUNG, Jock. A
Sociedade Excludente. Exclusão Social, Criminalidade e Diferença na
Modernidade Recente. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
[1] E
com divisões internas, sendo que assume uma forma totalitária no caso do
nazismo e fascismo e outras formas mais amenas, como no caso do estatismo,
conservantismo, liberal-conservantismo. O discurso reacionário predominante no
Brasil é o conservantismo e nos Estados Unidos é o liberal-conservantismo.
[2]
Basta ver o exemplo do rebaixamento dos intelectuais que reproduzem nas redes
sociais o discurso petista sobre o suposto golpe que teria sido o impeachment de Dilma Roussef, por um
lado, e dos que ficam reproduzindo afirmações esdrúxulas sobre “ameaça
comunista” no Brasil, para ver que se aqueles que vivem e ganham para produzir
intelectualmente e deveriam ser os mais racionais e avançados em termos de
consciência, estão nesse nível, então o futuro geral da sociedade aponta para o
barbarismo crescente, restando apenas os trabalhadores e as classes
desprivilegiadas para resgatar alguma possibilidade de evitá-lo.
[3]
Algumas reflexões a esse respeito, apesar de alguns limites analíticos, podem
ser vistos em Young (2002).
[4]
Essa questão do vazio já foi objeto de reflexões psicanalíticas (ROJAS, 1996) e
a questão da superficialidade já foi tematizada por vários autores, tanto o
gerado pelas redes sociais e internet (http://informecritica.blogspot.com.br/p/o-castelo-sforzesco-em-milao-preserva.html)
quanto os “ventos de falsidade” da sociedade contemporânea (MARÍAS, 2003).
[5]
Inclusive sendo reproduzido por adeptos da moral progressista objetivista, como
setores do bolchevismo, seja por incompreensão e falta de formação política,
seja por oportunismo ou reboquismo em relação aos modismos, hegemonia e/ou a ilusão
provocada pelo sentimento de comunhão com o bloco progressista. Um certo setor
do moralismo progressista faz uma mistura eclética e trocam classe social por
grupos sociais e pode unir isso com individualismo ou não, sendo que a união
aponta para a liberdade individual dos indivíduos do seu grupo social como
fundamento de suas reivindicações. Setores do liberalismo também realizam
processo semelhante, mas sob forma mais individualista, tal como se vê no
chavão: “meu corpo, minhas regras”. Da perspectiva revolucionária, ambas as formas
da moral progressista, bem como a moral conservadora, são produtos históricos e
sociais particularistas e equivocados, expressando interesses de classe da
burguesia e/ou de suas classes auxiliares. Não se trata, portanto, de tomar
partido por nenhuma das duas, pois a moral deve ser, ela mesma, criticada e
abolida. Ao invés de moral (conservadora ou progressista), o que defendemos é
uma ética revolucionária. Sobre a diferença entre ética e moral, cf. Viana,
2000.
[6]
Isso é mais forte em certas questões morais do que em outras. Dois pontos
fortes nisso é relativo à sexualidade (especialmente homossexualidade) e
relações entre homens e mulheres, nos quais as ideologias da identidade,
gênero, etc., ganharam espaço e a emergência de setores de movimentos sociais
atrelados a esses discursos e realizando reivindicações que entram em confronto
com a concepção da maioria da população. Se, por exemplo, a luta pela moradia
não faz ninguém ser contra ela em si, pois o que se contesta do lado
conservador é a invasão da propriedade privada, por exemplo, ou seja, sua
legitimidade não é questionada (todo mundo tem direito à moradia, “só não pode
invadir a propriedade dos outros”), o mesmo não ocorre com reivindicações como legalização do aborto, casamento gay, etc., pois isso não tem legitimidade para grande parte
da população. Nesse caso, a reivindicação, em si, é questionada e apontada como
ilegítima.
[7] O
liberalismo assumiu, historicamente, várias formas, e continua fazendo surgir
novas manifestações. O liberal-conservantismo é a mistura entre liberalismo político
e econômico e moralismo conservador. O liberalismo progressista é, por sua vez,
uma mistura eclética entre liberalismo e progressismo (e isso vale também para um
setor do neoliberalismo). Ambos são liberais, só que um, nas questões morais,
se aproxima do liberalismo progressista (basta ver representantes da Rede Globo
para se ver isso), e o outro é antinômico ao moralismo progressista.
[8] “Entre seus mantenedores, parceiros e patrocinadores,
estão as grandes empresas de
mídia, como o Grupo Abril (revistas Veja e Exame), Grupo OESP (O Estado de S. Paulo) e Grupo RBS (afiliado à Rede
Globo no Sul do Brasil) e a Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Também estão entre os
mantenedores a segunda maior universidade privada do Brasil (Estácio de Sá), conglomerados industriais (Grupo
Gerdau e Suzano), seguradoras (Pottencial e
Porto Seguro) e instituições financeiras, como o Bank of America Merrill Lynch. O instituto também aceita doações
feitas por pessoas físicas” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Millenium).
[10] O
que pode parecer irônico, mas não é tanto assim. A moral progressista é gerada
por setores do conservadorismo mais “liberais” e por republicanos. A esquerda
atual é uma criação da direita e é o seu setor mais “esclarecido” e cujo papel
é influenciar as classes desprivilegiadas para não ir além do reformismo.
[12]
Veja: Ascensão e Queda do Partido dos
Trabalhadores (http://informecritica.blogspot.com.br/2016/03/ascensao-e-queda-do-pt.html).
[13]
Esses são alguns dos temas mais financiados pela Fundação Ford (ROCHA, ).
[17] A
ideologia DO gênero emerge nos anos 1970, tendo por base a ideologia
pós-estruturalista. Ela foi equivocadamente denominada como “ideologia DE
gênero”, o que é sem sentido, pois isso significaria que é uma ideologia de um
dos gêneros, o que demonstra a pequena bagagem cultural de ditos intelectuais.
[18] http://www.olavodecarvalho.org/do-marxismo-cultural/
Uma breve leitura observa diversas afirmações sem fontes e fundamentação. Uma
rápida pesquisa na internet mostrará que as afirmações contidas nesses textos
são repetidas à exaustão em sites e blogs variados. Não deixa de ser curioso
que a wikipedia, sabendo da falsidade das teses sobre o suposto “marxismo
cultural” redireciona o verbete para “Escola de Frankfurt” (ao invés de
esclarecer quem criou e o que significa este termo fantasioso). O texto de
Olavo de Carvalho é baseado no texto de um dos representantes do conservantismo
americano, Willian Lind (o texto dele foi traduzido e está disponívei em
diversos blogs: http://omarxismocultural.blogspot.com.br/2015/09/desenterrando-as-raizes-marxistas-do.html).
O texto de Lind descontextualiza afirmações (de Lukács, Gramsci, etc.) e
apresenta afirmações falsas (tais como sobre Lukács e implantação de “educação
sexual” durante a Revolução Húngara de 1918).
[19] O
texto é simplesmente ridículo e demonstra um alto grau de ignorância e não
saber nada de marxismo, nem se considerando esse termo no seu sentido mais
amplo, englobando todo mundo que assim se autodenomina. Esse é um elemento útil
para entender o discurso reacionário: o seu poder de convencimento não está na
racionalidade e sim na retórica, falsificação, emotividade e moralismo.
[20] Na
verdade, não há muita diferença entre liberais e neoliberais, apenas uma questão
terminológica, pois politicamente o que existe hoje são versões neoliberais das
diversas tendências liberais.
[21]
Gary North, que foi membro adjunto do Mises Institute, critica a ideia de
existência de um “marxismo cultural”. Isso mostra que os liberais tendem a ter
um pouco mais de leitura e racionalidade do que os reacionários. O foco de
North se revela no final do seu artigo, quando ele diz que o marxismo e suposto
“marxismo cultural” morreram. O inimigo agora é o “keynesianismo social-democrata”.
Ou seja, a sua preocupação principal é distinta da dos reacionários, pois é a
questão política e pecuniária (“econômica”) e não a moral (veja: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1896).
No Brasil, basta ver o risível debate entre Olavo de Carvalho e Rodrigo
Constantino (https://www.youtube.com/watch?v=fgasM4boDEY&t=617s
e https://www.youtube.com/watch?v=i8_U5GGekYo&t=1408s),
entre outros, para se ver não somente o baixo nível intelectual e linguagem
vulgar como também as divergências entre as duas concepções. Ou ver as posições
distintas de outros (possuidores de um preparo intelectual um pouquinho superior
ao deles), sobre eles. Esse é o caso das considerações de Marco Antonio Villa e
Luiz Felipe Pondé a respeito de Olavo de Carvalho (https://www.youtube.com/watch?v=8krPOn0NgBY).
[22]
Entenda-se aqui por republicano um setor do estatismo de caráter democrático e
não tal como se usa nos Estados Unidos e é expresso no nome do Partido
Republicano. O republicanismo é uma forma de democratismo que tem como um dos
seus ideólogos pioneiros Jean-Jacques Rousseau.
[23] “Em
geral, a arte de todos os verdadeiros chefes do povo de todos os tempos
consiste em concentrar a atenção do povo em um único adversário, em não deixar
dispersar-se... A arte de sugerir ao povo que os inimigos mais diferentes
pertençam à mesma categoria é de um grande chefe... É preciso sempre colocar na
mesma pilha uma pluralidade de adversários os mais variados” (apud. VIANA, 2007).
[24]
Sobre escola sem partido: http://informecritica.blogspot.com.br/2016/08/a-escola-sem-partido-como-disputa.html
[25] O
bloco dominante – que é convencionalmente chamado de “direita” – é composto por
diversas forças conservadoras e ainda não existe uma análise profunda das
mesmas. O liberalismo vem, contemporaneamente, se destacando, mas não é
homogêneo, pois existem várias concepções liberais (o liberalismo nacional, o
liberalismo democrático, o liberal-conservantismo, etc.), mas a existência de
republicanos (que seria o setor mais democrático do bloco dominante), estatistas,
etc., mostram que o bloco dominante não é homogêneo, embora tenham algo em
comum: o conservadorismo. Isso varia em cada país. Nos Estados Unidos, por
exemplo, o Partido Republicano é hegemonicamente constituído por correntes
liberais (com predomínio do liberal-conservantismo, adepto de um moralismo
conservador misturado com ideias liberais no plano político e
pecuniário/econômico) e o Partido Democrata é hegemonicamente constituído por
republicanistas e liberais-democratas e progressistas. Esse último é chamado de
“esquerda” nos EUA. Há um setor minúsculo compostos por social-democratas e
bolchevistas, sem força política efetiva (ao contrário do caso europeu e
latino-americano). Sobre o caso americano há uma dificuldade adicional que é a
linguagem utilizada na política local, tanto pela diferença na oposição
tradicional entre direita e esquerda no resto do mundo, que não tem uma
“esquerda” equivalente na política institucional americana, quanto pelo nome
autodeclarado dos partidos e indivíduos, pois os republicanos não são
republicanos e sim liberais e os democratas são os republicanos. Alguns textos
disponibilizados na internet ajuda a entender esse exotismo terminológico da
política americana: https://diplomatique.org.br/a-esquerda-existe-nos-eua/;
http://mercadopopular.org/2014/10/desmistificando-esquerda-partidaria-americana/.
Esse problema terminológico, no entanto, ainda necessita ser resolvido e isso
pressupõe pesquisas e processos analíticos que ainda não foram realizados numa
perspectiva marxista e foi feito de forma débil e rara por abordagens
distintas.
[26]
Alguns querem negar esse fato evidente e o pretexto para isso é que os
conservadores (e no seu interior os reacionários) afirmaram isso. O não
compromisso com a verdade e a pobreza intelectual dos setores reacionários e na
maioria dos conservadores em geral não significa que nada que dizem seja
verdadeiro. As políticas de cooptação de setores dos movimentos sociais e
outros setores da sociedade pelo Governo Lula e Dilma são por demais evidentes
e até pesquisadores estrangeiros mostraram isso (IGLESIAS, 2015), bem como a
expansão dos Institutos Federais, a constituição de ministérios, os
financiamentos de entidades da sociedade civil, etc., mostram claramente o
aparelhamento do aparato estatal pelo PT. O PT representa setores da burocracia
partidária, sindical, etc., e precisava, enquanto membros da classe
burocrática, se preservar no maior aparato burocrático da sociedade burguesa, o
Estado. Daí fazer de tudo para permanecer no poder. A cegueira diante desse
processo só se explica por interesses, razoabilização, etc., no caso de alguns,
ou falta de informação ou falta de criticidade derivada de um sentimento de comunhão com
o bloco progressista (“esquerda”) que revela apenas ilusões quando quem faz
isso se pretende revolucionário.
[27]
Geralmente chamados de “midiáticos”, termo derivado de mídia, aportuguesamento
da palavra inglesa “media” e que esconde mais do que revela. A discussão sobre
intelectuais tecnocomunicacionais vem sendo realizada há um bom tempo, tal como
no caso de Bourdieu. O caráter conservador dos intelectuais
tecnocomunicacionais é abordado por Maschino (2013), que os qualifica de “novos
reacionários”. No entanto, diríamos que nenhum deles, obviamente, são
revolucionários ou defendem os interesses da maioria da população, mas se
dividem em conservadores (Pondé, Olavo de Carvalho, etc.) e progressistas
(Karnal, Cortella, etc.) e podem se subdividir. Num plano mais amplo, todos são
“farinha do mesmo saco” e a abordagem de Maschino se aplica a todos eles.
[29] http://informecritica.blogspot.com.br/2015/12/a-luta-de-classes-no-brasil-2013-2015.html
Isso, obviamente, foi reforçado pelas debilidades do bloco progressista e
dificuldades do bloco revolucionário.
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Leia mais:
Uma Imagem Vale mais que Mil Palavras - Intelectualidade e Interesses de Classe - Rubens Vinicius da Silva
A Conspiração dos Imbecis - Umberto Eco
Intelectuais Midiáticos, os Novos Reacionários - Maurice Maschino
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