A REVOLUÇÃO POLONESA DE 1980
Nildo Viana
A chamada “revolução polonesa”,
de 1980, é palco de diversas interpretações e análises, como geralmente ocorre
com as experiências históricas de radicalização das lutas de classes. O
entusiasmo de diversos setores da sociedade e intelectuais de diversas posições
políticas é algo que foi comum no início da década de 1980. Além de vários
partidos, grupos e intelectuais progressistas (social-democratas, bolchevistas,
trotskistas, acadêmicos, liberais-democratas, etc.) e também conservadores
(especialmente os liberais e “anticomunistas”). A motivação para tal,
obviamente, era diferente nos dois casos, além de diferenças internas nas duas
posições. Alguns revolucionários também saudaram a experiência polaca por ser
um processo que poderia culminar com a transformação radical e total da
sociedade polonesa, bem como colocar em evidência a autogestão como projeto
alternativo de sociedade.
Contudo, as coisas são mais
complicadas do que parece. E posições políticas diferentes e até opostas, ou,
ainda, antagônicas, apoiarem uma determinada experiência histórica, mesmo que
sob formas distintas e outros processos (ressalvas, etc.), já demonstra a
complexidade da situação. O nosso objetivo é apresentar alguns elementos básicos
da experiência polonesa para analisar se ela possuiu um caráter revolucionário
e autogestionário.
Capitalismo Estatal e Luta de Classes na Polônia
O primeiro elemento a ser
abordado é entender que a experiência polonesa de 1980 surgiu no interior de um
capitalismo de Estado e não num capitalismo privado, o que já traz diferenças
importantes, e num processo de lutas de classes radicalizadas que periodicamente
ocorriam neste país. Não poderemos aqui discutir os elementos fundamentais do
capitalismo de Estado e nem sua história na Polônia, mas tão somente mostrar
alguns aspectos que são importantes para a análise da luta de classes
desencadeada em 1980 e seu caráter.
O capitalismo estatal polonês
emerge após a Segunda Guerra Mundial e sob a tutela da União Soviética. O
capitalismo de Estado que emergiu na Rússia a partir do golpe de Estado de outubro
de 1917 acabou gerando um bloco de países vivendo sob o mesmo regime e através
de uma hierarquia que a colocava como a grande potência no seu interior. O que
foi denominado por alguns como o “imperialismo soviético” era uma realidade,
apesar das diferenças entre as relações do bloco imperialista do capitalismo
privado e as relações imperialistas no bloco capitalista estatal.
A hierarquia no bloco
capitalista estatal convivia com diversos países (e algumas contradições
internas, sendo que a antiga Iugoslávia e a China foram as principais forças
internas dissidentes) e cada um possuía sua especificidade. O capitalismo
estatal se organiza diferente do capitalismo privado. A produção e apropriação
de mais-valor se faz pela mediação burocrática e controle por parte da
burocracia superior. O partido (chamado de “comunista” na maioria dos países,
mas possuindo outros nomes dependendo do caso) usava a nomenclatura como forma
de controlar o aparato estatal e adquirir privilégios para a classe dominante[1]. A
classe dominante, no capitalismo de Estado, não é a burguesia privada e sim a
burguesia burocrática, também chamada de burguesia estatal. Ambas são a mesma
classe, mas se diferenciam por uma se fundar na propriedade privada do capital
e a outra na propriedade coletiva burocrática (estatal) do mesmo. É através do
aparato estatal que se drena mais-valor e se apropria de parte dele como renda
e parte para a reprodução ampliada do capital.
Essa burguesia burocrática
realiza a fusão das funções da classe capitalista e da classe burocrática numa
só classe social. Assim, a apropriação do mais-valor e acumulação de capital é
realizada pela mesma classe social que deve controlar o conjunto da população
através do aparato estatal. Além da burguesia burocrática, que é a classe
dominante, há também o proletariado, classe explorada e produtora de
mais-valor, existiam duas classes sociais importantes na Polônia: a
intelectualidade e o campesinato. O campesinato está submetido à troca
inequivalente por que seu mercado consumidor é quase que totalmente o aparato
estatal, que é também seu “banco”, seu fornecedor, etc. A intelectualidade, por
sua vez, é subordinada à burguesia burocrática, seja a universitária, a dos
ministérios, etc. A burguesia burocrática possui várias divisões: partidária,
sindical, etc. A acumulação de capital é realizada sob seu controle, mas, ao
contrário do que no capitalismo privado, sua dinâmica é irregular. Essa
irregularidade da acumulação se deve ao fato de que, no capitalismo estatal, a burguesia
burocrática tem um controle muito maior sobre as relações de produção e
relações de distribuição, além de coordenar burocraticamente todo processo de reprodução
ampliada do capital. Assim, a incompetência ou outros processos (pressão
externa, pressão interna, escassez, empréstimos externos, etc.) tem um peso
muito maior na dinâmica da acumulação capitalista no capitalismo estatal. Não
poderemos desenvolver aqui uma análise mais profunda do regime de acumulação
estatal, mas estes elementos básicos já permitem compreender a diferença entre
a acumulação de capital do capitalismo privado e do capitalismo de estado.
Uma outra distinção em relação
ao capitalismo privado que é importante ressaltar é que, tal como na União
Soviética, um regime ditatorial existia e se autodeclarava “democracia popular”,
usando alguns mecanismos discursivos e burocráticos, como a existência de mais
de um partido político (subordinado e sem a menor condição de competir com o
partido comunista), de sindicatos e até de “conselhos operários”.
Ao lado, o que é outro elemento
diferenciador importante, havia a debilidade da sociedade civil organizada,
quase inexistente, tendo a Igreja como única instituição não-estatal com força
política e social. Isso, sem dúvida, sufocava a produção intelectual. A classe
intelectual estava subordinada ao aparato estatal e por isso não tinha
autonomia intelectual suficiente, sendo que o Estado era o único empregador e ao
mesmo tempo controla as universidades, escolas, centros de pesquisa,
publicações, imprensa em geral, etc. A ideologia oficial era o leninismo
(chamado ideologicamente de “marxismo”-leninismo) e esta era reproduzida pelo
aparato educacional.
Esse processo cria uma
especificidade na luta de classes na Polônia (e, com as devidas diferenças, em
todos os países de capitalismo estatal, em relação ao que ocorre no capitalismo
privado). A ideologia oficial se autointitulando de “marxismo” e afirmando que o
regime existente é “socialismo”, cria um sério obstáculo para o desenvolvimento
da consciência revolucionária do proletariado. Esse obstáculo ocorre com a
resistência criada ao marxismo ao ser substituído substancialmente pelo
leninismo, mas não formalmente. O pseudomarxismo leninista se torna ideologia
oficial e legitimadora de um regime ditatorial e assim perde o atrativo e gera
resistência nos meios proletários e outros setores contestadores. Inclusive em
alguns cria, também, uma certa atração pelo “oposto”, isto é, o capitalismo
privado.
O leninismo, que quando lança
mão de algo do marxismo o faz deformando e empobrecendo, também anula sua
capacidade explicativa da realidade do capitalismo estatal. Assim, as teses do “período
de transição”, “partido de vanguarda”, “manutenção da lei do valor no
socialismo”, entre diversas outras, que são elementos da ideologia leninista,
acabam impedindo a percepção do caráter capitalista destes países.
Segundo a
doutrina oficial, vivemos em um país socialista. Esta tese se baseia na
identificação da propriedade estatal dos meios de produção com a propriedade
social. O ato de nacionalização transferiu a indústria, os transportes e os
Bancos à plena propriedade da sociedade e as relações de produção baseando-se na
propriedade social seriam por definição socialistas (MODZELEWSKY e KURON, 1971,
p. 27).
Essa ideologia é dominante e
amplamente hegemônica, tendo poucas vozes discordantes:
Este
raciocínio parece ser marxista. Na realidade, introduziu-se na teoria marxista
um elemento que lhe é profundamente estranho, ou seja, a concepção formalista e
jurídica de propriedade. A noção de propriedade estatal pode dissimular
conteúdos diferentes de acordo com o caráter de classe do Estado. O setor
estatal da economia nacional nos países capitalistas não possuem nada em comum
com a propriedade social. Isto é assim não somente porque existem, além desse
setor, sociedades capitalistas privadas, mas, sobretudo, porque o operário da
fábrica pertencente ao Estado está privado de toda a propriedade real, pois não
tem a menor influência sobre o Estado e
não possui, por conseguinte, nenhum controle sobre seu trabalho e sobre o
produto deste. A história conhece exemplos de sociedades de classes, com seus
antagonismos, nos quais a propriedade estatal dos meios de produção era
predominante (o modo de produção “asiático)” (MODZELEWSKY e KURON, 1971, p.
27).
A citação dos dois sociólogos
poloneses acima é apenas para demonstrar que existiam dissidentes e
intelectuais que caracterizavam o regime polonês sob forma diferenciada. No
entanto, com alguns equívocos, mas isso será retomado adiante. O que interessa
é que a crítica acima só foi estabelecida graças a uma superação da hegemonia
leninista, mesmo que de forma limitada e parcial. Outros, no entanto, recusaram
completamente o marxismo por acreditar em sua correspondência com o capitalismo
estatal.
Assim, a luta cultural na
Polônia era, desde 1945 até 1980, extremamente desfavorável ao proletariado,
que, inclusive, praticamente não tinha expressão teórica e política. Isso, no
entanto, não abolia as contradições e luta de classes, bem como os esboços de
luta cultural e avanço na luta operária. Antes de 1980, várias lutas radicalizadas
foram realizadas na Polônia.
Em 1956 houve uma revolta
operária em Poznan. Nessa cidade, um ano antes, um grupo de operários (na
fábrica de automóveis Zeran) cria um coletivo cujo objetivo é compreender a
sociedade (“Ver a vida como ela é”) e um grupo de intelectuais mais jovens
criam o seminário Po Prostu (“Simplesmente
isso”), bem como “Clube Tordu” e em 1956 surgiu o Centro Nacional de Cooperação
Interclubes (NASCIMENTO, 1988). A revolta de 1956 foi provocada pelo aumento
das cotas de produção e redução salarial e foi marcada por greves,
reivindicações, reflexões, formação de conselhos operários[2].
Em 1968 ocorre uma revolta
estudantil. Desde 1963, diversos setores da intelectualidade (desde
conservadores e católicos até reformistas diversos) entraram em conflito e
foram reprimidos e presos pelo aparato estatal (CLAUDÍN, 1983). Em 09 de março
de 1968 iniciaram as “greves” estudantis e houve a ocupação da faculdade, tendo
apoio de diversos operários, inclusive com greves de solidariedade (NASCIMENTO,
1988).
Em 1970, com o anúncio do
aumento de preços em até 30% dos produtos de primeira necessidade, há o
desencadeamento de um amplo movimento de resistência. Ocorre a formação de
comissões operárias, realização de greves, incêndios, saques, etc. O aparato
estatal usa a força para derrotar o movimento.
A partir de 1976, apesar do
avanço no processo de acumulação de capital, há um processo de mobilização da
intelectualidade e do movimento operário. A classe intelectual e os estudantes
sempre foram setores da sociedade que apresentavam reivindicações e
desencadeavam protestos, bem como sofriam repressão. Um movimento grevista e
algumas lutas operárias também ocorreram nesse período, o que faz alguns
autores tratar da aliança entre intelectuais e proletários (CLAUDÍN, 1983;
NASCIMENTO, 1988). O conjunto de ações desse período acabou gerando o KOR
(Comitê de Defesa Operária), que muitos atribuem importância na constituição do
Sindicato Solidariedade, posteriormente. O KOR oferecia apoio jurídico,
financeiro e médico aos operários vítimas de repressão e posteriormente começa
a lançar um jornal, divulgar a necessidade de sindicatos livres, entre outras
atividades.
Esse breve panorama da Polônia,
do capitalismo estatal e da luta de classes é importante para compreendermos a
fase seguinte da luta operária, em 1980. A sociedade civil organizada era
extremamente frágil, contando com a Igreja como instituição mais independente e
influente e, derivado das lutas sociais, algumas poucas vozes dissidentes e
organizações, sendo que o KOR, em 1976[3],
se torna mais eficaz do que as iniciativas anteriores.
A Revolução Polonesa de 1980
Em 1980 inicia uma nova onda de
greves na Polônia. O estopim foi um novo anúncio de aumento de preço dos
alimentos. O regime de acumulação estatal que teve um período de ascensão nos
anos 1970, se desestabiliza em 1980. Houve queda na produção industrial e
nacional, bem como endividamento externo e diminuição dos investimentos. Juntamente
com isso, a produção agrícola teve queda, sendo de – 1,4 em 1979.
A produção agrícola do país era
realizada por camponeses (pequenos proprietários privados), cooperativas e
empresas estatais. Os camponeses cultivavam, em 1983, cerca de 70% das terras
aráveis, sendo, portanto, o setor de maior produção agrícola (RYDENFELT, 1987).
O controle estatal sobre o conjunto da sociedade e da produção criava uma
determinação sobre o preço das mercadorias em geral. É a determinação da
política estatal. O modo de produção camponês estava subordinado ao capitalismo
estatal. E, ao contrário do capitalismo privado, não é o capital bancário e
comercial que lhe explora e sim o aparato estatal, o seu único comprador,
financiador, etc. Quanto mais baixo os preços dos produtos agrícolas, menor é o
valor da força de trabalho, o que significa que é interesse do Estado, para
diminuir os gastos com salários dos operários e outros trabalhadores, reduzir
os preços dos produtos agrícolas.
Os
governos poloneses não têm sido capazes de impedir a inflação, incluindo
aumentos de salários e rendimentos. Os preços dos alimentos, porém, têm sido
mantidos estáveis por meio dos controles de preços. Como a inflação forçou as
autoridades a aumentar os preços de entrega pelos camponeses, elas só são
capazes de manter preços estáveis para o consumidor com o auxílio de subsídios
estatais. A cada ano, a diferença entre os preços do produtor e os do
consumidor tem aumentado, um desenvolvimento que exigiu subsídios cada vez
maiores. Isto tem significado que o governo, confrontado com demandas cada vez
maiores de recursos – fundos extremamente necessários para outros fins – como
subsídios para alimento (RYDENFELT, 1987, p. 68).
Rydenfelt (1987) denominou isso
de “preços políticos” ao invés de “preços de mercado livre”, o que é equivocado
por realizar uma oposição de essência quando é apenas de grau. Em 1980, a crise
da acumulação forçava a busca de resolução através do aumento da exploração da
força de trabalho e diminuição do consumo (interno, o que em alguns setores poderia
ajudar na exportação, o consumo externo, que atrairia recursos para o país). O
aparato estatal é o principal produtor e vendedor de mercadorias[4] e o
aumento de preços sem aumento de salários significa aumento de extração de
mais-valor absoluto. O aumento da exploração, por sua vez, incrementa a
acumulação de capital. A grande questão é que no capitalismo estatal o nível de
consumo já é baixo e mesmo tendo dinheiro é possível não consumir, por causa
das longas filas.
O anúncio em junho de 1980 do
aumento de preços gera um novo movimento grevista[5]. As
greves se fortalecem em julho e o governo concede aumentos salariais de 20 a
30%, o que ao invés de conter acaba expandindo o movimento grevista. O temor da
burguesia burocrática polonesa é derivado do processo de luta de classes
anteriores e das lutas operárias. No fundo, foi uma tentativa desesperada de
conter o movimento. O movimento se amplia e são criados diversos comitês de
greves. O processo inflacionário corroía os aumentos salariais e se espalha pela
sociedade polonesa um processo de autonomização do proletariado. Em 14 de
agosto, 17 mil operários, como protesto contra a demissão de Ana Walentyowicz,
entram em greve no estaleiro naval “Lenine” Em 17 de agosto há a formação do
Comitê Interempresarial de Greve (MKS), embrião do futuro Sindicato
Solidariedade, que, no início, aglutinava 17 comitês de greve. Em 19 de agosto,
o MKS coordena 88 empresas (região de Gdansk, Gdynia e Sopot) e no final do mês
já coordenava mais de 300 empresas em diversas regiões do país.
Um conjunto de acontecimentos,
desenvolvimento de novas organizações, ações, lutas, sendo que o governo se
mostrava recuado e na defensiva. Nesse processo, muitos defenderam a tese de
que haveria uma dualidade política (“duplo poder”, o que preferimos denominar “duplo
governo) expressa pelo poder operário e pelo poder governamental. A força do
MKS e a proliferação de greves, organizações, etc., são a justificativa para
essa tese, incluindo a “lei seca” instituída pelo MKS, que foi atendida pelos
trabalhadores. No entanto, a existência de um duplo governo só pode ser
admitida no sentido de que o autogoverno operário era bastante frágil e
parcial. As ocupações de fábricas, a partir da ideia de “greve ativa”
(NASCIMENTO, 1988), não se compara ao processo no caso russo de 1917 e outros. As
21 reivindicações apresentadas em agosto mostram os limites do movimento
operário polonês:
1 - Reconhecimento de sindicatos livres e
independentes do Partido e dos empresários na base da Convenção num. 9/87 da
OIT (Organização Internacional do Trabalho), ratificada pela Polônia.
2 - Garantia do respeito do direito de greve, da
segurança dos grevistas e das pessoas que os ajudam.
3 - Respeito pelas liberdades de expressão e de
impressão garantidas na Constituição, fim da repressão contra as publicações
independentes, e acesso dos representantes de todas as Igrejas aos órgãos de
comunicação social.
4 - A) Restabelecimento dos direitos das pessoas
despedidas após as greves de 1970 e 1976 e dos estudantes excluídos do ensino
superior por causa das suas opiniões políticas. B) Libertação de todos os
prisioneiros políticos nomeadamente: E. Zadrozynski, J. M. Kazlowski a cessação
das represálias por razões de opinião.
5 - Difusão pelos órgãos de comunicação social de
informação sobre a criação da comissão de greve interfábricas e publicação das
suas reivindicações.
6 - Lançamento de ações reais tendo por fim a saída do
país da situação de crise, como por exemplo, difusão pública de todas as
informações sobre a situação socioeconômica da Polônia. Concessão a todos os
meios e camadas sociais da possibilidade de participar nas discussões sobre um
programa de reformas.
7 - Pagar a todos os grevistas como durante os
períodos de licenças.
8 - Aumento do salário de base de cada trabalhador em
2.000 Zlotys por mês, em compensação do aumento do preço da carne.
9 - Escala móvel de salários.
10 - Realização de um aprovisionamento pleno do
mercado interno em artigos alimentares e limitação das exportações do
excedente.
11 - Introdução de cartas de racionamento para a carne
até a estabilização do mercado.
12 - Supressão dos preços comerciais e das vendas em
divisas estrangeiras no mercado interno.
13 - Designação dos diretores de empresa unicamente
sobre a sua qualificação e não sobre a filiação no Partido.
14 - Supressão dos privilégios da policia de segurança
e do aparelho do Partido para a aposentadoria após trinta e cinco anos de
trabalho. Aos cinquenta anos para as mulheres e aos cinquenta e cinco para os
homens.
15 - Supressão das diferenças entre os dois sistemas
de pensões e de reformas por alinhamento pelo mais favorável.
16 - Melhoria das condições de trabalho, dos serviços
médicos, a fim de assegurar aos trabalhadores os serviços de que têm
necessidade.
17 - Criação de creches e escolas maternais em número
suficiente para os filhos cujas mães trabalham.
18 - Extensão da licença maternal paga para três anos.
19 - Limitação do tempo de espera para atribuição de
apartamentos.
20 - Aumento de 40 a 100 “zlotys” das despesas de
transferência e aumento do prêmio de transferência.
21 -
Compensação, nas fábricas que trabalham a tempo integral, da inexistência de
sábado livre pelo alongamento do período de licença ou pela introdução de dias
feriados particulares.
As lutas operárias na Polônia,
no período anterior, surgiram espontaneamente e conseguiram forjar formas de
auto-organização, como o próprio MKS. No entanto, existia um setor autônomo do
movimento operário convivendo com um setor influenciado pelas forças
progressistas (KOR e outros), e um setor menor influenciado pelas forças
conservadoras (nacionalismo, catolicismo)[6].
No bojo da luta, havia uma mistura de todos estes setores, e uma ampla parcela
sem posicionamento mais sólido. Nesse contexto, o desenvolvimento da luta deveria
avançar no sentido de aprofundar o desenvolvimento de uma consciência
revolucionária, por um lado, e formas organizativas, por outro.
A situação era difícil, pois no
capitalismo estatal existiam diversas organizações dizendo “representar” os
trabalhadores, como o Estado, a igreja, os partidos, os sindicatos e até os
conselhos operários oficiais[7]. A
forma organizativa inicial foi o comitê de greve, uma organização autárquica
voltada para a organização da greve e realização de reivindicações. O comitê de
greve poderia e deveria ter se transformado em conselhos de fábrica e se
articulado em conselhos operários, formando, através da articulação destes, uma
associação ou união operária nacional. Esse processo avançou em alguns
aspectos. Algumas comissões foram criadas e o MKS, enquanto Comitê de greve
interempresarial, permitia uma articulação mais ampla dos trabalhadores.
No entanto, esse processo de
auto-organização precisa ser acompanhado de um processo equivalente de
autoformação. Se houver uma defasagem cultural em relação ao avanço
organizacional, a possibilidade de retrocesso é muito maior. Nesse caso, tanto
a classe dominante e seus aparatos, quanto outros setores da sociedade,
especialmente a burocracia civil e intelectualidade, podem influenciar ou
hegemonizar amplos setores do proletariado e das classes desprivilegiadas em
geral. O processo de auto-organização é mais espontâneo, pois surge pelas
próprias necessidades da luta, enquanto que o processo de autoformação tende a
acompanhá-lo, mas sob forma mais lenta, ocorrendo, geralmente, depois de
decisões tomadas e ações efetivadas, e nem sempre ocorre de forma homogênea em
todos os participantes. No conjunto dos trabalhadores, há uma defasagem tanto
no avanço organizacional quanto no desenvolvimento da autoformação.
Um outro elemento que pode
beneficiar tanto o desenvolvimento de organizações autárquicas quanto
desenvolvimento da consciência revolucionária é a ação externa, tanto pelo
exemplo de outras lutas (que tem a tendência de gerar uma reação em cadeia, ou
seja, a propagação das lutas), quanto pela sedimentação cultural oriunda de
lutas anteriores e produção intelectual, geralmente realizada pelo bloco
revolucionário. A propagação das lutas pode gerar um avanço organizacional, mas
nem sempre a autoformação intelectual necessária, pois a consciência pode ficar
no nível da organização existente, ou até aquém dela. As lutas cotidianas e
espontâneas também podem avançar sem que o desenvolvimento da consciência se
desenvolva no mesmo ritmo. O processo contrário também é possível, ou seja, em
alguns casos há um desenvolvimento da consciência que não é acompanhado por um
avanço organizacional.
No caso polonês, o contexto era
totalmente desfavorável para o surgimento de um bloco revolucionário, bem como
do desenvolvimento da consciência revolucionária. A hegemonia leninista, a
confusão de marxismo e socialismo com o regime ditatorial, a ditadura e
monopólio estatal dos meios de comunicação e meios de produção intelectual,
entre outros aspectos já aludidos, dificultavam esse processo. Os elementos que
contribuíam com esse processo era a memória das lutas passadas (especialmente
as mais recentes, como as de 1970 e 1976) e a insatisfação com o regime
ditatorial e as condições de vida. É por isso que as lutas espontâneas ocorriam
com determinada facilidade. As greves antes de agosto são expressões desse
processo de insatisfação e recusa e o que geralmente desencadeia um movimento:
um agravamento da situação desfavorável de vida das classes trabalhadoras.
Isso gerou lutas espontâneas e
autônomas que culminaram na constituição de várias organizações autárquicas que
desaguaram no MKS e formas organizacionais similares. O MKS, como Comitê
Interempresarial de Greve, era uma forma organizativa que reunia diversos
comitês de greve, significando um avanço organizativo, não só por ser uma
organização autárquica (auto-organização), mas também por articular diversas
organizações autárquicas. O passo seguinte deveria ser a transformação dos
comitês de greve em conselhos de fábrica e conselhos operários e o MKS em
associação ou união operária aglutinando todos os conselhos autênticos em
contraposição aos oficiais.
Esse passo, no entanto, não foi
dado. A hegemonia no movimento oposicionista do KOR e outras organizações
similares, intelectuais reformistas (progressistas e conservadores), a igreja,
etc., acabou gerando a palavra de ordem equivocada de formação de “sindicatos
livres”. Essa e outras reivindicações mostram a defasagem cultural diante do
avanço organizacional.
O primeiro item das 21 reivindicações
é justamente o “reconhecimento de sindicatos livres e independentes do Partido
e dos empresários”. A ideia de sindicato é sempre de uma determinada
organização similar ao existente no capitalismo privado, embora, na Polônia,
por suas condições peculiares, se organizou de forma diferenciada, apesar do
debate interno entre duas possibilidades (organização por profissão, no
capitalismo privado, ou por região).
A segunda reivindicação aponta
para o que Henri Simon (1985) denominou “humor involuntário”: o direito de
greve. Terminar uma greve por ter o direito de greve assegurado é algo cômico.
É o mesmo que trocar a realidade pela ilusão. Simon (1985), ao tratar do humor
involuntário, chama a atenção para que o movimento operário já estava
organizado e realizando greves e abre mão de suas exigências para realizar reivindicações
sindicais. A greve é algo que já vinha sendo praticado na Polônia há muitas
décadas e a exigência do “direito de greve” é uma necessidade de sanção estatal
e, o que, simultaneamente, significa seu reconhecimento e legitimação. Nesse
sentido, é um recuo do movimento. As demais reivindicações são no sentido de
diminuir o poder e a arbitrariedade do mesmo ou então algumas demandas
financeiras ou políticas mais gerais. As 21 reivindicações deveriam ter sido
acompanhadas de exigências mais amplas e profundas, bem como integrar diversas
outras (e retirar algumas, que acabam legitimando o capitalismo estatal e o
aparato estatal). No entanto, o maior problema são a própria existência das 21 reivindicações.
Sem dúvida alguma, as reivindicações são reformistas, endereçadas para o Estado
e sem nenhum caráter revolucionário. Se as considerarmos como um momento da
luta, no qual o proletariado ainda não desenvolveu em amplos setores uma
consciência revolucionária, continuam problemáticas por causa do conteúdo das reivindicações.
Burocratização e Luta Cultural
O recuo do governo e o discurso
sobre o atendimento das reivindicações (algumas reivindicações foram concedidas
– e depois retiradas – e outras foram apenas prometidas) não fez as greves e
ações deixarem de existir. Embora com menor força e contando com os apelos da
igreja, KOR, MKS, para retomar o trabalho (SIMON, 1985), as greves continuavam.
Em 22 de setembro é fundado o Solidariedade (Sindicato Autônomo Solidariedade).
A formação do Sindicato Solidariedade significou um recuo organizacional,
gerando mais uma burocracia civil. Tratava-se de uma burocracia informal, ainda
não completa, pois lhes faltavam alguns elementos para completar sua
burocratização. A ação da direção do Solidariedade foi voltada, desde então,
para amortecer os conflitos de classes, conseguir espaços institucionais em
confronto com a burocracia estatal, exigir algumas reivindicações dos
trabalhadores e interesses próprios. Nesse momento, Lech Walesa começa a
emergir como o “líder” do Sindicato Solidariedade e seus discursos não dão
margem para duvidar de suas posições:
Não
podemos imaginar na Polônia outro sistema social diferente do que existe
atualmente. Queremos apenas que ele funcione sob a direção dos operários, a
serviço dos operários, mas não queremos mudá-lo (WALESA apud. BRESSER-PEREIRA, P. 106-107).
Sempre fui
o líder, como o bode que conduz o rebanho, como o boi que conduz o rebanho. As
pessoas precisam desse boi, desse bode, caso contrário o rebanho vai por conta
própria, aqui e ali, onde quer que haja um pouco de grama para comer, e ninguém
segue o caminho certo. Um rebanho sem um animal para o conduzir é uma coisa sem
sentido e sem futuro (WALESA apud SIMON, 1985, p. 31).
Nesse contexto, não surpreende
que Jadwiga Staniszkis, membro do Sindicato Solidariedade, tenha afirmado que Walesa
“tem um talento incrível para manipular as massas” (SIMON, 1985, p. 31)[8]. A
figura de Walesa, no entanto, não deve ser superestimada. A sua ação foi
importante, mas isso ocorreu por que tinha o apoio de setores da igreja, do
KOR, e outros burocratas informais como ele no Sindicato Solidariedade, etc. Essa
nova burocracia civil informal queria espaços institucionais e até substituir
setores da burocracia estatal.
Esse processo provocou
incertezas no POUP (Partido Operário Unificado Polonês) e gerou um setor
reformista no mesmo, que usava a pressão social existente para realizar uma
luta interburocrática. Esse setor, por sua vez, reforçava a ilusão para alguns
da possibilidade de reforma do capitalismo estatal no sentido de sua
democratização.
O Sindicato Solidariedade não
era homogêneo. Por um lado, havia os novos burocratas que assumiam o controle
do mesmo. Mas existiam outros grupos internos, como a Rede Autogestionária de
Grandes Empresas e o setor mais radical composto pelos chamados “Grupo de
Lublin” e “Grupo de Lódz” (NASCIMENTO, 1988). A Rede tinha propostas mais
radicais que a direção do Sindicato Solidariedade, sendo que defendia a criação
de um Partido Polonês do Trabalho e elaborou propostas de leis sobre autogestão.
Houve um conflito inicial entre a direção sindical e a Rede, mas esta acabou
sendo aceita oficialmente no interior do mesmo. O Grupo de Lublin lançou
discussões sobre autogestão e conselhos operários, e apoiou os materiais
produzidos pela Rede. Realizou conferências e manteve um maior contato e
afinidade com as “bases” do Sindicato Solidariedade. O Grupo de Lódz defendeu a
greve de ocupação ativa, a autogestão e os conselhos operários, bem como
defendeu a tese da representação da autogestão no parlamento através da criação
de uma “câmara autogestionária” (NASCIMENTO, 1988).
Para entender esse processo é
fundamental compreender a luta cultural que se desenvolvia na Polônia nesse
momento. A hegemonia leninista e o contexto cultural já aludido dificultava a
criação de um bloco revolucionário, o que geraria um setor da intelectualidade
e da juventude, por mínimo que fosse, que apontasse para uma real concepção
autogestionária. Por isso, o bloco progressista que comandava o Sindicato
Solidariedade, seus grupos internos e adjacências, gerava novas formas de
deformação do pensamento marxista e das necessidades e interesses do movimento
operário[9]. Isso
pode ser visto nos termos utilizados, que parecem extremamente avançados e de
acordo com os interesses de classe do proletariado, mas que ganham um
significado distinto naqueles que os utilizam.
Isso é visível com o termo “autogestão”.
Esse termo assume um significado que não é o mesmo que emergiu no Maio de 1968
na França e desenvolvido pelo marxismo autogestionário posteriormente[10]. O
MKS e depois o Sindicato Solidariedade entendiam “autogestão” como algo no
interior de outras propostas, como “democracia” e “pluralismo”. Autogestão
significava, geralmente, “auto-organização” ou “controle operário” nas
fábricas. Assim, um “sindicato autogerido” seria auto-organizado e isso
significaria sem a ingerência do Estado, partidos e sindicatos oficiais. Assim,
a concepção totalizante de autogestão, apontando para uma forma de sociedade, é
substituída por uma simples organização autárquica ou então o mero controle dos
trabalhadores sobre a fábrica, como se observa nas constantes reivindicações de
poder de demitir os diretores das mesmas (o que significa a permanência da
existência de diretores). A “democracia” seria o complemento necessário e que,
mesmo quando afirmava se distinguir da democracia burguesa ou ocidental, não
mostrava nada de diferente concretamente. A democracia é um regime político no
qual a burocracia não é autocrática, como no capitalismo estatal, e sim
democrática, como no capitalismo privado, sendo que o processo eleitoral é uma
de suas principais características. A defesa do “pluralismo” revela não somente
a vontade de manter as concepções hegemônicas e católicas, ao lado das
progressistas e supostamente das demais, como também revela o que os seus
partidários não dizem: a existência da divisão de classes e de interesses que
geram a diversidade de posições políticas.
Aqueles que mais avançaram e
foram além da exigência do controle operário nas fábricas e/ou da
auto-organização, chegaram, no máximo, a defender uma “câmara autogestionária”,
convivendo com a burocracia estatal e seus organismos burocráticos. Essa câmara
autogestionária significaria, no máximo, um novo espaço para uma nova
burocracia. Nesse sentido, a oposição entre os situacionistas e os
oposicionistas no Sindicato Solidariedade era mais uma disputa de duas
tendências reformistas, sendo uma mais dirigista e outra mais basista, mas
nenhuma revolucionária e/ou autogestionária.
A suposta aliança entre
operários e intelectuais não existiu efetivamente. O que ocorreu foi que a
intelectualidade dissidente espalhou, da forma como pôde, críticas e propostas
(como os sindicatos independentes) e isso teve certa ressonância em setores do
proletariado que se tornou uma defensora de algumas dessas teses no interior do
movimento operário. A formação de novas organizações, autárquicas, geravam
novas formas de divulgação de ideias, mas a formação da burocracia informal dos
sindicatos, acabou gerando um processo de aproximação entre esta e setores da
intelectualidade.
No fundo, a direção do Sindicato
Solidariedade acabou utilizando os intelectuais do KOR como conselheiros e
consultores, o que gerou resistência de alguns setores no interior do
Sindicato. Assim, se houve alguma aliança, não foi entre intelectuais engajados
(revolucionários) e operários, e sim entre intelectuais reformistas e
burocratas informais saídos da classe operária. As condições concretas da
sociedade polonesa impediuimpediram o
surgimento de um bloco revolucionário e, por isso, pouquíssimos intelectuais e
juventude não proletária poderia aderir a um verdadeiro projeto autogestionário
antes de um processo de autonomização do proletariado. O problema é que nem
depois surgiu, pelo menos que tenha se tornado conhecido, nenhuma organização
ou grupo que fosse expressão política ou teórica do proletariado polonês.
A Luta Continua
Em 1981, as lutas espontâneas e
autônomas, dependendo do lugar, são retomadas, bem como greves e ações diversas
dos trabalhadores. “A partir de março, ações autônomas começaram a se espalhar
nos mais diversos domínios” (SIMON, 1985, p. 47). Os camponeses avançam em suas
lutas por suas próprias reivindicações (SIMON, 1985). Em certos lugares,
algumas greves foram evitadas, através das ações de Walesa, Kuron, representantes
da igreja, entre outros. Em julho, inicia uma série de manifestações de rua. Esse
processo durou todo o ano de 1981 e foi marcado por um distanciamento crescente
entre o Sindicato Solidariedade e o movimento operário, bem como marcado pela dissidência
interna no mesmo[11]
e diversas lutas interburocráticas também no aparato estatal. No fundo, a
maioria dos jornais e das notícias e análises focalizavam o Sindicato
Solidariedade e o aparato estatal[12].
A repressão seletiva em relação aos trabalhadores convivia com a tolerância em
relação ao Sindicato Solidariedade. Um amplo movimento grevista sacudiu a
Polônia no segundo semestre de 1981 e diversas outras ações, incluindo fuga de
prisões. Segundo Simon (1985, p. 51), “A onda de greves deixou impotentes não
só a classe capitalista, mas também o Solidariedade (no qual alguns líderes do
Partido tinham depositado suas esperanças)”.
O golpe de estado de dezembro de
1981 ocorreu devido à incapacidade da burocracia estatal, especialmente o
governo e o partido, e também do Sindicato Solidariedade, em conter as lutas
operárias e de outros setores, especialmente os camponeses (cerca de 30% da
população polonesa). No entanto, se tal golpe de Estado, no qual a burocracia
militar assumiu a burocracia governamental, ocorreu e eliminou os “intermediários”
(Sindicato Solidariedade), não eliminou a luta operária que manteve-se durante
o ano de 1982 e ainda com resquícios em 1983, apesar da repressão estatal. As
lutas assumiram forma diferente a partir de 1982:
Em 1982 e
1983, a atividade da classe trabalhadora ocorreu em grande parte nas ruas e nas
empresas. Às vezes é difícil distinguir as lutas sociais das especificamente
políticas [institucionais – NV]. Vimos que meses antes do golpe de dezembro de
1981, as ações de base se dissociavam da atividade cada vez mais política do
Solidariedade – resultado da dialética capital-trabalho. A repressão, que
parecia dirigir-se igualmente contra a organização do Solidariedade e as ações
dos trabalhadores em dezembro (embora as punições diferissem muito em grau),
fazia parecer que o aparato sindical e os militantes estavam mais uma vez
unidos em uma luta comum, no qual os interesses específicos dos trabalhadores
coincidiam com os do aparato sindical desmantelado. Por algum tempo, a
organização clandestina tentou se reconstituir e afirmar seu poder e
credibilidade. Só poderia fazê-lo recorrendo ao movimento de base e tentando
envolvê-lo em lutas fabris ou manifestações de rua que tivessem objetivos úteis
para a sobrevivência do Solidariedade como organização, mas que também pudessem
parecer defender os ganhos dos trabalhadores desde julho de 1980. A partir daí,
o programa daqueles que se constituíram como administradores provisórios clandestinos
estava claramente orientado para a aquisição de autoridade (libertação de
prisioneiros e anistia, reintegração do Solidariedade e diálogo com o governo),
enquanto que as ações de base continuaram a ser motivadas pelas condições de
exploração. No início de 1982, era óbvio que a massa de trabalhadores estava
revivendo uma organização de base, o que existia antes do golpe de dezembro, e
que os comitês clandestinos, tentando coordenar a luta, achavam que haviam
recuperado seus fiéis seguidores. Assim, compreensivelmente, esperava-se que
esses comitês fossem seguidos quando deram um caráter político óbvio às
manifestações, ações de fábricas e greves que organizavam a intervalos
regulares e que tinham como objetivo principal o reconhecimento do
Solidariedade como porta-voz da reforma da economia capitalista. Mas a situação
era radicalmente diferente da do verão de 1980. Então, um movimento de massas
trouxe o Solidariedade à vida; agora o Solidariedade queria criar um movimento
de massa para ressuscitar (SIMON, 1985, p. 76-77).
Assim, segundo Simon, as lutas
políticas institucionais dos adeptos do Sindicato Solidariedade apareciam mais
que as lutas operárias. Sem dúvida, as lutas operárias, pela própria condição
de classe do proletariado, continuavam, sob várias formas (absenteísmo,
operação tartaruga, etc.), bem como lutas espontâneas mais amplas. No entanto, o
aparato repressivo impedia a manifestação da luta das classes fundamentais na
precária sociedade civil polonesa, na qual as tendências reformistas (KOR e
Sindicato Solidariedade, agora na clandestinidade) e conservadores (Igrejas e
adjacências) apareciam debilmente, realizando uma luta no interior das classes
privilegiadas, mas sem grande ressonância e com predomínio quase que absoluto
da burguesia burocrática.
Revolução e Autogestão na Polônia?
Houve uma experiência autogestionária
na Polônia? Essa ideia é defendida por muitos e até os títulos das obras sobre
o ocorrido na Polônia entre 1980 e 1981 é acompanhado pelos termos “autogestão”
e “autogestionário”. Essa experiência histórica também é chamada de “revolução”.
Houve uma revolução? Houve uma experiência autogestionária? Vamos fazer algumas
breves considerações sobre isso.
O que caracteriza uma revolução
e uma experiência autogestionária? Já discutimos isso antes (VIANA, 2017) e por
isso nos contentaremos com uma breve definição. Uma revolução é um processo no
qual há uma transformação radical e total de uma sociedade, alterando o modo de
produção e as formas sociais que lhes são correspondentes. No entanto, o
momento fundamental da revolução é quando ocorre a ruptura, ou seja, quando há
uma mudança drástica na sociedade que marca tal transformação e não ela em sua
totalidade, que é composta por vários momentos. Assim, uma revolução possui
vários momentos antes e depois da ruptura.
No caso das revoluções no
interior da sociedade capitalista, o que historicamente ocorreu foram
revoluções proletárias inacabadas. É preciso compreender que uma revolução
proletária se inicia com a autodeterminação de classe, ou seja, quando o
proletariado passa de classe determinada para autodeterminada. Nesse momento, o
proletariado coloca o objetivo da transformação social radical, ou seja, a
abolição do capital (e, por conseguinte, dos seus aparatos burocráticos),
materialização da autogestão ou, esboçando essa autogestão concretamente. O que
ocorreu, no caso polonês, foi apenas esse primeiro momento. O momento seguinte,
da ruptura, bem como o momento final, da destruição completa do capital e
aparato estatal, não se concretizou. Por isso foi mais uma revolução proletária
inacabada. Apenas o primeiro momento da revolução proletária ocorreu, e ainda
de forma rudimentar e precária, que pôde ser vista nas organizações autárquicas
do proletariado, bem como setores mais avançados que apontaram para o projeto
autogestionário.
Nesse sentido, a revolução
polonesa, uma revolução proletária inacabada, foi uma experiência
autogestionária, incipiente e precária, na qual se desenvolveu diversas formas
de organizações autárquicas (auto-organização), incluindo sua articulação
regional (MKS) e possibilidade de articulação nacional. Sem dúvida, para os
entusiasmados defensores da experiência polonesa que a qualificam como “autogestão”
ou “autogestionária”, os discursos do Sindicato Solidariedade, de suas
adjacências e dissidências, garantem que foi uma grande experiência de autogestão.
No entanto, isso apenas se esboçou e os discursos dos reformistas não apontavam
para uma autentica autogestão (e até os dissidentes apontavam para isso no caso
de suas críticas à direção do Sindicato Solidariedade, mas avançando pouco e
mostrando que, no fundo, também não ultrapassavam o reformismo e não chegavam a
um projeto autogestionário autêntico). Indo além dos discursos dos reformistas
e sua deformação da ideia de autogestão, o projeto autogestionário se
manifestou em alguns meios operários e de forma mais radical e ampla do que no
interior da intelectualidade e burocracia sindical informal.
Em síntese, o que ocorreu na
Polônia foi uma revolução proletária inacabada que foi mais uma experiência
autogestionária, muito embrionária, que foi derrotada, mais uma vez, pela
contrarrevolução comandada pela burguesia burocrática e que, no bojo da luta de
classes, teve o obstáculo representando pela intelectualidade reformista e pela
burocracia sindical informal. Esse foi mais um capítulo da história do
proletariado em sua luta pela autoemancipação e emancipação humana, que mostra
a tendência e gera o aprendizado com suas lutas do passado não para gloriá-las
e endeusá-las, mas para aprender com o seu inacabamento e reforçar a sua
tendência de acabamento.
Considerações Finais
As lutas de classes na Polônia
no início dos anos 1980 ocorreram num contexto específico e só no interior do
mesmo pode ser explicado. A burguesia burocrática buscava manter o seu poder e
domínio e o bloco progressista, composto por intelectuais reformistas (e não
todos os intelectuais), aspirantes a burocratas (e, posteriormente, burocratas
informais) e setores do proletariado que se tornaram sua zona de influência,
buscava a “democratização”, ou melhor, usar o proletariado para gerar uma nova
repartição o poder. Ao mesmo tempo, tinha que combater a ala oposicionista do
bloco dominante, os setores conservadores da Igreja e outros pró-privatistas (a
favor do capitalismo privado) e os setores das classes desprivilegiadas sob sua
zona de influência (incluindo camponeses). Além disso, ainda havia o proletariado,
que efetiva suas lutas espontâneas e autônomas, dependendo do momento, e sem o
apoio de um bloco revolucionário, praticamente inexistente nesse país, pelas
condições aludidas anteriormente.
Nesse contexto, extremamente
desfavorável para brotar uma revolução proletária, as lutas autônomas se
desenvolvem e esboçam lutas autogestionárias. Uma das determinações desse
processo reside na própria luta e desenvolvimento do proletariado, que tende
para a autogestão por sua condição de classe. Outra foi a crítica do regime
capitalista estatal, que aparecia como “regime burocrático”, ou “sistema de
poder”[13],
para o bloco progressista, que era a sua forma de crítica e possibilidade de
propor reformas em seu benefício. Daí sua necessidade de se opor à “burocracia”
(seja entendida como classe ou camada, dependendo de quem fazia a crítica) e
para atrair o proletariado levantar as palavras de ordem da “organização livre
e independente” (geralmente sindicatos, mas ocasionalmente conselhos operários
e outras organizações, sendo que os setores mais radicais apelavam mais
constantemente para “autogestão”, “conselhos operários”, etc.). Certos setores
do proletariado em luta reinterpretaram adequadamente a ideia de autogestão,
mas não foram acompanhados pelo conjunto do proletariado.
Nesse contexto, reaparece a
importância da luta cultural e de um bloco revolucionário para contribuir com a
luta proletária e reforçar a força do seu setor mais avançado. Em todas as
revoluções proletárias inacabadas existem diferenças no desenvolvimento da
consciência do proletariado, com setores que radicalizam mais, avançam mais no
sentido autogestionário, e outros que ficam no plano de lutas autônomas e
alguns no das lutas espontâneas, além daqueles que se limitam a lutas
institucionalizadas, caindo sob zona de influência do bloco progressista. Em
certos países e condições históricas isso é mais grave, devido às divisões
regionais, tamanho da nação, divisões sociais produzidas ou intensificadas pela
hegemonia burguesa, etc. O caso alemão (1918-1923) foi exemplar nesse sentido,
o que foi derivado de sua unificação tardia. A unificação do proletariado é
elemento fundamental para a revolução autogestionária e deve ser compreendida
não apenas no plano organizacional, mas também no plano cultural.
No caso polonês, o proletariado
se dividiu em diversos setores e os mais avançados conviveram com os demais e a
força do bloco progressista no seu interior. O setor mais avançado, que chegou
espontaneamente ao projeto autogestionário, não conseguiu e nem buscou
instaurar uma hegemonia proletária no interior das classes desprivilegiadas, e
não contou com apoio externo, pela quase inexistência de um bloco
revolucionário.
Assim, a contrarrevolução foi
facilitada pela incapacidade e falta de força do bloco progressista de reagir e
pela dificuldade de uma reação proletária em amplas proporções. Alguns momentos
da luta foram favoráveis, como em junho de 1980 e certos momentos de 1981, mas
o bloco progressista, a repressão estatal e a hegemonia burguesa (no caso, da burguesia
burocrática), pesaram na balança contra a efetivação dessa possibilidade. De
qualquer forma, foi mais uma luta proletária que apontou, mesmo que
modestamente, para a autogestão social, o que é mais significativa se levarmos
em conta o contexto desfavorável. A Polônia continua existindo, agora sob um
capitalismo diferente, e novas lutas emergem constantemente e por isso a
tendência de desencadeamento de uma nova tentativa de revolução proletária
existe e é a luta de classes nesse país e no mundo que poderá concretizá-la.
Referências
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos.
1980/81: A Revolução Autogestionária na Polônia. In: VENOSA, Roberto (org.). Participação e Participações. Ensaios
sobre Autogestão. São Paulo: Babel Cultural, 1987.
CLAUDÍN, Fernando. A Oposição no “Socialismo Real”. Rio de
Janeiro: Marco Zero, 1983.
DRABIK, Grazyna e FERNANDES,
Rubem César. Polônia: O Partido, A
Igreja, O Solidariedade. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1984.
GUILLERM, Alain e BOURDET, Yvon. Autogestão: Mudança Radical. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
GUILLERM, Alain e BOURDET, Yvon. Autogestão: Mudança Radical. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
MODZELEWSKY, Karol e KURON,
Jacek. Revolucion Politica o Poder
Burocratico I. Polônia. Buenos Aires: Ediciones Pasado y Presente, 1971.
NASCIMENTO, Cláudio. Rosa Luxemburgo e Solidarnösc. Autonomia
Operária e Autogestão Socialista. São Paulo: Edições Loyola, 1988.
PANKÓW, Wlodzimierz. Verão Polonês 1980: A Crise do Sistema de
Poder. São Paulo: Edições Loyola, 1983.
RYDENFELT, Sven. Crise nas Economias Socialistas. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1987.
SIMON, Henri. Poland: 1980-1982. Class Struggle and
the Crisis of Capital. Detroit: Black & Red, 1985.
VIANA, Nildo. As Experiências
Autogestionárias. In: CUNHA, Elcemir (org.). Crítica Marxista da Administração. No prelo, 1917.
[1]
A nomenclatura possui o mesmo papel nos demais países capitalistas estatais
(PANKÓW, 1983) e é a forma pela qual o partido realiza o controle do aparato
estatal e mais intensamente que a burguesia privada realiza no capitalismo
privado. Ela define cargos, salários, etc. decidindo quem serão os burocratas
centrais e os principais burocratas em outras instâncias da sociedade.
Geralmente um mesmo burocrata ocupa vários cargos burocráticos em distintas
instituições estatais (burocracia governamental, partidária, etc.).
[2]
“Em Lódz, os conselhos operários, no final de 1957, existiam em 80% das
fábricas têxteis. Pouco a pouco, a noção de conselho operário toma corpo e
chega à elaboração de um projeto de estatuto, logo divulgado pelo Po Prostu”
(NASCIMENTO, 1988, p. 23).
[3]
Surgiram também organizações que expressam o catolicismo e o nacionalismo, tal
como nesse exemplo: “em março de 1977 se cria o Movimento pela Defesa dos
Direitos do Homem e do Cidadão (ROPCIO), com a publicação mensal Opinia como porta-voz. Situa-se à
direita do KOR e é uma das expressões políticas da oposição católica,
combinando-se, na sua ideologia, elementos progressistas e conservadores”
(CLAUDÍN, 1983, p. 243).
[4]
Mesmo o preço de produtos agrícolas, pois é o aparato estatal que vende e
determina o preço ao consumidor e é ele o vendedor das mercadorias para os
trabalhadores e ao mesmo tempo o seu empregador, ou seja, o responsável pelos
seus salários. Se ele aumenta o preço ao consumidor, então gasta menos com
“subsídios”, principalmente se não aumento o preço pago ao produtor. Esse
aumento do mais-valor absoluto significa, entendendo que se trata de toda
sociedade polonesa e não apenas uma empresa, um quantum elevado no conjunto do mais-valor global. No capitalismo
privado, um capitalista aumentar os preços dos seus produtos pode atingir
apenas trabalhadores de outras empresas, mas no capitalismo estatal, que possui
um “patrão único”, para recordar Pannekoek (1977), então ele atinge seus
próprios trabalhadores.
[5]
“Quando se soube, no dia 1º de junho, que o governo decidiu aumentar
drasticamente os preços dos artigos alimentícios, especialmente a carne,
começaram imediatamente as greves, tal como em 1970 e 1976” (CLAUDÍN, p. 255).
[6]
Estes setores foram reforçados pela visita de João Paulo II em 2 de junho de
1979 e pelas campanhas e ações da igreja polonesa e grupos nacionalistas,
conservadores. A respeito de três grandes organizações burocráticas atuando na
Revolução Polonesa, o POUP, a Igreja e o Sindicato Solidariedade, há um
conjunto de documentos e textos, embora insuficientes e sem maior análise
crítica, em obra organizada por Drabik e Fernandes (1984).
[7]
Os conselhos operários oficiais surgiram das lutas proletárias do passado, mas
foram institucionalizados. As empresas possuíam conselhos operários (na
verdade, conselhos de fábrica). A empresa “Comuna de Paris”, em Varsóvia, tinha
um quadro composto por 34 membros representantes do “conselho de fábrica”, 11
representantes do Comitê de Empresa (na verdade, do POUP, o partido comunista
polonês) e 20 representantes do sindicato. Assim, a impressão é de que o
conselho de fábrica detinha a maioria, mas, no entanto, o partido possuía
muitos membros tanto no “conselho de fábrica” quanto no Comitê de Empresa do
Sindicato e este, no fundo, era aparelhado pelo partido.
[8]
A respeito do General Jaruzelski, que era ministro da defesa e se tornou chefe
de governo em fevereiro de 1981, Lech Walesa disse o seguinte: “A Polônia
precisa de um governo forte, um governo capaz de governar e Jaruzelski pode
fazê-lo. Porque ele é um soldado, um general, portanto, acostumado a dar ordens
e impor disciplina sobre os outros e sobre si mesmo. Como um soldado, ele
também deve ter as mãos limpas que são necessárias para limpar o país de
bastardos com as mãos sujas. Devemos deixá-lo trabalhar” (SIMON, 1985, p. 44).
[9]
Isso é visível, por exemplo, em Kuron e Modzelewski (1971), e as citações das
declarações do primeiro apontam para suas posições políticas e em tal obra, apesar
de ver, confusamente, um capitalismo de Estado na Polônia (numa oposição entre
“burocracia” e “classe operária”, demonstrando não compreender que as relações
de produção capitalistas são entre a burguesia e o proletariado e se for outra
classe dominante, então não seria mais um modo de produção capitalista, entre
diversos outros equívocos), mostra com suas propostas que nunca apontam para
uma real revolução, nem quando trata de “sistema de conselhos operários”, no
qual apresentar apenas propostas de reformas (além da existência de supostos
“conselhos operários”, pluralismo partidário, etc.). É revelador o seu caráter
de expressão ideológica da intelectualidade, como classe social, ao dizer que
no regime burocrático essa classe é privada de liberdade, o que mudaria com a
“democracia operária” (o regime reformulado): “Todo sistema fundado na
escravidão do operário priva, de uma maneira ou de outra, a intelligentsia de sua liberdade. Só a
emancipação da classe operária poderá mudar essa situação. Por sua própria
natureza, a democracia operária pode garantir à intelligentsia uma liberdade muito mais ampla do que é possível na
mais parlamentar das repúblicas burguesas – ou no mais ‘moderno’ dos reinos dos
gerentes” (KURON e MODZELEWSKI, 1971, p. 153). Aqui se fala de “democracia
operária”, e não passa disso o programa dos reformistas, pois significa apenas
democratizar o capitalismo estatal, aumentar espaços para a classe operária,
para que isso aumente espaços para a intelectualidade. Não se trata de propor
autogestão social, uma nova sociedade, e sim reformar a velha ganhando espaços
no seu interior. Assim como a burguesia precisou e lançou mão do proletariado
nas revoluções burguesas, a burocracia se colocou como sua vanguarda para
realizar as contrarrevoluções burocráticas que instauraram o capitalismo de
Estado e depois age em seu nome como burguesia burocrática, a intelectualidade,
nesse regime, também busca usá-lo em sua luta com a burocracia (burguesia
burocrática) para defender seus interesses. O problema é que a
intelectualidade, por sua posição na divisão social do trabalho, é muito frágil
para querer se opor, seja à burguesia ou à burocracia, e só lhe resta buscar o
apoio do proletariado e, ainda, reforçar outras organizações burocráticas, tal
como a burocracia civil informal do Sindicato Solidariedade.
[10]
Esse é o caso, especialmente, de Guillerm e Bourdet (1976), na França.
[11]
“Durante os últimos seis meses de 1981, a crescente ruptura entre a liderança e
a base polarizou o Solidariedade. Um dos lados procurava cada vez mais o apoio
do governo capitalista, desde que a posição do sindicato fosse assegurada; O
outro lado tentou expressar as aspirações do movimento de base. Alguns, como
Gwiazda, favorecendo o controle estrito do trabalhador sobre as decisões;
outros, como os líderes regionais de Lódz e Lublin, indo mais longe com suas
propostas para greves ativas e pelo controle da economia por meio de ligações
horizontais” (SIMON, 1985, p. 64).
[12]
Bresser Pereira (1987), economista e ex-ministro brasileiro por duas vezes,
viajou para a Polônia acompanhado de, entre outros, Eduardo e Marta Suplicy, e saudou
a revolução polonesa como a “primeira revolução dos trabalhadores da história
da humanidade” e destacou seu caráter autogestionário e de negação da
“tecnoburocracia”. Ele que, anteriormente, desenvolveu a tese do “modo de
produção tecnoburocrático” realizou uma interpretação da revolução polonesa
como antitecnoburocrática – assim como outros colocaram antiburocrática –
apesar de citar trechos de Walesa, Kuron e outros, que afirmavam não ser contra
o regime e querer sua democratização. O que não é explicado no texto é como uma
revolução comandada pelo Sindicato Solidariedade e que queria apenas
democratização poderia ser autogestionária e antitecnoburocrática. Não deixa de
ser curioso ver como os intelectuais (e temporariamente burocratas) não
conseguem, nem usando termos autogestionários, ir além da burocracia. A
afirmação de que foi a “primeira revolução dos trabalhadores na história da
humanidade” carece de fundamentação e sentido. A razão da afirmação é que tal
revolução teria sido feita por trabalhadores. Nesse caso, a primeira revolução
proletária foi a Comuna de Paris, em 1871. Além disso, Bresser Pereira parece
não compreender que a burocratização pode começar a partir do interior da
classe ou do exterior, embora esse último caso seja o mais comum. Na Revolução
de Fevereiro na Rússia, também foram os trabalhadores que espontaneamente formaram
os conselhos operários e implantaram o duplo governo e a derrota só ocorreu com
a chamada “Revolução de Outubro”, com a burocracia partidária bolchevique
realiza sua fusão com a burocracia estatal. No caso polonês, a revolução se
inicia espontaneamente com a luta proletária, mas logo a burocracia informal
representada pelos “sindicalistas independentes” que emergem do próprio
proletariado e intelectuais buscam hegemonizar o movimento revolucionário.
Bresser Pereira entrevista alguns intelectuais e burocratas informais saídos da
classe operária (como Lech Walesa) e pensa estar entrevistando trabalhadores.
Certamente ele não teve acesso a nenhum operário no sentido autêntico do termo.
[13]
Basta consultar Panków, Modzelewsky e Kuron, para ver o foco na questão
política e reforma do Estado (não se fala em sua abolição e sim em sua
“democratização”) e nunca se toca nas relações de produção, mesmo quando elas
são abordadas (como no caso de Modzelewsky e Kuron). Assim, como em toda luta
interburocrática, e basta ver a ampla produção trotskista a respeito da
“revolução política”, apenas superestrutural, ou as lutas interburocráticas na
China de Mao Tse-Tung, para entender que o seu foco sempre será o domínio do
aparato estatal e nunca as relações de produção e sempre será para trocar os
burocratas burgueses do capitalismo estatal e nunca abolir a burocracia e o
Estado.
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