Universo Psíquico e Reprodução do Capital
Nildo Viana
“O coração faz revoluções, a cabeça
reformas; a cabeça põe as coisas em posição, o coração põe-nas em movimento.
Mas só onde existe movimento, efervescência, paixão, sangue, sensibilidade, aí
reside também o espírito.”
Ludwig Feuerbach
A sociedade capitalista se
fundamenta na exploração e alienação de milhões de seres humanos. No entanto,
tal sociedade vem se reproduzindo durante séculos. Sem dúvida, existem aqueles
que resistem, lutam. As lutas operárias do século 19 e 20 demonstraram que
existe um potencial revolucionário adormecido que em momentos de crise
despertam. No entanto, a reprodução do capitalismo é o cotidiano, o permanente.
Quais são os elementos que permitem a reprodução da dominação do capital?
Existem vários elementos, mas aqui iremos destacar o universo psíquico,
especialmente a mentalidade, como um dos mais importantes destes elementos.
Obviamente que o conceito de mentalidade está relacionado com outros conceitos,
tais como o de sociabilidade, pois aqui se trata de pensar a reprodução do
capital a partir de uma análise marxista, assimilando a contribuição da
psicanálise, o que nos leva a não isolar – o que seria um procedimento
ideológico – os aspectos da realidade, que estão inseridos numa totalidade
concreta. Assim, iremos analisar a relação entre universo psíquico e reprodução
do capital a partir das contribuições de autores como Freud, Fromm, Marcuse,
entre outros.
Freud e Marcuse fornecem elementos teóricos que nos ajudam a compreender o
universo psíquico. O conceito freudiano de “aparelho mental” é fundamental:
“Ao longo dos vários estágios da teoria de Freud, o
aparelho mental aparece-nos como uma união dinâmica de opostos: do inconsciente
e das estruturas conscientes; dos processos primários e secundários; das forças
herdadas, ‘constitucionalmente determinadas’, e das adquiridas; da realidade
psicossomática e da externa. Essa construção dualista continua a prevalecer
mesmo na posterior topologia tripartida do id, ego e superego; os elementos
intermediários e ‘sobrepostos’ tendem para os dois pólos. encontram sua mais
impressionante expressão nos dois princípios básicos que governam o aparelho
mental: o princípio de prazer e o princípio de realidade” (Marcuse, 1988, p.
41-42).
Para Freud, a satisfação das necessidades humanas só pode ser realizada
através do controle sobre a natureza. Este controle se realiza por intermédio do
trabalho e isto faz com que toda civilização realize uma coerção ao trabalho e
a repressão aos instintos. Segundo Freud, “expressando-o de modo sucinto,
existem duas características humanas muito difundidas, responsáveis pelo fato
de os regulamentos da civilização só poderem ser mantidos através de certo grau
de coerção, a saber, que os homens não são espontaneamente amantes do trabalho
e que os argumentos não têm valia alguma contra suas paixões” (Freud, 1978, p.
89).
Portanto, a dicotomia entre
princípio de prazer e princípio de realidade surge devido às condições de
produção e reprodução da vida material pressionar os indivíduos para que
trabalhem e renunciem aos seus instintos. Posteriormente, Freud utiliza os conceitos de id, ego e superego para analisar o
aparelho mental. No id residem os “instintos orgânicos” de um indivíduo,
expressões do instinto de Eros e do instinto de destrutividade (Freud, 1978b,
p. 239). No ego, realiza-se a percepção consciente e é dirigido por
considerações de segurança. O ego realiza uma mediação entre o id e o mundo
externo. Isto, entretanto, só ocorre até, aproximadamente, a idade de cinco
anos, pois nesta época ocorre uma mudança:
“Uma parte do mundo externo foi, pelo menos
parcialmente, abandonada como objeto e foi, por identificação, incluída no ego,
tornando-se assim parte integrante do mundo interno. Esse novo agente psíquico
continua a efetuar as funções que até então haviam sido desempenhadas pelas
pessoas do mundo externo: ele observa o ego, dá-lhe ordens, julga-o e ameaça-o
com punições, exatamente como os pais cujo lugar ocupou. Chamamos este agente
de superego e nos damos conta dele, em suas funções judiciárias, como nossa
consciência. É impressionante que o superego freqüentemente demonstre uma severidade
para a qual nenhum modelo foi fornecido pelos pais reais, e, ademais, que chame
o ego a prestar contas não apenas de suas ações, mas igualmente dos seus
pensamentos e intenções não executadas, das quais o superego parece ter
conhecimento” (Freud, 1978b, p. 245).
É esta introjeção da “razão”
e da “racionalidade” submetida ao princípio de realidade que é denunciada por
Marcuse:
“Sob o princípio de realidade, o ser humano desenvolve
a função da razão: aprende a ‘examinar’ a realidade, a distinguir entre bom e
mau, verdadeiro e falso, útil e prejudicial. O homem adquire as faculdades de
atenção, memória e discernimento. Torna-se um sujeito consciente, pensante,
equipado para uma racionalidade que lhe é imposta de fora. Apenas um modo de atividade
mental é ‘separado’ da nova organização do aparelho mental e conserva-se livre
do domínio do princípio de realidade: é a fantasia, que está ‘protegida das
alterações culturais’ e mantém-se vinculada ao princípio de prazer. Em tudo o
mais, o aparelho mental está efetivamente subordinado ao princípio de
realidade” (Marcuse, 1988, p. 35)[1].
Portanto, a relação entre
princípio de prazer e princípio de realidade é fundamental para se compreender
o funcionamento do universo psíquico do indivíduo. Acontece que a teoria de
Freud e o “complemento” de Marcuse apresentam alguns equívocos que devem ser colocados. Marcuse
demonstrou que a concepção freudiana do princípio de realidade é conservadora.
Freud, ao considerar eterna a luta pela existência, o que significa que o
princípio de prazer e o princípio de realidade são inconciliáveis e que a
repressão aos instintos é insuperável, acaba realizando uma racionalização da
sociedade repressiva. Segundo Marcuse, o desenvolvimento tecnológico abre
perspectivas para a superação da “luta pela existência” e para a plena
satisfação das necessidades. Além disso, Marcuse busca “extrapolar” os
conceitos freudianos e acrescenta os conceitos de “mais-repressão”, que são as
restrições requeridas pela dominação social, e de “princípio de desempenho”,
que é a forma histórica predominante do princípio de realidade na sociedade
capitalista.
Marcuse avança em relação a Freud ao reconhecer o caráter histórico do princípio de realidade.
No entanto, o seu conceito de “mais-repressão” é equivocado, pois a sua noção
de uma “repressão básica” que seria necessária para se perpetuar a espécie
humana é apenas citada, mas não é fundamentada. Que instintos essa repressão
atinge? E, se estes instintos são reprimidos, eles não povoarão o inconsciente
e assim se perpetuara’ o antagonismo entre princípio de prazer e princípio de
realidade? Não existe algo como uma “repressão básica”, mas sim uma humanização
de “instintos”, o que significa uma alteração apenas na forma de sua realização
e não sua supressão ou repressão (ou mesmo “modificação”, como diz Marcuse). O
conceito de “mais-repressão” só tem valor se for compreendido como uma
“repressão excedente”, que é uma repressão intensiva, ou seja, superior à
vivida pela maioria das pessoas numa determinada sociedade (Viana, 2002).
A definição marcuseana do
princípio de realidade na sociedade capitalista como “princípio de desempenho”,
que é identificado com o “trabalho alienado”, é produto de uma confusão. O
trabalho alienado não é um “princípio” e sim uma realidade, ou seja, é o
próprio desempenho ou realidade e não um princípio introjetado pelo indivíduo
em sua consciência.
A confusão de Marcuse tem como base sua aceitação acrítica da teoria freudiana. A
civilização executaria o papel de coagir os seres humanos ao trabalho e
realizar a repressão sexual. Em primeiro lugar, os seres humanos não são
coagidos apenas ao trabalho; em segundo lugar, a repressão não é apenas da
sexualidade; em terceiro lugar, nem todos os seres humanos são coagidos ao
trabalho, pois em certas sociedades ou períodos históricos as mulheres e/ou os
membros da classe dominante são poupados do trabalho social[2].
Por conseguinte, se negamos
a definição marcuseana do princípio de realidade estabelecido pela sociedade
capitalista (o princípio de desempenho), então devemos apresentar uma concepção
alternativa do princípio repressivo de realidade da sociedade burguesa. Se o
princípio de realidade é a introjeção no universo psíquico[3]
do indivíduo de uma realidade, a nossa tarefa é descobrir que realidade é essa
que é introjetada.
O modo de produção
capitalista cria uma sociedade competitiva. Esta competição está presente entre
os capitais individuais, que impulsiona a acumulação de capital, e entre os
trabalhadores que lutam pelo emprego de sua força de trabalho. A competição se
generaliza em toda a sociedade e ultrapassa os marcos da produção para chegar
até as relações de distribuição e ao conjunto das relações sociais. Tal como
colocou Fromm:
“o funcionamento econômico do mercado repousa sobre a
competição de muitos indivíduos que querem vender suas mercadorias no mercado
correspondente, assim como o seu trabalho ou os seus serviços no mercado de
trabalho e de personalidade. Esta necessidade econômica de competição conduziu,
especialmente na segunda metade do século 19, a uma atitude cada vez mais
competitiva, caráctereologicamente falando. O indivíduo se sentia compelido
pelo desejo de ultrapassar o seu competidor, com o que ficou totalmente
invertida a atitude característica da época feudal, segundo a qual cada um
tinha na ordem social o seu lugar tradicional com o qual devia contentar-se.
Produziu-se, em oposição à estabilidade social do regime feudal, uma mobilidade
social inaudita, na qual todos lutavam por conquistar os melhores lugares,
embora fossem poucos os escolhidos para ocupá-los. nessa luta pelo sucesso
ruíram as regras sociais e morais de solidariedade humana; a importância da
vida consistia em ser o primeiro em uma corrida competitiva” (Fromm, 1976, p.
95).
A competição para ficar no
cume da pirâmide social é revelada pela busca de status, luta por ascensão
social, etc. Esta competição social está presente no conjunto das relações
sociais capitalistas. Além disso, o modo de produção capitalista cria um
processo de crescente mercantilização e burocratização das relações sociais. A
mercantilização das relações sociais é produto da expansão da produção
capitalista de mercadorias que se generaliza e invade todos os setores da vida
social. Os meios de produção, os meios de consumo e a força de trabalho
tornam-se, sob o capitalismo, mercadorias e com o desenvolvimento capitalista
tudo passa a ser medido pelo seu valor de troca, inclusive as pessoas. Embora
isto não ocorra diretamente, as pessoas passam a ser avaliadas não pelo que são
e sim pelo que possuem. Simultaneamente, as pessoas interiorizam isto e passam
a se avaliar pelo que possuem e não pelo que são (Fromm, 1987; Fromm, 1992b). Se
as pessoas passam a ser avaliadas pelo que possuem, então o consumismo
desenfreado será incentivado tanto pela competição social quanto pela compulsão
automática pelo ter como satisfação substitutiva à repressão das
potencialidades humanas realizadas pela sociedade capitalista.
A burocratização das
relações sociais é provocada pelo desenvolvimento do modo de produção
capitalista que aumenta a intervenção estatal, expande o setor de serviços,
desenvolve a “sociedade civil organizada” e expande o domínio burocrático nas
empresas privadas devido ao processo de oligopolização da economia. Portanto, a
competição social, a mercantilização e a burocratização das relações sociais são
os elementos constitutivos da sociabilidade capitalista. Por “sociabilidade”
entendemos o conjunto das relações sociais que realizam, no nível do cotidiano,
a reprodução das relações de produção dominantes. O modo de produção condiciona
todas as outras esferas da vida social criando um verdadeiro “modo de vida” à
sua imagem e é este último que denominamos como “sociabilidade"[4].
Este modo de vida,
entretanto, não se implanta imediatamente com a ascensão do modo de produção
capitalista. Aqueles que denunciaram a integração da classe operária no capitalismo
devido ao aumento do seu nível de renda viram apenas um lado da questão. Na
verdade, tal integração ocorreu graças à instauração de um modo de vida
capitalista também no interior da classe operária.
O que explica isso é o
desenvolvimento capitalista. Este é um desenvolvimento contraditório: ao mesmo
tempo em que precisa “revolucionar” constantemente os meios de produção, ele necessita
barrar este desenvolvimento. Isto é provocado pela composição orgânica do
capital e, conseqüentemente, pela tendência à queda da taxa de lucro médio[5].
Mas o capitalismo, como demonstrou Marx, cria contra-tendências e busca evitar o seu colapso.
A partir das crises do
capitalismo mundial que provocaram as duas guerras mundiais, a classe dominante
buscou superar esta tendência através da intervenção estatal na produção/distribuição/circulação,
da expansão transnacional e da expansão da produção de meios de consumo e do
setor de serviços. É a partir da segunda guerra mundial que isto se generaliza
na Europa Ocidental e interfere no modo de vida da classe operária. A burocratização
das relações sociais já era uma realidade no início do século. O estado, as
empresas privadas e as instituições civis já manifestavam o predomínio das
relações burocráticas e foi isto que proporcionou o “desencantamento do mundo”
e a teoria da burocracia de Max Weber. A classe operária também passava a conviver cada vez mais
com o burocratismo nas relações sociais. Tanto nas empresas quanto em suas
próprias organizações se instauravam relações sociais burocráticas[6].
Era absolutamente visível a burocratização de partidos e sindicatos. Robert Michels
foi o primeiro grande crítico da burocratização das organizações operárias e
avançou ao afirmar que os partidos políticos são “criadores de novas camadas
pequeno-burguesas” (Michels, 1982). A burocracia partidária e os representantes
partidários no parlamento e no governo se autonomizam e desligam-se da classe
operária, tanto do ponto de vista material quanto do teórico, formando as bases
sociais do reformismo (com todas as suas conseqüências: oportunismo,
revisionismo de direita, eleitoralismo, etc.) dos partidos social-democratas,
“socialistas” e “comunistas”.
A burocratização dos
partidos políticos “ditos” operários é reforçada pela presença no seu interior
da burocracia sindical. O marxismo, desde Engels, realizou uma critica radical aos sindicatos, mas alguns dos
“auto-intitulados” marxistas não superaram certas ambigüidades[7].
O processo de burocratização dos sindicatos também vem se reforçando cada vez
mais com o desenvolvimento capitalista.
Entretanto, a burocratização
de partidos e sindicatos não foi suficiente para impedir o desencadeamento da
luta operária. A Revolução Russa, a Revolução Húngara, a Revolução Italiana, a
Revolução Alemã, entre outras, demonstraram que a luta de classes no inicio do
século estava se radicalizando. A democracia representativa já era uma forma de
dominação burguesa, mas ainda não tinha a “eficácia política” que possui hoje.
A classe dominante, a partir
de então, busca fazer da democracia burguesa o principal ponto de apoio para
sua dominação. O sistema parlamentar e o sistema eleitoral são organizados de
tal forma que, através da democracia burguesa, não só fique impossibilitado o
surgimento de “brechas revolucionárias” como passa a ser uma fonte de corrupção
dos movimentos políticos de esquerda.
O grande feito do estado
capitalista, a partir da segunda guerra mundial, é, além da intervenção no
processo de produção/distribuição/circulação de mercadorias, a sua intervenção
política nas instituições da sociedade civil. O estado cria novas instituições
estatais e amplia as que já existiam (exército, polícia, escolas, hospitais,
etc.) e busca controlar e regular o conjunto das instituições da sociedade
civil através da legislação, das exigências para dotação de recursos e
realização de convênios (o que também é realizado por instituições privadas
fundadas por empresas monopolistas), etc. A chamada “sociedade civil organizada”
tem como função realizar uma “mediação burocrática” entre sociedade e estado. Por
isso, nada mais equivocado do que postular uma estratégia política socialista
baseada na luta pela conquista dos “institutos democráticos” da sociedade
civil, tal como preconizou Gramsci e seus adeptos. Se Gramsci escreveu suas teses numa época em
que a “sociedade civil” ainda não era visivelmente uma “sociedade burocrática”,
o mesmo não vale para os gramscianos que com base no pensamento de Gramsci
justificam seu reformismo e capitulação diante das instituições burocráticas.
A mercantilização das
relações sociais invade o modo de vida da classe trabalhadora a partir do fim da
segunda guerra mundial. A produção capitalista se expande para além das
fronteiras da Europa Ocidental (expansão transnacional), mas também invade
lugares que antes eram ocupados pela produção pré-capitalista. Os investimentos
na produção de meios de produção são, em parte, desviados para a produção de
meios de consumo. A produção capitalista de meios de consumo surge visando
atender principalmente o consumo da burguesia e só num segundo momento o das
classes exploradas. A partir da segunda guerra mundial, produzem-se novos meios
de consumo para a burguesia e também se começa a produzir meios de consumo para
as massas trabalhadoras que antes tinham outra fonte. Segundo Granou:
“Praticamente,
pode dizer-se que, até cerca da metade do séc. 20, os meios de subsistência das
classes trabalhadoras provinham, para a quase totalidade, da agricultura e dos
pequenos artífices, isto é, de setores de produção dominados pela pequena produção
comercial” (Granou, 1975, p. 45).
O modo de vida capitalista
cria relações mediadas pela mercadoria (e pela burocracia). A produção
capitalista invade a agricultura, o setor de meios de consumo e busca
incessantemente aumentar o consumo produzindo “necessidades fabricadas” (Gorz,
1968; Fromm, 1986). A produção de meios descartáveis e a obsolescência
planejada de certos produtos são outros meios que o capital utiliza para
combater a tendência à queda da taxa de lucro médio.
A expansão dos serviços
sociais (tanto através das instituições estatais quanto particulares) reflete um
duplo processo: de burocratização e de mercantilização das relações sociais. As
instituições estatais, evidentemente, apresentam um menor grau de
mercantilização e um maior grau de burocratização, enquanto que nas
instituições privadas ocorre o fenômeno inverso. Os indivíduos, inclusive os da
classe operária, para terem acesso ao serviço de saúde, de transporte, educação
e aos lazeres, entre outros, devem passar pela mediação burocrática e mercantil
instituída pela sociedade capitalista.
O papel do Estado passou por
uma reformulação a partir dos anos 1980, com a emergência do regime de
acumulação integral, caracterizado pelo neoliberalismo, toyotismo e neo-imperialismo
(Viana, 2003; Viana, 2008). Porém, a diminuição da intervenção estatal não
provocou uma diminuição da burocratização, mas tão-somente sua privatização,
que se torna, em muitos casos, mais rígida e onde a vigilância e controle se
tornam mais extensos. A mercantilização, por sua vez, se amplia cada vez mais e
o novo regime de acumulação, resposta para a crise da acumulação que se inicia
nos anos 1960, precisa ampliar as necessidades fabricadas e o mercado
consumidor, radicalizando assim esta característica da sociabilidade
capitalista.
Portanto, esta é a realidade
que o universo psíquico de um indivíduo introjeta e reproduz nas suas
elaborações mentais. É nesse plano histórico-concreto que podemos compreender a
forma estabelecida pela sociedade capitalista do princípio repressivo de
realidade. O princípio de realidade também pode ser chamado de mentalidade. O
conceito de mentalidade facilita a percepção do caráter histórico do princípio
de realidade. Podemos, assim, distinguir a mentalidade arcaica das sociedades
simples da mentalidade feudal da idade média na Europa Ocidental. A forma
dominante de mentalidade hoje é aquela que introjeta a sociabilidade
capitalista e a reproduz nas elaborações mentais e pode ser chamada de
mentalidade burguesa.
O conceito de mentalidade
não só é mais apropriado do que o de “princípio de realidade”, mas também mais
apropriado do que o conceito de “caráter social” de Erich Fromm. Embora o “princípio de realidade” não seja apresentado por
Fromm como equivalente ao “caráter social”, isto é possível na medida em que
tanto um como o outro desempenham o mesmo papel:
“Os membros da sociedade e/ou as várias classes ou
grupos sociais dentro dela tem de se comportar de modo a funcionar no sentido exigido
pelo sistema social. É função do caráter social modelar as energias dos membros
da sociedade de modo que seu comportamento não seja questão de decisão
consciente sobre a obediência ou não ao padrão social, e sim um desejo de agir
tal como tem de agir, e ao mesmo tempo encontrem satisfação em agir de acordo
com as exigências de sua determinada cultura (Fromm, 1979, p. 78)[8].
O processo de introjeção do
princípio repressivo de realidade começa, como observou Freud, na infância[9].
Segundo E. Fromm:
“A estrutura da sociedade e a função do indivíduo nessa
estrutura determinam o conteúdo do caráter social. A família, por outro lado,
pode ser considerada como o agente psíquico da sociedade, a instituição que tem
a função de transmitir as exigências da sociedade à criança em desenvolvimento.
A família executa esta função de duas maneiras: 1) pela influência do caráter
dos pais sobre a formação da criança; como o caráter da maioria dos pais é
expressão do caráter social, transmitem dessa forma as características essenciais
do caráter socialmente desejável à criança; 2) além do caráter dos pais, o
método de preparo infantil habitual numa cultura também tem a função de modelar
o caráter da criança numa direção socialmente desejável” (Fromm, 1979, p. 81).
O conteúdo da mentalidade é
formado pelos valores, razão e sentimentos conscientes do indivíduo. Assim, a
mentalidade refere-se aos processos conscientes e não inconscientes. Neste
universo psíquico, a consciência (ou razão) e o inconsciente possuem um papel
importante, mas os sentimentos e os valores são elementos fundamentais e
determinantes da ação humana, sejam conscientes ou não-conscientes. A
sociabilidade capitalista incentiva determinados sentimentos (ciúme, inveja,
etc.) que expressam o tipo de ser humano que é constituído pela sociedade
moderna. Ela também constitui determinados valores (ascensão social, riqueza,
poder, etc.) que se tornam elementos determinantes nas ações humanas (Viana,
2007) e reforçam esta mesma sociabilidade.
Vimos até aqui como que o
princípio repressivo de realidade age no universo psíquico do indivíduo. A
mentalidade dominante possui a aparência de ser irremovível e intransponível
por que não só introjeta a sociabilidade como é confirmada e exigida
constantemente por essa mesma sociabilidade. A competição social, por exemplo,
não só está presente na realidade cotidiana e na mentalidade dos indivíduos,
como exige dele um comportamento competitivo, sob pena de ser considerado
“preguiçoso”, “anormal”, “fracassado”, etc. Assim, A mentalidade burguesa
afirma que o ser humano é tal como é – diga-se de passagem, tal como é na
sociedade burguesa – e isto é confirmado por suas idéias (mentalidade, cultura,
ideologia) e por sua prática (sociabilidade). Isto é exigido por esta mesma
sociabilidade e mentalidade. Com isto se retira toda a historicidade da
formação da mente humana. Por isso, a transformação da mentalidade em alguns
indivíduos é praticamente impossível sem antes ocorrer (ou começar a ocorrer)
uma transformação na sociabilidade. Somente em períodos de transformação
radical das relações sociais estes indivíduos cedem ao “princípio de prazer”. Outros
podem até mesmo aceitar superficialmente as teorias revolucionárias e no
cotidiano reproduzir a mentalidade e a sociabilidade dominantes.
Se até aqui nos limitamos a ver a ação do princípio de
realidade sobre o universo psíquico do indivíduo, é necessário observarmos a
ação do “princípio de prazer”, pois é aí que reside a resistência, ou seja, um
dos elementos de ruptura com a reprodução do capitalismo. Podemos, retomando
Freud, dizer que o “id” obedece aos instintos sexuais e
destrutivos, expressos pelo princípio de prazer. Entretanto, é necessário
romper, assim como fez Reich, com a idéia de existência de um “instinto de
morte” ou de “destrutividade”. Tal concepção é nitidamente conservadora, pois, neste
caso, os “instintos” ganham uma justificativa para serem reprimidos. Segundo um
“freudo-marxista”, a tese do instinto de morte de Freud “parece sustentar que a
tendência a destruir é um componente natural da psicologia do homem, e se não
for encaminhada para o exterior, levará à autodestruição. Se isso for certo,
sem dúvida estará coerente com grande parte da história do homem, repleta de
perseguições religiosas e políticas, de torturas e crueldades, e a presente
ameaça de uma destruição nuclear. Mas seria erro pensar que a teoria freudiana
leva inevitavelmente a uma visão pessimista da capacidade que tem o homem de
dominar esses impulsos agressivos. O eu racional do homem, o produto da interação
entre os impulsos do id de satisfação incondicional e as exigências do mundo
exterior, oferece a esperança de que ele será’ capaz de dominar essas forças
interiores destrutivas e dirigi-las para finalidades socialmente valiosas. O
próprio Freud teve de criticar os psicanalistas que adotaram uma opinião
demasiada desesperada das possibilidades de controle racional e assinalou que,
por mais fraco que fosse o ego em relação às forças demoníacas dentro de nós, o
crescimento do conhecimento e compreensão da psicologia humana proporcionou o
melhor meio de libertar o ego de sua servidão aos propósitos do id. ‘Onde houve
id, haverá’ ego’, escreveu ele” (Osborn, 1966, p. 47-48).
Esse postulado da existência
de um “instinto de morte” leva, necessariamente, à defesa da necessidade de
repressão. Freud, definitivamente, não era um revolucionário, mas o
freudo-marxismo de Osborn e Marcuse apresenta-se como tal. Osborn defende claramente a
necessidade de um princípio de realidade repressivo em relação ao instinto de
destrutividade. O ego deve dominar o id. Neste caso, princípio de prazer e
princípio de realidade são inconciliáveis. Osborn acaba justificando certa
forma de repressão na nossa sociedade. Claro que tal repressão se refere ao
instinto de morte. No entanto, se não existir nenhum “instinto de morte”, algo
vai ser reprimido como se fosse este, e tal discurso poderá servir de pretexto
para a repressão de outras manifestações humanas. Assim, uma greve operária, um
assassinato, a guerra entre nações, o massacre de índios, o extermínio de
menores abandonados e a violência contra a mulher podem ser “interpretados”
como manifestação do “instinto de morte” e não como produto de certas relações
sociais.
Marcuse é mais refinado
teoricamente e afirma que o “instinto de morte” numa sociedade repressiva é
muito mais destrutivo do que seria em outras condições históricas e sociais e
que numa civilização não-repressiva seria transformado em algo inofensivo. Tal
posição é parecida com a de Erich Fromm[10]. Para Fromm, necrofilia (amor à morte) é uma potencialidade
humana secundária enquanto que a biofilia (amor à vida) é uma potencialidade
humana primária. A primeira só desenvolve quando a segunda não o faz e isto só
ocorre em determinadas condições sociais e históricas.
Acontece que tanto uma
quanto outra análise justifica um certo quantum
de repressão na nossa sociedade. Além disso, se formos analisar casos histórico-concretos,
é impossível defender a existência de um “instinto de morte”. Segundo Freud, a repressão aos instintos trazem sérios problemas mentais
(psicoses, neuroses, etc.) e quanto maior for a intensidade da repressão maior serão
os efeitos psíquicos negativos. Se pegarmos como exemplos histórico-concretos
os padres e as freiras, veremos que o “instinto de morte” não existe ou então
não se manifesta. Neste último caso, onde se manifestam os efeitos psíquicos
negativos? Aliás, tendo-se em vista que esta é uma hiper-repressão (pois há,
neste caso, a simultânea repressão dos instintos sexuais), deveríamos chegar à
conclusão que todos os padres e freiras são todos neuróticos...
Esta crítica é válida para
Marcuse, mas não para Fromm, que não se limita a tese freudiana dos instintos. Fromm
parte do conceito de “natureza humana” e daí postula a existência de diversas
potencialidades humanas que vão além os “instintos sexuais” e do “instinto de
morte”. Com isso, o exemplo citado perde validade, pois a repressão de certas
potencialidades é parcialmente (afinal, mesmo neste caso, deveria ocorrer
efeitos psíquicos negativos, mesmo que em menor grau) compensada pelo
desenvolvimento de outras. Entretanto, se o amor à morte (necrofilia) é uma
potencialidade humana, então não faz sentido qualificar as pessoas “necrófilas”
de “doentias”. O que é natural, por definição, não é doentio e vice-versa. Só
que Erich Fromm define Hitler como um “doente mental” em diversas oportunidades, por ser
ele um sádico, um necrófilo (Fromm, 1981; Fromm, 1965; Fromm, 1986; Fromm, s/d).
Portanto, existe uma incoerência teórica em Fromm e isto foi provocado por sua
insistência em postular, indiretamente, a existência de um “instinto de morte”.
Neste aspecto, Reich foi o freudo-marxista mais conseqüente[11].
Ao que se refere, pois, o
princípio de prazer? Certamente não se refere aos “instintos orgânicos”
teorizados por Freud. As noções de “instintos”, “pulsões”, “impulsos” devem ser
substituídas pelo conceito de necessidades. Estas expressam potencialidades que
precisam se realizar e se referem não só às necessidades orgânicas como também
às necessidades especificamente humanas, como, por exemplo, a criatividade
(Fromm, 1983; Lobrot, 1977; Viana, 2002). Estas necessidades são acompanhadas
por outras que podem ser consideradas inautênticas (Viana, 2007). Por isso,
estão presentes tanto no inconsciente quanto na consciência. As necessidades
reprimidas povoam o inconsciente e as demais necessidades (autênticas e
inautênticas) estão vivas e atuantes na consciência.
Portanto, o princípio de
prazer não só comanda o inconsciente como influencia a consciência. O universo
psíquico do indivíduo é, portanto, o palco do conflito entre princípio de
prazer e princípio repressivo de realidade, devido ao fato de viver numa
sociedade repressiva. É necessário acrescentar que as necessidades frustradas
conscientes criam uma contradição no universo psíquico do indivíduo e ameaça o
predomínio absoluto da mentalidade. Uma parte do princípio de prazer é
consciente e cria um “conflito consciente ao nível da consciência”; outra parte
é inconsciente e, conseqüentemente, seus efeitos são não-conscientes. Se ao
nível da consciência também se manifesta o princípio de prazer, então não é só
nas manifestações do inconsciente (na fantasia e na utopia, segundo Marcuse) que se realiza a crítica do mundo existente.
Devemos, então, tratar
inicialmente do inconsciente e das suas tentativas de ascender até a
consciência. Antes de tudo, deve-se colocar que existe um inconsciente
individual e um inconsciente coletivo. Por inconsciente coletivo não entendemos
nem a concepção metafísica de Jung nem a concepção conservadora da “história das mentalidades”[12].
Jung e P. Áries significam um retrocesso teórico em relação à Freud. Em ambos a base orgânica da teoria freudiana é abolida e
substituída por uma teoria da “repetição gratuita”. Com isto abole-se o aspecto
revolucionário da teoria freudiana. No caso de Áries, o inconsciente coletivo
torna-se equivalente ao conceito de
mentalidade e esta se caracteriza
pela repetição automática e mecânica, ou seja, é algo tão manifesto que pode
ser considerado uma “visão de mundo”; no caso de Jung, o inconsciente coletivo
é reduzido a arquétipos autônomos e imutáveis
que se manifestam em todas as épocas e lugares.
O inconsciente individual se
refere às potencialidades humanas reprimidas em um indivíduo e o inconsciente
coletivo se refere às potencialidades humanas reprimidas em um conjunto de
indivíduos (classe, sexo, etc.) ou a todos os indivíduos de uma sociedade, já que numa
sociedade repressiva nem mesmo os membros da classe dominante podem
desenvolver todas as suas potencialidades[13].
O inconsciente coletivo, assim como o individual, se manifesta em sonhos, fantasias,
etc. Estas formas de manifestações do inconsciente são formas de tentar
ascender ao nível da consciência[14].
A outra parte do princípio
de prazer chega até a consciência. Um conjunto de necessidades humanas (fome,
sede, etc.) é imediatamente reconhecido através da consciência. Tanto a
satisfação das necessidades como a consciência delas são diferentes em grupos
sociais diferentes. A mais importante forma de consciência coletiva é, sem
dúvida, a consciência de classe. A história da humanidade tem sido comandada
pela dinâmica da luta de classes. Toda classe
dominante busca conservar as relações de
produção dominantes e assim manter o seu poder. As classes exploradas,
por sua vez, buscam transformar as relações de produção e instaurar um novo
modo de produção. A classe revolucionária realiza uma crítica da sociedade existente
e, ao mesmo tempo, apresenta um projeto político de uma
sociedade alternativa. Este projeto quando possui possibilidade de se
transformar em realidade é uma utopia concreta. A consciência de classe de uma
classe revolucionária quando se desenvolve a partir das lutas sociais é uma
utopia concreta, no sentido blochiano do termo.
A classe revolucionária de
nossa época é o proletariado. Entretanto, a sua consciência de classe se apresenta,
num primeiro momento, como contraditória, ou seja, possui elementos de
aceitação e ao mesmo tempo de negação da sociedade existente, e, num segundo
momento, supera sua contradição através da luta de classes e se torna
consciência revolucionária.
Mas existe um outro
obstáculo, derivado da mentalidade burguesa, ao desenvolvimento da consciência
de classe do proletariado, que é o chamado “realismo” (e seu derivado, o
realismo político, que se opõe a todo “utopismo”). O que é o realismo? Segundo
Fromm, “o ‘realista só vê os aspectos superficiais das coisas; vê
o mundo manifesto, pode reproduzi-lo fotograficamente em sua mente e pode agir
manipulando as pessoas e as coisas tal
como aparecem neste retrato” (Fromm, 1961, p. 86). O realismo, assim, é a incapacidade mental de
ultrapassar a aparência e atingir a essência, pois esta nos remete aos
conflitos sociais e psíquicos do mundo contemporâneo e da necessidade de
transformação social. Este é uma expressão racionalizada da mentalidade burguesa
e nada mais que isto, sendo, pois, mais um elemento consciente que contribui
para a reprodução do capital.
Referências
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Moderna. Brasília, Thesaurus, 2007.
[1] Devemos acrescentar aqui que esta introjeção é a da
racionalidade instrumental e dos valores burgueses que lhe acompanha.
[2] Outras teses de Marcuse são criticáveis, tais como: sua aceitação da ficção
freudiana da horda primitiva, mesmo reservando-lhe mero “valor simbólico”, pois
o amplo material historiográfico e etnográfico acumulado desde a época de Freud até os dias de hoje deveriam ter sido utilizados para
confirmar, refutar ou aprofundar as teorias freudianas; a sua aceitação do
“complexo de Édipo”, outra ficção freudiana, mesmo retirando-lhe a importância;
a sua defesa das “perversões sexuais” (veja-se, sobre isto, uma crítica em
Fromm, 1992b); a sua postulação, juntamente com Freud da existência de um
instinto de morte” (veja-se uma crítica em: MacIntire, 1978); a sua abstração
metafísica dos conceitos de “sociedade” e “indivíduo”, que deixa de lado as
divisões sociais (classe, sexo, raça, etc.), e individuais; e, por fim, sua
crítica equivocada ao “neo-freudismo” de E. Fromm, K. Horney e outros (veja uma crítica no meu ensaio Marcuse e a Crítica ao Neofreudismo).
[3] Não utilizamos o conceito freudiano de “aparelho
psíquico” porque ele é produto de uma analogia que impõe limites à realidade
que busca expressar.
[4] Vê-se, portanto, que o conceito de sociabilidade aqui
exposto é totalmente antagônico ao do sociólogo “formalista” Georg Simmel. Este
elabora o conceito de sociabilidade tendo como “modelo” as reuniões da classe
burguesa e por isso pode postular sua “autonomia”, seu caráter “lúdico” e sua
“artificialidade” (apud. Moraes Filho, 1983).
[5] A composição orgânica do capital se caracteriza pelo
dispêndio cada vez maior que o capitalista é constrangido a realizar com os
meios de produção, devido ao valor incorporado neles pela força de trabalho,
enquanto que o aumento de mais-valor relativo proporcionado pela força de
trabalho se torna proporcionalmente menor em relação a este dispêndio, o que
leva à queda da taxa de lucro médio. Este processo vai ser um dos elementos que
irá influenciar as lutas de classes e as sucessivas mudanças nos regimes de
acumulação (Viana, 2003; Viana, 2008).
[6] “É interessante observar que o espírito burocrático
penetrou não só a administração dos negócios e do governo, mas também os
sindicatos e os grandes partidos socialistas democráticos da Inglaterra, Alemanha
e França (Fromm, 1976, p. 130)
[7] Veja-se, por exemplo, o caso de Trótski: para ele, a burocracia sindical é reacionária e
contra-revolucionária, e os sindicatos, “neutros”, social-democratas,
“comunistas”, e “anarquistas”, se degeneraram devido ao seu vínculo com o poder
estatal. Mesmo assim, segundo ele, deve-se continuar atuando neles, só que
“discretamente” para evitar a perseguição da burocracia sindical (cf.: Trotski,
1978).
[8] Fromm faz algumas considerações sobre o caráter social que
são válidas e, portanto aplicáveis ao conceito de mentalidade: existem
diferenças de mentalidade de acordo com a classe social, a formação cultural,
as características de cada indivíduo, etc. (cf. a tipologia de caráter social
em Fromm, 1961).
[9]“A primeira razão porque os homens servem de bom grado
é que nascem servos e são criados como tais” (La Boetie, 1987, p. 25).
[10] “Proponho um desenvolvimento da teoria de Freud na seguinte direção: a contradição entre Eros e a
destruição, entre a afinidade com a vida e a afinidade com a morte é, de fato,
a contradição mais fundamental no homem”; “o instinto de vida (...) constitui a
potencialidade primária do homem; o de morte uma potencialidade secundária”
(Fromm, 1965, p. 54-55).
[11] Para uma crítica mais aprofundada da tese do “instinto
de morte” e uma contextualização histórica de seu surgimento, cf. Viana (2002).
[12]“Nossa psicologia sabe que o inconsciente pessoal nada
mais é do que uma camada superposta que se assenta em uma base de natureza
inteiramente diversa. Esta base é o que chamamos inconsciente coletivo. A razão
desta denominação está na circunstancia de que, ao contrário do inconsciente
pessoal e de seus conteúdos meramente pessoais, as imagens do inconsciente mais
profundo são de natureza nitidamente mitológica. Isto significa que estas
imagens coincidem, quanto à forma e ao conteúdo, com as representações
primitivas universais que se encontram na raiz dos mitos. Elas não são mais de
natureza pessoal, mas são puramente suprapessoais e, conseqüentemente, comuns a
todos os homens. Por isso é possível constatar sua presença nos mitos e nas
fábulas de qualquer povo e de qualquer época, bem como em indivíduos que não
têm o menor conhecimento consciente de mitologia” (Jung, 1986, p. 97); “Mas o
que é o inconsciente coletivo? Sem dúvida, seria melhor dizer não-consciente
coletivo: comum a toda uma sociedade em determinado momento. Não-consciente:
mal percebido, ou totalmente percebido pelos contemporâneos, porque, é óbvio,
faz parte dos dados imutáveis da natureza, idéias recebidas ou idéias no ar,
lugares comuns, códigos de conveniência e de moral, conformismos ou proibições,
expressões admitidas, impostas ou excluídas dos sentimentos e dos fantasmas”
(Áries, 1990, p. 174).
[13] Tal concepção é semelhante à de Fromm (1992) sobre o “inconsciente social”, porém também possui
algumas diferenças, principalmente sobre o caráter do que é reprimido. Para uma análise crítica de Fromm e de Jung a
respeito do inconsciente coletivo: Viana
(2002).
[14] Para uma análise mais aprofundada da concepção
junguiana, abordando seus aspectos aceitáveis e inaceitáveis, bem como para uma
análise mais detalhada do inconsciente coletivo, cf. Viana, (2002).
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Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas. São Paulo: Escuta, 2008.
Ótimo texto, que experiência bacana ler ele. Em breve irei comprar o livro. Bons escritos!
ResponderExcluirQue bom que gostou! Grato, Guilherme Machado! Abraços!
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