HIPERMERCANTILIZAÇÃO, CONSUMO E
EDUCAÇÃO
Nildo Viana*
Resumo:
O
capitalismo contemporâneo, graças à instauração do regime de acumulação
integral, realiza um processo de hipermercantilização da educação, o que cria
diversas alterações e cria um novo modo consumo educacional. O processo
essencial do capitalismo é a produção de mais-valor, através da produção
especificamente capitalista de mercadorias, cujo produto final é um valor de
uso portador de valor de troca. Dessa relação emerge uma das principais características
do capitalismo: a reprodução ampliada do capital que, por sua vez, gera a
necessidade de reprodução ampliada do mercado consumidor e o processo de
mercantilização das relações sociais e alteração do modo de consumo. O
capitalismo contemporâneo cria uma hipermercantilização que intensifica esse
processo em áreas que eram menos atingidas, tal como a educação. Nosso objetivo
é analisar esse processo contemporâneo de hipermercantilização e sua ação sobre
a educação e o novo modo de consumo estabelecido em relação a ela.
O processo educacional
é interpretado sob múltiplas formas e concebido e praticado sob outras tantas
formas. Historicamente, a educação já se manifestou sob formas distintas. Um
elemento fundamental nesse processo é o caráter social do fenômeno educacional.
Tanto as formas como é praticada, concebida, interpretada, assumida, é
indissolúvel sua relação com a sociedade. Logo, não é de se espantar que as
mudanças sociais provoquem mudanças educacionais.
Tendo isto em vista, o
objetivo do presente artigo é analisar o processo contemporâneo de hipermercantilização
da educação, o que tem diversos aspectos relacionados com a questão do consumo
(da educação e de tudo que está relacionado a ela). Nesse sentido, vamos
discutir a questão da educação na sociedade capitalista e posteriormente no
capitalismo contemporâneo, marcado pela instituição de um novo regime de
acumulação. O regime de acumulação integral provoca uma hipermercantilização da
educação e assim também atinge o modo de consumo, da educação e tudo que é
relacionado a ela. O trajeto a ser seguido será, portanto, uma discussão
teórico-metodológica sobre a relação educação e sociedade; a sua análise no
caso concreto do capitalismo e finalmente, a parte principal, sua manifestação
no capitalismo contemporâneo e as mudanças provocados pelas mutações da
sociedade moderna.
Sociedade,
capitalismo e educação
Há uma ampla discussão
sobre as relações entre educação e sociedade, principalmente, mas não
unicamente, no âmbito da sociologia (e, mais especificamente, na sociologia da
educação). Sem dúvida, foi Durkheim (1978) o autor que tentou, dentro do campo
da sociologia, discutir o fenômeno educacional. Segundo ele, a educação é um
fato social (contendo todas as implicações da sua definição deste termo para o
caso da educação, tal como seu caráter coercitivo, exterior, independente do
indivíduo). Durkheim colocou que a forma de educação está ligada à forma da
sociedade que realiza o processo educacional (a ação de uma geração mais velha
sobre uma geração mais nova no sentido de promover estados físicos, mentais e
morais) e citou casos distintos, como Esparta e Atenas (Durkheim, 1978). Marx
foi outro pensador que abordou o fenômeno educacional, sob outra perspectiva, a
partir de uma posição crítica e colocando a necessidade de sua transformação
(Marx e Engels, 1992). Max Weber (1971), por sua vez, também analisou o fenômeno
educacional e através de uma abordagem comparativa construiu vários tipos
ideais de educação: carismático, tradicional e burocrático (este correspondente
à sociedade moderna), mostrando o processo de racionalização que lhe acompanha
(Viana, 2004).
Depois dos clássicos da
sociologia, diversas outras contribuições importantes apareceram, tais como a
de Mannheim (1974), Bourdieu e Passeron (1982), entre outras, até chegarmos na
renovação da concepção crítica com as obras de Illich (1980); Sarup (1980),
Tragtenberg (1990) e outros. Esse amplo espectro de abordagens sociológicas da
educação nos fornecem subsídios para pensar o fenômeno educacional
contemporâneo. Contudo, uma contribuição é fundamental: a de Karl Marx. A
contribuição de Marx reside não apenas nos seus textos em que aborda
diretamente o fenômeno educacional, a sua crítica da educação capitalista, a
sua proposta de educação no interior do capitalismo e na futura sociedade
pós-capitalista (Viana, 2005), mas também em sua análise do modo de produção
capitalista e da totalidade da sociedade capitalista.
É exatamente este
aspecto que desenvolveremos aqui como eixo de nossa análise da relação entre
hipermercantilização, consumo e educação. Marx, ao revelar a essência da
sociedade capitalista, também revelou o caráter universalizante e expansionista
deste, como ele toma conta, paulatinamente, do conjunto das relações sociais e
cria “um mundo à sua imagem” (Marx e Engels, 1988). A essência da sociedade
capitalista está no modo de produção capitalista[1].
Neste contexto, a compreensão do modo de produção capitalista é fundamental
para compreender o conjunto da sociedade capitalista.
Obviamente que não
poderemos aqui desenvolver uma extensa exposição do modo de produção
capitalista. Isso foi feito de forma exemplar e até hoje não superada pelo
próprio Marx em O Capital (1988).
Também não poderemos deixar de expor, apesar de já tê-lo feito em outras
oportunidades, os elementos essenciais do modo de produção capitalista, já que
assume fundamental importância em nossa argumentação. O modo de produção
capitalista tem como elemento fundamental a produção de mais-valor[2]. É
através da produção de mais-valor que se constituem as duas classes
fundamentais do capitalismo: a classe que produz mais-valor e a classe que se
apropria do mais-valor produzido, ou seja, o proletariado (ou classe operária)
e burguesia (ou classe capitalista). É uma relação de exploração e, por isso,
de luta e conflito. O proletário vende sua força de trabalho em troca de um
salário, realiza o processo de trabalho e acrescenta valor às mercadorias. O
capitalista, compra a força de trabalho e os meios de produção e ao vender a
mercadoria paga os custos de produção e salários, ficando com um excedente. Tal
excedente foi produzido pelo trabalhador e por isso se constitui como uma
relação de exploração. Obviamente a relação possui inúmeros outros aspectos e a
leitura da obra de Marx revela sua complexidade. Contudo, para nossos
objetivos, é suficiente perceber o processo de exploração e criação/apropriação
de mais-valor.
Esta relação gera
inúmeras outras, tal como a organização do trabalho e a luta em torno dela, o
papel da burocracia na empresa e na sociedade, através da emergência do Estado
capitalista, a questão das ideologias, formas jurídicas, etc. No entanto, há
algo mais no interior do próprio modo de produção capitalista além da criação
de um imenso conjunto de formas institucionais (Estado, instituições estatais,
instituições privadas, escolas, partidos, sindicatos, igrejas, etc.) e formas
culturais (ideologias, representações, valores, etc.), que é a própria dinâmica
do modo de produção capitalista e desdobramento de sua relação fundamental, a
produção de mais-valor. A produção de mais-valor gera o processo de acumulação
de capital. Ao contrário dos demais modos de produção anteriores, o modo de
produção capitalista produz um quantum de mais-valor que gera capital e é reinvestido
no processo de produção, gerando a reprodução ampliada do capital.
A reprodução ampliada
do capital, por sua vez, vai ter consequências. Uma delas é a já conhecida
centralização e concentração de capital, formando os grandes oligopólios
nacionais e, posteriormente, transnacionais. Outra consequência é a tendência
declinante da taxa de lucro, ou seja, cada vez mais aumenta a composição
orgânica do capital no qual o trabalho morto, o capital fixo, aumenta
proporcionalmente em relação ao uso da força de trabalho, trabalho vivo, que é
quem gera mais-valor, o que produz a tendência de queda da taxa de lucro médio.
Além disso, outras consequências são a destruição ambiental em alta escala (já
que os meios de produção, matérias primas, etc., são extraídos da natureza,
além do volume de lixo e empresas poluentes, que se ampliam cada vez mais) e a
necessidade crescente de aumentar o mercado consumidor. Outra face do
desenvolvimento capitalista é o processo de mercantilização crescente das
relações sociais e de tudo que é produzido ou realizado.
Nesse sentido, a
história do capitalismo é a história de seu crescimento constante. Para
analisar esta história o conceito de regime de acumulação é fundamental, pois
permite compreender mais adequadamente o seu desenvolvimento histórico (Viana,
2009; Viana, 2003). Um regime de acumulação é uma determinada forma de luta de
classes estabilizada em determinado período do capitalismo, havendo uma
determinada organização do trabalho (forma de exploração), determinada formação
estatal (forma de dominação política) e determinada forma de relações
internacionais (exploração internacional). Sendo assim, vamos apresentar uma
breve síntese esquemática da evolução dos regimes de acumulação e suas
características fundamentais:
Do século 16 ao século
18: formação do capitalismo, expansão comercial, predomínio do capital
comercial como forma de supremacia do capital industrial. A época do
capitalismo comercial. Características essenciais: trabalho manufatureiro,
acumulação primitiva de capital e colonialismo.
De meados do século 18
até o final do século 19: Regime de acumulação extensivo (capitalista
propriamente dito), marcado pela consolidação e desenvolvimento do capitalismo.
A era do capitalismo industrial ou livre concorrencial. Características
essenciais: extração de mais-valor absoluto como estratégia fundamental
(revolução industrial, jornadas extensas de trabalho); Estado Liberal (direitos
civis, liberalismo e democracia censitária, por renda); neocolonialismo.
Do final do século 19
até a Segunda Guerra Mundial: Regime de acumulação intensivo, desenvolvimento
dos oligopólios nacionais. A era do capitalismo oligopolista. Características
essenciais: busca de aumento de extração de mais-valor relativo como estratégia
fundamental (taylorismo); Estado liberal democrático (democracia partidária, ideologia
democrata, surgimento da “sociedade civil organizada”, direitos políticos, avanço
da burocratização das relações sociais: instituições estatais, partidos,
sindicatos, etc.); imperialismo financeiro (exportação de capital-dinheiro).
De 1945 até anos 1980:
Regime de acumulação conjugado (ou “intensivo-extensivo”), desenvolvimento dos
oligopólios transnacionais. A era do capitalismo oligopolista transnacional. Características
essenciais: nova estratégia com foco no aumento de extração de mais-valor
relativo (fordismo); Estado integracionista (do “bem estar social”, democracia
partidária tecnoburocrática, direitos sociais, ideologia socialdemocrata);
expansão oligopolista transnacional (exportação da relação capital através de
empresas capitalistas estrangeiras).
De meados de 1980 até
hoje: Regime de acumulação integral, marca a emergência de um regime de
acumulação que busca aumentar a exploração sob todas as formas. A era do
capitalismo neoliberal. Características essenciais: nova intensificação da
busca de aumento de extração de mais-valor ao lado da busca intensa de aumento
de extração de mais-valor absoluto e uso de métodos secundários de exploração
capitalista (toyotismo, reestruturação produtiva); Estado neoliberal (recuo dos
direitos sociais, aumento da repressão, desregulamentação das relações de
trabalho, ideologia neoliberal); neoimperialismo (aprofundamento da exploração
internacional via ação de organismos internacionais, protecionismo no bloco
imperialista e livrecambismo no capitalismo subordinado, guerra e reconstrução
nacional).
Claro que tal síntese
toma como eixo o capitalismo imperialista, especialmente Estados Unidos e
Europa, mas que tem ressonâncias sobre outros países e não podem ser separados
(desde o colonialismo, as relações internacionais mostram um processo de exploração
internacional). Mesmo os países que viveram sob o capitalismo estatal (URSS,
Leste Europeu, China, Cuba, etc.) não estavam separados e faziam parte do
capitalismo mundial, com posições distintas. Também a época de instauração de
um regime de acumulação não é tal fácil de delimitar, pois varia de acordo com
os países, suas especificidades, posição na hierarquia mundial do capital, etc.
Da mesma forma, a mudança nos regimes de acumulação promovem mutações culturais
e sociais gerais. As ideologias, as instituições, as formas de consciência em
geral, a arte, etc., também mudam com a alteração dos regimes de acumulação. Os
regimes de acumulação, por sua vez, podem se manifestar com especificidades em
determinados países e não são estáticos, também se alteram como o passar do
tempo, geralmente tendo o período de formação, desenvolvimento e consolidação e
crise. Além disso, há, além da luta de classes estabilizada que caracteriza
cada regime de acumulação, uma luta de classes extraordinária que irrompe com
maior ou menor radicalidade e frequência, dependendo do regime de acumulação e
do bloco de países que se trata, que promove alterações no seu interior ou
então sua substituição por outro regime de acumulação. A tendência declinante
da taxa de lucro é outra determinação que atua sobre os regimes de acumulação e
tendem a acelerar suas crises.
O desenvolvimento
capitalista tem, portanto, um processo marcado pela sucessão de regimes de
acumulação e o processo espontâneo de desenvolvimento do capital que gera uma
intensificação da tendência declinante da taxa de lucro, bem como da
mercantilização e burocratização das relações sociais. A produção capitalista
no seu momento de nascimento incidia sobre a produção de determinadas
mercadorias, tal como a produção de meios de produção, indústria têxtil, etc.
Porém, com o processo de ampliação da mercantilização, produtos que eram
produzidos na instância da produção mercantil simples (modo de produção
camponês e modo de produção artesão, principalmente, no caso europeu) ou autonomamente,
passam a ser produzidos por empresas capitalistas. Isso ocorre juntamente com a
burocratização crescente das relações sociais.
Após a Segunda Guerra
Mundial, um novo processo de ampliação da mercantilização e burocratização
avança, atingindo os chamados “serviços sociais”, o lazer, a educação, a
cultura, etc. Apesar desse processo já ter elementos anteriores, é após a
Segunda Guerra Mundial que emerge a televisão, o chiclete e o automóvel como
mercadorias cujo consumo aumenta constantemente. O investimento de capital é em
parte desviado para a produção de meios de consumo ao invés de manter seu
processo de ampliação crescente nos meios de produção. A queda da taxa de lucro
incentiva a busca de aumento da massa de lucro e assim cada vez mais se aumenta
a produção de mercadorias sob a forma de meios de consumo e cada vez mais a
necessidade de ampliar o mercado consumidor. A reprodução ampliada do capital
gera a necessidade de reprodução ampliada de mercado consumidor. É desta época
que surgiram as ideologias da “sociedade de consumo”[3]. A
Juventude emerge como mercado consumidor (Viana, 2012), primeiramente nos
Estados Unidos e Europa, depois no resto do mundo, e aí surge o Rock and Roll e
diversos outros produtos específicos para a juventude, e o consumo do chiclete
se torna popular para esse grupo social graças ao crescimento do capital
comunicacional e cinematográfico.
Contudo, este regime de
acumulação não durou muito tempo e a nova queda da taxa de lucro, ascensão de
movimentos sociais, lutas operárias e estudantis, acabaram gerando sua crise e
um novo regime de acumulação apareceu para substituí-lo. É nesse contexto que
ocorre a hipermercantilização das relações sociais na atualidade e por isso
precisamos entender esse processo para compreender como ele atinge a educação.
Acumulação
Integral, Hipermercantilização e Educação
O regime de acumulação
integral marca um processo de busca de aumento incessante de exploração,
visando combater a tendência declinante da taxa de lucro e enfraquecer o movimento
operário e demais forças sociais, que dificultam a concretização disto. No
entanto, o que nos interessa aqui é o processo de hipermercantilização que
ocorre com a sua emergência. A mercantilização de tudo é uma característica do
desenvolvimento capitalista. Porém, com o passar do tempo, isso vai se
intensificando, devido às características do capitalismo que colocamos
(reprodução ampliada do capital, reprodução ampliada do mercado consumidor,
busca de aumento da massa de lucro para compensar queda da taxa de lucro médio,
etc.).
Assim, há um duplo
movimento do capitalismo na era da acumulação integral: aumento geral da
exploração, por um lado, e hipermercantilização, por outro. O aumento da
exploração ocorre via toyotismo outras formas similares de organização do
trabalho que visa aumentar extração de mais-valor absoluto e relativo e ação
estatal (as políticas neoliberais) que são o garantidor desse aumento de
exploração, especialmente com a corrosão dos direitos trabalhistas e criação de
condições gerais para a reprodução ampliada do capital. Esse processo de busca
de aumento de produtividade e extensão da jornada de trabalho (extração de
mais-valor relativo e absoluto, respectivamente) é complementado com a busca de
aumento da taxa e da massa de lucro, e, seguindo a dinâmica do desenvolvimento
capitalista, há um aumento constante da produção de mercadorias e ampliação da
mercantilização das relações sociais, inclusive com o processo de transformação
da cultura e serviços em forma-mercadoria.
Na história do
capitalismo, todos os produtos passam a serem produzidos dentro da lógica da
produção especificamente capitalista de produção de mercadorias. É a partir do
regime de acumulação conjugado (intensivo-extensivo, sendo predominantemente
intensivo nos países imperialistas e predominantemente extensivo nos países de
capitalismo subordinado) que emerge após 1945 que esse processo se amplia e
passa a atingir os serviços e a cultura de forma mais ampla e é justamente
nessa época que surge a tese da “indústria cultural”. Assim, há um processo
crescente de mercantilização dos serviços e cultura. Contudo, após a transição
para o regime de acumulação integral, o que ocorre é uma mercantilização
extrema de tudo e daí se torna possível falar em hipermercantilização. O
processo de hipermercantilização significa um aprofundamento da
mercantilização, tanto quantitativa quanto qualitativamente. Esse processo
atinge a cultura, os serviços e a educação. No novo regime de acumulação,
ocorre uma inovação no modo de consumo.
A partir do regime de
acumulação conjugado, o capitalismo entra numa fase em que o processo de
burocratização e mercantilização acompanham o processo de expansão da divisão
social do trabalho. A educação é atingida nesse processo e isso se intensifica
drasticamente com a emergência do regime de acumulação integral. No regime de
acumulação conjugado predominava uma subordinação formal da educação ao capital
e no regime de acumulação integral essa subordinação se torna substancial,
através de mutações no sistema estatal de ensino e na ampliação do sistema
privado. A subordinação formal da educação ao capital significou que o processo
de mercantilização das relações sociais atingiu o setor educacional e a
subordinação substancial significa que houve uma intensificação a tal ponto de
ser uma hipermercantilização.
Essa hipermercantilização
da educação pode ser percebida através de dois fenômenos principais: o primeiro
é a expansão do ensino privado (especialmente no ensino superior) e o segundo é
a metamorfose do ensino estatal, cuja subordinação ao capital se torna mais amplo
e intenso. Além deste duplo processo, ainda há um terceiro elemento que é o
vínculo cada vez mais estreito do setor educacional estatal e do capital
educacional (setor privado) com outros setores do capital (capital
comunicacional, tal como o editorial, o televisivo, etc.).
A expansão do ensino
privado se ampliou consideravelmente a partir dos anos 1990. O capital
educacional, setor do capital que drena para si uma parte do mais-valor global,
pois é um capital improdutivo, vem se ampliando desde a emergência do regime de
acumulação conjugado, mas ganhou impulso e força a partir da instauração do
regime de acumulação integral. Aliás, o crescimento de um nível de ensino
promove demandas – e portanto atrai capital – em outro nível.
A partir da
década de 1990 – mais precisamente no período de 1997-2005 – que ocorreu uma
verdadeira “explosão” do ensino superior privado induzida pelo governo da
época. Foi nessa década que houve programas de regularização do fluxo escolar.
O acesso ao ensino fundamental foi ampliado e, como consequência, houve uma
pressão pela expansão do nível médio, o que acabou ocorrendo. Os egressos do
ensino médio, por sua vez, já exercem pressões diversas para entrada nas
universidades públicas e privadas. Os dados disponíveis demonstram esse grande
crescimento. Entre 1980 e 2005, o total de instituições de ensino superior
passou de 882 para 2.166, ou seja, um crescimento de 145% [...]. Atualmente, há
um total de 2.170 instituições. Para o ano de 2005, dos 4.453.156 estudantes
universitários, 73% (3.260.967) são de IES privadas. Nunes [...], ao separar por fases, observa
uma diferença enorme entre o período de 1980-1994, onde houve um aumento de
10%, e a fase recente (1994-2005), com um crescimento que atinge 236% (Almeida,
2012).
No caso do ensino
superior, tal ampliação é visível como atesta os dados acima e vem sendo
analisado por diversos pesquisadores (Sguissardi, 2008; Scremin e Martins,
2005). O ensino médio também se subordina cada vez mais à dinâmica da
acumulação integral[4].
Um outro elemento que
demonstra esse processo de hipermercantilização, tal como já colocamos, é a subordinação
substancial do ensino estatal ao capital. Essa subordinação substancial passa a
ocorrer a partir da instauração do regime de acumulação integral e se
caracteriza, fundamentalmente, por reproduzir a lógica do cálculo racional
capitalista. Não somente as políticas estatais (neoliberais) se fundamentam no
cálculo racional como também se impõe, no interior das próprias instituições de
ensino, o uso do mesmo em sua gestão interna. No plano das políticas
educacionais, há um amplo processo de busca de subordinação da educação ao
capital, o que é expresso em práticas, ideologias, propostas (nem sempre
realizadas devido oposição, dificuldades, etc.) tal como a política de fomento
de incubadoras, o vínculo com a formação para o mercado de trabalho, as
propostas de parceria público-privado, a vigência de temáticas de pesquisas
financiadas de acordo com os ditames do capital editorial, a redução dos gastos
estatais com o ensino superior e busca de aumento de rendimento do mesmo. Esse
último elemento requer uma atenção especial, pois não só manifesta mais
explicitamente a efetivação de uma política neoliberal, como também tem
consequência mais direta no interior das universidades estatais.
O Estado capitalista
sob a forma neoliberal é, como todos sabem, uma forma de organização estatal
que visa conter seus gastos (Viana, 2009; Viana, 2003) e faz isso através do
cálculo racional (obviamente com os limites e obstáculos comuns, entre eles a
corrupção que drena uma grande parte da renda estatal e ainda não obteve
resolução, já que quem decidiria isso são os próprios responsáveis pela mesma).
Assim, o Estado neoliberal visa conter seus gastos principalmente nos setores
que não beneficiam mais diretamente o capital e desloca os investimentos para
onde este necessita. Nos setores onde investe ou não pode simplesmente deixar
de investir, busca fazer de tal forma que passe a beneficiar o capital, criando
vínculos, como também reduzir nas formas menos úteis para os interesses do
grande capital. A redução dos gastos estatais com as políticas educacionais se
manifesta através da precarização do trabalho docente, do sucateamento das
universidades, etc.[5]
Como resultado desse
processo, o cálculo racional capitalista é imposto nas instituições estatais de
ensino superior[6].
A redução de investimentos (proporcional na maioria dos casos, comparando-se
com o que ocorria anteriormente) convive com a busca de rendimento máximo, o
que leva ao crescimento do controle burocrático (o burocratismo crescente),
produtivismo e quantitativismo. A busca do rendimento máximo visa não somente
atender as pressões do Banco Mundial e outros organismos internacionais, mas
também a garantir maior produtividade e resultados. O burocratismo (apesar do
seu lado contraproducente, mas que é necessário com a hipermercantilização,
pois sem ele as exigências do cálculo racional capitalista não se efetivariam).
O controle burocrático produz a reprodução ampliada dos formulários, das
hierarquias, medição de produção, entre diversos outros procedimentos
burocráticos. Isso, sem dúvida, aumenta a “burose”, para usar expressão de
Gilberto Macedo (2000), a doença da burocracia que esteriliza a vida
intelectual e a criatividade. Não sem motivo a burocracia vem sendo chamada de
“nova doença” (Gaulejac, 2007). A crítica da burocracia nas universidades já
vem sendo realizada desde o século 19 (Tragtenberg, 1992), contudo, sua intensificação
torna o quadro ainda pior.
O cálculo racional
capitalista, através do burocratismo controlador, exige rendimentos e resultados.
O produtivismo é um dos resultados desse processo. A criação de vários
mecanismos de controle, competição, quantificação é apenas o lado mais visível
desse processo. A criação da Plataforma Lattes (e o famigerado “currículo
Lattes”) é um bom exemplo disso. Ele tem um ranking
interno por temas, e a produção e atividades do professor passam a ser visíveis
e exigidas pelas instituições (no caso de seleção para pós-graduação, bolsa de
iniciação científica, concurso para professor, comprovação de atividades anuais
para os que já são profissionais, etc.). Da mesma forma, sucederam-se outras
tentativas nesse sentido, tal como o “provão”, o Sinaes, etc. A hierarquização
das publicações com a criação do Qualis
para revistas e da tentativa do mesmo para livros e eventos acadêmicos é outro
exemplo. O processo de avaliação dos cursos de pós-graduação stricto sensu é
outro exemplo, já que um dos itens fundamentais é a produtividade.
Isso tudo poderia
parecer benéfico, trazendo maior qualidade para a educação superior. Contudo, o
que ocorre não é nada disso. Pois tanto os critérios quanto os efeitos são
quantitativos (e formalistas). O Currículo Lattes não revela qualidade e sim
quantidade. Da mesma forma, o Qualis
tem como maiores exigências questões quantitativas e formais. O produtivismo,
ao exigir quantidade, atenta contra a qualidade. A proliferação de revistas,
publicações, etc., é um exemplo disso, pois basta folhear algumas para ver que
até um mero resumo de uma obra aparece como “artigo científico”. A política de
financiamento de pesquisas e o controle burocrático das mesmas, bem como sua
subordinação aos ditames dos modismos acadêmicos vinculados ao capital
editorial e comunicacional, são outro elemento de todo esse processo.
Esse processo todo
revela uma outra face da subordinação substancial da educação ao capital: o seu
vínculo crescente e ampliado com outros setores do capital. Ela ocorre por
criar novas demandas para o mercado, ampliar o mercado consumidor intelectual
(que inclusive é uma necessidade do capital que cria uma hipermercantilização
geral da cultura e que por isso precisa consumidores). O capital editorial não
somente ganha com isso ao ter uma ampliação do mercado consumidor (expansão do
ensino superior) e isso ocorre de tal forma que a preocupação com direitos
autorais, plágios (e “autoplágio”, uma curiosa invenção capitalista) é
acompanhada por editoras que cobram pela publicação de livros, aumentando seu
lucro de forma excepcional[7].
Mas não só o capital editorial e comunicacional cerca a universidades: as
copiadoras que desmontam as pequenas empresas, a construção civil, os setores
de distribuição, etc.[8]
Nesse contexto, aumenta a quantidade e diminui a qualidade. O que favorece a
política neoliberal que visa fortalecer o ensino privado em detrimento do
público e uma das marcas desse processo é a disputa em torno da qualidade[9].
Hipermercantilização
e Novo Modo de Consumo das Mercadorias Educacionais
Todo esse processo
promove, no fundo, um novo modo de consumo das mercadorias educacionais. A
educação assume a forma-mercadoria mesmo sem ser exatamente uma mercadoria. Uma
mercadoria é algo que é produto do trabalho humano e é portador de valor de uso
e valor de troca, além de ser um bem material que uma vez produzido se separa
do seu produtor. No caso das mercadorias culturais, tal como as educacionais,
elas são produtos do trabalho humano e portadoras de valor de troca. Contudo, o
seu valor de uso é inconsistente, pois não só não é algo material como também
seu uso depende de diversos aspectos não derivados imediatamente da mercadoria
educacional. A não-materialidade da mercadoria educacional significa que ela
assume a forma de uma mercadoria, mas não sua substância. Um indivíduo ao
adquirir um diploma não poderá usá-lo como pode fazê-lo ao adquirir uma caneta.
O diploma é apenas um comprovante que para ser usado necessita de diversas
outras determinações. Por exemplo, de nada adianta o título de mestrado quando
o concurso exige a titulação mínima de doutorado.
Assim, se instaura um
novo modo de consumo. As mercadorias educacionais são sui generis e estão relacionadas com o valor da força de trabalho,
com a busca de ascensão social, com as lutas políticas e sociais, etc. As
mercadorias educacionais acabam sendo de dois tipos para o seu consumidor: ela
pode significar valor de uso formal
ou valor de uso real[10].
Como valor de uso formal, a educação mercantil é composta por certificados e
diplomas, elementos necessários numa sociedade burocrática e mercantil. Max
Weber já destacava a importância dos diplomas e certificados: “somente as
pessoas que têm qualificações previstas por um regulamento geral são
empregadas” (Weber, 1971) e por isso tem que se submeter ao sistema de exames e
adquirir diplomas e certificados. Esse valor de uso formal significa,
tão-somente, que a pessoa adquiriu o documento necessário para exercer
determinada atividade ou profissão. Em outras palavras, significa que adquiriu
uma competência formal, fruto de um
processo de formação ritual (Viana, 2006).
Contudo, se houve
efetiva aprendizagem e formação que significou real qualificação (e isso pode
ocorrer em graus variáveis e dependentes não apenas da compra das mercadorias
educacionais, mas também de outros elementos, inclusive do próprio indivíduo
consumidor e seu desenvolvimento pessoal), então significa valor de uso real.
Esse valor de uso real expressa que além de certificados e diplomas que mostram
a formação ritual, há também um processo de formação intelectual e técnico
efetivo e assim expressa, em graus variáveis, uma aquisição de competência real. Nesse caso temos uma
formação ritual acompanhada de uma formação real (Viana, 2006).
Essa incorporação de
valor de uso formal na força de trabalho, por si só, já significa uma
valorização dela, pois fica mais cara. Da mesma forma, a incorporação do valor
de uso real realiza o mesmo processo, mas como esse não pode ser provado a não
ser efetivamente (através de concursos, por exemplo, o que não garante o seu
reconhecimento pelos avaliadores), enquanto que como valor de uso formal os
diplomas e certificados são suficientes.
No capitalismo
neoliberal, no entanto, esse processo é bastante complexo. Por um lado, há a
valorização da força de trabalho especializada e que consumiu a mercadoria
educacional que é valor de uso formal; e, por outro lado, há um processo de
expansão do ensino e do processo de venda de mercadorias educacionais e isso
constitui uma massificação que gera uma precarização. Desta forma, as
mercadorias educacionais são desvalorizadas no mercado de trabalho. A
valorização da força de trabalho nesse caso é proporcional: quem possui um
título de doutor tem mais valor de uso informal incorporado e por isso tem
salário superior a quem tem o título de mestre, mas o salário em geral (de
todos os doutores, bem como dos mestres) segue a lógica do mercado e por isso
pode estagnar, aumentar ou abaixar e o caso atual é de tendência de
desvalorização. Em síntese, o título de doutor tende a desvalorizar mas mesmo
assim valerá mais do que o título de mestre[11].
A dialética engelsiana segundo a qual o aumento de quantidade gera um aumento
de qualidade é desmentida pela evolução do valor do diploma[12].
O processo de massificação
do ensino fundamental, médio e superior provocam outras consequências. Uma
delas é a necessidade de profissionais para atuar, já que a expansão pressupõe
professores e outros profissionais (técnico-administrativos, burocratas, etc.)
nas instituições de ensino, o que gera ampliação no mercado de trabalho e
exigência de diplomas e certificados para ocupar os postos criados. Ou seja, a
expansão do sistema educacional promove uma expansão ampliada do mesmo. As
instituições estatais não conseguem atender a demanda e cede, devido às
políticas neoliberais, espaço para as instituições privadas.
O papel do Estado em
colaborar com a formação e qualificação da força de trabalho para o mercado de
trabalho subsiste, mas em determinados setores perde espaço proporcionalmente
para o ensino privado. Como se trata de um ensino “gratuito” (pelo menos em
parte), então os diplomas e certificados não são mercadorias educacionais,
apesar de cumprir o mesmo papel que os das instituições privadas no mercado de
trabalho. No processo de distribuição acaba sendo objeto de troca e por isso
acaba sendo uma forma-mercadoria imperfeita, um valor de uso formal e/ou real
em situação de mercantilização cada vez mais intensa e seu valor acaba sendo
cada vez mais definido, como nas instituições privadas, pelo cálculo racional
capitalista.
O modo de consumo,
nesse caso, se altera. No capitalismo contemporâneo há uma expansão da produção
de meios de consumo e transformação de serviços, cultura, etc., em
forma-mercadoria que gera uma nova onda de consumismo. Nesse contexto, os
consumidores estão cada vez mais submetidos a necessidades fabricadas, que
emergem com o regime de acumulação conjugado, mas se amplia consideravelmente
no regime de acumulação integral. O homo
consumens (Fromm, 1978) intensifica, por vontade ou por força da pressão da
sociedade, suas características consumistas.
No processo
educacional, como já ficou claro, isso se amplia. Mas a mentalidade consumista
transforma muitos indivíduos em verdadeiros competidores por diplomas. Acirra-se
a competição também no mercado de trabalho e isso junto com o baixo valor de
uso real incorporado na força de trabalho docente e precarização de sua
atividade, aliado com conflitos sociais e situação social de crescente pobreza
e miséria, faz com que não só movimentos grevistas aumentem, como também
desequilíbrios psíquicos[13].
Há um aumento também na
quantidade de consumo e de renda destinada para a aquisição de mercadorias
educacionais. Uma pesquisa do Ibope mostra que em 2012 o consumo per capita do brasileiro com educação
básica e superior (incluindo mensalidade e matrícula, e não incluindo,
obviamente, as demais mercadorias adicionais necessárias), é de R$ 303,92. No
Sudeste chega a R$ 373,07; no Sul, R$ 323,48; no Centro-Oeste R$ 322,87,
enquanto que no Norte é de R$ 192,88 e no nordeste é de R$ 187,18. A previsão
do Ibope no início do ano é que haveria um gasto de mais de 49 bilhões de reais
nesse ano, superior aos 43 bilhões do ano anterior. Isso significa, em síntese,
não somente uma ampliação enorme, mas também um indicativo de para onde parte
do mais-valor global é drenado.
A alteração, no
entanto, não é apenas quantitativa. O modo de consumo da mercadoria educacional
assume nova forma durante o regime de acumulação integral e a subordinação real
da educação ao capital: cada vez mais ela é consumida devido seu valor de troca
(através de seu valor de uso formal) e não seu valor de uso real. Desta forma,
cada vez mais se prolifera as instituições de ensino e os diplomas e
certificados, juntamente com o decréscimo da qualidade de ensino e da
aprendizagem. Por parte do capital educacional, a qualidade de ensino não
interessa, mesmo porque ela pode aumentar os seus custos, o que interessa é sua
quantidade e retorno em matéria de lucro. Já o Estado neoliberal realiza
processo semelhante buscando através do cálculo racional capitalista reduzir os
custos e aumentar a quantidade. Do lado dos consumidores, no ensino privado o
“cliente sempre tem razão” e o que ele busca não é mercadoria educacional de
qualidade e sim facilidade, preços mais baixos, rapidez na aquisição, tudo de
acordo com o hedonismo e a “lei do menor esforço”. Claro que isso não é
generalizado. Há uma fatia do mercado consumidor de mercadoria educacional mais
exigente e para esses há um serviço que o marketing educacional visa convencer
de que determinadas instituições possuem mais qualidade que outras. No caso dos
usuários do serviço público, há um maior grau de exigência, mas que vai se
perdendo com o passar do tempo e o seu processo de socialização e
ressocialização, nas próprias instituições educacionais estatais, é para
reproduzir essa mesma lógica. Enfim, a acumulação integral acaba
hipermercantilizando a educação e isso significa a perda crescente de qualidade
e sua desvalorização (monetária) e desvaloração (cultural). Assim como o
trabalho alienado, a educação se torna apenas um meio para satisfazer outras
necessidades.
Considerações
finais
A abordagem no presente
artigo aponta para o processo de hipermercantilização da educação no
capitalismo contemporâneo, mostrando como a instauração do regime de acumulação
integral gerou um processo que atingiu a totalidade da vida social e ao mesmo
tempo realizar uma subordinação substancial da educação ao capital e tende a
reforçar isso ainda mais. Basta ver o projeto apresentado para a reestruturação
da carreira docente no ensino superior estatal (bem como as ações que vem sendo
implementadas no ensino médio e também no fundamental, quantitativista,
formalista, etc., tal como na proposta de aumentar o número de dias letivos),
que visa conter custos e diminuir a autonomia das universidades estatais, para
ver que esse processo ainda tende e pode se acirrar. Obviamente, há
resistência. Mais forte ou mais fraca, dependendo do momento e do lugar. A
referida proposta do governo acima desencadeou todo um movimento grevista em
quase todas as universidades federais. O movimento estudantil, ainda
timidamente, também reage em alguns momentos e lugares. Contudo, não
enfatizamos aqui o movimento de resistência e sim a intensificação do domínio
do capital sobre a educação. Este é o movimento mais forte e é esse que deve
ser compreendido, pois a compreensão desse processo é importante para a
resistência. Afinal, que não sabe que vive na barbárie não irá lutar contra
ela.
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*
Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás e
Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília.
[1] A sociedade é um conceito mais
amplo do que modo de produção. O modo de produção é uma parte da sociedade, sua
essência, determinação fundamental (Viana, 2007). Assim, o conceito de
sociedade capitalista refere-se ao conjunto das relações sociais no
capitalismo, que engloba o modo de produção capitalista, as formas de
regularização das relações sociais (“superestrutura”) e os demais modos de
produção existentes. O modo de produção capitalista constitui as duas classes
sociais fundamentais (e por serem fundamentais não são “únicas” como alguns
supõem) e o elemento dinâmico da transformação social, pois a “história tem
sido até hoje a história das lutas de classes” (Marx e Engels, 1988), que é
complexificada pela presença e luta de outras classes sociais. O modo de
produção dominante, numa determinada sociedade, determina as formas de
regularização (Estado e instituições em geral e a cultura). Obviamente que, no
mundo nebuloso da ideologia, se poderia entender as mudanças culturais e
institucionais desligadas do modo de produção dominante e das lutas de classes
que lhe caracteriza.
[2] A tradução mais comum é
mais-valia. Contudo, a mais correta seria mais-valor (Kothe, apud Marx, 1988),
tal como algumas traduções já fizeram (Marx, 2010).
[3] No conjunto das teses sobre
sociedade de consumo (Pietrocolla, 1986; Baudrillard, 1980); a análise de Henri
Lefebvre (1992) foi a mais aprofundada, inclusive no plano da linguagem:
sociedade burocrática de consumo dirigido.
[4] Numerosas
análises já foram feitas mostrando que a proposta para o Ensino Médio em vigor,
consubstanciada na Resolução 03/98 do CNE, é parte integrante das políticas
educacionais propostas pelo governo Fernando Henrique Cardoso, que por sua vez
expressam uma concepção de educação orgânica ao modelo econômico em curso,
versão nacional do processo globalizado de acumulação flexível (Kuenzer, 2000,
p. 16). A autora usa o termo “flexível”, um eufemismo que demonstra ambiguidade
e a força da ideologia dominante que condiciona até as concepções
oposicionistas, se inspirando em David Harvey (1992), que também observa uma
mutação do regime de acumulação na atual fase do capitalismo.
[5] Esse processo, no Brasil, atinge
todos os níveis de ensino. Contudo, o ensino fundamental e médio no setor
estatal sempre foi mais precário e a responsabilidade sempre foi jogada para os
governos municipais e estaduais, o que significa que sua precarização é ação
política destes níveis governamentais. No caso do ensino superior, este papel
cabe ao governo federal, embora a emergência das precárias universidades
estaduais também reproduza esse quadro com algumas diferenças. Claro que o
ensino privado nos níveis fundamentais e médio – considerado de melhor
qualidade e com mais presença quantitativa que o ensino superior – não cresceu
na mesma proporção que no ensino superior. Isto se deve ao fato de que, até a emergência
do regime de acumulação integral, o ensino superior era predominantemente
responsabilidade do Estado, que, enquanto “capitalista coletivo ideal”
(Engels), devido seus custos mais elevados (o que é mais grave ainda no caso de
alguns cursos que exigem laboratórios, equipamentos, etc.) devido ao valor mais
elevado da força de trabalho e outras necessidades, e passa a ser fonte de
investimento, principalmente em cursos e áreas com menores custos (ciências
humanas, principalmente) ou mesmo em áreas mais dispendiosas, mas de forma
extremamente precária.
[6] Outros falam de “planejamento
estratégico”, “nova distribuição de poder”, “introdução de valores e técnicas
do mundo empresarial na gestão das instituições” (Bertolin, 2009).
[7] Nos Estados Unidos, é costume as
revistas cobrarem para publicar artigos dos pesquisadores.
[8] Cabe destacar o uso de novas
tecnologias, pois o regime de acumulação integral com o seu processo de
hipermercantilização não só intensifica a mercantilização da cultura mas também
da tecnologia (computadores, aparelhos de comunicação como telefones, etc.). O
Data-Show, lousa inteligente, aparelhos de DVD, etc., estão nessa lógica e cada
vez são mais integrados no sistema de ensino e tornam o Estado (o financiador
das universidades estatais) um grande consumidor de novas tecnologias, bem como
o capital educacional.
[9] Nos outros
níveis de ensino, como o fundamental e médio, isso não é tão diferente, e basta
observar o sistema de controle sobre os livros didáticos e seu vínculo com o
Estado e o capital editorial para ver um processo de vínculo crescente da
educação estatal com vários setores do capital.
[10] Valor de uso formal só é
possível no processo de produção de forma-mercadoria, ou seja, mercadorias não
materiais, tal como a educação.
[11] Obviamente que esta
desvalorização tende a ser maior ainda nas instituições privadas, pois como o
salário do doutor é maior do que o do mestre, então prefere-se contratar força
de trabalho com menos valor de uso formal incorporado e essa situação cria uma
nova precarização, tal como no caso de doutores que aceitam salários de mestre
ou especialista para não ficar desempregado. Muitas instituições privadas,
inclusive, demitem doutores e os recontratam por salário inferior, após acordo
com os mesmos.
[12] “Em 1982, por exemplo, uma
pessoa com 11 anos de estudos tinha um rendimento 139,12% acima do ganho de
outra pessoa sem qualquer escolaridade, e essa diferença saltava para 252,67%
se fossem 15 anos de estudos. Já em 2004, os ganhos das pessoas que chegavam a
11 anos de escolaridade superavam em apenas 83,69% os rendimentos daquelas que
nunca haviam frequentado a escola, e, no caso de 15 anos de estudos, a
diferença também diminuía, ficando em 178,26%” (Belchior, 2012).
[13] Bournout, ou “stress
ocupacional”, é um termo criado por Herbert Fregenbauer nos Estados Unidos, nos
anos 1970, e acabou se tornando um tema recorrente no Brasil e outros países
para tratar da atividade docente e seus desgastes.
ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM:
VIANA, Nildo. Hipermercantilização, Consumo e Educação. In: SILVA, L. ;
BARCELLOS, A. C. K. e PADILHA, A. M. O Diálogo
em Educação. São Carlos: Pedro e João Editores, 2013.
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