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quinta-feira, 28 de julho de 2016

Marx e a Atualidade da Crítica da Política


II Simpósio Nacional de Ética, Política e Direito/PUCPR
Mais informações, inscrições e programação:
http://simposionacionalpucpr2016.blogspot.com.br/

Do que se trata o II Simpósio Nacional de Ética, Política e Direito?


II SIMPÓSIO NACIONAL DE ÉTICA, POLÍTICA E DIREITO - A crise da democracia representativa tem como objetivo analisar e discutir os pressupostos (princípios e fundamentos) da democracia representativa, bem como seus desdobramentos contemporâneos, suas contradições e seus limites. Neste sentido, o Evento será uma ocasião oportuna para recolocar em discussão não somente o problema político, mas o problema ético e jurídico. Diferentes teorias e concepções filosóficas serão postas em análise e discussão. Em outros termos, busca-se compreender a relação que existe entre ética, política e direito segundo o viés filosófico, a fim de poder vislumbrar perspectivas teóricas e práticas para se fazer frente à crise de legitimidade das instituições democráticas. Para tanto, será necessário indagar-se acerca da natureza da lei, da justiça, da liberdade, da igualdade e da participação e representatividade política, uma vez que o Estado Democrático de Direito repousa sobre estes pressupostos. Pretende-se, portanto, repensar a tarefa da filosofia diante do mais fundamental dos problemas humanos: a vida em sociedade.

Inscrições abertas

Faça já a sua reserva. Clique no link e se inscreva.

Importante:
AS INSCRIÇÕES SERÃO RESERVADAS EM ATÉ 3 DIAS (PRAZO PARA O PAGAMENTO DA TAXA DE INSCRIÇÃO).

Valores: Sem Apresentação de Trabalho
R$ 40,00 Público interno
R$ 50,00 Público externo

Valores: Com Apresentação de Trabalho
R$ 50,00 Público interno
R$ 60,00 Público externo

Formas de Pagamento
- Depósito ou transferência bancária NOMINAL para a conta => Ag: 0113 C/P: 607576/500 Itaú Titular: Adir Fernando Barbosa dos Santos – Maringá/PR
- Se você é de Maringá também pode efetuar seu pagamento no Centro Acadêmico “Fides et Ratio” – PUCPR – Campus Maringá.

Localizado na Av. Duque de Caxias esquina com Av. Prudente de Moraes – Centro (Atendimento no período Matutino das 08h ás 11h30min. Ou por agendamento de horário através do fone (44) 9835-1809 – Falar com Fernando)

II SIMPÓSIO NACIONAL DE ÉTICA,     POLÍTICA E DIREITO

 

 

    A crise da democracia representativa

 

 

PROGRAMAÇÃO

Dia 8/08/2016 - Segunda-feira (8:00 às 12:00 horas)
Conferência de abertura: Justiça e cidadania na República de Platão.
Dr. José Gabriel Trindade Santos - UFPB

Dia 8/08/2016 - Segunda-feira (19:30 às 23:00 horas)
Mesa-Redonda: Estado, indivíduo e sociedade
Democracia liberal, poder e representação política em Locke.
Dr. Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros - USP

Sociedade civil, democracia e cidadania em Rousseau.
Dr. Arlei de Espíndola - UEL

Dia 9/08/2016 – Terça-feira (8:00 às 12:00 horas)
Mesa-Redonda: A erosão do político e a corrosão do caráter
Baudrillard: mídia, poder político e sociedade de massa.
Dr. Claudinei Luiz Chitolina- PUCPR/UNESPAR

Lipovetsky, Sennett  e a sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever. Dr. Reginaldo Aliçandro Bordin – PUCPR/UNICESUMAR

Dia 9/08/2016 – Terça-feira (19:30 às 23 horas)
Mesa-Redonda: Democracia deliberativa: Rawls versus Habermas
Democracia e liberalismo político em Rawls: liberdade e justiça.
Dr. Rodrigo Hayasi Pinto - PUCPR

Habermas e a reconstrução da esfera pública: ética, direito e justiça.
Dr. Alberto Paulo Neto - PUCPR

Dia 10/08/2016 - Quarta-feira (8:00 às 12:00 horas)
Mesa-Redonda: A formação do cidadão: ética das virtudes versus ética dos deveres

Racionalidade e sociabilidade em Aristóteles: ética e formação do caráter. Dr. João Francisco Nascimento Hobuss - UFPel

Lei, razão e liberdade: a autonomia intelectual e moral em Kant.
Dr. Paulo César Nodari - UCS

Dia 10/08/2012 - Quarta-feira (19:30 às 23:00 horas)
Mesa-Redonda: Lei, Direito e justiça
Juridificação e judicialização no Estado Democrático de Direito: lei, razão e discurso em Robert Alexy.
Dr. Alessandro Severino Valler Zenni – UEM/UNICESUMAR

Das possibilidades e dos limites do positivismo jurídico de Bobbio.
Dr. Lino Batista de Oliveira - PUCPR

Dia 11/08/2016 - Quinta-feira (19:30 às 23:00 horas)
Conferência de encerramento: Estado, economia e sociedade civil: a atualidade da crítica de Marx ao capitalismo.
Dr. Nildo Silva Viana - UFG

  

      
Realização:
Centro Acadêmico Fides et Ratio
 
Apoio:
PUCPR – Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Maringá

                                          
Comissão Organizadora
Dr. Claudinei Luiz Chitolina – PUCPR/UNESPAR
Dr. José Aparecido Pereira – PUCPR/UNICESUMAR
Dr. Reginaldo Aliçandro Bordin – PUCPR/UNICESUMAR
Dr. Rodrigo Hayasi Pinto – PUCPR
Ms. Leomar Antonio Montagna – PUCPR
Adir Fernando Barbosa dos Santos - PUCPR
Fernando Henrique Neves Pereira - PUCPR
Brian Kennedy Barboza Santos - PUCPR
Sidnei Izzo Junior - PUCPR
Maria Carolina - PUCPR
Tassiana Caroline - PUCPR
 

 
 
Local:
Auditório Dom Murilo Kriger
Av. Duque de Caxias, 1020 - Zona 7- Maringá- PR
          
Valor das inscrições:
R$ 40,00 (público interno – sem apresentação de trabalho)
R$ 50,00 (público externo – sem apresentação de trabalho)
R$ 50,00 (público interno – com apresentação de trabalho)
R$ 60,00 (público externo – com apresentação de trabalho)

Sessões de comunicações:
Dia 11/08/2016 (das 8:00 às 12:00hs)

Informações:
 blog: simposionacionalpucpr.blogspot.com.br

Contato:
fone: (44) 30258702
e-mail: adirfernando23@gmail.com
   
Carga horária/certificado:
50horas

segunda-feira, 25 de julho de 2016

O CAPITAL FONOGRÁFICO E A FORMAÇÃO DO GOSTO MUSICAL


O CAPITAL FONOGRÁFICO E A FORMAÇÃO DO GOSTO MUSICAL

Nildo Viana*

A formação do gosto musical é algo pouco discutido teoricamente e nas ciências humanas. O processo de formação do gosto é social e não individual, tese que só seria defensável no mundo das ideologias. Obviamente que tais ideologias existiram e ainda continuam existindo. Aqui vamos trabalhar com a formação social do gosto musical e do papel do capital fonográfico na sua constituição[1], o que nos leva a discutir inúmeras outras questões, como valores, gostos distintos e grupos sociais distintos, entre outros.

O gosto, em geral, pode ser pensado sob duas formas: o espontâneo e o refletido[2]. O gosto espontâneo é aquele no qual os indivíduos desenvolvem sem maiores reflexões, por familiaridade, acessibilidade, compartilhamento social. O gosto refletido é aquele no qual os indivíduos se informam, relacionam com outros aspectos da vida social, usa os valores fundamentais como critério para suas escolhas, etc. Obviamente que no gosto espontâneo, o preconceito, as idiossincrasias e outras determinações também atuam, mas sem um processo reflexivo. No caso do gosto refletido, essas determinações também atuam, mas geralmente sob a forma racionalizada. No caso do gosto musical, esse processo se manifesta da mesma forma.

Nesse sentido, o gosto dos indivíduos é formado socialmente, mas como os indivíduos possuem uma singularidade psíquica (VIANA, 2011a; VIANA, 2013), uma história de vida única, então as chamadas idiossincrasias são elementos diferenciadores na constituição do gosto. No caso do gosto musical, deixando de lado as diferenças individuais, que existem, mas que não são coisas metafísicas, são elas mesmas produtos sociais, é possível entender a sua formação num nível mais geral, no caso dos grupos sociais. Pensar no gosto musical da população é algo problemático, tendo em vista que não há homogeneidade neste gosto. Neste sentido, é interessante perceber que o gosto musical é composto por diversas camadas que expressam um grupo social ou diversos grupos/classes sociais.

Assim, podemos realizar algumas divisões para analisar o gosto musical, sendo a principal divisão entre grande público, composto pelas classes exploradas e dominadas em geral (proletariado, lumpemproletariado, campesinato, pequenos proprietários, subalternos, etc.) e setores menos privilegiados das classes privilegiadas[3], bem como setores destas interessados ou oriundos das classes exploradas[4] e público intelectualizado, composto por indivíduos das classes privilegiadas e por indivíduos das classes exploradas que conseguem uma determinada escolarização ou formação intelectual. O que predomina, no primeiro caso, é o gosto musical espontâneo e, no segundo, o refletido.

No entanto, é possível perceber subdivisões nos dois casos. No caso do grande público, a subdivisão ocorre mais em casos regionais (no caso brasileiro, existem variações ligadas a estado, cidade, bairros de regiões metropolitanas, etc.), ação do capital fonográfico em determinados setores da sociedade (classes, grupos, etc.), etc. Assim, no interior de São Paulo e de Goiás, a música sertaneja[5] sempre teve os seus aficionados, enquanto que no Pernambuco há aqueles que preferem o frevo e no Rio de Janeiro o samba tem um público permanente.

No caso do público intelectualizado, há o gosto musical dos especialistas (músicos, compositores, etc.), ou seja, da subesfera musical[6], bem como daqueles que compartilham tal gosto por sua influência e legitimidade socialmente conquistada, o que geralmente é dominante na sociedade neste setor. O critério fundamental nessa subesfera é a técnica e a forma. A música clássica é o exemplo maior nesse caso, mas que se reproduz, com diferenças, no interior da música popular também. Acontece que nesse público se forma outros gostos musicais, muitas vezes compartilhando suas preferências, outras vezes recusando e elaborando outros critérios para definição do que é considerado bom. No caso, os valores dominantes da subesfera musical apontam para a técnica e a forma, a tradição musical, etc. enquanto que alguns setores intelectualizados vão, partindo de outros valores, erigir outros critérios de qualidade musical, tais como a crítica social, o vínculo com as raízes histórico-culturais, o nacionalismo, etc. Algumas “facções”[7] são constituídas também. Esse é o caso de grupos de indivíduos que elegem determinadas preferências a partir de grupos unificados por um estilo de vida (punks, emos, etc.), por relações de amizade, por compartilhamento de gostos, etc. Além de grupos mais restritos, de gosto unificado e delimitado a um gênero, banda, cantor, etc., há outros mais amplos, que possuem gosto unificado, mas que vai além de um gênero ou outro elemento, embora sejam mais frágeis e cujo elemento unificador é mais a amizade que gera compartilhamento e reprodução de um mesmo gosto musical (seja um conjunto de músicas, gêneros, cantores, ou critérios de julgamento e formação de gosto).

Em síntese, o gosto musical é distinto no interior da população e podemos pensar em dois grandes blocos, o do grande público, que constitui a maioria da população, e o público intelectualizado, composto principalmente pelos indivíduos das classes privilegiadas. Existe uma subdivisão no interior destes grupos e, inclusive, certos setores que são “intermediários”, tal como parte da juventude pertencente às classes desprivilegiadas, que possuem um gosto que muitas vezes diverge do gosto dominante nestas, devido ao vínculo com outros jovens (de outras classes, através dos meios oligopolistas de comunicação, etc.). Nesse caso, alguns mesclam o gosto dominante do grande público com o do público intelectualizado, outros aderem a este e abandona o primeiro. Despois dessa breve análise da distribuição social do gosto musical, podemos discutir o papel do capital fonográfico na sua formação.

O Capital Fonográfico e a Formação do Gosto Dominante

O capital fonográfico é constituído pelas gravadoras de música, grandes empresas que com seu desenvolvimento se tornaram oligopolistas. O capital fonográfico oligopolista mundial conta com grandes gravadoras como a Universal, EMI, Sony, Warner, Indie Recors, entre diversas outras, que são as mais importantes também no mercado brasileiro, contando com algumas empresas oligopolistas brasileiras, como a Eldorado e Som Livre. O capital fonográfico oligopolista tem toda uma estrutura de produção, distribuição e divulgação articulada com outros setores do capital comunicacional (“indústria cultural”), tais como redes de televisão, emissoras de rádio, imprensa, etc. e com o capital comercial, tal como grandes distribuidoras, lojas, etc. Nesse contexto, o grande capital fonográfico não somente tem uma capacidade de produção muito mais elevada que o pequeno capital, como também tem uma estrutura de divulgação e distribuição muito superior e acaba sendo um das principais determinações da formação do gosto dominante do grande público e, em menor grau, do público intelectualizado.

Esse processo se realiza através do processo de gravação, já que o capital fonográfico seleciona o que vai gravar e, portanto, escolhe os músicos, gêneros, cantores, bem como influencia no processo de gravação. Além disso, uma vez que o cantor ou cantora, banda, etc., pretende ter sucesso, há a busca em se adequar à dinâmica do capital fonográfico (o que significa se adequar às suas exigências) e do capital comunicacional (inclusive alguns sem perceber, mas querendo o sucesso, produz aquilo que está sendo divulgado e aceito pelo grande público – ou, em alguns casos, pelo público intelectualizado). Ao selecionar o que é produzido em matéria de música, oferece um universo de escolhas limitadas e ao privilegiar e gravar uma maior quantidade de determinado tipo de música, torna o processo de escolha por parte do público ainda mais limitado.

A sua influência também se manifesta no seu poder de distribuição e divulgação, através do capital comercial e outros setores do capital comunicacional. A televisão e o rádio assumem um papel fundamental nesse processo (sendo reforçado por outros). A quantidade de músicas gravadas é muito maior do que a de músicas conhecidas pelo público. Isso se deve ao fato de que as antigos Long Plays (LPs) ou os atuais Compact Discs (CDs) possuem uma quantidade determinada de músicas, geralmente dez, mas são divulgados uma ou duas músicas, e apenas no casos dos cantores já consagrados um número maior. A escolha de quais faixas serão divulgadas e terão primazia no disco também é determinada pelo capital fonográfico. O capital fonográfico usa seus critérios para realizar tais escolhas e estes interferem tanto no conteúdo da música (mensagem) quanto na forma (melodia, arranjo, interpretação, etc.). Por conseguinte, não se espera de uma dupla sertaneja nada além da interpretação tradicional (a não ser que se crie um “derivado” com diferenciação, tal como o chamado “sertanejo universitário”), e o que se quer são refrãos repetitivos e coisas que supostamente seriam do gosto popular, que, contudo, é o gosto dominante imposto pelo capital fonográfico que se reproduz na população, tornando-se “popular”. Nesse sentido, a produção de músicas triviais é a preferência do capital fonográfico, por ser uma fórmula mais fácil de sucesso e isso reforça tal preferência como gosto dominante no grande público. As emissoras de rádio são influenciadas pelo capital fonográfico e, além disso, muitas delas pertencem a eles ou fazem parte de algum aglomerado do capital comunicacional, contando com gravadora, emissoras de rádio e TV[8].

A presença das músicas na televisão é outra fonte de popularidade. A Rede Globo, devido sua audiência, que em outras épocas foi maior, exercia uma forte influência na produção dos sucessos, com as trilhas sonoras de novelas, programas musicais que existiram ou ainda existem (Globo de Ouro, Cassino do Chacrinha, Domingão do Faustão, Fantástico, etc.). As outras redes de TV, algumas inclusive possuem público específico e menos exigente, realizam processo semelhante e colocam em evidência cantores e músicas de pior qualidade ainda, tal como nos programas de Silvio Santos e semelhantes, bem como as redes “educativas”, que possuem um público telespectador muito menor (TV Cultura, por exemplo), que trabalham geralmente com músicas complexas, atendendo ao gosto musical do público intelectualizado.

A força do capital fonográfico se manifesta quando ele resolve emplacar um produto, pois nem todos recebem a mesma atenção, inclusive em sua ação sobre as emissoras de rádio. O caso dos Beatles nos anos 1960, citado por Jambeiro (1975, p. 8) apenas exemplifica esse processo:
         A criação de um ídolo para o público, no que se refere às gravadoras é a mais agressiva possível e bastante comercial. Quando do lançamento dos Beatles no Brasil, por exemplo, a gravadora que os lançou chegou ao ponto de conseguir de todas as rádios que tocassem, num determinado dia, às 9 horas da manhã, todas juntas, somente o disco de lançamento dos Beatles. Ao mesmo tempo, todas as lojas de disco, nas mesmas cidades, faziam a mesma coisa, o que inundou os ouvidos de grande parte da população brasileira com o som do ruidoso conjunto.
Capital Fonográfico e Grande Público

Essa ação tem uma eficácia enorme principalmente junto ao grande público. A razão disto é que, como colocamos anteriormente, o seu gosto é mais espontâneo e, por conseguinte, mais influenciável pela repetição, familiaridade, clima social, simplicidade, etc. e, portanto, mais próximo da música trivial. A influência do capital fonográfico sobre outros setores do capital comunicacional (rádios, TVs, revistas, jornais, etc.) criam um processo marcado pela repetição das mesmas músicas, criando um clima social de que tais músicas são as da moda e que a maioria gosta, o que é reforçado pela familiaridade e simplicidade das mesmas, uma exigência das gravadoras para sua seleção, pois o grande público adere mais facilmente a tais formas musicais. Os modismos e a fabricação de ídolos são algumas das estratégias mais utilizadas pelo capital fonográfico.

A criação de modismos emerge com o Rock and Roll, que era uma moda voltada principalmente para o público jovem em geral[9]. O que existia antes eram produções musicais para públicos específicos e canções populares para o grande público, mas sem uma renovação rápida, o que passa a ser presente com as mudanças do capitalismo no pós-segunda guerra mundial, com a formação do regime de acumulação conjugado, que em suas interpretações ideológicas ficou conhecido como “sociedade de consumo”. Esse processo foi avançando com o tempo. Os modismos criam um vínculo geracional, pois ele atinge principalmente a juventude. Esse foi o caso da música disco no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, no qual tal gênero musical era importado dos Estados Unidos e tinha seus copiadores nacionais, sendo inclusive tema de novela da Rede Globo, Dancin’ Days. A referida novela teve forte impacto, pois a disco music aparecia constantemente não só na trilha sonora, mas na própria temática da novela, com diversas cenas em discotecas (época das mesmas e das matinês para crianças), no seu título e música de abertura, cantada pelo grupo As Frenéticas. A trilha sonora internacional trazia várias músicas do gênero e a nacional tinha até a roqueira Rita Lee entrando na moda, mas de forma irônica, o título da música era “Agora é moda”.

A fabricação de ídolos é outra estratégia do capital fonográfico. No caso brasileiro, isso ocorre desde Carmem Miranda e as “grandes vozes” (Silvio Caldas, Vicente Celestino, Francisco Alves, etc.), mas o processo de criação de ídolos se torna muito mais eficaz após 1945, especialmente nos anos 1950 e 1960. Elvis Presley foi o primeiro grande exemplo e The Beatles foi o segundo. Elvis Presley era um produto direcionado para um novo e amplo mercado consumidor, a juventude[10], e por isso a dança frenética, a irreverência e rebeldia foram elementos utilizados, ao lado do uso expressivo de outros setores do capital comunicacional, especialmente o cinema, já que este cantor estrelou diversos filmes, aliado com outras estratégias, como grandes shows, televisão, etc. Já o caso de The Beatles mantinha muitas semelhanças, bem como diferenças. Apesar das diferenças, tais como o capital comunicacional estar muito mais desenvolvido e o quarteto ser inglês, o sucesso também foi estrondoso e o capital fonográfico teve um papel fundamental.

No caso brasileiro, o maior exemplo é a cópia brasileira do rock norte-americano com a chamada “Jovem Guarda” e, principalmente, Roberto Carlos. Obviamente que num contexto marcado pela oposição entre bossa nova, por um lado, e a canção de protesto, por outro, a emergência da Jovem Guarda, e também do tropicalismo, aumenta a variedade e marca um processo de substituição, pois os últimos acabam superando os primeiros. A música trivial, mais adequada ao gosto espontâneo, ganha espaço nesse contexto e Roberto Carlos é escolhido para ser o grande ídolo fabricado brasileiro, uma experiência do tipo Elvis Presley, mas sem a voz, estilo, entre outras características, do mesmo. A escolha foi péssima, pois a voz de Roberto Carlos é horrível e sua irreverência se limitou a algumas músicas bem simplistas (tipo “Calhambeque”; “Splish, Splash” e “Pega Ladrão”), sem falar de que o rock (dele e da Jovem Guarda) era risível.

A fabricação de Roberto Carlos como ídolo seguiu a fórmula de Elvis Presley, que ficou conhecido como “Rei do Rock”. Em programa de TV, na Rede Tupi, no início de sua carreira, Roberto Carlos era apresentado como “Elvis Brasileiro”. A ideia de transformá-lo em “rei” tem essa origem e acabou sendo reproduzido por muitos, em que pese apesar de suas vendagens expressivas, sempre teve um público bastante oposto a ele, e por razões bens distintas da oposição a Elvis Presley, pois este era acusado de cantar música negra, entre outras questões sociais, enquanto que o problema de Roberto Carlos era geralmente a má qualidade de suas músicas e/ou seu conservadorismo político, expresso em suas letras de músicas (inexpressivas e que não saiam do romantismo brega) e outras práticas concretas, tal como no seu show no Chile onde agradece ao ditador Augusto Pinochet e sua relação amistosa – e segundo alguns documentos, “colaboração” – com o regime militar. No entanto, o programa de TV da “Jovem Guarda” (TV Record, 1965-1968), apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, era uma fórmula que deu resultados, inclusive maiores do que dos seus concorrentes[11].

Desta forma, o gosto dominante do grande público é formado principalmente pelo capital fonográfico aliado aos demais setores do capital comunicacional. Obviamente que existem outras determinações que ultrapassam a força do capital fonográfico. Muitos indivíduos do grande público têm acesso ao que é produzido para o público especializado e alguns mudam ou mesclam suas preferências anteriores com as novas oriundas desse contato. O sentimento nostálgico, de músicas do passado que relembram acontecimentos, sentimentos, etc., também é uma determinação mais individual e ligada à história do indivíduo[12], bem como seus contatos sociais e informações sobre música e sociedade. As músicas também podem despertar sentimentos e ao fazê-lo também promove o gosto por ela. Os jovens e os que pretendem trabalhar no ramo musical, oriundo do que foi chamado “grande público”, também se aproximam do gosto do público intelectualizado, seja parcialmente ou de forma mais ampla. A época e as ressonâncias das lutas sociais, os valores de cada grupo ou indivíduo dentro do grande público, a formação intelectual, entre diversos outras determinações, além das divisões já aludidas, tal como as regionais, dificulta o reino absoluto do capital fonográfico. Isto sem esquecer os equívocos que os responsáveis pelo capital fonográfico podem cometer, tal como a tentativa frustrada de retomada da bossa nova após o fim do boom do rock brasileiro em meados dos anos 1990, forçando inclusive roqueiros a produzir músicas nesse gênero (Rita Lee, Lobão, Lulu Santos, etc.), o que foi um fracasso.

Capital Fonográfico e Público Intelectualizado

O capital fonográfico e seus aliados do capital comunicacional também atua sobre o público intelectualizado. Nesse caso, a influência é menor e os agentes da subesfera musical acabam sendo fortes influências nas ações do capital fonográfico. Contudo, os interesses dos artistas venais ligados diretamente ao capital comunicacional e dos outros, ligados às estruturas de produção e reprodução do capital fonográfico, provoca em vários setores (compostos por aqueles que são hegemônicos e estabelecidos na subesfera musical) a política de “boa vizinhança” com os mais comerciais. É por isso que poucos entraram em confronto com Roberto Carlos, por exemplo, tal como o fez Sérgio Sampaio em sua música “Meu Pobre Blues” ou, recentemente, Caetano Veloso, no caso mais específico a respeito da questão das biografias não-autorizadas. No caso da música sertaneja, não deixa de ser engraçado como Lulu Santos fez a crítica e depois voltou atrás, embora Guilherme Arantes, agora em 2013, criticou e até agora não se arrependeu.

O público intelectualizado é mais dividido do que o grande público. Alguns preferem música clássica, outros MPB, Jazz, etc. Entre os mais jovens, o Rock ainda ocupa grande espaço, bem como surgem facções com variados gostos musicais, formado desde por fã clubes até grupos caracterizados por estilo de vida, sem falar nos saudosistas que formam grupos de gosto referentes às músicas mais antigas (por cantor, época, gênero, etc.). Esse processo de diferenciação tem a ver com a classe social, frações de classes, nível de formação intelectual, idade, geração, atividade profissional, até chegar às diferenças mais individuais, as mesmas que atuam também sobre o grande público. Mas como o gosto musical do público intelectualizado é mais refletido, então as músicas complexas são preferidas em relação às músicas triviais. Obviamente que as músicas complexas não possuem homogeneidade e seu nível de complexidade varia, bem como algumas músicas triviais[13] acabam conquistando também parcela do público intelectualizado, mas sendo mais comum as que se destacam ou possuem algum diferencial.

O público intelectualizado possui como determinação do seu gosto musical a racionalidade, o que gera critérios específicos para julgar, avaliar e gostar de músicas, de acordo com determinados valores. O hegemônico nesse público é o que a subesfera musical define como qualidade e o aspecto técnico-formal torna-se o fundamental. Esse formalismo e tecnicismo gera uma concepção elitista, o que é comum num setor de tal público. Até intelectuais renomados, como Theodor Adorno (2008), demonstram uma concepção elitista de música. Outros setores elegem como critério a criticidade das músicas, embora muitos de forma ambígua, usando-o apenas para justificar seu gosto geralmente irrefletido. No entanto, esse é um dos critérios do público intelectualizado e a ênfase, ao contrário da concepção elitista, recai é na mensagem, no conteúdo, e não na forma ou técnica. Para algumas concepções mais extremas, até mesmo a desqualificação da forma e técnica é realizada, como em algumas manifestações musicais e de gosto. Uma outra vertente já apresenta um conjunto de critérios por enfatizar a totalidade da música, embora colocando como essencial o conteúdo, ou seja, sua mensagem, de caráter crítico, no sentido de uma utopia concreta.

Por detrás de cada uma dessas preferências, se manifestam valores. No primeiro caso, revela-se um gosto axiológico, pautado nos valores dominantes, enquanto que nos demais revela-se um gosto axionômico, ou seja, fundado em valores autênticos[14]. Grupos mais restritos podem escolher gênero, cantor, banda, etc., e o critério, nesse caso, tem a ver com uma tradição criada pelo grupo (ou pelo capital fonográfico, região, etc.) ou fundada na história da música, etc., e os valores que motivam isso pode ser o nacionalismo, regionalismo, rebeldia, entre outros.

O capital fonográfico produz estratégias específicas para atingir tal público, sendo que o principal é o discurso da qualidade, aliado ao formalismo e tecnicismo, e muitas aliando isso com outros elementos, para criar uma ponte com o grande público. No entanto, o capital fonográfico elege públicos específicos e existem gravadoras especializadas em determinadas produções musicais, não só para o grande público, mas também para o público intelectualizado. Existem emissoras de rádio especializadas em Rock, Country, Jazz, MPB, etc., assim como para o grande público existem emissoras especializadas em sertanejo, “jovem” ou “pop”, etc. Da mesma forma, existem aquelas que querem atingir o maior número possível do público intelectualizado, sendo, portanto, ecléticas ou priorizando a suposta qualidade, expresso no formalismo/tecnicismo.

Contudo, esse público intelectualizado que escolhe seu gosto musical de forma racionalizada, nem sempre o faz através de amplas reflexões. Muitos conhecem muito pouco de história da música, gêneros, técnica, sentimentos ou emoções despertados, etc., e geralmente seguem as opiniões surgidas de supostas “autoridades” no assunto (seja os agentes da subesfera musical, seja indivíduos que fazem discurso sobre qualidade ou técnica nos meios oligopolistas de comunicação), sendo que ambos são acessíveis principalmente através do capital comunicacional (jornais, revistas, rádio, TV e, em menor grau, livros), embora uma parte seja nas instituições de ensino (universidades, por exemplo) ou mesmo amizades consideradas “cults” ou entendidos no assunto. A razão para tal incorporação de gosto musical remete aos valores dominantes e a necessidade de “distinção”, para usar termo de Bourdieu (2007). Ou seja, na competição social, algo estrutural da sociedade capitalista (VIANA, 2008), algumas pessoas querem se destacar e vencer e uma das formas de conseguir isso é mostrando superioridade intelectual, o que pode ser demonstrado por possuir um gosto pautado numa suposta “qualidade”, em saber técnico, em opinião de pessoas cultas ou especializadas[15]. Contudo, a aparência de inteligência revela, na essência, a ignorância.

Considerações Finais

O gosto musical individual é constituído socialmente, seja ele qual for. Mesmo o setor mais refletido do gosto musical do público intelectualizado tem sua formação social. O gosto musical manifesta valores incorporados, tal com a técnica, a crítica, a tradição, a nação, a região, a voz, a interpretação, a letra, a melodia, o gênero, emoções ou sentimentos despertados, etc. e isso vale para o mais complexo e “refinado”. Por isso, nada mais ilusório do que aqueles indivíduos que não fazem autorreflexão e autocrítica sobre seu gosto (musical e qualquer outro), julgando que ele é uma mônada, um mundo isolado, autossuficiente e autoproduzido e, pior ainda, que é superior e indiscutível. Inclusive essa última pretensão é mais um produto da competição social e da mentalidade burguesa (VIANA, 2008).

Da mesma forma, recusar a influência do capital fonográfico no gosto individual é ilusório, pois o que varia é o seu grau. Outro problema é o relativismo, ao considerar que todo gosto musical é equivalente, pois eles manifestam interesses, valores, representações, sentimentos, etc., que são expressões de distintas perspectivas de classe e, por conseguinte, não são neutras e nem equivalentes, servem para objetivos e projetos distintos, desde aquele que é fascista até o que é expressão da luta pela emancipação humana, aqueles que servem para entorpecer e os que servem para desenvolver a consciência.

O gosto musical, portanto, deve ser compreendido e analisado não para promover o seu domínio pela razão instrumental, o que seria querer generalizar a preferência de parte do público intelectualizado. O tecnicismo e o formalismo são as bases de um elitismo tão pobre e torpe quanto qualquer concepção conservadora. A música é uma totalidade e sua qualidade só pode ser avaliada levando isso em consideração (VIANA, 2007), bem como entendendo que o seu conteúdo é o essencial e elemento principal de avaliação, embora não único. Uma música que passa uma mensagem excelente, com teor crítico e elaborado, mas sua forma (interpretação, arranjo, melodia, etc.) é mal elaborada, é, comparativamente, inferior em qualidade a uma outra que tanto conteúdo quanto forma são bem estruturadas.

Por fim, é fundamental entender que o gosto musical é formado socialmente e que o capital fonográfico tem um papel importante em sua formação. Os indivíduos precisam ter consciência de que seu gosto musical não é natural, que brotou em sua cabeça a partir do nada, de algo inato ou de algo metafísico como um “mundo interior” de caráter místico. O desejo de liberdade não deve promover a confusão entre o ideal e o real. A ilusão de liberdade é um reforço para a reprodução da falta de liberdade e o reconhecimento da não-liberdade é um primeiro passo para sua realização.


Referências

ADORNO, Theodor. Escritos Musicales IV. Madrid: Akal, 2008.

BOURDIEU, Pierre. A Distinção. Porto Alegre: Zouk, 2007.

BOURDIEU, Pierre. Gostos de Classe e Estilo de VidaIn: ORTIZ, Renato (org.). BourdieuSão Paulo: Ática, 1994.

DIAS, Marcia Tosta. Os Donos da Voz. Indústria Fonográfica Brasileira e Mundialização da Cultura. São Paulo: Boitempo, 2000.

JAMBEIRO, Othon. Canção de Massa – As Condições da Produção. São Paulo, Pioneira, 1975.

VIANA, Nildo. A Dinâmica da Violência Juvenil. São Paulo: Ar Editora, 2014a.

VIANA, Nildo. A Esfera Artística. Marx, Weber, Bourdieu e a Sociologia da Arte. 2ª edição, Porto Alegre: Zouk, 2011b.

VIANA, Nildo. Introdução à Sociologia. 2ª edição, Belo Horizonte: Autêntica, 2011a.

VIANA, Nildo. Juventude e Sociedade. No prelo. 2014b

VIANA, Nildo. O Papel do Indivíduo na História. Cadernos de História. Belo Horizonte/PUC-MG, 2013.

VIANA, Nildo. Os Valores na Sociedade Moderna. Brasília, Thesaurus, 2007a.

VIANA, Nildo. Para Além da Crítica dos Meios de Comunicação. In: VIANA, Nildo (org.). Indústria Cultural e Cultura Mercantil. Rio de Janeiro: Corifeu, 2009.

VIANA, Nildo. Universo Psíquico e Reprodução do Capital. Ensaios Freudo-Marxistas. São Paulo: Escuta, 2008.





* Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás e Doutor em Sociologia/UnB.

[1] Não vamos discutir aqui de forma aprofundada o conceito de capital fonográfico ou o conceito de capital comunicacional. Para ficar compreensível o que queremos dizer entenda-se pelo primeiro termo o que comumente se chama de “indústria fonográfica” e pelo segundo “indústria cultural”, apesar das diferenças de concepções e, por conseguinte, de terminologia. Sobre “indústria fonográfica” existe uma certa bibliografia, com destaque para Dias (2000) e sobre capital comunicacional é possível consultar Viana (2009).

[2] Não há espaço para uma discussão sobre as diversas definições e concepções de gosto. Aqui apenas esclarecemos que em nossa perspectiva gosto significa disposição afetiva favorável a um ser, objeto, pessoa, obra de arte, etc. Nesse sentido, o gosto tem elementos sentimentais e racionais, sendo que em alguns casos o peso maior é dos sentimentos e no segundo da razão. O gosto musical, portanto, é a disposição afetiva favorável a determinadas músicas, cantores ou cantoras, bandas, gêneros, etc.

[3] As classes privilegiadas são a burguesia e suas classes auxiliares, especialmente a burocracia e a intelectualidade.

[4] Os setores interessados são aqueles que produzem ou ganha com determinada produção musical, como é o caso dos cantores de música trivial (“brega” e músicas simples em geral). No segundo caso, temos, como exemplo, os “novos ricos” ou pessoas oriundas das classes exploradas que conseguem uma ascensão social (sob as mais variadas formas, desde o sucesso inesperado em algum programa televisivo, tal como um Reality Show, passando pela sorte na loteria ou por processos sociais mais amplos que permitem ascensão de um contingente maior de pessoas). Em ambos os casos, os indivíduos mudam de classe social, mas não possuem a cultura da classe a qual passam a pertencer, mantendo sua cultura anterior, mesmo que mesclando alguns aspectos.

[5] Nada mais falso do que a ideia de Goiânia é uma cidade que tradicionalmente tinha vínculo com música sertaneja. Isso foi um produto do capital comunicacional a partir dos anos 1980, que, graças a sua ação acabou influenciando o gosto musical de parte da população, inclusive muitos que explicitamente não gostavam deste tipo de música.

[6] A esfera artística, assim como as demais, pode ser dividida em subesferas, e no seu caso, há a subesfera musical, teatral, literária, quadrinística, etc.

[7] Ao invés de usar termos como “tribos” ou “guetos”, preferimos “facções”, retirando-lhe o sentido militar ou pejorativo. As facções são grupos informais reunidos em torno de uma causa, estilo de vida, valores, gostos, posições políticas, crenças religiosas, etc. O termo tribo é descontextualizado, pois é manifestação das sociedades tribais e sua adaptação ao caso da sociedade moderna é problemática, assim como gueto, esse último para tratar dos grupos que abordamos aqui.

[8] O caso mais conhecido e famoso é o das organizações globo (e suas reprodutoras regionais, embora poucas possuam gravadoras), que além da Rede de TV, emissoras de rádio, jornais, editora, também possui a gravadora Som Livre, responsável pelas trilhas sonoras das suas novelas. A maior gravadora brasileira, a Eldorado, é do Grupo Estadão.

[9] Claro que isso não se refere ao Rock como um todo e nem em relação aos seus produtores mais críticos, mas o foco aqui é o capital fonográfico e este que possibilitou a explosão desse gênero musical e sob esta forma.

[10] A juventude é um grupo social constituído na sociedade capitalista (VIANA, 2014a) e tem como uma de suas características atribuídas à rebeldia (VIANA, 2014a; VIANA, 2014b) e o rock, com sua irreverência, crítica ou ironia, dependendo da época, banda, etc. acaba sendo a forma ideal de música para tal grupo.

[11] Na época havia o programa dos representantes da bossa nova, O Fino da Bossa (TV Record, 1965-1967), apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues, que acabou perdendo espaço para eles, bem como, na sequência, o programa dos representantes da Tropicália, Gilberto Gil e Caetano Veloso, Divino Maravilhoso (TV Tupi, outubro-dezembro de 1968, pois o programa foi cancelado devido exílio dos apresentadores pelo regime militar), entre outros.

[12] É um caso individual que afeta aos indivíduos em geral, sob formas e com intensidades diferentes. O capital fonográfico também se aproveita disso, tal como se pode perceber no lançamento (e sucesso) de Stars On 45, fazendo medley ou pout pourri, ou seja, mistura de músicas selecionadas de um cantor/a, banda, estilo, etc. O Stars On 45 fez medleys dos Beatles, Bee Gees, Aba, Boney M, Disco Music, músicas dos anos 1970 e dos anos 1980, entre outros. Mas o capital fonográfico ganha mais hoje com o avanço tecnológico que permite a aquisição de músicas antigas e permite grandes vendagens, tal como ocorre com as músicas dos anos 1960. 1970 e, principalmente, 1980 e os diversos CDs lançados com coletâneas desse período demonstra isso. Obviamente que isso tem a ver com a perda de qualidade e sucessão mais rápida dos modismos realizada pelo capital fonográfico e o desagrado do público de gerações anteriores.

[13] As músicas triviais são aquelas que são mais simples, seja nas letras, melodias, arranjos, interpretação, geralmente em mais de um desses elementos simultâneos. Não se deve confundir músicas triviais com músicas “cafonas” (termo usado na década de 1970 e generalizado pela novela com o nome “Cafona”), ou “bregas” (termo utilizado a partir do início dos anos 1980 e popularizado pela Rede Globo principalmente via sua novela, “Brega Chique”, de 1987), pois estas são músicas de determinado tipo, consideradas de “mau gosto”, seja devido a um romantismo simplório, obscenidade, exageros visuais, vocais, etc. As músicas complexas, como o nome já diz, são as que a complexidade é maior em seus elementos, seja em um ou vários (letra, melodia, arranjo, interpretação). Existem algumas músicas que ficam num plano intermediário. Algumas buscam mesclas intencionalmente, como Eduardo Dusek na MPB em algumas de suas produções, especialmente seu LP “Brega Chique” (1984). Em outros casos, é o espírito rebelde ou intenção crítica que gera isso, tal como no Punk Rock, onde elementos de músicas triviais (e até alguns que seriam considerados de música brega, tal como alguns trechos de música dos Garotos Podres, para citar apenas um exemplo) se encontram presentes. Não deixa de ser curioso o desdém de certos intelectuais pela música “cafona” ou “brega” apelando para a concepção de indústria cultural de Adorno, sem perceber que até as palavras que usam são produtos desta e que, portanto, não estão tão em oposição a ela como pensam.

[14] Sobre axiologia e axionomia, cf. Viana (2007), e a respeito dos critérios escolhidos para o gosto e o que se considera de qualidade, veja o capítulo “valores e qualidade”.

[15] Isso atinge até algumas pessoas das classes desprivilegiadas, mesmo que apenas formalmente, tal como no caso de um operário que diz gostar de música clássica apesar de não entendê-la, tal como se pode ver em pesquisa realizada por Bourdieu (1994).
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Publicado originalmente em:
http://redelp.net/revistas/index.php/rel/article/view/4viana17/142

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Violência, Conflito e Controle



VIOLÊNCIA, CONFLITO E CONTROLE

Nildo Viana


Um dos temas mais complexos e difíceis para a teoria social contemporânea é o da violência. A complexidade e dificuldade se encontram, em primeiro lugar, na própria definição do termo violência. Além disso, a explicação do fenômeno da violência possui inúmeras dificuldades, tendo em vista a sua multiplicidade de formas de manifestação. O presente ensaio busca desenvolver uma determinada concepção deste fenômeno partindo da tese de que a violência é uma relação social e de que sua compreensão nos remete ao problema do conflito e do controle social.

O que é a violência? Responder esta questão não é tarefa fácil, tendo-se em vista, tal como muitos autores perceberam, a multiplicidade de formas de violência, sendo que alguns até preferem utilizar a expressão no plural: “violências”[1]. Mas nem tudo é trevas. Existe uma luz no fim do túnel. Apesar de até hoje não se ter produzido uma teoria e nem uma análise sintética e explicativa deste fenômeno, muitos autores nos forneceram contribuições que nos ajudam a pensar a questão da violência.

Porém, antes de continuarmos, devemos apresentar uma concepção de violência, já que isto é necessário para podermos dar continuidade ao nosso trabalho. Existem inúmeras definições de violência, tal como demonstrou Yves Michaud[2]. Algumas destas definições são tão abrangentes que incluem até mesmo fenômenos da natureza. A nosso ver isto não se justifica, pois a explosão de um sistema solar, por exemplo, não constitui um ato de violência, mas tão-somente um fenômeno natural ou, como bem diz o nome, uma explosão, um ato de destruição/abolição e não de violência, pois nem toda destruição ou abolição pressupõe violência. Mas tal ideia só ganha verdadeiramente um sentido a partir da definição de violência.

A etimologia do termo nos diz o seguinte: “‘violência’ vem do latim violentia, que significa violência, caráter violento ou bravio, força. O verbo violare significa tratar com violência, profanar, transgredir”[3]. As ideias de profanação (do que é sagrado ou puro) e transgressão (infração) nos fornecem uma pista para uma definição que julgamos mais adequada de violência. Tanto a ideia de profanação (de origem religiosa) quanto a ideia de infração (de origem jurídica) nos remete à existência de algo (o sagrado, o puro, a lei) que possui uma natureza própria que é atingida (violada) pela profanação ou infração, o que significa uma ofensa (lesão, injúria, ultraje, desconsideração, menosprezo ou postergação de preceitos) ou o ato de ofender (fazer mal, lesar, ferir, causar mal físico, atacar, injuriar, contrariar, ir contra as regras ou preceitos).

A partir disto podemos desenvolver nossa definição de violência. Em primeiro lugar, violência é uma relação. A violência é uma relação onde algo é atingido por outra coisa. Neste sentido, a modificação interna ou endógena de um ser não constitui violência. A destruição de um ser a partir de seu próprio desenvolvimento interno não é um ato de violência. A violência pressupõe uma ação exógena. Toda ação sobre algo é uma relação, ou seja, pressupõe a existência do agente e daquele que é o “objeto” da ação. De um lado existe o agente da violência e de outro existe a vítima da violência. Esta relação é uma relação social, pois tal conceito é destituído de valor explicativo para os fenômenos da natureza e por isso limitaremos seu uso ao mundo animal, embora aqui deixemos de lado sua manifestação fora do mundo humano. Podemos então definir a violência como relação social caracterizada pela imposição realizada por um indivíduo ou grupo social a outro indivíduo ou grupo social contra sua vontade ou natureza[4].

Este conceito amplo de violência nos permite pensar as suas diversas formas de manifestação: violência física, simbólica, sexual, etc. Porém, a classificação das formas de violência é bastante problemática, pois ela pode variar de acordo com o critério utilizado e existem diversos critérios. A violência pode ser classificada de acordo com as características comuns de suas vítimas (violência contra a criança, contra a mulher, etc.), pelas características comuns dos agentes da violência (violência policial, realizada pelos policiais; violência criminal, realizada pelos criminosos; violência estatal ou institucional, realizada pelo Estado, etc.), pelo local onde ela ocorre (violência urbana, violência no campo, violência doméstica, etc.), pela forma como ela se realiza (simbólica, sexual, física, etc.), pelos seus objetivos (violência revolucionária, cujo objetivo é a revolução; violência repressiva, cujo objetivo é a repressão, etc.), pelos grupos sociais envolvidos (violência racial, étnica, de classe, etc.), pelas suas “motivações inconscientes”[5] (violência reativa, violência vingativa, violência compensatória, violência recreativa).

Notamos, assim, a complexidade da questão da violência. A maioria das análises da violência centra sua atenção sobre suas causas. Etologistas, psicanalistas, filósofos, psicólogos, sociólogos, antropólogos, entre outros cientistas, se debruçaram sobre a questão da causa da violência. Encontramos nessas abordagens duas posições divergentes: uma apontará os instintos ou a natureza humana como causa da violência e outros apontam como causa fatores sociais, culturais e históricos.
No primeiro grupo encontramos Freud e os instintualistas (ou instintivistas), Konrad Lorenz, Éric Weil, entre muitos outros. Freud irá postular a existência de um instinto de agressividade (ou “instinto de morte”) convivendo com os instintos sexuais. Na mente humana haveria a disputa entre Eros e Tanatos, os instintos da vida e o instinto de morte. Sendo assim, a causa da agressividade humana seria o instinto de morte e, neste sentido, seria algo “natural”. Depois de Freud muitos passaram a defender, sob outras formas, a ideia de que a agressividade possui caráter instintual[6].

Outra variante da corrente que “naturaliza” a violência se encontra na filosofia de Hobbes e Éric Weil. Para esses filósofos a causa da violência se encontra na natureza humana, definida especulativamente. Para Hobbes, o “homem é o lobo do homem” — ou seja, é mal por natureza — e por isso é necessário a existência de um Estado absolutista para que a sociedade seja possível e a “guerra de todos contra todos” não dilacere a convivência social. Uma posição mais “moderna” é apresentada por Éric Weil. Segundo este filósofo, a violência e a razão são “possibilidades radicais” existentes na natureza humana e que expressam a liberdade do homem. Desta forma, tanto a razão quanto a violência fazem parte da natureza humana[7].

Outros irão enfatizar a origem social da violência. Para os defensores desta tese a raiz da violência se encontra em fatores sociais, que varia de acordo com o pesquisador, e itens como pobreza, dominação, “direito inato”[8], conflito, controle, etc., seriam os apontados como causadores da violência.

Porém, afirmar que a causa da violência se encontra na pobreza, na dominação, nos instintos, na natureza humana, etc., acaba se tornando um reducionismo que não consegue dar conta da complexidade e multiplicidade de formas de violência. Sem dúvida, a violência sexual nos remete aos desequilíbrios psíquicos (e não aos “instintos”) do indivíduo que é o agente da violência mas seria deslocado dizer que a violência simbólica realizada nas escolas, segundo a abordagem de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron[9] possui a mesma “fonte”. Neste sentido, é interessante a colocação de Jean-Marie Domenach, “a violência apresenta uma multiplicidade de aspectos concretos que obrigam a definições precisas e que requerem respostas particulares. A violência da greve não é da mesma natureza da violência da bomba atômica. Analogamente, a violência ‘institucional’ ou ‘estrutural’, que se oculta atrás das máscaras legais e se exerce pacificamente, é muito distinta da violência revolucionária ou militar”[10].

A multiplicidade de formas de violência faz surgir a tese da “multiplicidade de causas”[11]. Porém, consideramos que aqui a contribuição metodológica de Marx é fundamental, pois nos permite superar a problemática simplista da causa-efeito. Para Marx, a compreensão de um fenômeno pressupõe a descoberta de suas múltiplas determinações e principalmente sua determinação fundamental, ou seja, a determinação que é constituinte do fenômeno mas que é acompanhada por outras determinações que nos permitem apreendê-lo em seu caráter concreto[12].

Desta forma a questão passa a ser: qual é a determinação fundamental da violência? Para responder a estas questões podemos lançar mão das contribuições da sociologia clássica, bem como da contemporânea. No interior da tradição sociológica houveram, desde os clássicos, diversas tentativas em analisar o fenômeno da violência e suas determinações. Tal como observou José Vicente Tavares dos Santos, retomando Grossi Porto, existe uma dualidade na sociologia: uns privilegiam o controle e outros o conflito[13]. Neste sentido, as ideias de controle social e conflito social tornam-se paradigmáticas para se explicar a determinação social do fenômeno da violência.

Segundo este mesmo autor, Durkheim contribui com a compreensão deste fenômeno através do paradigma do controle social e das ideias de solidariedade social, consciência coletiva, crime a anomia. A solidariedade social se fundamenta na coesão e integração dos indivíduos na totalidade da sociedade e a consciência coletiva (que mais tarde Durkheim denominará representações coletivas) expressa esta solidariedade. É a partir da ideia da primazia do todo sobre as partes (da sociedade sobre o indivíduo) que Durkheim elabora sua definição de crime: um ato é considerado criminoso quando é condenado pela sociedade, quanto ofende os elementos fortes e definidos da consciência coletiva. Mas se houver falhas na regulamentação da solidariedade social ocorre a anomia e desta forma a violência pode ser considerada como a configuração de um estado de anomia[14].

Peter Berger, representante da sociologia contemporânea, também fundamentará sua explicação da violência na ideia de controle social. Segundo este autor, controle social “refere-se aos vários meios usados por uma sociedade para enquadrar seus membros recalcitrantes. Nenhuma sociedade pode existir sem controle social”; “o meio supremo e, sem dúvida, o mais antigo, de controle social é a violência física. Na sociedade selvagem das crianças ainda é o mais importante. Entretanto, até mesmo nas polidas sociedades das modernas democracias, o argumento final é a violência. Nenhum Estado pode existir sem uma força policial ou seu equivalente em poderio armado. Essa violência final pode não ser usada com frequência. Poderá haver inúmeras medidas antes de sua aplicação, à guisa de advertência e reprimenda”[15].

Este autor acrescenta que nas democracias ocidentais a ênfase recai na submissão voluntária ao sistema legal instituído pelo processo eleitoral e representativo. Neste caso, a violência é menos visível e utilizada. O importante reside no reconhecimento por todos de sua existência e possibilidade de uso, mas geralmente o uso da violência é o último recurso, só utilizado quando todas as outras formas de controle social, tal como a pressão econômica, o ridículo, o opróbrio, etc., falharem.

Outros sociólogos lançaram mão da ideia de controle social[16] para explicar a questão da violência, mas nos limitaremos a estes dois. Resta saber se estes autores conseguiram realizar tal explicação de forma satisfatória. A nosso ver a resposta é negativa. Isto se deve ao fato de ambos tratarem de determinadas formas de violência e sua extensão à violência em geral seria um reducionismo. Durkheim nos remete à violência criminal e Berger à violência estatal (em apenas uma de suas formas de manifestação: a violência física).

A ideia de controle social nos remete à sociedade em seu conjunto ou ao Estado como órgão central de controle. A ideia de controle social nos remete à violência estatal ou institucional para manter este controle ou à violência criminal como forma de se romper com ele. Porém, a partir desta concepção fica difícil explicar, por exemplo, a violência doméstica (agressão contra crianças ou contra a mulher no espaço doméstico). Por isso podemos dizer que a noção de controle social não consegue dar conta da multiplicidade das formas de violência e, por conseguinte, de fornecer uma explicação deste fenômeno, embora apresentem elementos que colaboram com sua compreensão, no que se refere a algumas formas específicas de manifestação da violência.

Outros sociólogos contribuem com a compreensão do fenômeno da violência com a ideia de conflito social. Este é o caso de Georg Simmel e Lewis Coser. Para Simmel, o conflito é uma forma de “sociação”[17]. Ele surge devido aos fatores de dissociação existentes na sociedade, tais como o ódio, a inveja, a necessidade, os desejos. O conflito surge devido a isto e com o papel de resolver os dualismos divergentes, pois a dissociação produz duas partes que vivem em antagonismo. Ele cria um tipo unidade, mesmo que aniquilando uma das partes. Neste sentido, o conflito não é patológico nem nocivo à sociedade, sendo condição para sua manutenção e processo fundamental para a mudança de uma forma de organização para outra[18].

Uma posição idêntica é apresentada por Lewis Coser que afirma que o conflito sustenta a coesão e a unidade de um grupo. O conflito é, então, um mecanismo estabilizador da estrutura social. Segundo ele, “o conflito dentro de um grupo frequentemente ajuda a revitalizar as normas existentes, ou contribui para a aparição de novas normas. Neste sentido, o conflito social é um mecanismo de ajuste de normas adequadas à novas situações. Uma sociedade flexível obtém vantagens do conflito, enquanto contribui a criar e modificar normas, assegura sua continuidade sob as novas condições. Este mecanismo de ajuste de normas dificilmente se apresenta em sistemas rígidos: ao evitar conflitos, sufocam um sinal de alarme que poderia ser-lhe útil, aumentando assim o perigo de uma ruptura catastrófica”[19].

A ideia de conflito social apresentada por estes autores não consegue fornecer uma explicação adequada do fenômeno da violência. Sem dúvida, o conflito gera violência e é por isso que Ted Gurr afirmará que Simmel e Coser não consideram, ao contrário de Huntington, Burke e Sorokin, o conflito violento como patológico[20]. Esta concepção de conflito apresenta dois problemas fundamentais. Em primeiro lugar, a causa do conflito não é apresentada de forma satisfatória; em segundo lugar, a própria ideia de conflito social aparece como uma forma de divergência que leva à coesão e não à transformação, o que é bastante semelhante à concepção funcionalista[21].

Simmel afirma que o conflito é gerado pelos fatores de dissociação, tais como o ódio, a inveja, os desejos, as necessidades, que provocam repulsa e hostilidade e Coser se fundamenta nas mesmas premissas, ou, segundo suas próprias palavras, nos “sentimentos de hostilidade e repulsão”, ou seja, os mesmos abordados por Simmel. Tais premissas, segundo Coser, foram confirmados pela psicologia genética de Piaget e pela psicanálise. Aqui temos de volta as teses que buscam “naturalizar” a violência, pois suas causas últimas seriam os sentimentos humanos. Há aqui duas questões: por um lado, sentimentos como o ódio e a inveja não são “naturais” e sim produtos sociais, pois inveja significa desejar algo alheio, pertencente a outro e não pertencente a quem inveja, o que remete ao problema da desigualdade social ou à situação concreta de um indivíduo na sociedade e o ódio não ocorre gratuitamente, mas apenas no contexto de determinadas relações sociais[22]; por outro lado, desejos e necessidades só são “causas” da violência quando sua satisfação é impedida ou reprimida e como a violência é exercida por uma parcela da população, então novamente estamos diante do problema da desigualdade social. Portanto, a “causa última” da violência não seriam os sentimentos e sim a desigualdade social provocada por relações de exploração e dominação.

A concepção de conflito social apresentada por Simmel e Coser é funcional, ou seja, o conflito possui uma funcionalidade para a manutenção da estrutura social. Assim deixa-se de lado as formas de conflito que levam à ruptura, tal como o conflito de classes, como observou Mészaros. Neste sentido, esta concepção não abarcaria determinadas formas de violência, tal como a violência revolucionária. Além disso, ao deixar de lado o problema da opressão, da dominação e da exploração, acaba ofuscando a percepção de que a violência e o conflito são uma relação entre desiguais, onde uns detém o poder e outros são submetidos a ele. Desta forma, os objetivos de diversas formas de violência são esquecidos e em seu lugar aparece uma vaga referência aos “sentimentos humanos”.

Desta forma observamos que as ideias de “controle social” e de “conflito social” são insuficientes para explicar o fenômeno da violência, pelo menos na perspectiva dos autores aqui trabalhados. Porém, existe uma teoria do conflito que ao mesmo tempo engloba uma teoria do controle e que por isso pode nos fornecer o fio condutor para explicar o fenômeno da violência. A teoria da sociedade de Marx apresenta a ideia de que o controle é gerado pelo conflito. Segundo Marx, a instituição das sociedades de classes e dos conflitos entre elas faz necessário emergir instituições voltadas para o controle social, em especial o Estado, para assim amortecer os conflitos sociais. O Estado, o direito, as ideologias, as instituições privadas, a cultura, a sociabilidade, etc., são formas de regularização das relações sociais, ou, em outras palavras, são formas de controle social. Os conflitos de classe dilacerariam a sociedade civil sem a emergência destas formas de controle social.

O Estado e as demais formas de regularização das relações sociais não abolem o conflito de classes e os demais conflitos sociais derivados dele[23] mas apenas realiza o seu amortecimento. Os conflitos sociais continuam existindo e gerando formas de violência, porém não se radicalizam ao ponto de se realizar uma revolução social. Quando ocorre uma radicalização das classes exploradas e as demais formas de controle social falham, tal como colocou Berger em outro contexto, a violência física, ou seja, a repressão estatal, incide sobre os dominados e explorados. Porém, este conflito também se reproduz nas formas de regularização, nas instituições privadas, na cultura, na sociabilidade, etc., mas de forma menos intensa. Esta é uma diferença radical entre a concepção marxista e a concepção funcionalista.

A partir desta teoria podemos compreender diversas formas de violência. Mas deste ponto em diante nos limitaremos ao caso específico da sociedade moderna, capitalista, pois a teoria acima citada é uma teoria geral das sociedades humanas e sua generalidade deve ser substituída por um caso concreto para facilitar nossa exposição. Também passaremos a utilizar a contribuição de pensadores que buscaram desenvolver a teoria de Marx, tornando mais complexa e ampla a sua teoria da sociedade.

Em primeiro lugar, temos uma abordagem da violência estatal ou institucional. O Estado emerge para garantir a reprodução das relações de produção, que são relações de classes fundamentadas na exploração e na dominação. A razão de ser da violência estatal se encontra na resistência e luta dos explorados contra a exploração e dominação. Contudo, o Estado não usa apenas a violência física, mas também outras formas de violência, tal como a violência cultural.

Em segundo lugar, temos uma abordagem da violência revolucionária e da violência criminal[24]. A violência revolucionária surge apenas em momentos de acirramento das lutas de classes, ou seja, quando os conflitos de classes se radicalizam ao ponto de se colocar em questão as relações de produção e de dominação. A violência criminal aparece, em parte, devido ao processo de separação entre o trabalhador e seus meios de produção, por um lado, e ao processo de separação entre unidade de produção e unidade de consumo que transforma a unidade doméstica em unidade voltada apenas para o consumo, o que gera a necessidade de uma renda monetária para garanti-la, tendo em vista a mercantilização de tudo na sociedade capitalista, inclusive dos alimentos, vestuário, etc.

A separação entre o trabalhador e os meios de produção produziu uma grande quantidade de força de trabalho disponível que não foi absorvida pelo mercado de trabalho. Desta forma não se consegue a renda monetária sob a forma de salário e por conseguinte não há como conseguir os meios de sobrevivência, já que parte da força de trabalho está destituída dos meios de produção e da renda monetária que permite adquirir os meios de sobrevivência. Surge, assim, uma população trabalhadora excedente, um exército industrial de reserva, ou em outras palavras, o lumpemproletariado[25], que não possui os meios de sobrevivência e por isso precisa garantir sua sobrevivência adquirindo renda monetária sob outras formas, tais como o roubo, a mendicância, etc.[26]. Desta forma se compreende a criminalidade e a violência criminal como produto, principalmente, da lumpemproletarização.

Outras formas de violência criminal têm suas raízes na mentalidade e sociabilidade desenvolvidas na sociedade capitalista — baseada na competição, na mercantilização e na burocratização das relações sociais — que criam uma intensa luta por ascensão social, status, etc., visando ficar numa posição cada vez mais elevada na pirâmide social, o que leva diversos setores da sociedade a aderir à violência criminal sem que isto esteja diretamente ligado com a mera sobrevivência.

As diversas formas de violência política também são derivadas do conflito fundamental existente entre as classes sociais. O terrorismo, a guerra, etc., são consequências das lutas de classes sob a forma como se manifesta para indivíduos e grupos na instância das ideologias, nas divisões internas da classe dominante, na estratégia de desviar o conflito interno para um conflito externo, no seu entrelaçamento com outras questões sociais, etc. Assim tais conflitos se manifestam concretamente nas ações políticas de indivíduos e grupos. A violência no campo, por exemplo, tem como determinação fundamental a luta pela terra, o que opõe diversos grupos sociais: índios, grileiros, garimpeiros, latifundiários, etc.

Mas como explicar, a partir desta teoria, a violência de pais contra filhos, de marido contra mulher, a violência sexual, a violência racial, étnica, urbana, policial, etc.? Podemos dizer que o conflito de classes é a determinação fundamental destas formas de violência, mas é preciso acrescentar que em cada caso concreto existem “múltiplas determinações” que complexificam a explicação de cada uma destas formas concretas de manifestação da violência. A violência do pai contra o filho pode remeter ao conjunto de relações sociais que este possui e do conjunto de frustrações derivadas daí; a violência sexual remete aos desequilíbrios psíquicos do agente da violência, problemas originários de sua inserção histórica e específica nas relações sociais. O mesmo procedimento de busca das determinações do fenômeno, entrelaçadas com a determinação fundamental, fornecem o núcleo metodológico para se compreender as diversas formas de violência na sociedade contemporânea.

Por fim, observamos que a violência é uma relação social que possui como razão de ser outras relações sociais, que alguns denominaram conflito e controle. As concepções que buscam “naturalizar” a violência se revelam ideológicas e acabam justificando novas formas de violência, tal como a ideologia da doença mental, que justifica a violência psiquiátrica[27].  Desta forma, a compreensão da violência como relação social é fundamental não só do prisma teórico e explicativo, mas também do prisma político. Daí a necessidade de encaminharmos análises sobre a violência a partir desta perspectiva.


 NOTAS




[1] Grossi Porto, Maria Stella. Apresentação. In: Revista Estado e Sociedade. vol. X, nº 2, Julho/Dezembro de 1995.

[2] Cf. Michaud, Yves. A Violência. São Paulo, Ática, 1989.

[3] Michaud, Yves. Ob. cit. p. 8.

[4] Aqui nos referimos à natureza humana, ou seja, às características próprias do ser humano. O motivo de inserirmos a natureza humana junto com a vontade se encontra na descoberta psicanalítica do inconsciente, o que nos obriga a reconhecer que a vontade e a consciência não são os únicos critérios para se definir a integridade de um indivíduo.

[5] Fromm, Erich. O Coração do Homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1965.

[6] A ideia da existência de um instinto de morte foi rejeitada pela maioria dos principais psicanalistas depois de Freud, com raras exceções, tal como a de Melanie Klein. Tal tese foi retomada por Marcuse em sua interpretação filosófica de Freud e foi criticada por MacIntyre (cf. MacIntyre, Alaisdar. As Ideias de Marcuse. São Paulo, Cultrix, 1970; Segal, Hanna. As Ideias de Melanie Klein. São Paulo, Cultrix, 1983). Uma refutação radical e complexa dos instintualistas foi realizada pelo psicanalista Erich Fromm e pelo antropólogo Ashley Montagu (Cf. Fromm, Erich. A Anatomia da Destrutividade Humana. Rio de Janeiro, Zahar, 1975; Montagu, Ashley. A Natureza da Agressividade Humana. Rio de Janeiro, Zahar, 1978).

[7] Cf. Hobbes, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. In: Col. Os Pensadores. 3a edição, São Paulo, Abril Cultural, 1983; sobre Éric Weil, Perine, Marcelo. Filosofia e Violência. Sentido e Intenção da Filosofia de Éric Weil. São Paulo, Edições Loyola, 1987. Obviamente, estas duas concepções possuem caráter meramente especulativo e podem ser consideradas como destituídas de fundamentação, apesar de terem seguidores em nosso país, tal como é o caso da antropóloga Alba Zaluar — que considera que a pobreza não tem nada a ver com a criminalidade e que retira a “autonomia individual” e a “responsabilidade moral” do criminoso (...) — e de Vicente Barreto — que se fundamenta justamente nas teses de Hobbes e Weil para explicar a violência (cf. Zaluar, Alba. Exclusão Social e Violência. In: Zaluar, Alba (org.). Violência e Educação. São Paulo, Cortez, 1992; Barreto, Vicente. Educação e Violência: Reflexões Preliminares. In: Zaluar, Alba (org.). Violência e Educação. São Paulo, Cortez, 1992). Não deixa de ser curioso o fato de cientistas sociais buscarem na especulação filosófica a explicação de fenômenos sociais que são de sua responsabilidade pesquisar.

[8] O cientista político Edward Müller, refutando as teses afirmam que a frustração ou a privação relativa são a “causa psicológica” do protesto e da violência (política), coloca que “o melhor que pode ser dito sobre a hipótese frustração-agressão aplicada à ação política agressiva é que um tipo de frustração — que surge das discrepâncias percebidas entre o direito inato de uma pessoa e sua satisfação efetiva — pode comportar uma relação modesta com a propensão individual para o protesto e a violência políticos”. Por direitos inatos o autor entende aquilo que as pessoas julgam merecer e não um ideal desejado (Müller, Edward. A Psicologia do Protesto Político e da Violência Política. In: Gurr, Ted Robert (org.). Manual do Conflito Político. Brasília, UNB, 1985, p. 105).

[9] Cf. Bourdieu, Pierre & Passeron, Jean-Claude. A Reprodução Elementos Para Uma Teoria do Sistema de Ensino. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978.

[10] Domenach, Jean-Marie. La Violencia. In: Domenach, Jean-Marie e outros. La Violencia y Sus Causas. Paris, Editorial de la Unesco, 1981, p. 39.

[11]Cf. Domenach, Jean-Marie e outros. Ob. cit.

[12] Cf. Marx, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. 2a edição, São Paulo, Martins Fontes, 1983; Marx, Karl. O Capital. 3a edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988; Viana, Nildo. Escritos Metodológicos de Marx. Goiânia, Edições Germinal, 1998.

[13]Santos, José Vicente Tavares dos. A Violência como Dispositivo de Excesso de Poder. In: Revista Sociedade e Estado. Vol. X, nº 2, julho/dezembro de 1995.

[14]Sem dúvida, esta interpretação pode ser questionada, mas, a nosso ver, mesmo mudando a interpretação e dando outro significado aos conceitos, a ideia central sobre a relação crime e sociedade nos parece correta.

[15]Berger, Peter. Perspectivas Sociológicas. 7a edição, Petrópolis, Vozes, 1986, p. 81.

[16] Sobre as várias definições de controle social, cf. , Celso Pereira de. Psicologia do Controle Social. Rio de Janeiro, Achiamé, 1979; a sociologia norte-americana, como não poderia deixar de ser, produziu diversos livros especificamente sobre o tema do controle social. Sobre isso, cf. Koenig, Samuel. Elementos de Sociologia. 2a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1970.

[17] “A Sociedade não é algo estático, acabado; pelo contrário, é algo que acontece, que está acontecendo. O objeto da sociologia são esses processos sociais, num constante fazer, desfazer e refazer, e assim incessantemente. É através das múltiplas interações de uns-com-os-outros, contra-os-outros e pelos-outros, que se constitui a sociedade, como realidade inter-humana. Ao processo fundamental mental Simmel dá o nome de Vergellschaftung, ao pé da letra, socialificação, mais do que sociedade, denotando o seu dinamismo, sempre in fieri. (...) Adotamos aqui a sugestão dos norte-americanos, traduzindo-o por sociação, que não se confunde com socialização e nem com associação” (Moraes Filho, Evaristo. Formalismo Sociológico e Teoria do Conflito. In: Moraes Filho, Evaristo (org.). Simmel. São Paulo, Ática, 1983, p. 21).

[18] Simmel, Georg. A Natureza Sociológica do Conflito. In: Moraes Filho, Evaristo (org.). Ob. cit.

[19] Coser, Lewis. Las Funciones del Conflicto Social. México, Fondo de Cultura Económica, 1961, p. 176-177.

[20] Gurr, Ted Robert. As Consequências do Conflito Violento. In: Gurr, Ted (org.). Manual do Conflito Político. Brasília, UNB, 1985.

[21] É por isso que István Mészaros critica Coser e afirma que sua refutação de Parsons é falsa, pois ele não sai do campo daquele que ele critica e sua concepção de conflito evita tratar dos conflitos de classes (cf. Mészáros, István. Filosofia, Ideologia e Ciências Sociais. São Paulo, Ensaio, 1993).

[22] Hanna Arendt afirma que o ódio não é uma reação natural e espontânea e sim um profundo sentido de injustiça diante de uma situação ultrajante. Erich Fromm, por sua vez, trata da questão do ciúme e da inveja, que são sentimentos que geram hostilidade e são formas específicas de frustração. Segundo ele, ciúme e inveja “são causados pelo fato de B ter um objeto desejado por A, ou ser amado por pessoa cujo amor é desejado por A. ódio e hostilidade são mobilizados em A contra B que recebe aquilo que A quer, e não pode ter. inveja e ciúme são frustrações, acentuadas não só pelo fato de não só A não conseguir aquilo que deseja, como por outra pessoa ser favorecida em seu lugar. A estória de Caim, desamado sem ser por culpa sua, que mata o irmão preferido, e a estória de José e seus irmãos, são versões clássicas de ciúme e inveja” (Fromm, Erich. O Coração do Homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1965, p. 28).

[23] Para se falar nos demais conflitos sociais (de geração, sexo, raça, religião, etc.) é preciso remeter ao conflito de classe, pois é este conflito fundamental que explica os demais conflitos. Como explicar o racismo sem remeter ao processo histórico de engendramento do capitalismo, da escravidão negra, da competição pelo mercado de trabalho, etc.? Como explicar a atual forma de opressão da mulher sem nos remeter ao processo histórico de separação entre unidade de produção e unidade de consumo, a formação cultural burguesa, ao predomínio da propriedade privada e da herança, entre outras determinações? Como explicar os problemas psíquicos sem tratar das relações familiares e do conjunto das relações sociais conflituosas nas quais vive o indivíduo? Por conseguinte, os conflitos sociais só são compreensíveis no interior de análise do conflito de classe.

[24] Sobre esta questão os trabalhos de Georges Sorel e Franz Fanon apresentam uma importante contribuição e colocam novas questões a serem debatidas no interior da teoria da violência derivada da perspectiva aqui apresentada (cf. Sorel, Georges. Reflexões sobre a Violência. Petrópolis, Vozes, 1993; Fanon, Frantz. Os Condenados da Terra. 2a edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979).

[25] Apesar da controvérsia em torno do termo lumpemproletariado e de sua definição, julgamos mais adequado utilizá-lo em lugar de exército industrial de reserva.

[26]Cf. Offe, Claus. Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984.

[27] Sobre a ideologia da doença mental, veja-se Szasz, Thomas. A Ideologia e Doença Mental. Rio de Janeiro, Zahar, 1977; Szasz, Thomas. O Mito da Doença Mental. Rio de Janeiro, Zahar, 1979. Sobre a violência psiquiátrica, cf. Foucault, Michel. História da Loucura. 5a edição, São Paulo, Perspectiva, 1997.

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Publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Violência, Conflito e Controle. In: Dijaci David Oliveira; Ricardo Barbosa Lima; Sales Augusto Santos; Tânia Ludmila Dias Tosta. (Org.). 50 Anos Depois - Relações Raciais e Grupos Socialmente Segregados. 2a ed. Goiânia: Cegraf, 1999, v. 1, p. 223-239.