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quinta-feira, 30 de abril de 2015

Lançamento do livro "Juventude e Sociedade - Ensaios sobre a Condição Juvenil"


Acima convite para o lançamento do livro "Juventude e Sociedade - Ensaios sobre a Condição Juvenil", na Livraria Saraiva, Flamboyant Shopping Center.

VIANA, Nildo. Juventude e Sociedade. Ensaios sobre a Condição Juvenil. São Paulo: Giostri, 2015.

Abaixo um trecho do prefácio de Luiz Antônio Groppo:

PREFÁCIO



Nildo Viana é professor da Universidade Federal de Goiás, onde trabalha há vários anos ensinando e pesquisando sociologia, com incansável dedicação ao pensar e fazer ciências sociais com crítica e rigor. Destaca-se na vasta obra de Viana, além de diversas incursões à teoria social, bem como a temas como indústria cultural, educação e psicanálise, entre outros, a reflexão sociológica sobre a juventude.
Este seu livro, “Juventude e sociedade”, é belo exemplo desta reflexão que desde há alguns anos Viana se dedica. Pude conhecê-la desde há alguns anos, quando participamos, em 2003, na Casa da Juventude Pe. Burnier, em sua Goiânia, de um Seminário promovido pela casa sobre juventude. Lembro-me do pulsar daquela casa que acolheu então tantos e tão diversos jovens, bem como das conversas que tivemos com estes jovens e outros colegas, como o próprio Nildo Viana, que tratou sobre juventude e violência com grande competência.
O autor sempre foi fiel ao referencial teórico-metodológico do marxismo, interpretado de modo não determinista, bem como vinculado ético-politicamente ao socialismo dos conselhos, tendência do marxismo que os tempos obscuros do stalinismo tentaram jogar aos porões do pensamento. Na sua adoção do marxismo, Viana afasta-se de uma posição comum nesta corrente diante de aspectos da estrutural social que não derivam imediatamente das classes economicamente determinadas – como a juventude. Comumente, o marxismo tem rejeitado a temática da juventude como mero engodo ideológico. Outras vezes, reconhece-a apenas como aspecto secundário. Esta não é a posição de Viana, nem da sua criativa aplicação do pensamento marxista para entender as complexas relações entre sociedade de classes e estrutura etária no mundo capitalista, o nosso mundo.
Este uso criativo do pensamento de Marx, longe do determinismo economicista de muitos marxismos, que o permite compreender a centralidade da categoria juventude no mundo moderno e contemporâneo, é o primeiro mérito deste livro. Mas a obra tem uma série de outras qualidades.

A segunda qualidade que gostaria de destacar, é a sua preocupação constante em definir com clareza os conceitos empregados. Temos em mãos, é bom frisar, uma obra largamente teórica, preocupada em relacionar conceitos e processos sociais, trazendo dados concretos e processos históricos como comprovação ou exemplos. Esta clareza, neste sentido, é algo fundamental para uma obra deste teor. É algo que o autor conseguiu realizar com maestria. Um a um, conforme os capítulos apresentam-nos, os conceitos vão sendo definidos inequivocadamente, desde a matriz teórico-metodológica escolhida, o marxismo, mas dialogando com outras correntes próximas ou com possibilidade de relações, como o existencialismo de Sartre e a teoria das gerações de Mannheim. Por exemplo, já em seu primeiro capítulo, são definidas com clareza termos como cultura, memória, poder, identidade e, certamente, juventude".



terça-feira, 7 de abril de 2015

Cinema Black ou Baxploitation


Cinema Black ou Baxploitation


Nildo Viana


O documentário Baadasssss Cinema (Isaac Julien, EUA, 2002), retrata o fenômeno do cinema "negro" (black ao invés de noir, os filmes de gangsters em vigência nos anos 1930 nos EUA), também chamado baxploitation, que surgiu nos anos 1970. Para quem tem acesso ao TCM, canal pago, às sextas do mês de setembro poderá ver alguns dos filmes deste período. Filmes como Shaft (1971); O Chefão de Nova York (Black Caesar, 1973), entre outros que serão exibidos [1].

O significado do que se convencionou chamar baxploitation é confuso. Não é possível qualifícá-lo como um "gênero" e nem mesmo como um "quase gênero". A não ser que se descarte grande parte dos filmes da época. Por exemplo, o foco em sexo e ação (e violência) é o forte de alguns, mas o "terror" (mas pela má qualidade se poderia falar em "humor") fazia parte do período. Assim, se dividir em tendências distintas, é possível ver alguma unidade (além dos personagens, atores, e, em muitos casos, os diretores, serem negros, o que é uma constatação superficial e que não tem utilidade analítica para o conteúdo dos filmes). Caso contrário, dizer que Shaft e Black Caesar poderia ser considerado do mesmo "filão" que Coffy, Black Gestapo, ou, pior ainda, com Blacula (1972), Blakenstein, Dr. Black e Mr. Hide, entre outros (abaixo trailers de alguns destes filmes).









O fenômeno, na verdade, se caracteriza pelo uso de personagens, atores e cultura negra para produzir filmes, alguns puramente comerciais. A origem de tudo, como se pode verificar pelo documentário, ocorre com o filme Sweet Sweetback's Badaaass Song, dirigido por Melvin Van Peebles (EUA, 1971), pai de Mario Van Peebles, diretor de Os Panteras Negras (EUA, 1995) e A Vingança de Jessie Lee (Eua 1993), filmes mais politizados que abordam a questão racial. 



O filho seguiu a trilha do pai e o filme de Melvin, segundo o próprio diretor em entrevista apresentada no documentário, mostra que havia uma intenção política em Sweetback, apesar do seu apelo sexual, que não era gratuito, mas cujo aparecimento parece, segundo se deduz da entrevista, do seu caráter atrativo. Esse filme independente e sem grandes recursos foi um sucesso de bilheteria junto à população negra e por isso acabou despertando o interesse do capital cinematográfico. Daí se iniciou o que alguns ativistas negros chamaram "baxploitation", exploração dos negros. Um famoso ator negro dá entrevista no documentário dizendo que não sabia o que estes ativistas chamavam de "exploração do negro", pois diretores e atores recebiam seus salários, todos estavam recebendo, onde estaria a exploração. O ator desavisado deveria ter entendido que se trata de exploração da imagem do negro e não exploração "econômica".



E nesse sentido os ativistas tinham total razão. O capital cinematográfico explorou a imagem e o público negro e não só fez isto como foi um dos agentes da contra-revolução cultural preventiva iniciada nos anos 1970, no período de crise do regime de acumulação intensivo-extensivo, e abrindo caminho para a hegemonia pós-vanguardista na arte e pós-estruturalista nas ciências humanas [2]. A estratégia desta contrarrevolução cultural era a de resgatar temas das lutas sociais do final dos anos 1960 (e a luta dos negros nos EUA, que assumiu várias formas e teve como uma de suas expressões mais radicais a luta dos Panteras Negras) e início dos anos 1970 e despolitizá-las e retirá-las da totalidade (ou do "contexto político", como diz um entrevistado no documentário).

Porém, seria necessário uma análise mais totalizante de tal produção cinematográfica, principalmente vendo as diferenças entre os diversos filmes e tipos de filmes que são associados ao "cinema black", pois existem brechas no capital cinematográfico e suas contradições podem ter permitido produções fílmicas relevantes ao lado das irrelevantes, bem como os filmes inspiradores e as cópias comerciais. Além disso, o seu significado, com a consideração das devidas diferenças, para a luta dos negros norte-americanos (e fora dos EUA), bem como seus efeitos culturais e psíquicos. Porém, no mesmo momento em que surgiu o super-herói Pantera Negra nos quadrinhos, tudo isto mostra, mais uma vez, que, ao contrário da ideologia dominante e dos modismos voluntaristas e individualistas, nada foge da história e das relações sociais concretas.

[1] - Para ver a programação completa, clique aqui.
[2] - Sobre isso: VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Ideías e Letras, 2009.

domingo, 5 de abril de 2015

Juventude e Sociedade - Ensaios sobre a Condição Juvenil



O livro "Juventude e Sociedade - Ensaios sobre a condição juvenil" acaba de ser lançado.

Abaixo informações sobre o mesmo:

Texto de Orelha:



Texto da Contracapa:



Sumário:



VIANA, Nildo. Juventude e Sociedade. Ensaios Sobre a Condição Juvenil. São Paulo: Giostri, 2015.


sábado, 4 de abril de 2015

O Cineasta é um autor?














O CINEASTA É UM AUTOR?

Por Nildo Viana

A idéia de autoria no cinema tem seus primeiros passos com o próprio surgimento do cinema, mas se sistematiza e torna-se mais polêmico a partir do final dos anos 50, com o surgimento da chamada “política dos autores”, que foi traduzido normalmente como “teoria do autor”, forma equivocada de tradução. A política dos autores apontou para uma valoração do diretor/cineasta e partir de um programa que visava torná-lo o centro da produção cinematográfica. É claro que isto gerou uma justificativa ao nível ideológica, embora sem grande sistematização. Após o nascimento, apogeu e crise da política dos autores, a discussão em torno do cineasta como autor diminuiu mas continua viva. Na esfera das representações cotidianas, no chamado “senso comum”, a tese defendida pela política dos autores ainda é hegemônica, e é por isso que algumas locadoras dividem o seu acervo não por gênero (outra questão polêmica que não poderemos tratar aqui) e sim pelo “realizador”, bem como muitas pessoas cultuam autores e suas obras. O nosso propósito é justamente questionar as bases ideológicas desta concepção. Alguns críticos de cinema que trabalhavam na revista Cahiers du Cinéma e posteriormente se tornaram cineastas, foram os principais arquitetos da chamada política dos autores. François Truffaut foi o seu grande ideólogo, mas também contava com Jean-Luc Godard, Claude Chabrot, Erich Romer e outros. Segundo suas colocações mais exageradas, temos a seguinte de François Truffaut: “toda a gente sofre a tentação de arranjar o mundo à sua imagem. Ao realizador é dado um poder enorme, o de fazer encontrarem-se duas personagens que não estava previsto encontram-se. Creio que, dispondo desse poder, há a tentação de o usar. Cada realizador, mesmo o menos ambicioso, perante uma câmara e as pessoas – técnicos e artistas – que estão ao seu dispor, torna-se que como uma criança que organiza numa garagem miniatura uma batalha de soldados de chumbo. O realizador regressa aos jogos da sua infância e reorganiza o mundo segundo seus desejos”.

As bases desta posição ideológica, tal como alguns de seus críticos já colocaram, é a filosofia existencialista, produto de uma época, a da recusa do mundo burocrático e mercantil, concentracionário, que esmaga o indivíduo, o que gera a sobrevaloração do indivíduo e idéia imaginária de sua liberdade. A política dos autores acaba caindo no mesmo equívoco de determinada variante existencialista –, ao supor uma autonomia do cineasta que seria um verdadeiro criador, autor. Aqui se confunde o ser e o dever-ser, isto é, a realidade concreta e o ideal que não existe concretamente.

O cineasta não é um autor. Um escritor de obra literária é um autor, bem como um pintor, um escultor, mas não um cineasta, devido a especificidade da produção de um filme. Um filme é uma produção coletiva, que tem uma enorme equipe de produção, desde os técnicos e atores/atrizes, passando pelo diretor, roteirista, até chegar ao produtor e aos empresários. O diretor pode ter maior ou menor autonomia, mas por maior que seja esta (o que alguns poucos conseguem, seja pelo sucesso anterior, seja pela personalidade), ainda não é um “realizador” tal como aqueles que produzem em outras linguagens artísticas. Um dos cineastas de maior autonomia, como Luis Buñuel, teve que produzir filmes comerciais, tal como Robinson Crusoé, e os diversos conflitos que existem nas produções de diversos filmes, entre cineastas e roteiristas, atores/atrizes, produtoras, etc. mostra bem a fragilidade do diretor. Na verdade, um filme é uma produção coletiva, com diversos “autores”, com destaque para o diretor e os roteiristas, que, no entanto, estão bem acompanhados pelos responsáveis pela equipe de produção. Os filmes de Sérgio Leone possuem, por exemplo, o destaque das trilhas sonoras, produzidas por Ennio Morricone, se devem a este último. Sem dúvida, a valoração da trilha sonora e a escolha de Morricone foram de Sérgio Leone, mas o mérito da produção musical se deve a Morricone.

Além do trabalho de produção de um filme ser coletivo, existe também elementos externos que influenciam na sua produção mais do que em outras produções artísticas e culturais. A censura estatal ou da produtora também entra aqui. A influência da produção na elaboração da cena final de um filme é bastante conhecida, bem como a censura e pressões existentes. Um dos casos mais conhecidos é o filme Cidadão Kane, de Orson Welles, palco de polêmicas, pressões financeiras e uma carreira prejudicada pela decisão de autonomia por parte de Welles. Os cineastas que decidem por uma maior autonomia acabam, geralmente, entrando em confronto com a grandes produtoras, com a censura estatal, com o insucesso de bilheteria. Nos Estados Unidos, por exemplo, Charles Chaplin e Joseph Losey foram vítimas da perseguição estatal. Sem dúvida, Chaplin foi um dos cineastas mais autônomos de todos, pois além de diretor, muitas vezes era o roteirista, o ator principal, e até responsável pela produção, como ocorreu em sua grande obra Tempos Modernos. Também as tendências da época são mais importantes para entender determinados filmes do que os diretores, pois estes acompanham uma ou outra tendência e é por isso que alguns cineastas são de difícil classificação, pois em determinada época foi surrealista, em outra realista, e assim por diante. Este é o caso de Fritz Lang, que foi expressionista, depois, dizem, representante da Nova Objetividade, e terminou em Hollywood. É o caso de cineastas franceses, que passaram rapidamente do impressionismo para o surrealismo ou realismo poético ou dos cineastas italianos, sendo que alguns trabalharam em filmes fascistas, depois aderiram ao neo-realismo (que se pretende de “esquerda”) e depois passam para as produções de caráter individualista (“autorista”, com Bertolucci e semelhantes) ou então produzindo gêneros americanizados (o western-spaghetti).

Se os cineastas que possuem maior autonomia já encontram tais dificuldades, então os de menor autonomia realmente não são “autores” em hipótese nenhuma. Mas foi justamente os ideólogos do “autorismo”, para utilizar expressão utilizada pelo tradutor de Introdução à Teoria do Cinema, de Robert Stam, fizeram, pois produziram exageros tal como a “recuperação” de cineastas norte-americanos de Hollywood. Tal como colocou Andrew Tudor em seu livro Teorias do Cinema, “o que os críticos dos Cahiers fizeram foi descobrir auteurs onde ninguém tinha sonhado”. Assim, não é difícil perceber as “extravagâncias” que este raciocínio pode levar, a avaliação dos filmes passa a ser feita pelo “autor” e um filme já é pré-julgado naturalmente pelo “autor” que o fez. Se o “autor” é bom, o filme também é, e, assim, nem é preciso assisti-lo para saber disso. Assim, segundo Tudor, um filme ruim de Hawks (Hatari) é melhor do que um filme bom de Zinneman (Matar ou Morrer).

Por fim, resta lembrar que o cineasta não é um autor, mas, no máximo, um co-autor, junto com um conjunto de colaboradores. Embora mesmo os mais fracos cineastas tenham um papel importante na produção de um filme, somente aqueles que são mais autônomos ou possuem mais condições para isto, é que exercem um papel determinante no resultado final. Todos cineastas são co-autores ao lado de diversos outros co-autores. Alguns deles com maior autonomia, outros com menor, mas nenhum deles é um autor no sentido que lhe deu a ideologia do autorismo e seus derivados contemporâneos.

Fonte:
VIANA, Nildo . O Cineasta é um autor?. Jornal Opção, Goiânia, v. 1253, p. 25 - 25, 01 set. 2006.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

A Maldição da Cegueira em “A Cor do Paraíso”










A Maldição da Cegueira em “A Cor do Paraíso”
Nildo Viana

A nossa sociedade é uma “civilização da imagem”. Não apenas através dos meios de comunicação como a televisão, o cinema, as revistas em quadrinhos, revistas em geral, a imagem é um mecanismo de comunicação hegemônico. A proeminência da imagem é derivada da supervaloração da visão, que é o sentido humano mais utilizado e que se torna o modelo exemplar que comanda a racionalidade ocidental. A chamada “teoria do conhecimento” é fundada no modelo da visão. É por isso que existe o predomínio de expressões como “ponto de vista”, “observação”, etc. A audição e os demais sentidos pouco participam das metáforas das concepções sobre o saber humano ou o saber científico, mais especificamente. Assim, é comum se ler textos sobre o “lado oculto” ou a “face oculta” de determinado fenômeno ou sobre seu caráter invisível, mas dificilmente se encontra algum texto que aborde o caráter inaudível ou intangível de algum fenômeno. Isto coloca em questão a situação dos cegos na sociedade da imagem. O problema da relação entre cinema e cegueira é bastante complexo e nos limitaremos aqui a analisar o filme A Cor do Paraíso, que tem um menino cego como personagem principal. A partir deste filme podemos colocar em discussão a civilização da imagem e o problema da cegueira no seu interior.


A Cor do Paraíso (Majid Majidi, Irã, 1999), como todo filme, passa uma mensagem. Não iremos analisar a mensagem intencional deste filme, ou seja, aqui não iremos buscar descobrir o seu significado original, pois para fazer isto teríamos que realizar uma pesquisa complexa, que envolveria o processo de produção do filme, as concepções do diretor, etc. O nosso objetivo aqui é atribuir uma significação ao filme e assim chegar a uma mensagem não-intencional repassada por ele. Sem dúvida, essa mensagem inintencional pode coincidir com o significado original do filme, mas esta possibilidade não pode aqui ser trabalhada, devido ao motivo aludido anteriormente.


Notamos no filme uma narrativa que focaliza o menino cego e seu pai. O enredo expressa o conflito pai-filho, cuja origem está no preconceito do pai em relação ao filho cego. Esta oposição permeia toda a narrativa e vai se desdobrando de tal forma que o tema da cegueira acaba revelando uma dupla cegueira: a cegueira no sentido literal da palavra e a cegueira num sentido figurativo.


A cegueira no sentido literal é a do menino cego e se expressa como falta de visão, isto é, impossibilidade de utilizar um dos sentidos humanos. A cegueira no sentido figurativo é a do pai do menino e se caracteriza pela falta de percepção da realidade, a incapacidade de “ver”, ou melhor, de ter consciência das relações sociais que cercam este indivíduo.


A falta de visão do menino cego é compensada pela percepção do mundo pela sensibilidade, tato, audição e referenciais intelectuais (tal como o braile, que ele utiliza em seus contatos táteis com flores, folhas, etc.). Ele consegue se mover bem no interior das relações sociais e lugares em que vive. O seu desenvolvimento intelectual, exemplificado quando surpreende a todos na escola de suas irmãs, por ler em braile mais rápido e acertadamente do que o outro menino que fazia a leitura, bem como sua percepção da relação problemática com o pai, tal como se percebe no fato dele não presenteá-lo, mas tão-somente a sua avó e irmãs.


Em contraste, temos a outra cegueira, que é a do pai. Este demonstra uma falta de percepção da realidade social que é a raiz do conflito com o filho cego. Esta falta de percepção não é produto da incapacidade natural ou da maldade inata, como poderia apressadamente ser sugerido por quem ao invés de aprofundar a análise prefere ficar na superficialidade ou nos modelos abstrato-metafísicos. A base de sua falta de percepção se encontra no preconceito contra o menino por ser cego (e isto é demonstrado durante todo o filme, desde o início que ele chega em seu vilarejo e evita os lugares em que teria quem entrar em contato com outras pessoas). Além do preconceito, os valores do pai, tal como individualismo e sua ânsia por dinheiro são outros elementos que dificultam o desenvolvimento de sua consciência da realidade. Quando ele cobra de sua mãe e lamenta sua situação por ter um filho cego e perdido a esposa, explícita seu individualismo e valoração do dinheiro.


Esta incapacidade de percepção da realidade social provoca várias conseqüências, tal como a auto-destruição, que pode ser exemplificada na perda da mãe e do filho e na não realização do casamento, bem como na destruição do outro, a morte do filho. Assim, temos, de um lado, a cegueira da visão traz dificuldades e parcialmente superadas. O problema maior é que tais dificuldades são ampliadas por determinadas relações sociais. As relações sociais capitalistas, geradoras de preconceito, individualismo, competição, conflito, etc., e que promovem as diferenças físicas a material para preconceito. De outro lado, temos a cegueira da percepção que traz o preconceito, destrutividade e auto-destruição. Esta é a maldição da cegueira, o resultado de uma consciência limitada, que tem conseqüências nefastas, quer exista ou não consciência disto.



Neste processo o que ocorre é que a consciência coisificada do pai gera a destruição do filho e de outras pessoas, sobrando para ele, além do sofrimento da perda, o sentimento de culpa. Este é um fenômeno que ocorre sob múltiplas formas na sociedade moderna e o filme nos mostra, não pela mera observação do filme mas pela reflexão, que a cor do paraíso não pode ser “vista” pelos olhos.




Artigo publicado originalmente no Jornal Opção.