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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A Dialética em Marx e o Marxismo Ocidental


Existem diversas concepções de dialética. Marx foi o responsável pela estruturação de uma dialética materialista  e revolucionária que depois foi deformada ou retomada pelos pensadores posteriores. Entre estes se destacam Karl Korsch, Georg Lukács (em seu período revolucionário) e Jean-Paul Sartre. 
O Seminário "A Dialética em Marx e no Marxismo Ocidental" visa resgatar o pensamento destes autores sobre dialética, com a colaboração de Edmilson Marques, Nildo Viana e Lucas Maia.

DIA 26 E 27 DE NOVEMBRO

14h às 18h.

Minicurso: O método dialético em Marx.

Nildo Viana (UFG)
Edmilson Marques (UEG)

DIA 28 DE NOVEMBRO
14h às 16h.

Mesa redonda: O método dialético no marxismo ocidental.

Karl Korsh - Edmilson Marques (UEG)
György Lukács - Lucas Maia (IFG)
Jean-Paul Sartre - Nildo Viana (UFG)

16h às 18h
Sessão de comunicações (inscrições abertas)

Inscrições: contatogpds@gmail.com
VALOR: R$ 5,00
Pagamento no dia e local do evento.
Certificado de 15 horas.
Haverá sorteio de livros!

Realização: GPDS - Grupo de Pesquisa Dialética e Sociedade/FCS/UFG

domingo, 26 de outubro de 2014

E Agora, Eleitor?


E AGORA ELEITOR?
Nildo Viana

E agora, eleitor?
A eleição passou
Você nada ganhou
Apenas se enganou

E agora, eleitor?
Seu candidato ganhou
Ele te enganou
Você é o perdedor

E agora, eleitor?
Seu candidato perdeu
Você apenas sofreu
Por um malfeitor

E agora, eleitor?
Vai para casa dormir
Com a consciência tranquila
Para assim se omitir
Na luta cotidiana na vida

E agora, eleitor?
Vai se refugiar na vida privada?
Fugir da luta e da ação
Esquecer que escolheu a canoa furada

E agora, eleitor?
Deixará de ser "ativo"
Voltará a ser passivo
E compactuará com o terror

E agora, eleitor?
Só voltará com os políticos profissionais
Daqui a quatro anos, anos eleitorais
Como gado preso nos currais

E agora, eleitor?
A fome e o desemprego vai aumentar
Você vai apenas lamentar
E esperar novamente para votar

E agora, eleitor?
O mal menor vai ser seu mal
O menos ruim vai lhe arruinar
Escolher nesse caso é fatal

E agora, eleitor?
Vai dormir ou vai agir?
Vai reproduzir o engano
Vai ser humano ou desumano?

E agora, eleitor?
Vai lutar e mudar de verdade?
Ou vai continuar eleitor?
E agora, eleitor?

E agora, eleitor? Texto, vídeo e poesia

As eleições passaram. A pergunta que fica, tanto para os omissos quanto para os fervorosos defensores das candidaturas A ou B, é: e agora? para onde? Para quem, como eu, defendeu o voto nulo, havia um projeto: lutar pelo voto nulo para aumentar o protesto, deslegitimar a falsa democracia, mostrar que não é votando que se realiza mudanças, aliando isso à luta pela autoemancipação, autogestão, auto-organização e autoeducação. Esse momento, eleitoral, terminado, não encerra a luta, abre nova fase da mesma, sem o incômodo das eleições, há muita luta pela frente. O eleitor fervoroso após o ato do voto, em sua maioria, desaparece do cenário público, incluindo os intelectuais venais e intelectuais públicos de ocasião. A música de Paulo Diniz, abaixo, texto de Carlos Drummond de Andrade, bem como a versão feita por mim trocando o José pelo eleitor (e o vídeo com a música Marionete Consciente), fazem a pergunta daqueles que esbravejam de quatro em quatro anos e depois vão ficar vendo "a banda passar" e no máximo reclamar... e agora eleitor? Vai dormir ou vai agir? A desilusão vai servir para buscar nova ilusão? A desilusão deveria servir para lutar e não esperar que alguém resolva os problemas que somente a população pode resolver.

[Para desativar a música da Rádio Germinal, vá até o final do blog e aperte em pausa].

E AGORA ELEITOR?
Nildo Viana

E agora, eleitor?
A eleição passou
Você nada ganhou
Apenas se enganou

E agora, eleitor?
Seu candidato ganhou
Ele te enganou
Você é o perdedor

E agora, eleitor?
Seu candidato perdeu
Você apenas sofreu
Por um malfeitor

E agora, eleitor?
Vai para casa dormir
Com a consciência tranquila
Para assim se omitir
Na luta cotidiana na vida

E agora, eleitor?
Vai se refugiar na vida privada?
Fugir da luta e da ação
Esquecer que escolheu a canoa furada

E agora, eleitor?
Deixará de ser "ativo"
Voltará a ser passivo
E compactuará com o terror

E agora, eleitor?
Só voltará com os políticos profissionais
Daqui a quatro anos, anos eleitorais
Como gado preso nos currais

E agora, eleitor?
A fome e o desemprego vai aumentar
Você vai apenas lamentar
E esperar novamente para votar

E agora, eleitor?
O mal menor vai ser seu mal
O menos ruim vai lhe arruinar
Escolher nesse caso é fatal

E agora, eleitor?
Vai dormir ou vai agir?
Vai reproduzir o engano
Vai ser humano ou desumano?

E agora, eleitor?
Vai lutar e mudar de verdade?
Ou vai continuar eleitor?
E agora, eleitor?
[Para desativar a música da Rádio Germinal, vá até o final do blog e aperte em pausa].

sábado, 25 de outubro de 2014

Psicanálise da Ilusão Eleitoral 03: A Alienação Generalizada



PSICANÁLISE DA ILUSÃO ELEITORAL 03:
A ALIENAÇÃO GENERALIZADA

Nildo Viana

O desejo coisificado[1] não emerge do nada, ele tem uma fonte social. Nesse sentido, é fundamental entender as fontes do desejo coisificado, não só para compreendê-lo, mas também para poder pensar sua superação, o que pressupõe romper com a alienação, o burocratismo, o imobilismo e o conformismo, condições para uma verdadeira esperança e utopia concreta.

O desejo coisificado ocorre sob várias formas e uma delas é o fetichismo eleitoral. Assim como o fetichismo da mercadoria é explicado pela existência do trabalho alienado, o desejo coisificado (ou fetichismo eleitoral) é explicado pela generalização da alienação na sociedade capitalista. O trabalho alienado é aquele no qual o trabalhador não possui controle de sua atividade e com isso perde o controle do produto do seu trabalho, gerando a alienação do produto (propriedade privada). A alienação é, assim, uma relação social na qual alguns controlam a atividade de outros e assim usurpam o produto da mesma[2]. Esse processo é mais amplo do que parece à primeira vista, pois a sociedade capitalista realiza um processo de ampliação da divisão social do trabalho, mercantilização e burocratização das relações sociais. A burocratização das relações sociais acaba gerando um processo de controle da vida cotidiana dos indivíduos, através do Estado e seus aparatos (democracia burguesa, aparato repressivo, aparato educacional, aparato comunicacional, etc.) e as empresas e instituições privadas, promovendo também a burocratização da sociedade civil em geral (igrejas, partidos, sindicatos, etc.). Nesse contexto, que desde 1945 já atinge o conjunto da sociedade, os indivíduos passam a estar submetidos a diversas instâncias sociais que dirigem sua vida em geral. Os indivíduos são controlados no trabalho, nos estudos, no lazer, estando submetidos a especialistas e burocratas em todos os lugares.

A alienação generalizada da sociedade capitalista promove a mentalidade burocrática, tanto a de caráter dirigista daqueles das classes privilegiadas, especialmente os burocratas (do estado e governos, empresas, instituições em geral) quando a sua versão submissa dos dirigidos em sua maioria. O que ambos concordam é que há a necessidade de dirigentes e os dirigidos aceitam resignadamente em grande parte e outra parte aceita por ambicionar passar de dirigido para dirigente, esperando acender ao poder. A mentalidade burocrática é a do controle total e dirigista, produzidas e reproduzidas por burocratas, capitalistas e pretendentes. Para aqueles que são das classes exploradas, isso se revela, em grande parte dos casos, como submissão e se manifesta mais como mentalidade submissa que justifica e legitima a dominação e direção. A nível da sociedade, isso reforça a estratégia burguesa de canalizar todas as lutas sociais para o Estado, via democracia representativa, na qual as pessoas trocam sua luta direta por escolha de representantes, adesão a partidos e candidaturas, etc., o que significa, em alguns casos, abrir mão da luta para que outro supostamente a faça.

Assim, temos relações sociais concretas marcadas pela alienação e burocratização e mentalidade burocrática e submissa gerada por tais relações e confirmadas cotidianamente por elas e pela própria mentalidade que lhe reforça. Nesse contexto, existe uma recusa da alienação, do burocratismo, do controle e falta de liberdade, mas em grande parte dos casos é inconsciente ou relegado a mero desejo coisificado. Aqui temos um processo de alienação generalizada e produção de desejo coisificado.

O processo de superação do desejo coisificado de liberdade e de eliminação da burocracia e da alienação, elementos inseparáveis, ocorre através da luta e, especialmente, da práxis. A luta é necessária e é a primeira forma de liberdade e superação da alienação e burocratismo, pois nós mesmos agimos em busca da liberdade, já sendo sua manifestação inicial. Contudo, isso deve ser teleológico (com uma finalidade, a liberdade real, autoemancipação e autogestão das lutas visando a autogestão social), consciente e ativo, por isso práxis. A negação prática é mais rica, profunda e eficaz quando é também negação consciente e teórica.

Ora, se há uma alienação generalizada na sociedade capitalista, então devemos lutar também sob forma generalizada contra ela. Trata-se de uma luta generalizada visando instaurar e generalizar a autogestão (das lutas para conseguir torná-la autogestão do conjunto das relações sociais, ou seja, da sociedade como um todo). Esse processo de luta não pode ser, no entanto, abstraído das relações sociais existentes e por isso não é num esforço de imaginação que isso se realiza ou de um dia para o outro. Se alguns indivíduos buscam e tentam efetivar isso, eles encontrarão a oposição da classe dominante, do Estado, do capital, bem como de suas classes auxiliares e até mesmo de amplas parcelas das classes exploradas que ainda não terão superado isso. Inclusive haverá oposição das próprias pessoas que querem a transformação radical, em sua mentalidade, pois ninguém rompe com a mentalidade dominante e milhares de outros elementos culturais e sociais de uma hora para outra e em sua totalidade. Esse é um processo de luta onde milhares estão lutando e por isso é preciso lutar contra nós mesmos em muitos aspectos, principalmente tendo em vista que nem tudo que é apresentado como “revolucionário” o é realmente. É preciso entender que muito do que se coloca como contestador é, no fundo, mera luta por vantagens competitivas dentro do capitalismo e isso acaba criando divisões e promovendo influências para os que acreditam em tais discursos. Por isso a reflexão deve ser mais profunda.

Assim, a luta cultural tem um papel fundamental e a luta em todos os lugares. O voto nulo e a luta antiparlamentar é uma das formas – que não é a única e nem a mais importante, pois existem milhares de outras, inclusive mais profundas e necessárias. A questão é que o voto nulo (ou abstenção) é uma ação que não é dirigida por ninguém, o que significa que é uma forma de luta que rompe tanto na prática quando na consciência, com a alienação e o burocratismo. Nesse sentido, é um dos lugares de luta, que não pode, no entanto, aparecer como o único ou principal, bem como esse fato não deve servir de pretexto para omissões oportunistas e convenientes a nível pessoal de supostos revolucionários, que querem evitar conflitos e problemas e ficar em sua situação de conforto nas relações sociais com conservadores, oportunistas, etc.

Obviamente que existem outras consequências do voto nulo (protesto, deslegitimação da democracia burguesa e estado capitalista, etc.)[3], principalmente se articulado com outras lutas (tal como a luta cultural mais geral, a luta pela auto-organização e autoeducação da população em seu conjunto, o projeto autogestionário, etc.)[4]. Nesse sentido, a luta[5] pelo voto nulo é um processo de superação do desejo coisificado e elemento da luta cultural pela autogestão social e contra a alienação generalizada do capitalismo. A superação do desejo coisificado pode ser conquistada, em alguns casos individuais, com a luta cultural e pelo voto nulo, mas é com a superação da alienação generalizada no conjunto das relações sociais que isso pode ocorrer de forma também generalizada.





[5] Luta e não “campanha”, pois quem faz campanha são os políticos profissionais e partidos políticos. Embora isso não nos faça, como alguns, condenar aqueles que usam tal terminologia (“campanha pelo voto nulo”) como se isso fosse fundamental e motivo para divisionismo, pois apenas sugerimos a mudança e usamos outra e se houvesse menos “sectarismo” e “dogmatismo”, muitos poderiam alterar, sendo que poucos fazem isso e outros avançam mas fazem questão de fazer de conta que não sabem a fonte de tal alerta e criticam os que chamaram atenção para o fato e inventam críticas infundadas para manter sua luta por espaço ao invés de buscar a solidariedade revolucionária, compromisso com a verdade e reconhecimento da luta dos demais.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

PSICANÁLISE DA ILUSÃO ELEITORAL 02: A MANIPULAÇÃO DO MEDO



PSICANÁLISE DA ILUSÃO ELEITORAL 02:
A MANIPULAÇÃO DO MEDO

Nildo Viana

Temos uma escolha. Fugir em pânico ante a iminência do desmoronamento das nossas estruturas; acovardar-nos com a perda dos portos conhecidos; ficar paralisados, inertes e apáticos. Fazendo isso, estamos abrindo mão da oportunidade da formação do futuro. Estamos negando a característica mais distintiva do ser humano – influenciar a evolução do meio do reconhecimento consciente – , capitulando frente à força destrutiva e cega da história, desistindo de moldar uma sociedade futura mais justa e mais humana. Ou será que devemos lançar mão de toda coragem necessária para preservar nossos sentimentos, nossa consciência e responsabilidade ante a mudança radical? Participar conscientemente, mesmo em pequena escala, da formação da nova sociedade? Espero que esta seja a escolha, pois nela baseio minha dissertação.
Rollo May

O medo é um sentimento humano normal e comum. Em certos momentos ele pode ser exagerado, quando ocorre processos sociais determinados que geram uma generalização ou intensificação do medo, ou, em casos individuais, quando há desequilíbrio psíquico. O processo eleitoral é um jogo no qual os jogadores (partidos, candidatos, etc.) fazem de tudo para ganhar o mesmo, inclusive passando por cima das próprias regras. Dentre as diversas formas de tentar conseguir votos e retirar dos adversários está a manipulação do medo.

A manipulação do medo assume várias formas. Uma das formas é criar relações para atribuir medo. Usa um sentimento relativamente comum, que é o medo do desconhecido, do estrangeiro, do diferente, e cria uma relação com o(s) adversário(s). Assim é que logo se relaciona o adversário com o “fascismo”, o “comunismo”, etc. Na história das eleições no Brasil, esse procedimento foi utilizado de forma sistemática pela candidatura de José Serra contra a de Luíz Inácio Lula da Silva. A atriz Regina Duarte aparecia no programa eleitoral e chamadas do PSDB falando que temia a volta da inflação, o fim da estabilidade conquistada pelo governo tucano, do candidato oposto, etc.

[Para desativar a música da Rádio Germinal, vá até o final do blog e aperte em pausa].

Agora, no atual processo eleitoral, a mesma manipulação é realizada, só que agora invertida, é o PT que faz tal jogo com o PSDB. Ou seja, usa o discurso do medo, afirmando que a estabilidade, os parcos programas sociais, entre outras coisas, seriam perdidas caso o candidato adversário ganhasse.


[Para desativar a música da Rádio Germinal, vá até o final do blog e aperte em pausa].

Obviamente que o discurso pode parecer convincente, mas é geralmente falso. O interesse de qualquer partido e candidato é manter-se no poder e isso pressupõe manter a governabilidade. Instabilidade financeira, inflação, altas taxas de desemprego, etc., não é interesse de nenhum governo, pois lhe retira apoio, legitimidade e possibilidade de manutenção no poder. Se isso ocorre, é geralmente por causa de forças externas e independente da vontade de cada governo (crise mundial, por exemplo). Tanto é que o medo de Regina Duarte não foi comprovado. Da mesma forma, os programas sociais não seriam retirados se dão retorno eleitoral, a não ser que a situação exija. Assim, de qualquer forma, dificilmente há justificativa para o medo, pois não tende a ver mudança fundamental nos elementos que se utilizam para balançar tal bandeira.

Isso pode ocorrer em alguns casos, quando há excesso de incompetência ou quando o futuro governo tem realmente alguma grande diferença programática e política com o atual. Não existe isso hoje, os dois partidos em disputa são neoliberais e seguem as diretrizes do grande capital transnacional. Basta recordar o protótipo do programa “bolsa família”, cuja origem é neoliberal, foi gestado no Banco Mundial[1], implantado pelo governo do PSDB e mantido com algumas poucas modificações pelo governo do PT. Com o retorno eleitoral que ele já promoveu, nenhum governo o jogaria na lata de lixo. O mesmo ocorre com diversas outras iniciativas governamentais, o máximo que pode ocorrer é trocar algumas pessoas que estão na gestão dos programas e é aí que está a verdadeira disputa. Claro está também que muitos governos dizem ter realizado conquistas que, no fundo, é produto do desenvolvimento capitalista (o uso de computadores e celulares, por exemplo, tanto é que se espalhou por todo o mundo, mesmo em países muito mais pobres).

É sempre o partido governista que usa essa estratégia, pois ela é conservadora (coloca  a tendência a piorar com um governo de outro partido e visa apenas conservar as supostas “conquistas”). Isso pode ser reforçado por vínculos, práticas, rótulos, etc., atribuídas (reais ou não) ao adversário.

A manipulação do medo, no entanto, não atinge todo o eleitorado, mas somente parte, que se reconhecem nas supostas “conquistas” (alguns são “convencidos”), os que obtiveram privilégios, os que pensam que realmente pode piorar e atingi-los.

Isso acaba desviando da verdadeira questão: na verdade, quem perderá pessoalmente é apenas os indivíduos com cargos, vantagens e privilégios por estarem ligados ao bloco dominante expresso pelo partido no governo. Em todo o processo eleitoral, o que se troca são as forças provisórias do bloco dominante (indivíduos, partidos, grupos de interesses, etc.) e para esses, realmente é necessário ter medo, pois vão perder algo, sem dúvida.

No atual caso brasileiro, além do jogo de interesses dos componentes do bloco dominante, perdas reais podem ocorrer, mas isso muito mais por causa da tendência do capitalismo mundial e da dinâmica do capitalismo brasileiro do que por qualquer outra coisa. Sem dúvida, o ciclo de crescimento está chegando ao fim e, ao ocorrer, vai gerar problemas e necessidade de reajustes. As políticas estatais de assistência social tendem a diminuir, bem como outros investimentos podem recuar,mas tanto faz quem será o governo, nenhum dos dois partidos tem uma concepção e projeto alternativo ao neoliberalismo e por conseguinte as diferenças são tão pequenas que até que poderiam juntar e fariam juntos o mesmo mal que fariam separados.

A grande questão é que o medo gera retraimento e conservadorismo. Por isso é necessário substituir o medo pela coragem, pelo desafio. Ao invés de escolher entre ficar do jeito que está com algumas promessas de poucas melhorias ou de supostas mudanças é preciso escolher a utopia, a luta pelo que é realmente novo e radicalmente diferente. Escolher entre ser um escravo com o dono X ou com o Y não é escolha. A única escolha digna é abolir a escravidão, os escravos e os donos. Sonho irrealizável? Melhor viver e lutar por um sonho irrealizável do que viver num pesadelo cotidiano e constantemente renovado, recorrente[2].

Ao invés de medo e apoio à reprodução do mundo existente, devemos recusar, nas urnas com o voto nulo, e na vida, com diversas ações e lutas, para superar esse mundo que algumas pessoas ainda insistem em defender, apesar de 1 em cada 7 seres humanos estar passando fome, da destruição ambiental em escala mundial (e que pode se tornar irreversível), da superexploração da força de trabalho, da miséria psíquica, sexual, cultural, e milhões de outras coisas que poderiam ser elencadas e que são apoiadas e reforçadas por todos os governos de todos os partidos (inclusive os da pseudoesquerda). O único caminho é sair do discurso dominante e de suas supostas divergências, pois divergem dentro da convergência da reprodução do capital e tudo que é derivado dele e foi citado anteriormente. Medo? Do que deveriam ter medo não têm, pois só conseguem ver o cotidiano, as coisas palpáveis, a vida medíocre e suas necessidades imediatas. Coragem? Essa é necessária para mudar o mundo.

(Continua).





[2] E para as pessoas, supostamente de “esquerda” que não entenderam que o projeto autogestionário não está buscando carro, casa, comida, distribuição de renda, salários elevados e sim abolição da pobreza em geral, relações sociais radicalmente diferentes, abolição do salariato, do Estado, do capital. As discussões mesquinhas sobre desenvolvimento econômico, salário, privilégios, renda, migalhas, entre outras, são projeto do capital e para o capital, visando se reproduzir. Um mundo novo é o que está contido no projeto autogestionário, o resto é ilusão e mediocridade, tanto faz qual o governo que reproduzirá isso.

Eleições: Desejos, Ilusões e Transformação


Eleições: Desejos, Ilusões e Transformação


Nildo Viana


O discurso eleitoral é mentiroso por essência. Os candidatos mentirem, infelizmente (e inevitavelmente), é algo normal. O problema maior é outro: os eleitores repetirem as práticas, mentiras, deformações, dos seus candidatos. Argumentos falsos, informações no mínimo suspeitas, ataques à vida pessoal, interpretações forçadas, maniqueísmo, ilusões. A grande questão é que o jogo de interesses, as ilusões, o desejo coisificado, a falta de informação, são muito fortes e o resultado eleitoral é determinado por esses elementos e toda máquina financeira e propagandística. Os eleitores de hoje, inclusive (o que é mais grave) os mais politizados e com formação intelectual supostamente "superior" (com curso superior, alguns até com doutorado, sendo professores e autores de livros) são capazes das conclusões mais estúpidas, das justificativas mais ignóbeis, das análises mais pobres, tudo isso de acordo com seus interesses e ilusões. Na era da mentira, dizer a verdade é uma raridade. E isso, em muitos casos, é o que Marx já colocava ao criticar os economistas vulgares: o que interessa não é a verdade desse ou daquele argumento e sim se é útil ou não ao capital (ou a interesse pessoal). O compromisso com a verdade, que deveria ser meta e objetivo de todos os intelectuais (e todos os seres humanos) é substituído pelo interesses mesquinhos. Aumentar o nível do consumo é mais importante do que dizer a verdade. 

A mercantilização das relações sociais transforma o eleitor em mero consumidor (conservador, seja votando em A ou B). Por isso, quem não reproduz as falácias eleitorais, deve, naturalmente, concluir que a democracia representativa é uma farsa que a cada quatro anos escolhe um novo (ou o mesmo) farsante. Nesse sentido, só resta a luta cotidiana no local de trabalho, estudo e moradia, na busca da auto-organização, autoformação, e na perspectiva de novas relações sociais e nova sociedade. Para isso é preciso não compactuar com o que está aí, o voto nulo é protesto contra isso, é deslegitimação disso, é momento de mostrar que é possível outras formas de ação política, que não passa pelos partidos e Estado, (falsos) representantes e políticos profissionais, pode ser feita por nós mesmos, tanto na luta cotidiana quanto nas ruas, nos movimentos grevistas, manifestações, pressões, bem como através da auto-organização e autoeducação, formando coletivos e ações. É muito mais fácil ficar sentado no sofá e ver o bate boca de corruptos na TV e optar por um deles indo numa cabine e teclando alguns números, mas é muito mais prazeroso, autêntico, vital, se organizar, agir por conta própria, reunir com os que também querem a transformação. 

Por isso, a opção é voto nulo ao lado da luta pela autogestão social. Mesmo não se concretizando imediatamente, a luta pela autogestão e o voto nulo servem como arma de protesto, pressão, deslegitimação e passo para novas ações mais profundas. Fazer isso já exige coragem, decisão própria, autonomia intelectual e ética. Mas a outra opção é possível, deixar que os corruptos decidam nossa vida e a destruam por causa dos seus interesses, transformando o meio ambiente em lixo, aumentando a exploração dos trabalhadores, contando suas mentiras (inclusive nenhum candidato disse que após tomar posse vai ter que fazer ajustes na economia que foram contidos pelo atual governo por causa das eleições e seu caráter impopular, que nenhum conseguirá manter os mesmos níveis de desenvolvimento capitalista, o que significa mais corte de gastos com políticas sociais, entre outras coisas). Ou buscamos uma real alternativa e começamos a trabalhar por isso ou continuamos esperando messias (em pleno século 21), presidentes, políticos, líderes, para defender os interesses deles e nos iludir "pensando" que defendem os nossos.

A emancipação humana é uma necessidade e cada vez mais urgente, pois sem relações sociais igualitárias e libertárias, o planeta será destruído pela dinâmica capitalista do lucro e pela ambição que ela gera nos seres humanos, especialmente nos capitalistas, mas que se generaliza, só que com graus distintos, tal como se vê nos eleitores (preocupados com seu consumo ou consumismo), entre outras coisas. Só nos resta votar nulo, lutar pela auto-organização, autoeducação, organizar novas formas de luta e pressão, colocar na ordem do dia o projeto autogestionário.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

BORDIGUISMO, CONSELHISMO E NÓS



BORDIGUISMO, CONSELHISMO E NÓS

Nildo Viana

O chamado esquerdismo[1] possuiu inúmeras concepções e correntes políticas. Entre estas correntes se destacam duas: o bordiguismo, gestado por Bordiga e a Esquerda Comunista Italiana e o comunismo conselhista, desenvolvido pelos revolucionários holandeses e alemães. O objetivo do presente texto é ressaltar as diferenças e semelhanças entre estas duas concepções e ver como elas nos ajudam a constituir uma teoria da revolução proletária.

O Bordiguismo e o Movimento do Capital


Comecemos pelo bordiguismo. O bordiguismo nasceu na Itália, através de Bordiga e suas obras. Bordiga e seus continuadores desenvolveram uma ampla teoria do capitalismo a partir da obra de Marx. Depois de Bordiga, a grande obra do bordiguismo, a nosso ver, é a de Jean Barrot, O Movimento Comunista[2]. É uma obra monumental e que fornece uma análise do capitalismo de forma aprofundada e ao mesmo tempo sintética. Consideramos esta obra também como uma síntese do bordiguismo (embora realize algumas rupturas com o próprio Bordiga, principalmente no que se refere à questão do partido). A grande contribuição do bordiguismo ao marxismo e ao mesmo tempo seu elemento central, é justamente a sua análise da dinâmica do capitalismo, centrada na produção de mais-valor. O bordiguismo analisa o processo de constituição, desenvolvimento, e auto-dissolução do capital. Aí reside sua força e, ao mesmo tempo, sua fraqueza. Ao analisar o capitalismo, o bordiguismo não sai de sua esfera, segue sua dinâmica, seu processo de constituição e desenvolvimento, mas ao ficar restrito a esta dinâmica, acaba concebendo a constituição do comunismo como auto-dissolução do capital. O movimento do capital aponta para o seu próprio fim, através, como colocou Barrot, da “caducidade do valor”.

O que temos aqui é, a nosso ver, o elemento central do bordiguismo, a centralidade que oferece à “lei do valor”. Disto resulta uma concepção economicista e determinista. A dinâmica do capital aponta para sua própria dissolução, ou seja, isto já está determinado. Daí todas as demais questões e relações sociais são derivadas do processo de produção capitalista. Assim, a concepção de história do bordiguismo se revela “fechada”, onde a categoria da possibilidade inexiste. A constituição do comunismo é derivada do movimento do capital e assim não há espaço para se pensar a negação do capital como criação do proletariado. Disto resulta a concepção de Bordiga da “crise final” e do partido-seita. O movimento automático do capital gera o comunismo.

Entre os esquerdistas, curiosamente, o bordiguismo é a única corrente que ainda concede um papel ao partido político. Mas isto não é nenhuma novidade e o próprio Jean Barrot reconheceu isto. Segundo ele, no Prefácio à Edição Portuguesa, o seu livro O Movimento Comunista, “tende a apresentar uma lógica mais mecânica do que social – a palavra ‘mecanismo’ surge, de resto, com relativa freqüência. Tem-se, por isso, por vezes, a impressão duma evolução automática, prevista, ‘programada’, segundo ‘leis’ comparáveis às da física ou das matemáticas. A análise é exata; faz, porém, abstração de outros aspectos do problema e da realidade. Tende a tudo explicar em função de uma dinâmica econômica cujo impulso inelutável engendraria a revolução comunista tal como engendrou o capitalismo. É verdade que a causa profunda do movimento operário é a sua situação material; mas, quando Marx fala de ‘constrangimento histórico’ na Sagrada Família, este constrangimento não é independente da ação humana e da capacidade (ou incapacidade) dos proletários para agir”[3].

Mas mesmo depois desta “autocrítica”, Barrot não supera sua visão do processo de constituição do comunismo via auto-dissolução do capital. Tanto é verdade que no mesmo prefácio contesta a organização sindical e partidária, os grupos políticos e fala em grupos informais que nascem não se sabe de onde e nada mais além disso. Com o bordiguismo corremos o risco de compreender o movimento do capital mas não o engendramento do comunismo.

O Conselhismo e o Movimento Operário


O comunismo conselhista já parte de uma perspectiva diferente. Através das obras de Pannekoek, Korsch, Rühle, Mattick, Gorter, entre outros, se constitui como uma corrente política marxista principalmente na Holanda e Alemanha. Ao contrário do bordiguismo, que centra sua atenção no movimento do capital, o conselhismo focaliza o movimento operário. O comunismo conselhista nasceu no interior do processo de formação dos conselhos operários na Alemanha, Rússia, etc., em períodos revolucionários. Daí a obra dos comunistas de conselhos se centrar na questão do movimento operário e da problemática dos conselhos. Pannekoek, por exemplo, dedicou inúmeros escritos ao tema dos conselhos operários. Derivado desta concepção conselhista e centrada no movimento operário, o comunismo conselhista logo percebeu o papel contra-revolucionário dos partidos, sindicatos, social-democracia, bolchevismo. A luta operária engendra os conselhos operários e a autogestão social. Assim, a luta de classes assume importância na análise da realidade realizada pelos representantes teóricos do conselhismo.

O movimento do capital, por sua vez, foi relegado à segundo plano, o que fez alguns pensarem, tal como Wright[4], que os comunistas conselhistas centravam sua análise na questão da autogestão enquanto administração. Ora, qualquer leitor de Pannekoek[5], por exemplo, percebe que o modo de produção comunista, para o conselhismo, é a autogestão, e isto significa que ela não é mera forma de administração  e sim uma relação de produção. Tal posição se encontra, sem dúvida, no grupo Socialismo ou Barbárie, tal como se vê nas obras de Castoriadis[6], mas não na produção dos comunistas conselhistas.

O movimento operário é o fio condutor da análise dos comunistas conselhistas. Ora, o próprio Marx deixou bem claro que o comunismo é constituído por esta classe social e que é a luta de classes que define quando e como isto ocorre. Daí, sem dúvida, o comunismo conselhista ser a corrente política marxista que assumiu a posição mais revolucionária entre todas as correntes esquerdistas.

Bordiguismo e Conselhismo


A concepção bordiguista tomou como referência fundamental O Capital, de Karl Marx[7], para desenvolver suas teses. Se retomarmos Barrot, veremos que para ele o proletariado é revolucionário devido ao movimento do capital. Ao tomar O Capital como referência fundamental, o bordiguismo realizou a leitura de todas as outras obras de Marx através da sua mediação. Em O Capital, Marx analisa o processo de produção de mais-valor, capitalista, e por isso centrou sua atenção principalmente no processo de produção e distribuição. Assim, o que aparece são as duas classes sociais fundamentais na luta em torno do mais-valor. Sem dúvida, não é possível separar o modo de produção capitalista das demais relações sociais. Quais relações sociais? As formas de regularização (ou “superestrutura”) e as demais formas de produção não-capitalistas. Assim, para quem se limita à leitura de O Capital, é possível pensar que a sociedade capitalista só possui duas classes sociais, o que é incompatível com outros textos de Marx, nos quais apresenta o campesinato, a burocracia, etc., como outras classes sociais existentes no capitalismo. Mas trata-se de uma obra inconclusa. O capítulo que ele planejava escrever sobre o estado e o outro que começou a escrever sobre as classes sociais, não foram desenvolvidos. Isto prova que é impossível isolar o modo de produção das formas de regularização, bem como é um equívoco pensar que o capitalismo só possui duas classes sociais, pois, mesmo em O Capital, Marx apresenta passagens sobre a burocracia e os latifundiários, que não são nem burgueses nem proletários. A partir de tal ponto de partida, o bordiguismo irá centralizar sua atenção no movimento do capital e desconhecer a ação revolucionária do proletariado. Se limitar à leitura de O Capital também significa observar o movimento do capital, do valor, a tendência de dissolução e destruição do capitalismo, mas, dependendo da leitura, se pode ver isto como a palavra final, o que significa a auto-dissolução do capital enquanto conclusão da história. Ora, a auto-dissolução do capital não diz nada sobre a sociedade pós-capitalista, apenas coloca que haverá transformação social mas não o seu sentido. A percepção deste sentido só pode ocorrer fora do movimento do capital. É por isso que a história não está pré-determinada, pois a auto-dissolução do capital pode tanto constituir o modo de produção comunista quanto um modo de produção burocrático. Para reconhecer esta ameaça (o modo de produção burocrático) e para saber como se pode constituir o modo de produção comunista, é preciso ultrapassar a análise do movimento do capital e perceber o desenvolvimento do movimento operário, o que realizou o comunismo de conselhos.

O comunismo conselhista, diferentemente do bordiguismo, irá tomar como referência fundamental, apesar disto não estar explícito, o texto de Marx sobre A Comuna de Paris[8]. É em A Guerra Civil na França e ao analisar a ação dos “comunardos” que Marx irá colocar que é nesta experiência histórica que se descobriu, finalmente, a forma de emancipação dos trabalhadores. É na Comuna que nascerão os primeiros esboços de conselhos operários e a primeira grande experiência histórica de autogestão social. Na Comuna, o movimento operário autogeriu suas lutas, dispensando representantes e qualquer forma de organização burocrática.

O texto de Marx sobre a Comuna de Paris assume, para os comunistas conselhistas, também um significado metodológico: a teoria do comunismo só pode se constituir com base na experiência histórica do movimento operário. Toda a constituição histórica posterior do comunismo conselhista se fundamentará neste princípio metodológico. Tanto que é que a grande obra de Karl Korsch, Marxismo e Filosofia, se fundamentará justamente na idéia de relacionar marxismo e proletariado. O marxismo é aí definido como expressão teórica do movimento operário. A crítica dos comunistas conselhistas ao bolchevismo, por sua vez, tem como fundamento o caráter não-proletário do leninismo, que ao invés de se fundamentar na experiência do movimento operário se baseia no pressuposto cientificista do kautskismo. A crítica do capitalismo estatal russo, por sua vez, tem sua razão de ser por não se fundamentar na experiência do movimento operário mas, ao contrário, por combatê-lo, tal como foi feito com os sovietes (conselhos operários).

Assim, no bordiguismo a ênfase recai sobre O Capital enquanto obra teórica e no movimento do capital enquanto objeto de análise; no conselhismo, a ênfase recai no texto sobre A Comuna de Paris enquanto obra teórica e no movimento operário enquanto objeto de análise. Sendo assim, não podemos de deixar de reconhecer que a compreensão do movimento do capital e do movimento operário são fundamentais, mas que a opção conselhista, por compreender o conteúdo do comunismo e o seu processo de formação, foi muito mais longe do que o bordiguismo.

Nós...

Movimento do capital, movimento operário. A ênfase apresentada tanto pelo bordiguismo quanto pelo conselhismo deixa de lado um terceiro elemento, o dos grupos revolucionários. Ou, em outras palavras, tanto o bordiguismo quanto o conselhismo negligenciaram a questão dos grupos revolucionários. O partido-seita de Bordiga ou os “grupos informais” de Barrot são insuficientes, bem como as teses das organizações conselhistas de publicação e agitação ou da dissolução dos coletivos revolucionários nas organizações operárias.

Este terceiro elemento que foi excluído deve ser incluído. Qual é o motivo da inclusão? O motivo reside no fato de que é necessário realizar uma síntese analítica entre o movimento do capital e o movimento operário. A partir desta análise veremos, entre outras coisas, que existe uma luta de classes entre capitalistas e proletários e que o futuro não está definido. O capitalismo pode durar mais tempo do que se espera, pode destruir a humanidade (se não houver uma transformação social, certamente a destruição ambiental necessitada pelo capital levará ao fim do planeta e junto com ele a humanidade...), pode se auto-destruir, abrindo a possibilidade da  transformação social, mas cujo sentido será definido pelas demais classes sociais, se destacando aqui o proletariado e a burocracia. Ao colocar a questão da burocracia entramos numa outra discussão, a das demais classes sociais, cuja existência complexifica a luta de classes. As frações de classes e as demais classes sociais como o campesinato e a burocracia colocam em evidência o problema da luta revolucionária pela autogestão e seus obstáculos. As demais classes e frações de classes perdem a importância e não possuem nenhum projeto político alternativo ao capitalismo, com exceção da burocracia. Portanto, a luta do proletariado é contra a classe capitalista e ao mesmo tempo contra a burocracia. A burocracia já tentou assumir o poder utilizando o proletariado, e o bolchevismo foi seu produto mais genuíno. O que resultou foi em uma contra-revolução burocrática ou revolução burguesa sem burguesia que gerou o capitalismo de estado. Isto coloca a necessidade de se pensar nos obstáculos da revolução proletária. Além da burguesia há o obstáculo representado pela burocracia.

A luta de classes irá definir, mas tal luta ocorre envolvendo todos os seres humanos nesta sociedade. Todas as classes, frações de classes, movimentos sociais, grupos políticos, organizações, comunidades, etc., estão envolvidos neste processo e pesam na balança. Ora, justamente aqueles que possuem uma concepção revolucionária não podem ficar de fora da luta de classes (se “omitir”, se isso fosse possível, pois na verdade seria uma posição conservadora, já que fortaleceria o domínio da burguesia ou a ação da burocracia) e devem, no final das contas, refletir sobre sua relação com o proletariado, sem o qual não há revolução e nem autogestão.

A revolução proletária enfrenta inúmeros obstáculos. A transformação das relações sociais entre os sexos, por exemplo, ocorrerá com o processo de constituição de uma nova sociedade. Mas se isto é deixado de lado, se não há uma luta cultural contra o sexismo, se o movimento das mulheres não busca questionar o processo de opressão da mulher, isto poderá ser um obstáculo a mais para a realização da sociedade autogerida. A transformação das relações raciais também ocorrerá, mas, durante o processo, se não há desde hoje um questionamento radical do racismo, uma intensa luta cultural, uma auto-organização daqueles submetidos ao racismo, então se observará mais um obstáculo para a transformação social. A opressão das crianças, a questão da juventude, dos idosos, a questão religiosa, entre inúmeros outros elementos são obstáculos para a revolução proletária e para a constituição da autogestão social.

Um dos grandes problemas do marxismo foi ter descuidado da questão dos valores e dos sentimentos, que são constituídos socialmente, sem dúvida, mas que influenciam as relações sociais, geralmente no sentido conservador. A mentalidade (alguns psicólogos diriam “personalidade”) dos indivíduos impedem muitos a aderir ao processo revolucionário ou a fazê-lo de forma ambígua (um autoritário que quer ser revolucionário certamente irá aderir a uma corrente leninista, seja stalinista ou trotskista, que se caracteriza por reproduzir elementos da sociedade capitalista, tal como o culto à autoridade, o burocratismo, etc.). Este é outro obstáculo ao processo revolucionário. Mas nem todos os indivíduos que estão momentaneamente nesta corrente possuem mentalidade autoritária, o que significa que podem superar tal situação. Muitos entram em tais correntes por não conhecer nenhuma outra. Mas se os grupos revolucionários se omitiram ou se esconderem, se não realizarem a crítica do bolchevismo, se não se tornarem conhecidos, então isto vai se reproduzir constantemente. Isto irá reforçar qual lado da luta de classes?

A partir destes questionamentos, que de forma alguma esgotam os obstáculos ao processo revolucionário, devemos concluir que é preciso partir das contribuições do bordiguismo e do conselhismo mas devemos ir além deles. Este além significa, fundamentalmente, compreender a sociedade capitalista como uma totalidade, ou seja, o movimento do capital, o movimento operário e tudo o mais que está envolvido no processo de produção e reprodução do capitalismo. Sem dúvida, a determinação fundamental continua sendo a luta entre burguesia e proletariado, mas ela não pode ser isolada das demais lutas sociais, que apresentam novas determinações ao processo social e que devem ser integrados em qualquer análise da realidade social.

O papel dos militantes e grupos revolucionários é buscar acelerar o processo revolucionário e, ao mesmo tempo, criar as condições favoráveis para a vitória do proletariado. A luta para criar uma situação revolucionária não é suficiente, se não houver simultaneamente uma luta por uma nova correlação de forças favorável ao proletariado. Assim, a formação de uma situação revolucionária significa a alteração da correlação de forças em favor do proletariado, mas que precisa ser intensificada, ou seja, isto pressupõe que antes mesmo da situação revolucionária é necessário buscar criar uma nova correlação de forças, que pode, inclusive, colaborar com a criação desta situação revolucionária. Isto não tem nada a ver com qualquer estratégia defensiva, pois trata-se de fazer avançar centros de contra-poder na sociedade capitalista, de corroer a hegemonia burguesa na sociedade civil e na esfera cultural, de reforçar a contestação ao capitalismo por parte do proletariado e diversos outros segmentos sociais (juventude, camponeses, mulheres, idosos, crianças, trabalhadores desempregados, entre inúmeros outros) e sua auto-organização, de constituir coletivos revolucionários e contribuir com sua articulação, o que significa colocar na ordem do dia, sem quaisquer ambigüidade, a crítica da sociedade capitalista em sua totalidade e a proposta revolucionária de uma nova sociedade, autogerida. Significa, também, não evitar o confronto com as forças conservadoras, reformistas, e pseudo-revolucionárias. Significa, também, ultrapassar o equívoco já apontado por Rosa Luxemburgo, em escolher entre o abandono do caráter de massa ou do objetivo final: “a histórica marcha do proletariado até à sua vitória final não é efetivamente uma tarefa simples. Toda a originalidade deste movimento reside no fato, pela primeira vez na história, as massas populares deverem realizar as suas idéias por si próprias e contra todas as classes dominantes, mas situando o seu objetivo para além da sociedade atual, para além dessa sociedade. Precisamente essa vontade consciente só pode ser formada pelas massas dentro de uma luta contínua contra a ordem existente, aliar a luta diária à grande reforma do mundo, eis o grande problema com que depara o movimento social-democrata. Por conseqüência, deve progredir evitando dois obstáculos: o abandono do caráter de massa e abandono do objetivo final, regresso ao estado de seita e transformação num movimento reformista burguês (...)”[9].

Tal escolha não tem sentido do ponto de vista revolucionário, pois de nada adianta ser um movimento de massa se não é revolucionário, e para isso já temos muitos partidos, organizações sindicais, etc.; assim como nada significa criar um círculo de cinco pessoas que pensam revolucionariamente mas nada fazem e ninguém conhece. Na época e contexto em que escreveu Rosa Luxemburgo, início do século e um partido social-democrata de massas (o qual ela confundia com o movimento operário, pois para ela, o movimento operário e o movimento socialista – ou social-democrata, na época sinônimos – são a mesma coisa ) isto tinha sentido: buscar superar a dicotomia movimento de massa X estado de seita. Hoje, a única dificuldade existente é em ter objetivos revolucionários e meios adequados e se isto proporciona um estado de seita ou movimento de massas não é o fundamental, e para isso é necessário um conjunto de determinações (forma de atuação, estratégia, contexto social, etc.). Priorizar um movimento de massas pode levar a fazer concessões de caráter não-revolucionário e priorizar o objetivo sem analisar os meios, significa criar um mecanismo de auto-isolamento das lutas sociais, o que significa em nada contribuir para o movimento revolucionário.

Assim, a questão fundamental se torna a da estratégia revolucionária. Os objetivos colocados (criar correlação de forças favoráveis ao proletariado e buscar acelerar o processo revolucionário, objetivando a instauração da autogestão social) precisam de meios correspondentes e este é o papel que cabe a nossa estratégia e ação. Já colocamos aquilo que consideramos algumas ações que visam concretizar tal processo (luta cultural, criação de centros de contra-poder, etc.). As formas para se realizar isto ocorre em todas as instâncias da sociedade capitalista. A luta cultural, teórica, artística, são elementos que devem compor a prática revolucionária. A formação de uma expressão política do bloco revolucionário é outro elemento fundamental. Aqui entramos em outro aspecto a ser discutido.

Um bloco revolucionário é constituído pelo conjunto de coletivos, setores das classes exploradas, organizações, indivíduos, movimentos sociais, concepções... revolucionárias em uma sociedade e que se contrapõe ao bloco reformista (social-democracia, bolchevismo, classes auxiliares da burguesia, organizações, indivíduos, concepções...) e ao bloco dominante (classe dominante, forças conservadoras...). Tal bloco, a partir desta definição, existe em toda sociedade, de forma mais ou menos organizada, com mais ou menos força, etc. Ora, o que se nota nos últimos anos, a nível mundial e nacional, é um crescimento e fortalecimento deste bloco revolucionário (no Brasil, por exemplo, se vê o crescimento e expansão do anarquismo, autonomismo, marxismo autogestionário, “inimigos da economia política”..., e muitos outros grupos e coletivos sem maior definição teórica ou de concepção). Isto não significa que ele está articulado e que possua uma expressão política correspondente ao seu potencial. Isto quer dizer que já existe uma expressão política (forças revolucionárias) do bloco revolucionário mas ela ainda não se encontra articulada. Se conseguir formar tal expressão política de forma articulada, conseguirá ultrapassar as idiossincrasias, o grupismo, idiolatrias, a primazia das identificações formais (As identificações formais são aquelas feitas tendo por base uma determinada concepção política – seja o luxemburguismo, o anarquismo, o autonomismo, o conselhismo, o bordiguismo, etc. – e significa uma identificação com determinada concepção de mundo, o que provoca um raciocínio no seu interior, que na maioria da vezes leva a negar as demais concepções. Este processo de identificação é natural e todos, mesmo os que buscam criar sua própria identificação – criar sua própria concepção – não escapam disso. O problema reside quando a identificação formal (cultural) se sobrepõe à identificação fundamental, que é aquela caracterizada pelo conjunto de valores, objetivos, que possuímos, e assim, dois indivíduos, por partirem de identificações formais distintas, se negam a agir coletivamente e se esquecem que possuem a mesma identificação fundamental. A forma domina o conteúdo e quem perde com isso é o movimento revolucionário, ou seja, a luta por uma sociedade radicalmente diferente), as divergências de pormenores e linguagem, etc., e conseguir uma maior eficácia e, assim, contribuir com o processo revolucionário, intervindo nos movimentos sociais, nas instituições, etc., alterando a correlação de forças na sociedade capitalista, sendo o que deveria ser e nem sempre é: um movimento revolucionário.
Artigo publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. Bordiguismo, Conselhismo e Nós. Revista Ruptura, Ano 08, num. 07, 2001.




[1] A expressão esquerdismo, atribuída aos marxistas revolucionários que discordavam do bolchevismo, é vista pejorativamente pelo leninismo, que produziu a primeira obra de crítica ao esquerdismo (Lênin, W. O Esquerdismo, A Doença Infantil do Comunismo. 6a edição, São Paulo, Global, 1989). No entanto, o esquerdismo, enquanto termo, foi resgatado e para nós assume o significado equivalente ao de marxismo revolucionário e, por conseguinte, antagônico tanto ao bolchevismo quanto à social-democracia.
[2] Barrot, Jean. O Movimento Comunista. Lisboa, Etc, 1975.
[3] Barrot, Jean. Ob. cit., p. 9.
[4] Wright, Steven. As Tradições Revolucionárias: O Comunismo de Conselhos. Revista Ruptura. Ano 8, n. 7, Agosto de 2001.
[5] Cf. Pannekoek, Anton. A Luta Operária. Lisboa, Centelha, 1977.
[6] “Chaulieu (Castoriadis) mostra bem no seu trabalho Les Rapports de Production en Russia que há ali exploração dos operários, mas não mostra a natureza especificamente capitalista dessa exploração. Há nisso, desde logo, incompreensão do movimento do capitalismo para o comunismo, ao qual se substituem contradições reais mas perfeitamente secundárias, ao nível da gestão, por exemplo” (Barrot, J. Ob. cit., p. 60). Aqui vemos novamente a força e a fraqueza do bordiguismo: identificou o equívoco de Castoriadis mas não conseguiu perceber o aspecto revolucionário contido em sua abordagem, justamente a questão da gestão (ou melhor, da autogestão). Se se fizer a leitura dos textos comunistas conselhistas, irá se ver que a questão da produção de mais-valor é apresentada como a forma de exploração na Rússia. A diferença entre a abordagem comunista conselhista e de Castoriadis já é visível no próprio nome atribuído para caracterizar a sociedade russa: capitalismo de estado, para os comunistas conselhistas, capitalismo burocrático, para Socialismo ou Barbárie. Diferença não desprezível se recordarmos que capitalismo de estado significa, tal como colocou Pannekoek (na obra citada), que o estado monopoliza a apropriação do mais-valor produzido pela classe operária e capitalismo burocrático, que a burocracia dirige o proletariado (cf. Castoriadis, C. A Sociedade Burocrática. Porto, Afrontamento, 1979).
[7] Marx, Karl. O Capital. 5 vols. 3a edição, São Paulo, Nova Cultural, 1988.
[8] Marx, Karl. A Guerra Civil na França. São Paulo, Global, 1986.
[9] Luxemburgo, Rosa. Textos Escolhidos. Lisboa, Estampa, 1977, p. 103.