SETE RAZÕES PARA A DERROTA DESASTROSA DA
SELEÇÃO BRASILEIRA
Nildo
Viana
Um jogo de futebol é algo que todos que assistem podem ter
uma ideia geral do que ocorre. Uma grande parte dos torcedores busca
compreender o que ocorre e suas razões, e para isso usam, além do que viram
efetivamente nos noventa e poucos minutos, aquilo que sabem sobre esse esporte,
usando as informações existentes e que chegaram ao seu conhecimento, e os
comentários daqueles que supostamente entendem do assunto. Apesar de muitos perceberem
que aqueles que supostamente entendem do assunto mudarem de opinião com uma grande
facilidade (se o time está ganhando no primeiro tempo, os comentários apontam
para estar bem, tecnicamente, jogando bem, etc., e se o jogo vira, alguns dizem
que já não estava bem desde o começo...) não entendem tanto assim e misturarem
argumento “técnicos” com impressões e pouco mais que isso, ainda dão crédito
aos comentaristas. Esses, no entanto, geralmente ficam no nível das
representações cotidianas (“senso comum”), e alguns ainda avançam num discurso
técnico sem maiores elaborações.
No entanto, um jogo de futebol não é só o que ocorre no
campo durante noventa e poucos minutos. Há muito mais em “jogo”, para usar um
trocadilho. Há o contexto social geral, os interesses existentes, as forças e
tendências extracampo. Bem como, no campo não existe apenas o jogador X, sempre
o mesmo e igual, pois ele é um indivíduo como qualquer outro e pode estar bem
ou mal, seja física ou psiquicamente, pode estar influenciado ou não por
pressões, problemas, entre diversos outros elementos que faz a realidade
existente ser praticamente infinita. No entanto, para muitos, a realidade é
reduzida a noventa e poucos minutos e ações de seres reduzidos à categoria
“jogador de futebol” (e não um ser humano concreto e real, com tudo que é
derivado dessa condição) no contexto bastante limitado.
Esse é o mundo das aparências, que é o mundo visível e que a
maioria aceita e se move nele. Mas para uma compreensão mais profunda de um
jogo de futebol específico, como o de ontem, no qual a seleção brasileira de
futebol, a mais tradicional do mundo, perdeu vergonhosamente para a seleção
alemã por 7 a 1, esse mundo é insuficiente. Os envolvidos e outros dirão: “é
inexplicável”, tal como se viu em entrevistas. Eis a “explicação”: não há explicação.
Contudo, uma análise mais profunda e que tente superar as aparências, que tenha
um método de análise (que, por exemplo, gera o pressuposto de que um jogo de
futebol é uma totalidade envolvida em uma outra totalidade muito mais ampla),
permite pelo menos ensaiar uma explicação do “inexplicável”. Eis o nosso
objetivo neste texto.
O método dialético tem um pressuposto: “o concreto é o
resultado de suas múltiplas determinações”, ou seja, um acontecimento real tem
diversas determinações que o constituem da forma como ele ocorreu. Por isso,
apontaremos sete determinações (ou “motivos”, “razões”, “causas”) para a
derrota ocorrida ontem da seleção brasileira para a seleção alemã por um placar
tão elevado e surpreendente. Claro está que além dessas sete existiram outras,
mas essas são, a nosso ver, as mais importantes.
1º) A
Seleção Brasileira Atual é Fraca
Para quem conhece minimamente a história do futebol
brasileiro, que já teve grandes seleções e craques, sabe que a atual seleção
brasileira não se compara com outras do passado. No fundo, a atual seleção
brasileira é relativamente fraca. Os seus resultados modestos nos jogos
anteriores mostraram isso. Com exceção relativa de Neymar, o nível geral dos
jogadores não é nada excepcional. E a estrela dele brilha mais inclusive porque
as outras brilham menos. Em outras épocas, a dele é que seria mais apagada
diante de outras mais reluzentes. A seleção brasileira não tem mais num mesmo
time Vavá, Pelé e Garrincha, nem mesmo Oscar, Júnior, Falcão e Zico, entre
outros destaques no mesmo time. Foi na Copa de 1982 que esses últimos jogaram
com habilidade, até com chapéu nos adversários. Agora é o arroz com feijão e se
aparece um tomate é destaque. Neymar é o tomate da seleção brasileira. Assim,
não era de se esperar que tal seleção, mediana, fosse campeã de qualquer jeito:
ela teria obstáculos e adversários fortes que poderiam derrotá-la (Bélgica,
Argentina, Holanda, Alemanha, etc.) e seriam nos noventa e poucos minutos (ou
nos pênaltis, a partir de certo momento) é que seria decidido o resultado de
cada jogo sem grande favoritismo, dependendo de várias outras determinações. No
entanto, se fosse uma grande seleção como as do passado, o placar vergonhoso
não teria ocorrido, e, como essas grandes seleções sofreram derrotas apesar de
jogar melhor, a derrota é normal, mas dessa forma é devido a não só um conjunto
de outras determinações, mas a própria fragilidade da seleção.
2º) A Seleção
Brasileira estava desestabilizada emocionalmente
Um elemento que contribuiu com a derrota vergonhosa de 7x1
foi a falta de estabilidade psíquica (emocional) dos jogadores. Aqui está o
ponto chave do “inexplicável” e que poucos se atentaram. Os jogadores estavam
perdidos em campo. E por qual motivo? Sem dúvida, são jogadores que sabiam de
seus limites e que estavam enfrentando um jogo decisivo contra o adversário
mais forte que enfrentou até então. É uma copa do mundo em casa, ou seja, no
próprio território brasileiro, diante de sua torcida massivamente presente nos
estádios e fora deles. E isso se agravou mais ainda, pois a ausência de dois
titulares promovia mais insegurança e temor diante do adversário,
principalmente quando um destes é o grande destaque do time, Neymar. Um time
fraco e abatido diante de uma partida decisiva e sob pressão da torcida e dos
interesses em jogo (fama, sucesso, dinheiro, futuro profissional, o nome na
história do futebol brasileiro, apesar de que para alguns esses ou alguns
desses aspectos pesavam menos) se desestruturou psiquicamente.
Além disso, havia a situação da sociedade brasileira. Se a
Copa do Mundo no Brasil fosse há 10 anos, haveria uma quase unanimidade
nacional a favor da seleção e da sua realização. Além de alguns poucos alheios
ao futebol, contestadores sociais mais radicais, e mais alguns, a população
brasileira em peso apoiaria o evento e a seleção. Porém, não é essa a realidade
brasileira atual. O Brasil está dividido. Dois elementos entram nesse processo
e eles certamente influenciaram a desestabilização da seleção brasileira em
campo. O primeiro remete ao processo das manifestações estudantis de maio e
manifestações populares de junho do ano passado. Durante essas, não só se
fortaleceu um campo dentro da população brasileira de muito maior capacidade
crítica e contestadora, reforçando o que já existia antes, ampliando
numericamente e qualitativamente, provocando uma politização da sociedade
brasileira, em contraste com um governo que anunciou mudanças e não as
realizou, ao lado de uma política repressiva que fazia aumentar o número de
descontentes radicalizados. Assim, a Copa do Mundo refletiu essa divisão da
sociedade brasileira, entre parte da população politizada e radicalizada e a
parte conformista, bem como a governista e de apoio ao governo Dilma. Um setor dessa
parte da população inclusive denunciou a corrupção e irracionalidade na
construção de estádios de futebol em locais sem grandes torcidas, grande
tradição no futebol e grandes times, que depois seriam abandonados, como
ocorreu no caso da África do Sul, bem como a expulsão de moradores em
localidades próximas, repressão, etc. Ela gerou alguns protestos e divulgou uma
versão diferente dos fatos. A política de repressão preventiva contra as
manifestações e prisões ilegítimas de militantes reforçou isso poucos dias
antes da copa. O contexto comunicacional da sociedade brasileira, bem como
mundial, mudou com a emergência e ampliação do uso da internet e redes sociais,
o que beneficiou esse processo de politização da população. Agora não é apenas
a versão de uma ou cinco grandes redes de televisão e as informações
selecionadas por elas, agora existem diversas versões e informações circulando
e diminuindo o monolitismo informacional anteriormente existente. O indivíduo
descontente pode não ter outros em sua família, escola, trabalho, mas se
acessar a internet, encontrará milhares como ele e poderá se comunicar,
reforçar suas concepções e agir, inclusive na própria internet, provocando uma
reprodução ampliada da crítica e da contestação.
Assim, havia, por detrás da Copa e do seu resultado, uma
divisão na sociedade brasileira. Alguns jornalistas e jornais, tal como se viu
na Folha de São Paulo poucos dias antes de iniciar a copa, tentariam minimizar
isso, dizendo que quando a seleção canarinho entrasse em campo, todos os
dissidentes passariam a torcer por ela e retornar a unidade perdida da “nação
brasileira”. Ledo engano, embora não total. Um grande contingente da parte
dissidente da população acabou aderindo ao patriotismo ou, no caso da maioria,
retornando à condição de torcedor de sua seleção nacional. Outro contingente
manteve-se crítico e distante. A Copa do Mundo foi politizada e por isso o que
estava em jogo, além dele mesmo e de tudo que envolve o futebol enquanto
esporte mercantilizado e burocratizado, era a questão política: identidade e
unidade nacional, fundamental para o Governo Dilma, ou divisão e luta,
importante para a população politizada mais radicalizada. No meio do campo,
para usar outro trocadilho, há aqueles que ficaram “entre a cruz e a espada”.
Mas isso não ficou apenas aí, ainda havia outro elemento.
Esse ano é eleitoral e será decidido nas urnas quem será o novo presidente do
país, entre outros cargos importantes do ponto de vista governamental. Sendo
ano eleitoral, o principal partido de “oposição”, o PSDB, resolveu aproveitar o
contexto anteriormente citado (parte da população descontente e mais politizada
e uma copa do mundo criticada e que poderia entrar no jogo eleitoral
prejudicando o partido governista) para usar o evento visando retorno eleitoral.
As vaias sofridas por Dilma Rousseff na abertura da Copa do Mundo foi realizada
principalmente por adeptos de tal posição política partidária e semelhantes
(talvez com apoio de alguns descontentes ambíguos presentes), bem como
campanhas pela internet e outros lugares. Nesse contexto, a Copa do Mundo
ganhou também um significado eleitoral. O sucesso da seleção brasileira passou
a beneficiar Dilma Rousseff e o fracasso beneficiaria o principal adversário,
Aécio Neves, candidato a presidência e o voto nulo, para os setores mais
radicais da população. Assim, a Copa do Mundo no Brasil envolveu uma oposição
entre anticapitalistas e outros descontentes mais moderados, por um lado, e
representantes do capitalismo e do governo, e, por outro, entre os adeptos do
Partido da “Socialdemocracia” Brasileira e os adeptos do Partido dos “Trabalhadores”.
Neste contexto, há um aumento da pressão sobre os jogadores.
Alguns podem dizer que não, mas, levando em conta que, por mais despolitizados,
desinteressados de questões políticas e alheios ao mundo e à política
brasileira, os jogadores tinham noção dos conflitos sociais (primeiro elemento)
e dos conflitos eleitorais (segundo elemento) e viram isso nas ruas, nos
protestos, nas críticas e até nas vaias na abertura da copa. Além disso, sem
dúvida, o Governo Dilma se fez presente no cotidiano da seleção, e
provavelmente repassando suas preocupações, valendo-se de governo preocupado e
que investe em futebol e que teria que, no campo, receber a recompensa (essa
seria, do ponto de vista do governo, a desforra contra dissidentes e adversários
eleitorais). A pressão sobre os jogadores, neste contexto, foi maior, graças ao
adicional e inesperado (há alguns anos atrás) processo de politização da
sociedade brasileira e da época da Copa ser acompanhada pelo oportunismo
eleitoral dos partidos de “oposição”.
3º) O
Técnico falhou
É nesse contexto que aconteceu o jogo. Sem dúvida, o técnico
Luiz Felipe Scolari mais do que ninguém devia saber da situação psíquica
(emocional) dos jogadores e qualquer bom técnico tentaria atuar sobre isso (não
sabemos se o fez e caso isso tenha ocorrida não surtiu muito efeito) e adequar
o esquema tático a esta situação. Contudo, o referido técnico é famoso por sua
“teimosia” e rigidez no aspecto técnico. A desestabilização dos jogadores por
todo o contexto acima aludido (nacional e político, necessidade de ganhar para
classificar mais intensa nesse contexto, desfalque da equipe, adversário forte,
etc.), deveria ser trabalhada tanto no aspecto emocional quanto tático. E no
plano tático – quando se leva em consideração o outro aspecto – seria armar o
time para se defender e organizar em campo de forma a manter um empate por um
tempo até os ânimos se acalmarem no decorrer jogo, explorando contra-ataques.
Isso não é difícil para um técnico “retranqueiro” como Felipão e que seria algo
temporário até haver uma estabilização emocional e um ritmo normal de jogo
(claro que isso depende do time adversário, que se fizesse um jogo excepcional,
mesmo assim poderia ocorrer o desastre, mas o time alemão, em que pese ter sido
melhor e superior, só ganhou da forma como fez devido às fraquezas da seleção
brasileira, mais do que sua excepcionalidade). Apesar de em certo sentido ter
sido mais cauteloso e defensivo, não o fez no grau necessário para este jogo em
tal contexto. Nesse sentido, o técnico foi bastante acertado ao declarar que
ele era o principal responsável pela derrota vergonhosa da seleção brasileira.
Claro que não foi o único, pois os elementos acima elencados estavam acima de
suas possibilidades de alterar (inclusive a ausência de dois titulares, as
questões políticas nacionais, etc.), embora pudesse ter agido sobre alguns aspectos
e talvez influenciado no resultado que poderia ser uma derrota, mas não por um
placar tão elevado. Os elementos anteriores são mais importantes do que isso e
outros responsáveis (dos jogadores ao Governo Dilma que não soube agir
adequadamente no aspecto político).
4º) A
ausência de Neymar pesou
Sem dúvida, alguns vão pensar que foi a ausência de Neymar
que possibilitou tal acontecimento. Isso é um exagero. Mas sem dúvida foi uma
das determinações do resultado final e do placar diante da seleção da Alemanha.
A presença de Neymar no campo teria o efeito de maior eficiência ofensiva (e
maior cuidado da defesa alemã, o que interfere, por sua vez, no seu potencial
ofensivo), mas mais do que isso, aumentaria a confiança, diminuiria a
instabilidade emocional da seleção brasileira. Ou seja, além de sua presença no
campo e no que isso alteraria efetivamente no jogo, o aspecto psíquico seria um
pouco diferente.
5º) O
primeiro gol aumentou a instabilidade da seleção brasileira
Além dessas determinações, também existiram outras mais imediatas,
que ocorreram exclusivamente no campo de futebol durante os noventa e poucos
minutos do jogo (em que pese isso não possa ser isolado do que foi colocado
anteriormente e, inclusive, para ser melhor entendido, é preciso considerar as
determinações anteriores). No contexto aludido da seleção brasileira (não ser
uma seleção das mais fortes, instabilidade emocional, limites do técnico em
atuar sobre os pontos problemáticos, ausência de dois titulares, especialmente
Neymar), o gol da seleção da Alemanha aos 10/11 minutos do primeiro tempo (Thomas
Müller) acabou intensificando a instabilidade dos jogadores da seleção
brasileira. As falhas e fragilidades da defesa mostram isso. O segundo gol, aos
23 minutos (Miroslav Klose), acabou por concretizar o desmantelamento total da
seleção brasileira e logo veio o terceiro (Toni Kross), quarto (Toni Kross),
quinto (Sami Khedira), sexto (André Schürrle), sétimo (André Schürrle) e
parecia que não ia acabar mais. O chamado “gol de honra” (Oscar) foi apenas a
demonstração de que o time adversário já estava satisfeito e não estava
interessado em se desgastar, já que teria uma decisão pela frente com um time
certamente superior ao que enfrentava no momento.
6º) A seleção alemã é um adversário forte
Não se pode analisar um jogo desconsiderando um dos times,
apesar dos comentaristas fazerem isso com frequência, por ficarem no nível das
representações cotidianas com algumas pitadas de saber técnico. A seleção
alemã, no contexto dessa copa, era um time forte e não foi sem motivo que bateu
Portugal, que vinha para o torneio com boas expectativas em sua participação, por
4x0. Mas isto todos já sabiam, inclusive que era bem provável que a Alemanha
ganharia o jogo. O que não era previsível era o placar elástico. Além de ser a
equipe mais forte com o qual a seleção brasileira se defrontou, sua situação
emocional e geral era bem diferente, disputava a copa em outro país (a
obrigação de ganhar o título era muito mais do Brasil, pela sua tradição e
estar em sua sede), tinha possibilidades grandes de conseguir, estava com o
time completo, etc. A Alemanha fez o que tinha que fazer e foi competente em
aproveitar as fragilidades do adversário e não recuar após os primeiros gols,
garantindo, assim, a vitória no primeiro tempo. Claro é que, se fosse outro
adversário, bem mais fraco, ou se a seleção alemã tivesse problemas semelhantes
ao Brasil, o jogo teria sido muito mais equilibrado e enfadonho, como se fosse
um jogo de times compostos por zumbis, lentos e desordenados. A Alemanha salvou
o jogo, por mais que isso tenha sido doloroso para os brasileiros vinculados
mais afetivamente e valorativamente com o futebol. “Que vença o melhor”! Foi
isso que aconteceu.
7º) O imobilismo do técnico
Outra determinação imediata foi o imobilismo do técnico
brasileiro. Certamente ele já sabia do clima entre os jogadores brasileiros
antes do jogo, afinal, ele mais do que ninguém devia saber e mesmo após não ter
preparado antes do jogo a equipe adequadamente, ainda ficou imóvel diante da
catástrofe futebolística que vai ficar na história do futebol brasileiro e sua
carreira profissional. Após o primeiro gol, já era para se fazer algo, desde
instruções no sentido de buscar acalmar os jogadores até reformulação tática,
pois se trata de futebol e são noventa e poucos minutos, e assim como um jogador
quando pega a bola deve ser rápido na decisão do que fazer (chutar para o algo,
repassar para outro em melhor posição, etc.), assim deve ser o técnico. Após o
segundo gol, a intervenção era mais que necessária e evidente e, embora, nessa
altura do campeonato, para usar mais um trocadilho, já estava difícil conseguir
algo devido à rapidez dos gols. Uma mudança após o primeiro gol, com seus
possíveis efeitos, seria o ideal para evitar tantos gols, bem como depois do
segundo, que talvez evitasse ficar mais de quatro ainda no primeiro tempo.
Contudo, é necessário entender que talvez o técnico, apesar de não estar no
jogo, também estivesse instabilizado emocionalmente e, com certeza, também
sofreu impacto com um gol atrás do outro. Por mais frio e experiente que seja
um técnico, nem sempre fica alheio ao processo como um todo, se bem que sua
entrevista posterior revelou uma tranquilidade que milhares de outros não
teriam, o que significa que não foi atingido na mesma intensidade que os
jogadores, inclusive por estar “fora” do campo.
Uma síntese geral
Para encerrar esse breve artigo sobre algo que afetou
milhões de pessoas no Brasil, provocou lágrimas, tristeza, revolta, é preciso
compreender que o resultado vergonhoso, que foi uma derrota e desclassificação
acompanhada por uma goleada histórica, é preciso entender que além das sete
determinações (existiram outras, mas essas foram as principais e coincide com o
número de gols, outro motivo para sua delimitação, uma metáfora metodológica)
existem outras muito mais amplas e com uma história muito mais longa. Os
conflitos sociais e eleitorais que atuaram no processo são muito mais profundos
e revelam muito mais coisas do que o que foi colocado aqui. Uma realidade
nacional marcada por falsa prosperidade propagandeada por governos e ideólogos
de plantão e situação de pobreza, exploração, repressão, entre diversos outras
questões e problemas sociais é que foram os responsáveis por essa situação (e
isso não é responsabilidade exclusiva do Governo Dilma, pois remete a todos os
governos anteriores) e da própria realidade de uma sociedade capitalista
subordinada. Mas além desses elementos extrafutebolísticos, a relação entre
capitalismo e futebol é outra determinação mais ampla que explica esse
processo.
O processo de mercantilização do futebol gera o seu
empobrecimento crescente. O que alguns chamam de “futebol-arte” foi uma das
primeiras vítimas desse processo de mercantilização, no qual a habilidade é
algo muito abaixo na escala das prioridades para dirigentes, jogadores, técnicos,
etc., pois o retorno financeiro, o sucesso, o dinheiro, são o fundamental e o
resultado final é o que garante isso. Não existe mais Garrincha e nem vai
existir outro como ele. Também não existe mais Pelé. Nem mesmo Zico. O máximo
que pode aparecer é um Neymar e semelhantes. A mercantilização promove o
predomínio do cálculo racional, a burocratização, profissionalização e o jogo
como livre processo de atividade de desenvolver habilidades é substituído pelo
“futebol de resultados”. A organização do futebol brasileiro extinguiu a
possibilidade de novos talentos criativos e habilidosos em grande quantidade
como no passado. A burocratização e separação em séries no campeonato
brasileiro, estabilizando e cristalizando os grandes clubes que recebem as
maiores rendas e dinheiro do capital comunicacional (as redes de televisão que
pagam direitos pela transmissão dos jogos) cria uma consolidação financeira e
hierarquia no futebol que tornam difícil o aparecimento de surpresas e novas
revelações num país que sempre teve isso por ser continental, ter grande
população aliado a uma grande paixão por esse esporte, que gera milhares de
aspirantes a jogador e craque. Isso, somado com o futebol de resultados
produzidos pelo dinheiro e interesses envolvidos, gera uma deterioração no seu
desenvolvimento, menos revelações, menos craques, menos habilidade, menos
garra, menos futebol em si e mais performance
e aparência (desde Kaká e seu penteado até Neymar, o garoto-propaganda, bem
diferentes dos grandes nomes do passado que não recebiam milhões, mas jogavam
com um compromisso muito mais profundo que apenas o “vil metal”). Afinal de contas, é
essa determinação mais ampla que explica a primeira que foi aqui discutida, ou
seja, o fato da seleção brasileira atual ser fraca.
Nesse contexto, o que restou para a população brasileira,
especialmente a que ficou decepcionada e triste com os sete gols dos alemães? Restou
superar a ilusão futebolística e voltar à vida cotidiana de trabalho,
precariedade, conflitos, transporte deficiente, educação sucateada, serviços de
saúde deteriorados, problemas os mais variados. O presente texto tentou tomar
um acontecimento da vida cotidiana, o resultado de um jogo de futebol (e
poderia ser feito com qualquer outro jogo, desde que tendo informações
suficientes para tal) e explicá-lo dialeticamente. Contudo, não é só este jogo
de futebol específico que manifesta múltiplas determinações e relações com o
capitalismo subordinado brasileiro e tudo o mais que ocorre na totalidade de
nossa sociedade, pois todo o resto está perpassado por isso e merece reflexão
para o seu entendimento, tal como até mesmo a tristeza por tal derrota (o que
gera este sentimento em tantas pessoas? Quais são suas determinações?), o que
gera um trabalho que as pessoas não gostam, mas se submetem (e quando podem
fugir, o fazem, inclusive se refugiando no futebol), um estudo numa escola que
é considerado desagradável, entre milhões de outros exemplos da vida cotidiana
e que não estão isolados? Essa reflexão é fundamental e remete ao conjunto da
sociedade capitalista.
O que é necessário é dar continuidade ao processo de politização
da população brasileira que se aprofundou ano passado e que as classes
exploradas, o proletariado, o lumpemproletariado, o campesinato, os subalternos
em geral, bem como aqueles que também sabem que por melhor que seja sua
situação social (salarial, status,
etc.), também não estão no melhor dos mundos possíveis e que o barco está
furado e, portanto é fundamental avançar, agir, constituir novas relações
sociais, através de luta contra uma sociedade concentracionária e formação de
uma nova sociedade, na qual quando houver futebol, será o prazer da habilidade
e esforço físico de um jogador e não de um mero espectador e isso como algo
generalizado, no trabalho, estudo, arte, etc., num processo de instauração da autogestão
social, “uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos” (Marx).
Mais sobre Futebol:
http://informecritica.blogspot.com.br/2011/02/notas-sobre-o-significado-politico-do.html
http://informecritica.blogspot.com.br/2011/02/futebol-politica-e-religiao.html
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http://informecritica.blogspot.com.br/search/label/gol
http://cinemamanifestacaosocial.blogspot.com.br/2011/03/futebol-competicao-e-corrupcao-em-rudo.html
Muito bom o texto! Saudades do futebol mais técnico e habilidoso. Poucas seleções ainda conseguem desempenhar um futebol próximo daquilo que os saudosos comentaristas chamariam de "futebol arte", pois como você mesmo aponta, o futebol está caminhando para se tornar um esporte cada vez mais burocratizado, o que é uma influência de determinações da nossa sociedade capitalista.
ResponderExcluirPoucos jogadores, técnicos e profissionais da área futebolística são politizados o suficiente para lutarem por uma transformação radical do futebol brasileiro, e claro, a nossa entidade que administra o nosso esporte é extremamente corrupta, corroborando para a precariedade do campeonato, times etc. Eu apontaria essa como uma das determinações também para se dizer como a seleção brasileira decresceu tanto de nível da década de 80 para cá.
É uma pena!
Falta corrigir o nome do novo jogador do São Paulo, Kaká.
Sem dúvida, Felipe, essa é a triste realidade pela qual temos que lutar para transformar. A corrupção que acompanha a história do futebol realmente é ao mesmo tempo um produto dessa mercantilização e outra determinação do atual baixo nível do futebol. Grato pelas observações e o nome do jogador foi corrigido. Abraços!
Excluirfutebol arte acabou. hoje temos o futebol empresarial. a nossa dramática realidade social,que temos que erradicar radicalmente,através de um grande movimento de massas. valeu.
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