REBELDES
POR UM DIA
(A
CRISE DO MOVIMENTO ESTUDANTIL)
Nildo Viana
Os estudantes estão nas
ruas. Vivemos em uma época em que grandes manifestações estudantis
pró-impeachment do governo Collor “abalam o Brasil”. Mas não podemos deixar de observar algo de
estranho nisso tudo: de um lado, estão sendo realizadas diversas manifestações
estudantis em todo o Brasil e, de outro, tanto DCEs (Diretórios Centrais dos
Estudantes) quanto CAs (Centros Acadêmicos) vivem em um marasmo total e a
universidade continua atravessando um período de crise e isto não obtém nenhuma
resposta do movimento estudantil.
Geralmente se costuma
analisar os fenômenos sociais pela sua aparência e não pela sua essência. O
fato dos estudantes estarem nas ruas é tomado automaticamente como um
“renascimento do movimento estudantil”. O presidente da UNE (União Nacional dos
Estudantes) é um dos propagandistas desta tese. Ninguém pergunta o pra quê e o
como os estudantes estão nas ruas. O que interessa é “estar” e o “estar” se
torna equivalente ao que “é”, ao “ser”. Entretanto, logo que acabam as
manifestações de rua, os estudantes voltam para suas casas como filhos
obedientes, para suas escolas como alunos disciplinados, para suas empresas
como trabalhadores exemplares. A rebeldia dura enquanto durar a manifestação.
Os estudantes são “rebeldes por um dia”.
O motivo dos estudantes
invadirem as ruas parece bastante claro: querem o impeachment do governo
Collor. O que isto reflete na universidade? Por acaso o substituto de Collor
irá mudar sua política educacional? A simples substituição de corrupto acabará
com a corrupção? A conclusão a que podemos chegar é a seguinte: as
manifestações estudantis estão sendo realizadas por motivos não-estudantis.
O que dá razão ao
movimento estudantil existir são as lutas especificamente estudantis. Daí conclui-se
que não existe nenhum renascimento do movimento estudantil. Tomemos como
exemplo o caso da UFG. Após o Congresso da UNE não foi realizado nenhum CEB
(Conselho de Entidades de Base) para discutir questões estudantis, não foi
encaminhado absolutamente nada do que foi decidido na Assembleia Geral dos
Estudantes, não se fala mais nada do projeto neoliberal para a universidade,
etc. A situação das universidades continua a mesma: péssimo nível de ensino,
burocratismo, falta de verbas, etc. O DCE simplesmente não existe e não
encaminha nenhuma luta especificamente estudantil. Realizou dois CEBs para
discutir as manifestações “Fora Collor” e nada mais. O estatuto do DCE que
deveria ter sido discutido e aprovado pela gestão anterior (fim do ano passado)
já atravessou uma nova gestão quase completa e não foi colocado em discussão.
Diante desse quadro nós
vemos um DCE que se preocupa apenas em reproduzir no movimento estudantil as
palavras de ordem do seu partido político: “Fora Collor”. Stálin já escrevia no
seu livro Fundamentos do Leninismo
que os movimentos sociais deviam ser “correias de transmissão” do partido
leninista de vanguarda. O DCE-UFG (leia-se PCdoB – Partido Comunista do Brasil)
coloca essa teoria em prática e se esquece das lutas estudantis (podemos
acrescentar: a necessidade de melhoria do restaurante universitário, a questão
da moradia estudantil, a questão pedagógica, etc.). A falta de perspectiva dos
movimentos sociais e do movimento estudantil leva à busca artificial de
mobilização popular e que tem como grande equívoco não levar a lugar algum.
Assim, os estudantes são chamados a serem rebeldes
por um dia. Um dia sem aula, de passeata, de brincadeira, de “pular a
catraca”, enfim, um dia de rebeldia para descarregar a frustração da vida
criada pela sociedade capitalista, mas que não produz nada de novo e que não
questiona nada de fundamental tanto na vida pessoal quanto na sociedade.
Enquanto
os estudantes forem rebeldes por um dia
e conservadores permanentes, nós teremos a ilusão esporádica de liberdade e a
realidade permanente da opressão.
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Artigo
publicado originalmente em Khronos – Jornal publicado pelos Centros Acadêmicos
do ICHL – Instituto de Ciências Humanas e Letras II (Ciências Sociais, História
e Filosofia)/UFG. Ano 01, num. 01, Setembro de 1992.
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