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terça-feira, 10 de maio de 2011

A Importância de Antonio Labriola para o Materialismo Histórico



A Importância de Antonio Labriola para o Materialismo Histórico


Nildo Viana*


A posição de Antonio Labriola (1843-1904) no interior marxismo é bastante complexa, embora ele tenha atuado no interior da social-democracia, ele não fazia parte de sua ala reformista, bem como não se aliou às suas incipientes tendências de esquerda (representada por Rosa Luxemburgo na Alemanha, Pannekoek e os tribunistas na Holanda, entre outros). A sua morte antes de se clarear a divisão entre as posições reformistas e revolucionárias acabou dificultando a identificação de seu posicionamento político. A sua crítica à Bernstein e outros representantes do reformismo são um indício de que certamente ele se aliaria ao bloco anti-reformista[1], sendo que seria difícil delimitar qual corrente no interior deste ele acabaria aderindo.
O processo de adesão de Labriola ao marxismo foi, segundo dizem, lento e reflexivo. A sua correspondência com Engels demonstra suas dúvidas e hesitações. Isto demonstra o caráter reflexivo de tal adesão, bem ao contrário de seu trajeto anterior, período em que seria “muito influenciável pelas modas ideológicas” (Sacristán, 1969), afirmação um tanto exagerada, mas que mostra sua indecisão entre as posições filosóficas existentes. O filósofo e professor Antonio Labriola dedicou a maior parte dos seus escritos ao materialismo histórico, buscando desenvolver um auto-esclarecimento e ao mesmo tempo superar as dificuldades que ele encontrava em tal concepção.
Ele discordava em alguns pontos da dialética engelsiana, que é um dos principais elementos de sua obra e que teve repercussão na obra de Gramsci, e mostra notável coincidência com as obras de Karl Korsch (1977) e com a obra clássica de juventude de Lukács (1989). Apesar da maioria dos analistas relacionar Labriola e Gramsci, a proximidade teórica maior dele é com Korsch e o jovem Lukács. Obviamente que os três autores (Gramsci, Korsch, Lukács) são todos posteriores a Labriola, mas produziram suas obras sem leitura de sua produção teórica, tomando conhecimento dela posteriormente, sendo que apenas Gramsci teve contato desde sua juventude com os escritos de Labriola.
Porém, uma leitura rigorosa dos textos de Labriola e Gramsci mostra que este último tinha algumas semelhanças com o primeiro, mas elas foram superestimadas, desconsiderando as diferenças profundas no plano metodológico. Estas interpretações seriam, como diria Labriola, “verbalistas”, pois a partir de determinadas palavras (“filosofia da práxis”, por exemplo) se cria uma identidade que não se encontra em seu conteúdo, mas apenas formalmente. Da mesma forma, o antieconomicismo presente em ambos os autores parece idêntico se consideramos apenas o nível formal, mas ao entender o fundamento da crítica e o que cada um propõe para superar o economicismo, as diferenças se tornam visíveis. As semelhanças entre Gramsci e Labriola são geralmente exageradas, pois o primeiro apenas se apropria de algumas ideias do segundo, deslocando e alterando o significado. Os autores que tentam colocar um como continuador mais aprofundado do outro (Sacristán, 1969) cometem equívocos de interpretação graves e alguns, apesar de certos equívocos, perceberam isso (Vanzulli, 2008). O vínculo entre Labriola e Gramsci[2] foi prejudicial para a interpretação do primeiro, da mesma forma como ocorreu entre Marx e Lênin.
A concepção de materialismo histórico e dialético de Labriola é bastante semelhante à de Korsch e do Jovem Lukács e bem distante da de Gramsci, representante do idealismo[3]. Assim, para entender a produção intelectual de Labriola é necessário não amarrá-lo às concepções posteriores e sim partir do estudo do processo genético de suas ideias em suas próprias obras, procedimento que ele defendia de forma correta no caso da análise das obras de Marx e Engels. A ideia de autonomia do marxismo, unidade entre ser e consciência, totalidade, vínculo comunismo-proletariado, entre outros aspectos, mostram as semelhanças entre os escritos de Labriola e as abordagens de Korsch e Lukács.
Sua divergência com as versões predominantes de interpretação do marxismo chegava até as questões terminológicas, pois ele propunha substituir “método dialético” por “método genético” e “marxismo” por “comunismo crítico” (Labriola, s/d). Obviamente que a razão da divergência terminológica residia numa busca de diferenciação do marxismo em relação a outras concepções e, também, diferenciação política entre ele e as demais interpretações, bem como esclarecer a novidade e autonomia do marxismo. Desta forma, Labriola não só pensou o marxismo de forma não-dogmática, questionando Engels, por exemplo, como apresentou teses e análises que contribuem para resgatar elementos do marxismo e abrir caminho para o desenvolvimento do materialismo histórico.
Assim, nada mais natural do que o reconhecimento de Karl Korsch de sua importância para o materialismo histórico:
A importância de Labriola não consiste somente em ser o melhor intérprete do método marxista, particularmente de seus fundamentos metodológicos e filosóficos, e ser ao mesmo tempo um hegeliano radical. Há outras duas razões pelas quais ele é importante: Labriola se coloca em um ponto de vista histórico fundamental. Em certo sentido é o último marxista ortodoxo verdadeiro” (Korsch, 1979, p. 131).
Labriola fornece uma contribuição importante ao desenvolvimento do pensamento marxista ao buscar explicar a “gênese do socialismo moderno”. Ele desenvolveu isto no seu ensaio “Em Memória do Manifesto Comunista” (Labriola, S/d). Segundo ele, o marxismo não nasce imediatamente com o surgimento do proletariado, mas quando esta classe se torna forte o suficiente para compreender a possibilidade e o sentido da mudança social. Labriola parte da idéia de que o marxismo surge a partir do Manifesto Comunista, posição controversa e dificilmente aceitável[4] e que justifica sua concepção do movimento operário fortalecido como gênese deste escrito clássico. A gênese do Manifesto Comunista está expressa no próprio Manifesto, pois este, ao colocar em evidência que o motor da história é a luta de classes e descrever as fases de ascensão da burguesia e do proletariado, colocando a necessidade de união entre comunistas e proletários, revela o segredo de sua própria origem.
Labriola, em Ensaios Sobre o Materialismo Histórico, oferece um questionamento das deformações do marxismo. Ele crítica os “verbalistas”, aqueles que buscam explicar o materialismo histórico através da análise das palavras que denominam tal concepção. Os verbalistas unem “materialismo” e “história” derivando a concepção da palavra, retirando-a do contexto e sem se remeter ao seu processo genético na obra de Marx (Labriola, s/d). Eles apresentam uma concepção metafísica de matéria, tal como ela é apresentada no domínio da física, da química e da biologia. Labriola recorda que o materialismo da concepção materialista da história é uma tentativa de reconstituir, no pensamento, a gênese e o desenvolvimento das relações sociais no decorrer dos séculos. Labriola critica a concepção cientificista do materialismo, que, segundo ele, apenas revela o afastamento em relação ao marxismo. Esta percepção de Labriola é fundamental e se aplica não apenas aos social-reformistas como Bernstein e Kautsky, os alvos de suas críticas, mas também aos seus futuros herdeiros russos (Lênin, Stálin, Trotsky), sendo que essa concepção de materialismo será reproduzida por Lênin (1978) e seus seguidores.
A crítica de Labriola ao economicismo remete ao problema da complexidade do método dialético e ao papel da categoria totalidade. Para ele, é insuficiente apresentar o “momento econômico”, pois a “história deve ser tomada em sua totalidade”, na qual, “o caroço e a casca formam um todo único” (Labriola, s/d). Disto decorre que é preciso explicar, “em última instância”, os fatos históricos pela “estrutura econômica subjacente”. A passagem de tal estrutura ao conjunto dos fatos históricos é feita com a ajuda de um complexus de noções e conhecimentos que constituem as formas de consciência social. A concepção materialista da história é “um método de pesquisa”, um “fio condutor” (Marx) e não um esquema mecânico determinista (Labriola, s/d), posição idêntica a de Karl Korsch (1977). Apesar dos limites terminológicos (“economia” ao invés de modo de produção, por exemplo), a concepção de Labriola expressa uma retomada da radicalidade do materialismo histórico perdida com a emergência da social-democracia.
Ele também, tal como Plekhânov (1989) na Rússia, não esquecendo as diferenças entre ambos, critica a doutrina dos fatores, que pensa uma divisão abstrata entre fatores econômicos, políticos, etc. Labriola opõe a essa concepção restrita, oriunda da ampla gama de fatos existentes e da transformação destes em categorias autônomas, a concepção marxista, que seria uma teoria unitária da concepção materialista da história. Segundo Labriola:
“Estes, em outros termos, quero falar dos fatores, nascem no espírito, como uma seqüência da abstração e da generalização dos aspectos imediatos do movimento aparente, e tem um valor igual ao de todos os outros conceitos empíricos. Qualquer que seja o domínio do saber onde nasceram, eles persistem até que sejam reduzidos e eliminados por uma nova experiência, ou que sejam absorvidos por uma concepção mais geral, genética, evolutiva ou dialética” (Labriola, s/d, p. 114).
Os fatores, nesta doutrina, são isolados, como se tivessem vida própria, o que provoca a idéia de ação recíproca. Segundo Labriola, “os fatores concorrentes, que a abstração concebe, e isola em seguida, nunca se viu que agissem cada um por si, porque, pelo contrário, eles agem de tal maneira que dá nascimento ao conceito de ação recíproca” (Labriola, s/d, p. 116). Aqui, novamente, se percebe a semelhança entre a concepção de Labriola e a crítica de Korsch e Lukács às ciências particulares. Labriola diz que esta concepção de fatores nasce da abstração e depois se solidifica e isola os fatores, dando nascimentos “às diferentes disciplinas práticas”. Segundo ele:
“Ora, com o nascimento e formação de tantas disciplinas, pela inevitável divisão do trabalho, multiplicaram-se além da medida os pontos de vista. É certo que para a análise primeira e imediata dos aspectos múltiplos do complexus social, era necessário um grande trabalho de abstração parcial: o que tem sempre por conseqüência inevitável pontos de vistas unilaterais. É isto que se pôde constatar, duma maneira mais nítida e mais evidente que para qualquer outro domínio, para o direito e para suas diversas generalizações, aí compreendida a Filosofia do Direito. Em conseqüência destas abstrações, que são inevitáveis na análise particular e empírica, e pelo efeito da divisão do trabalho, os diversos lados e as manifestações diversas do complexus social foram, de tempos em tempos, fixados e imobilizados em conceitos gerais e categorias. As obras, os efeitos, as emanações, as efusões da atividade humana – direito, formas econômicas, princípios de conduta, etc. – foram como traduzidos e transformados em leis, em imperativos e em princípios, que permaneceriam colocados acima do próprio homem. E de tempos em tempos se descobriu de novo esta verdade simples: que o único permanente e certo, isto é, o único dado, donde parte e ao que se refere toda disciplina prática particular, são os homens agrupados em uma forma social determinada por meio de laços determinados. As diferentes disciplinas analíticas, que ilustram os fatos que se desenvolvem na história, terminaram por fazer nascer a necessidade duma ciência social comum e geral, que torne possível a unificação dos processos históricos. E a doutrina materialista marca precisamente o termo final, o cimo desta unificação” (Labriola, s/d, p. 117).
Aqui Labriola retoma Marx e explicita a crítica da divisão social do trabalho intelectual que caracteriza o pensamento marxista (Viana, 2007). Claro que alguns problemas de linguagem estão presentes e alguns não se encontravam em Marx assim como não estarão presentes nas abordagens semelhantes de Korsch e Lukács (a expressão “doutrina”, por exemplo, bastante utilizada na época e que hoje é mal vista, com exceção da área do direito). Porém, devido ao isolamento de Labriola nessa época, a sua retomada do verdadeiro sentido do materialismo histórico-dialético é fundamental. Ele mostra, o que se tornou muito mais comum posteriormente, que uma vez criadas e consolidadas as disciplinas científicas, cria-se o hábito de procurar descobrir suas origens remotas em concepção anteriores:
“Tudo é possível para os eruditos, para os rastreadores de temas de teses, para os doutores iluminados. Assim como conseguiram construir a ética de Heródoto, a psicologia de Píndaro, a geologia de Dante, a entomologia de Shakespeare e a pedagogia de Schompenhauer, assim poderiam a fortiori e com título mais justo escrever sobre a lógica do Capital, e até construir o conjunto da filosofia de Marx, completamente especificada e dividida segundo as sacramentais rubricas da ciência profissional” (Labriola, 1969, p. 107).
Labriola não imaginava como isso se tornaria não só uma prática comum como a ideologia dominante, e que seria popularizada pelos manuais das mais variadas ciências específicas, encontrando psicologia, economia, sociologia, etc., na antiguidade, por exemplo. O procedimento é encontrar ciência particular onde esta ainda não existia e forjar seus “precursores” e criar sua “tradição”, à custa da deformação de pensadores que nem imaginavam o tipo de pensamento que surgiria no futuro. Porém, Labriola também foi profético no caso do marxismo, que até mesmo ganhou sua própria lógica, a chamada “lógica dialética”. Não tardou a surgir livros sobre a lógica em O Capital e uma grande diversidade de obras sobre “lógica dialética”[5]. Ou seja, ao invés de, como sugeria Labriola, entender o processo genético da teoria de Marx em sua própria organização interna, passou-se a interpretá-lo a partir das ciências particulares, tornando-o um sociólogo, economista, etc., um representante de determinada ciência particular, embora de várias, pois ele não cabia em uma só gaveta das ciências particulares, como disse Korsch (1977).
Labriola destaca a questão das ideias e assim retoma, novamente, o pensamento de Marx. Para ele, “as ideias não caem do céu, e nada nos vem pelo sonho” (Labriola, s/d, p. 122). As ideias são constituídas socialmente e não produção arbitrária, concepção que seria absurda. Ele explicita, nesse momento, sua tese de que a consciência é trabalho:
“As ideias não caem do céu, e ainda mais, como todos os outros produtos da atividade humana, elas se formam em dadas circunstâncias, na maturidade precisa dos tempos por ação de necessidades determinadas, graças às tentativas repetidas para satisfazer a estas, e pela descoberta de tais ou tais outros meios de prova, que são como os instrumentos de sua produção e elaboração. Mesmo as ideias supõem um terreno de condições sociais; elas têm sua técnica: o pensamento é, também, uma forma de trabalho. Despojar aquelas e este, ou as ideias e o pensamento, das condições e do meio de seu nascimento e desenvolvimento, é desfigurar-lhes a natureza e a significação” (Labriola, s/d, p. 124).
Isso promoveu, entre outras coisas, a prática intelectual de tomar os indivíduos como seres abstratos, separados dos laços históricos e necessidades sociais, procedimento realizado por um processo de abstração particular, e, depois, transformados em categorias abstratas da psicologia individual que serviram para explicar todos os fatos humanos (Labriola, s/d). Isso se aplica ao próprio marxismo, cuja origem está intimamente ligada ao processo das lutas de classes e da emergência da consciência teórica do socialismo, o que o faz explicar a origem de seus próprios princípios, sinal de sua maturidade[6].
O materialismo histórico, se fundamentando na “necessidade imanente da história”, aponta o desenvolvimento e o futuro da sociedade humana. A passagem da humanidade do reino da necessidade para o reino da liberdade marca a constituição de uma livre associação de seres humanos que controlam seu próprio destino. Labriola destacou a “função revolucionária” do marxismo. O marxismo não faz nem prepara as revoluções, não é o “estado-maior dos capitães da revolução proletária”. O marxismo forma uma “unidade” com o movimento operário, sendo a “consciência da revolução” e de suas dificuldades. A revolução, por sua vez, é produto de várias lutas e formas de organização. Segundo suas próprias palavras:
“O comunismo crítico não fabrica as revoluções, não prepara as insurreições, não arma as sublevações. Forma, certamente, uma coisa única com o movimento proletário, mas vê e apóia esse movimento na plena inteligência da conexão que ele tem – ou pode e deve ter – com o conjunto de todas as relações da vida social. Em suma, não é um seminário onde se forma o estado-maior dos capitães da revolução proletária; mas é apenas a consciência dessa revolução e, sobretudo, em certas contingências, a consciência de suas dificuldades” (apud. Gerratana, 1986, p. 45).
O seu posicionamento o levou a entrar em polêmica com Georges Sorel, Benedetto Croce, Masyrik e Bernstein. Sua polêmica e seu posicionamento têm um sentido claro, pois sua concepção de marxismo, uma das mais avançadas neste período histórico, lhe colocava diretamente contra as simplificações grosseiras da época e contra as tentativas de fusão do marxismo com outras tradições filosóficas (seja com o hegelianismo, tal como se vê em Croce, seja com o kantismo, tal como em Bernstein, entre outros exemplos), pois ele destacava o caráter crítico do marxismo e considerava o método dialético como um “fio condutor” (tal como Karl Korsch na Alemanha afirmará posteriormente) e não como um modelo ou receita, o que já tinha sido recusado pelos fundadores do marxismo, ao afirmarem que sua concepção de história não é abstrata e modelar, sendo um método de análise e compreensão, princípios analíticos que “de forma alguma dão, como a filosofia, uma receita ou um esquema onde as épocas podem ser enquadradas” (Marx e Engels, 1982, p. 38). Além disso, ele defendia a autonomia intelectual do marxismo, sendo uma concepção de mundo auto-suficiente e unitária, que não precisa de nenhum complemento de qualquer filosofia ou ciência. Esta tese, entre outras de Labriola, receberá tratamento semelhante e mais aprofundado por Karl Korsch, em Marxismo e Filosofia (2008) e por Lukács, em História e Consciência de Classe (1989).
A importância de Labriola para o marxismo italiano e, principalmente, para o materialismo histórico, ainda está por ser avaliada. É conhecida a leitura feita de sua obra por Gramsci e outros italianos (desde seu ex-aluno Benedetto Croce até os contemporâneos), porém, nesses casos houve mais uma “apropriação” do que uma leitura rigorosa que expressasse ou aprofundasse suas teses. A herança de Labriola não contou com muitos herdeiros. Isso se deve a diversas determinações, desde o caráter crítico, a singularidade de sua interpretação do materialismo histórico naquele contexto histórico e sua oposição às tendências dominantes de sua época e período posterior, passando pela interpretação dominante do marxismo derivada delas e pela dificuldade de retomar o caráter crítico-revolucionário de sua obra. Por isso, as obras mais próximas de sua abordagem, a de Korsch e Lukács, também sofreram críticas e ostracismo, principalmente o primeiro e o movimento de recuperação é derivado das lutas sociais, tal como no esboço a partir de 1968, após a ascensão das lutas operárias e estudantis, ou então a partir de 1999, com a emergência de novas lutas sociais. Labriola, no entanto, ainda ficaria esquecido até os dias de hoje. Isso é reforçado pela apropriação do seu pensamento na Itália, ao fato de não estar ligado a nenhuma tendência política diretamente, e os elementos já aludidos acima.
O autor italiano que mais se aproximava de um desdobramento de suas ideias foi Rodolfo Mondolfo, que não só manteve, no caso italiano, uma leitura mais rigorosa de Marx e Engels (1956; 1967; 1964)[7], como superou e divergiu das tendências dominantes, tanto o bolchevismo (1962; 1968), quanto o gramscismo (1967) e outras concepções (1956; 1967). Também manteve divergências com Engels e realizou estudos sobre Feuerbach e manteve proximidade com Erich Fromm e Raya Dunaevskaya. Porém, o próprio Mondolfo não conseguiu uma grande ressonância e as críticas superficiais de Gramsci (1988a; 1988b) obliteraram um interesse maior por sua obra.
Assim, a obra de Labriola é uma contribuição fundamental ao marxismo e para compreender sua história e os poucos que reconheceram isso, não deixaram de ressaltar suas qualidades. Além de Korsch, já citado, Franz Mehring, na Alemanha, pretendeu traduzir suas obras – e o fez parcialmente – e o qualificou como “um dos melhores continuadores de Marx e Engels” (apud. Gerratana, 1975, p. 194) e Georges Sorel, em prefácio à edição francesa, afirmaria que “a publicação deste livro marca uma data na história do socialismo” (apud. Gerratana, 1986, p. 11).
Assim, o contexto histórico e as concepções vigentes posteriores ofuscaram um maior interesse pela obra de Labriola, apesar de seus sugestivos ensaios sobre o materialismo histórico, que anteciparam vários desdobramentos posteriores. A maior profundidade de Korsch e Lukács em algumas questões é produto da época e das condições sociais de emergência das lutas proletárias, dando novo fôlego ao marxismo. Labriola retomou aspectos importantes apontados por Marx, dando-lhe maior atenção e provocando alguns aprofundamentos. Apesar de não ter aprofundado algumas questões importantes que levantou, sua releitura hoje se faz necessária, não só para produzir uma reflexão sobre o marxismo livre das interpretações canonizadas e deformantes da tradição social-democrata e bolchevista como também para perceber os desdobramentos que realizou no que se refere ao materialismo histórico.


Referências Bibliográficas:

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Della Volpe, G. A Lógica Como Ciência Histórica. Lisboa, Edições 70, 1984.
Gerratana, V. Acerca de la “Fortuna” de Labriola. In: Investigaciones sobre la História del Marxismo. Vol. 1. Barcelona, Grijalbo, 1975.
Gerratana, V. Antonio Labriola e a Introdução do Marxismo na Itália. In: Hobsbawm, E. (org.). História do Marxismo. vol. 4. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.
Gramsci, Antonio. A Concepção Dialética da História. 6ª edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1988a.
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Joja, A. A Lógica Dialética. São Paulo, Fulgor, 1965.
Kopnin, P. V. A Dialética Como Lógica e Teoria do Conhecimento. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.
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Korsch, K. Nota Sobre Antonio Labriola y su Importancia para la Teoria y la História del Marxismo. In: Teoria Marxista y Accion Política. México, Ediciones Pasado y Presente, 1979.
Labriola, A. Ensaios sobre o Materialismo Histórico. São Paulo, Atena, s/d.
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Mondolfo, Rodolfo. Estudos Sobre Marx. São Paulo, Mestre Jou, 1967.
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Plekhanov, G. Os Princípios Fundamentais do Marxismo. 2ª edição, São Paulo, Hucitec, 1989.
Prado Júnior, C. Introdução à Lógica Dialética. Notas introdutórias. 4ª edição, São Paulo, Brasiliense, 1979.
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Talheimer, A. Introdução ao Materialismo Dialético. São Paulo, LECH, 1979.
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Viana, N. O Jovem Marx e o Marxismo. in: O Fim do Marxismo e Outros Ensaios. São Paulo, Giz Editorial, 2007.
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Viana, Nildo. A Consciência da História. Ensaios Sobre o Materialismo Histórico-Dialético. 2ª edição, Rio de Janeiro, Achiamé, 2007.





* Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela UnB.
[1] Um indício disto, além das críticas a Bernstein e outros, é sua crítica ao “socialismo de Estado”; “É melhor empregar a expressão socialização democrática dos meios de produção do que propriedade coletiva, pois esta implica um certo erro teórico e por isso que, de princípio, esta põe em lugar do fato real econômico a sua representação jurídica e ademais por que no espírito de mais de um, ela se confunde com o aumento dos monopólios, com a estatização crescente dos serviços públicos, e com todas as outras fantasmagorias do socialismo de Estado, sempre renascente, cujo único efeito é aumentar os meios econômicos de opressão nas mãos da classe de opressores” (Labriola, s/d, p. 15).
[2] É o que se percebe, por exemplo, da leitura de Sacristán (1969) e outros, que passam a interpretar Labriola a partir de Gramsci e assim realiza uma confusão e se afasta de uma compreensão mais profunda do primeiro.
[3] Uma leitura rigorosa (e crítica, ou seja, não dogmática ou fetichista, que pensa que a afirmação no escrito é o real, algo dado e pronto, ao invés de um produto social e histórico, o que significa cair no verbalismo criticado por Labriola, que não ultrapassa a superficialidade e não analisa o processo de gênese e significado dos termos no escrito) de Gramsci mostra sua inversão idealista da concepção marxista, como alguns partidários dele chegaram a reconhecer (Lacasta, 1981).
[4] O que se poderia dizer é que no Manifesto, Marx e Engels tenham avançado em alguns aspectos na posição já existente. Colocar dessa forma é algo muito problemático e que poderia justificar, tal como fez Althusser, uma separação entre jovem Marx e Marx da Maturidade (Althusser, 1979), algo que não se sustenta (Viana, 2007), ou a partir disto criar diversos critérios para definir quando surge o marxismo, tal como a defesa do autogoverno dos produtores que ocorre após a Comuna de Paris e foi manifesto em A Guerra Civil na França (Marx, 1986), ou a elaboração da teoria valor-trabalho, etc.
[5] Obviamente que, a partir de Hegel e sua obra A Ciência da Lógica (1999), alguns desavisados e desconhecedores da radical diferença entre a dialética hegeliana e a dialética marxista, pensaram que existiria uma lógica marxista (Lefebvre, 1979a; Plekhânov, 1989; Talheimer, 1979; Joja, 1965; Kopnin, 1978; Della Volpe, 1984; Prado Jr., 1979). Sem dúvida, até pensadores mais refinados, como Henri Lefebvre, caem nesse tipo de procedimento, mostrando que a dominância cultural atinge a todos, mesmo que em graus diferentes (tal como se vê nas diferenças entre estes autores). Assim, Lefebvre – sem desconfiar e questionar – fala de moral, política, filosofia, sociologia, economia “marxistas” (Lefebvre, 1979b), compartimentalizando o que estava unido em uma “teoria unitária”, para usar expressão de Labriola.
[6] Note-se que aqui aparece a tese semelhante à de Rosa Luxemburgo, Karl Korsch e Georg Lukács, da necessidade de aplicação do materialismo histórico a si mesmo (Viana, 2008).
[7] Uma exigência posta por Labriola e que ele tentou concretizar é a leitura aprofundada dos autores do Manifesto Comunista: “os escritos de Marx e Engels – para voltar a eles, que os principalmente considerados – foram alguma vez lido inteiramente por alguém externo ao grupo dos amigos e adeptos próximos, isto é, dos seguidores e intérpretes diretos dos autores mesmos?”(Labriola, 1969, p. 40).
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Artigo publicado originalmente em:
VIANA, Nildo. A Importância de Antônio Labriola para o Materialismo Histórico. Revista Enfrentamento. Ano 05, num. 09, jan./jul. 2010.

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